Buscar

CORRUPCAO_UM_DIALOGO_ENTRE_ESTADO_SOCIED

Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC 
CENTRO DE CIÊNCIAS DA ADMINISTRAÇÃO E SÓCIO-ECONÔMICAS – ESAG 
CURSO DE ADMINISTRAÇÃO EMPRESARIAL 
 
JHONATA ASSMANN 
CORRUPÇÃO: 
UM DIÁLOGO ENTRE ESTADO, SOCIEDADE E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 
 
FLORIANÓPOLIS – SC 
2013
 
JHONATA ASSMANN 
 
 
 
 
 
 
 
CORRUPÇÃO: 
UM DIÁLOGO ENTRE ESTADO, SOCIEDADE E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 
 
 
 
 
Relatório Final de Estágio Supervisionado 
apresentado como requisito para obtenção do 
grau de bacharel em Administração 
Empresarial pela Universidade do Estado de 
Santa Catarina - UDESC, Centro de Ciências 
da Administração e Sócio- Econômicas – 
ESAG. 
 
Orientador: Prof. Dr. Nério Amboni. 
 
 
 
 
 
 
 
 
FLORIANÓPOLIS – SC 
2013
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ASSMANN, Jhonata. Corrupção: um diálogo entre Estado, Sociedade e Administração 
Pública. Florianópolis. Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas – ESAG – 
Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, 2013, 64 fls. 
Tipo de Trabalho: Relatório Final de Estágio Supervisionado para graduação em 
Administração Empresarial 
 
História do Brasil. Teoria do Estado. Formalismo. Modelos de Administração Pública. 
Teorias da Corrupção. 
 
JHONATA ASSMANN 
 
 
 
CORRUPÇÃO: 
UM DIÁLOGO ENTRE ESTADO, SOCIEDADE E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 
 
 
Relatório Final de Estágio Supervisionado apresentado como requisito para obtenção 
do grau de bacharel em Administração Empresarial pela Universidade do Estado de Santa 
Catarina - UDESC, Centro de Ciências da Administração e Sócio- Econômicas – ESAG. 
 
Banca Examinadora 
 
 
 
Orientador: ________________________________________________________ 
Prof. Dr. Nério Amboni 
Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC 
 
 
 
 
Membro: __________________________________________________________ 
Prof. Dr. 
Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC 
 
 
 
 
Membro: __________________________________________________________ 
Prof. Dr. 
Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC 
 
 
 
 
Florianópolis – SC 
2013 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
Inicial e principalmente ao Prof. Dr. Nério Amboni, pelo suporte não apenas 
acadêmico, mas também por incentivar a abordagem de um tema tão desafiador e que merece 
maior atenção por parte da Academia. 
Também sou grato à minha irmã Cristina Assmann, pessoa de extraordinária 
personalidade e que, nos momentos de dificuldade, esteve a prestar ajuda de bom coração. 
Merece aplauso igualmente Paula Martins, acadêmica da Administração Empresarial 
da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pelo suporte desprendido e qualificado ao 
trabalho. 
Lucio Alberto Gomes Junior é um amigo motivador das boas conversas que mudam os 
rumos de trabalho acadêmicos como esse. 
 
 
 
RESUMO 
 
 
ASSMANN, Jhonata. Corrupção: um diálogo entre Estado, Sociedade e Administração 
Pública. Florianópolis. Relatório Final de Estágio Supervisionado. Centro de Ciências da 
Administração e Socioeconômicas – ESAG – Universidade do Estado de Santa Catarina – 
UDESC, 2013. 
 
A corrupção é fenômeno complexo e multidisciplinar. Se por um lado só com o advento de 
organizações políticas modernas como o Estado pode-se falar de coisa pública em seu sentido 
estrito, por outro uma sociedade como a brasileira importou tecnologias políticas para as quais 
não tinha base consuetudinária que as fizesse aplicáveis sem que fossem objetos estranhos à 
realidade política nacional (Ramos). Essa discrepância culminou em estruturas típicas de 
sociedades prismáticas (Riggs), onde se verifica uma distensão entre as normas postas às 
condutas que visavam a regular. O formalismo surge, nesse contexto, como solução possível 
(Ramos) para situações de adequação realidade-norma. O contexto histórico conduz, dessa 
maneira, a um arranjo institucional cuja ineficiência culmina, entre outros, em um ambiente 
propício ao desvio da coisa pública em prol de um particular (corrupção). Modelos de 
Administração surgem como resposta à crise do modelo burocrático, propõem modernização 
do aparato estatal, contudo, apesar de trazerem novos meios de controle, aumentam a 
discricionariedade do agente público, elevando o risco de corrupção. Analisar medidas de 
combate à corrupção sem tratar desse conjunto de variáveis complexas é simplismo, mas 
enfocar demasiadamente no aspecto histórico e sociológico fortalece apenas o cunho retórico 
amplamente aceito de que corrupção é prejudicial ao desenvolvimento nacional (Theobald). 
Tal conclusão é correta, mas insuficiente para propor instrumentos capazes de inibir atos de 
corrupção, os quais devem ser melhor entendidos como atos racionais de busca por maior 
benefício em função de determinados custos (Pritzl). Custos, como probabilidade de punição, 
inibem atos corruptivos. Alguns paralelos com a gestão privada podem confirmar o acerto de 
medidas de combate à corrupção, como instrumentos de accountability. 
 
 
 
 
Palavras-chave: Organizações políticas; Estado moderno; formalismo; administração 
pública; corrupção. 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 8 
2 EVOLUÇÃO DAS COMUNIDADES POLÍTICAS ........................................................ 11 
2.2 TRIBOS COM GOVERNANTES ...................................................................................................... 12 
2.3 CIDADES-ESTADO ........................................................................................................................ 13 
2.4 IMPÉRIOS ..................................................................................................................................... 14 
2.5 O ESTADO MODERNO ................................................................................................................. 15 
3 BRASIL: DESENVOLVIMENTO POLITICO-CONSITUCIONAL ............................ 18 
3.1 PERÍODO COLONIAL .................................................................................................................... 18 
3.2 PERÍODO MONÁRQUICO ............................................................................................................. 21 
3.3 PERÍODO REPUBLICANO .............................................................................................................. 22 
3.3.2 Revolução de 30 ................................................................................................................... 23 
3.3.3 Estado Novo ......................................................................................................................... 24 
3.3.4 A Redemocratização ............................................................................................................. 24 
3.3.5 A Ditadura Militar ................................................................................................................. 25 
3.3.6 A Nova República e a Constituição de 1988 ......................................................................... 26 
3 FORMALISMO ................................................................................................................... 28 
3.2 O SENTIDO ESTRATÉGICO DO FORMALISMO SEGUNDO RAMOS ............................................... 30 
3.3 FORMALISMO E CONSTRUÇÃO NACIONAL ................................................................................. 31 
4 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: MODELOS ORGANIZACIONAIS .......................... 34 
4.1 MODELO BUROCRÁTICO ............................................................................................................. 34 
4.2 GERENCIALISMO .......................................................................................................................... 36 
4.3 GOVERNANÇA PÚBLICA...............................................................................................................38 
5 CORRUPÇÃO ..................................................................................................................... 40 
5.1 A CONTRIBUIÇAO DE PRITZL ....................................................................................................... 40 
5.1.1 Enfoque da nova teoria institucional ................................................................................... 41 
5.1.2 Possíveis metodologias para combater a corrupção e o rent-seeking ................................. 42 
5.1.3 Modificações estruturais para combater a corrupção ......................................................... 45 
5.2 A CONTRIBUIÇÃO DE THEOBALD ................................................................................................ 48 
5.2.2 Campanhas de expulsão ....................................................................................................... 50 
 
5.2.3 Procedimentos jurídico-administrativos (Legal administrative measures) ......................... 51 
5.2.4 Despolitização ...................................................................................................................... 52 
5.2.5 Rearmamento moral (moral re-armament) ......................................................................... 52 
5.2.6 Accountability ....................................................................................................................... 54 
5.3 A CONTRIBUIÇÃO DE GONÇALVES DA SILVA ............................................................................... 55 
6.4 DIÁLOGO...................................................................................................................................... 58 
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 61 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 62 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
Pritzl (2000) orienta para o estudo multidisciplinar do tema corrupção, não podendo-se 
restringir sua análise apenas a aspectos políticos, ou econômicos: o sucesso de sua 
compreensão depende de um olhar multifacetado, capaz fugir de abordagens consensuais e 
retóricas, como a de que somos corruptos, todo político é corrupto. 
Um administrador deve estar atendo ao ambiente externo que o cerca. Faz parte da 
análise de viabilidade de um negócio, do desenvolvimento de um plano de negócios ou 
planejamento estratégico uma atida observação do ambiente (Umwelt). 
 
Todas as organizações operam em um macroambiente modelado por influências que 
emanam da economia como um todo, da demografia populacional, dos valores da 
sociedade e dos estilos de vida, da legislação e da regulação oficiais, dos fatores 
tecnológicos e, mais perto de sua atuação, do setor e da arena competitiva em que 
opera. Em termos estritos, o macroambiente inclui todos os fatores e influencias 
relevantes externos aos limites da empresa (THOMPSON, 2011, ps. 49-50). 
 
Para Concconello e Ajzental (2008), compõem o ambiente geral as variáveis 
demográfica, sociocultural, econômica, tecnológica, político-legal, e natural. 
A) Os conjuntos de crenças e percepções que as pessoas têm de si mesmas, das outras 
pessoas e organizações, da sociedade, dentre outros aspectos socioculturais afetam e 
moldam o ambiente no qual a organização esta inserida. 
B) O ambiente demográfico é entendido pelo perfil das pessoas que constituem 
determinada população como taxa de crescimento da população, distribuição de faixas 
etárias, expectativa de vida, renda, entre outras. 
C) Ambiente econômico é o apanhado de informações relativas ao poder de compra, 
componentes de renda, preços dos produtos e serviços, nível de poupança e de 
endividamento, além de diversos outros aspectos que integram a análise do ambiente 
econômico. 
D) A tecnologia é uma das principais alavancas do aumento de produtividade, afetando a 
taxa de crescimento da economia de forma direta. Ela também é uma das maiores 
promotoras de inovações e alterações no mercado. 
E) O ambiente político-legal é formado por leis, órgãos governamentais e grupos de 
pressão. As leis influenciam e restringem a ação das organizações e dos indivíduos. 
Sobre as maneiras como estes fatores podem afetar as empresas, tem-se que: 
 
9 
 
O componente de ação indireta do ambiente externo afeta a organização de duas 
maneiras. Primeiro: algumas forças podem ditar a formação de um grupo que 
eventualmente se torne um stakeholder. Segundo: os elementos de ação indireta 
criam um clima – uma tecnologia que muda rapidamente, crescimento ou declínio 
econômico, mudanças nas atitudes com relação ao trabalho – no qual a organização 
existe e ao qual precisa, em última instância, reagir. (STONER E FREEMAN, 1995, 
p. 55). 
 
Em países impregnados por amplos espaços de corrupção, como o Brasil, normas 
jurídicas e o funcionamento de determinadas instituições não devem ser, sob pena de 
ignorância da realidade, tomados de maneira literal. Exemplo: um empreiteiro entrante no 
mercado da construção civil em Florianópolis terá as mesmas oportunidades que outras 
empresas “bem relacionadas” com o poder público, ou cujas famílias fazem parte do aparato 
estatal? Duas empresas, aparentemente com a mesma penetração de marcado, mesma 
eficiência e competitividade (Wettbewerblichkeit), estão realmente pari pasu à luz de um 
estudo do ambiente externo que pretere variáveis reais como a corrupção e o rent-seeking? A 
resposta é, evidentemente, negativa. Talvez seja merecedor de estudo posterior o otimismo de 
planos de negócio que preterem variáveis reais como corrupção e cujo resultado seja um 
(aparentemente) inexplicável fracasso. 
Dito isso, procura-se defender a necessidade de estudo do fenômeno da corrupção por 
um acadêmico de Administração Empresarial: seja sob o ponto de vista da 
multidisciplinariedade que permeia o tema, seja porque administradores devem tomar esse 
variável no estudo do ambiente externo em seu planejamento. 
O objetivo central desse trabalho é, a partir de uma análise do Estado, sociedade e 
Administração Pública, forjar um arcabouço para discutir novas correntes de estudo do 
fenômeno corruptivo e buscar, a partir desse diálogo teórico, enunciados cuja validade 
permita orientar um aperfeiçoamento institucional. 
A hipótese básica é de que é possível, a partir desse diálogo, formular assertivas cuja 
validade possa contribuir para o arranjo de instituições públicas menos suscetíveis a atos de 
corrupção. Busca-se, secundariamente, questionar a eficácia de algumas praxis ou ferramentas 
de combate à corrupção. 
A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica e a pesquisa documental. A 
pesquisa bibliográfica teve por objetivo levantar junto a livros e periódicos os argumentos dos 
estudiosos da área em relação a Estado, corrupção, formalismo e Administração Pública. 
Também foram pesquisados documentos com dados e informações sobre os assuntos 
avaliados. Trata-se de um estudo bibliográfico acompanhado de comentários do estagiário 
referendados por argumentos de autores reconhecidos no âmbito nacional e internacional. 
10 
 
O presente trabalho não se pretende exaustivo em sua abordagem acerca do tema 
corrupção, Estado, sociedade ou Gestão Pública, até porque descrever a evolução das formas 
de organização política, assim como o desenrolar histórico-constitucional brasileiro em vinte 
páginas traz como resultado limitações de abordagem, simplificações e omissões de 
determinados contextos. Contudo, e por esse motivo pretende-se ver perdoadas essas 
restrições, acredita-se necessária para um melhor entendimento do fenômeno da corrupção um 
retrato, ainda que um tanto cru, da formação institucional brasileira. 
Sumariamente, no primeiro capítulo traça-se o desenvolvimento das comunidades 
políticas. 
Um segundo capítulo é dedicado à evolução político-constitucionalbrasileira desde as 
capitanias hereditárias até o Estado Democrático de Direito regido pela atual Constituição da 
República Federativa do Brasil de 1988. 
No terceiro capítulo, descreve-se a abordagem de formalismo no contexto brasileiro de 
acordo com Ramos, que dialoga com Riggs e seu modelo de sociedade prismática. 
O quarto capítulo trata dos modelos de Administração Pública: o burocrático, o 
gerencial de governança segundo Secchi. 
O quinto e último capítulo trata especificamente do tema corrupção em um diálogo 
com os capítulos precedentes e autores como Theobald, Pritzl e Gonçalves da Silva na busca 
de obterem-se conclusões e revisitar assertivas comumente tangentes à temática da corrupção. 
2 EVOLUÇÃO DAS COMUNIDADES POLÍTICAS 
 
Embora se tome no presente trabalho a ideia de Estado moderno, composto de um 
governo soberano ao qual se submete determinado povo em um dado território - modelo 
político hegemonicamente predominante na ampla maioria dos países do mundo atual – faz-se 
necessária uma abordagem histórica que contextualize esse modelo de Estado. 
“Estado é uma entidade abstrata que não se pode ver, ouvir ou tocar. Essa entidade não 
é idêntica aos governantes nem aos governados; [...] nem mesmo todo o conjunto de cidadãos 
pode declarar o que é o Estado” (VAN CREVELD, 2004, p. 1). 
Para Van Creveld (2004), o Estado poder-se-ia comparar a uma corporação. Tal como 
um sindicato ou igreja, e à sua semelhança, teria diretores, funcionários e acionistas. Contudo, 
o Estado enquanto corporação divergiria das demais, uma vez que 
 
ele autoriza todas, mas só é autorizado (reconhecido) por outros de mesma espécie; 
em segundo lugar, o fato de certas atribuições (conhecidas coletivamente como 
atributos de soberania) estão reservadas somente a ele; e, em terceiro lugar, de que 
exerce essas funções sobre determinado território, dentro do qual sua jurisdição é 
tanto exclusiva quanto abrangente (VAN CREVELD, 2004, p. 1). 
 
Houve, entretanto, em outros períodos históricos, predomínio de diferentes 
comunidades políticas que não Estado dentre as quais se destacam: a) as tribos com ou b) sem 
governantes, c) cidades-Estado e d) impérios. 
 
2.1 TRIBOS SEM GOVERNANTES 
 
Van Creveld (2004, p. 2) aponta como ponto de identidade entre as diversas tribos 
espalhadas pelo mundo, desde os esquimós do Alasca até os aborígenes australianos, o fato de 
que, “dentre elas, o ‘governo’ começava e terminava dentro da família estendida, linhagem ou 
clã.”. 
Toda a fonte de autoridade emanava dos laços de parentesco. A posição social é 
determinada pelo gênero e idade. Ademais, “todo homem adulto era considerado, e se 
considerava, igual a todos os outros; ninguém tinha o direito a dar ordens a ninguém” e as 
tarefas públicas, aquelas que estivessem acima das capacidades do grupo familiar, essas 
seriam realizadas “por um líder e seus seguidores” (VAN CREVELD, 2004, p. 2) 
Tampouco havia lei em seu sentido formal: emanada de um corpo legislativo, 
submetida a determinados ritos. Havia, sim, costumes, regras religiosas e mágicas. 
12 
 
A ausência de Estado significava também menos guerras. Em algumas sociedades 
mais isoladas e menos complexas raramente havia guerra; em vez disso, as disputas se 
resolviam em combates ritualizados (VAN CREVELD, 2004, p. 9). 
 
2.2 TRIBOS COM GOVERNANTES 
 
Nessas comunidades políticas havia a figura dos chefes, membros que avocavam o 
direito de governar os demais, direito esse fundado, na ampla maioria das vezes, em uma 
alegada ascendência divina. 
 
[...] a sociedade era geralmente dividida em duas camadas ou classes. Primeiro vinha 
o grupo privilegiado, pequeno em relação à população total e composto por 
membros da família estendida, da linhagem ou clã do chefe. Gozavam de direitos 
especiais, tais como acesso ao chefe, compensação muito mais alta em caso de 
ferimento ou morte e imunes a certos tipos de punição consideradas degradantes. 
Quase sempre se distinguiam pela permissão de usar insígnias ou trajes especiais, 
ou, em regiões onde o clima era favorável e o traje não tinha importância, tatuagens. 
[...] Abaixo da linhagem, do clã ou da tribo real, havia uma classe muito mais 
numerosa de plebeus - como os trabalhadores ou thétes da Grécia antiga [...]. 
Estavam sujeitos a diversos tipos de discriminação, entre elas, não ter permissão 
para possuir gado [...]. Se fossem feridos ou mortos por membros da sociedade alta, 
podia ser que eles ou sua família recebesse uma pequena indenização, mas às vezes 
não recebia nenhuma [...]. Em especial na África, com sua longa história de 
migrações, assentamentos e conquistas tribais, era comum que governantes e 
governados pertencessem a grupos étnicos diferentes (VAN CREVELD, 2004, p. 
19). 
 
Se vasto o território, o chefe delegava parte do seu poder de comando para subchefes 
regionais, cuja lealdade procurava reforçar pela formação de laços familiares e pela 
distribuição de riqueza pessoal ou decorrente de espólio de guerra. 
Sua riqueza advinha da tribo. “Assim, as chefias se tornaram as primeiras entidades 
políticas a instituírem aluguel, tributos ou impostos [...], em outras palavras, pagamentos 
compulsórios e unilaterais que tiravam os bens das mãos dos muitos governados e os 
concentravam nas mãos dos poucos governantes” (VAN CREVELD, 2004, p. 23). 
Embora parte dessa riqueza fosse utilizada pelo chefe, ou depositada em sua 
propriedade, “a riqueza era utilizada, sobretudo, para conquistar e manter adeptos; constituiu, 
portanto, a base para instituição, o exercício e o aumento de todos os tipos de poder”. (VAN 
CREVELD, 2004, p. 27) 
Uma organização mais estruturada e com capacidade de ação coordenada eram 
vantagens que as tribos com chefia possuíam em relação às sem governantes, o que, contudo, 
não lhas rendeu, no mais das vezes, perdurar mais do que algumas gerações. Isso porque 
13 
 
havia um problema inerente, que as destruía: poligâmicas por excelência, essas tribos abriam 
margem a uma disputa sem limites pelo poder quando da sucessão do chefe. 
 
2.3 CIDADES-ESTADO 
 
Diferentemente das tribos com ou sem chefes – predominantemente rurais ou nômades 
– aqui se fala já em cidades, “assentamento permanente cujas casas são construídas de 
material durável, como pedra e tijolo. Contém um templo, um mercado – como a ágora grega 
e o fórum romano -, um ou mais prédios exclusivos do governo” (VAN CREVELD. 2004, p. 
29). Dominava-se a escrita, manufatura e comércio, o que permitia um afastamento de parcela 
considerável da população das atividades rurais de plantio e colheita. 
Sua evolução deu-se, segundo, van Creveld, por haver, diferentemente dos impérios e 
idades feudais, um limite bem nítido entre as esferas privada e pública. Dentro do lar as 
relações fundavam-se na propriedade exercida pelo pater-familia. Fora do lar, ao seu turno, 
havia governo, ou autoridade política (ps. 32 e ss.). 
Exemplo outro da separação entre governo e propriedade deu-se na polis grega de 
Dreros, onde, em XVII a. C., o magistrado kósmos não poderia exercer o cargo uma segunda 
vez antes de decorridos dez anos: o cargo é temporário, e a pessoa prosseguirá sua vida 
privada após exercê-lo. 
O órgão de governo mais importante era a assembleia popular, cujas funções precípuas 
eram a) aprovar leis, b) dar palavra final em questões de guerra e paz e c) eleger magistrados. 
Os magistrados, por sua vez, eram responsáveis pelos assuntos cotidianos da cidade, 
tais como convocar a assembleia, assumir o comando de guerra, exercer justiça e manter a 
ordem interna. 
Terceiro órgão que compunha o governo da cidade-Estado era a câmara. Suas funções 
eram preparar projetos de lei para apresentação na assembleia, bem como atuar como 
corregedores dos magistrados. 
Não havia um sistema jurídico unificado: havia tribunais dispersos e independentes. 
Reuniam-se funcionários diariamente e, à guisa dos juradosdo atual sistema jurídico 
brasileiro, sem formação específica, tomavam suas decisões. 
 A despeito de um sistema jurídico difuso, havia uma separação entre o poder 
executivo e o judiciário, o que não se verificava nas comunidades tribais com ou sem chefia, 
ou mesmo nos impérios (apenas nos Estados modernos). 
14 
 
Dada a rotatividade nos cargos públicos, e o elevado grau de envolvimento dos 
cidadãos com a coisa pública, as cidades-Estado não dispunham de grandes máquinas 
administrativas; tampouco havia recebimento de salário para o exercício e função pública. 
O mesmo aplicava-se às forças armadas: ao fim da guerra soldados e oficiais 
dispersavam-se, não havendo espaço, na ampla maioria dos casos, para o desenvolvimento de 
um espírito armamentista. 
Consequentemente à ausência de uma burocracia ou força militar regulares, salvo 
exceções como guerra, não havia uma tributação direta dos cidadãos e as despesas do governo 
eram mantidas por tributos de mercado, multas e taxas do sistema judiciário e nas liturgias, 
“contribuições feitas pelos ricos para fins específicos”. Podia ser a construção de edifício 
público, construção de um ginásio ou mesmo a manutenção de um navio de guerra (VAN 
CREVELD, p. 46). 
Com uma vida política muito mais organizada, se comparadas às tribos, as cidades-
Estado apresentavam um ponto sensível que as tornaria presa fácil a impérios expansionistas: 
elas eram pequenas – apenas um determinado povo, com identidade cultural e religiosa, assim 
como ascendência comum, compunha basicamente tais comunidades políticas. Exemplo é 
Atenas, a maior delas: em seu apogeu, contava com uma população de não mais que 250 mil 
habitantes, dos quais apenas 40 mil cidadãos. 
 
2.4 IMPÉRIOS 
 
Impérios são grandiosos por excelência: alguns são milenares, como o chinês, outros 
eram imensamente vastos, como o inca. Houve, como o Império Romano, aqueles que 
surgissem de cidades-Estados; os como o inca e asteca, ao seu turno, cresceram dada a 
capacidade bélica de seus líderes. “Ideologicamente falando, a maioria dos impérios elaborou 
doutrinas cuja finalidade era conformar os súditos em sua obediência ao poder constituído” 
(VAN CRAVELD, 2004, p. 55). 
O imperador era absolutista: comandava em bloco unitário, centralizando as funções 
legislativa, executiva e judiciária e podia, para van Creveld (2004, p. 57), tudo: “podia fazer 
qualquer coisa com seus súditos, ao passo que qualquer crueldade que ele escolhesse não lhes 
infligir contava como indulgentia da parte dele”. 
Lastreavam o governo imperial eram o exército e a burocracia. O exército incumbia, 
além de sua função precípua, a guarda da capital e força policial responsável pelo trato com os 
levantes internos, de acordo com van Creveld (2004). 
15 
 
Embora se buscasse evitar a formação, nas funções burocráticas, de uma aristocracia 
hereditária - com vistas a impedir centros descentralizados de poder – as tais eram 
precipuamente ocupadas por pessoas de elevada classe elevada social, e a eles cabia, 
sobretudo, a coleta de impostos, atividade estratégica para o Império. 
Note-se que, na ausência de Estado abstrato, as riquezas eram propriedade do 
imperador. 
 
O poder absoluto do imperador e a ausência de qualquer distinção entre o público e 
o privado significavam que a única instituição mais ou menos protegida contra a 
interferência arbitrária era a religião ou Igreja estabelecida. Esta geralmente tinha 
um sistema de tributação paralelo ao do próprio imperador (VAN CREVELD, 2004, 
p. 65) 
 
Toda essa concentração de poder teve, contudo, seu preço. Com o avanço territorial 
dos impérios, as regiões mais distantes se distanciariam cada vez mais do poder central. 
Tomava-se conhecimento de levantes dias, semanas ou mesmo meses depois de ocorrerem. 
Muitos burocratas locais, aliados a líderes regionais e membros do exército não mais 
se sentiam vinculados, e estabeleciam feudos militarizados, onde viveriam com uma 
população vassala. 
 
Quando todos os senhores se puseram a lutar para emancipar seus domínios, o 
sistema centralizado de coleta de informações, de transportes e de defesa se 
deteriorou e se desintegrou. Desapareceram as burocracias - e, em grande parte, a 
cultura letrada necessária entre as classes não-religiosas -, os serviços postais, os 
recenseamentos e até mesmo os mais elementares meios de transporte [...] As forças 
armadas regulares também se dissolveram [...] os direitos que antes pertenciam ao 
imperador, tais como o usufruto dos recursos econômicos (minas, florestas, etc.), a 
tributação e a cunhagem de moedas, se dissiparam e passaram às mãos de inúmeros 
lordes e barões (VAN CREVELD, 2004, ps. 73-74). 
 
Surgia assim o feudalismo, em cuja resposta e avanço culminou o Estado moderno, ao qual se 
dedicará a análise a seguir. 
 
2.5 O ESTADO MODERNO 
 
“Estado” enquanto conceito que exprime ordem pública distinta tanto do governado 
quanto do governante, com instituições altamente centralizadas e cujo exercício de poder 
sobre os habitantes dá-se um território definido aparece século XVI. (MORRIS, 2005). 
Anteriormente 
 
16 
 
A organização “política” na Europa medieval era complexa, e o poder “político” era 
altamente fragmentado e descentralizado. Os deveres de obediência eram muitos, 
amplamente pessoais, e nenhuma hierarquia clara na autoridade política era 
discernível. O governo não era territorial; era largamente exercido sobre pessoas, na 
qualidade de indivíduos ou de cristãos. A complexidade das relações de autoridade 
indica que o controle não era, em sua maioria, “direto”, e as instituições não 
“penetravam” a sociedade da maneira característica de nossos Estados. Não havia 
organizações políticas “auto-suficientes”, e, consequentemente, não havia “relações 
internacionais”. O Estado moderno não existia. (MORRIS, 2005, p. 63) 
 
Para Morris (2005), a territorialidade do governo não é compatível com a natureza 
pessoa das relações políticas, como a servidão entre indivíduos tampouco com o poder 
compreendido como posse individual dos governantes. 
Se nos impérios o governo é tipicamente indireto e considerável parcela de poder é 
delegado às autoridades e administradores locais, no mundo moderno o governo torna-se 
direto; cada cidadão e todos os cidadãos são governados pelo soberano ou o Estado, sem 
mediação, o que traduz sua extensiva autoridade (MORRIS, 2005, p. 67) [grifo nosso]. 
 
Os Estados não somente reivindicam o poder final dentro de seus domínios, como 
também proclamam independência um dos outros (“soberania externa”). Ao rejeitar 
a autoridade de papas e imperadores, os soberanos firmaram a autonomia de outros 
Estados. Não apenas o Estado é o autor de suas próprias leis – o significado 
etimológico de auto-nomos – como as leis dos outros não tem direito algum sobre 
isso. (MORRIS, 2005, p. 70) 
 
Morris (2005, p. 74) traz a definição de Weber: “um Estado é uma comunidade 
humana que (com sucesso) reivindica o monopólio do uso legítimo da força física dentro de 
um dado território”, o que tornaria O Estado distinto de gangues ou das agências de proteção, 
na medida em que reivindica para si o monopólio da força e o direito exclusivo de determinar 
quem pode legitimamente usá-la. 
O Estado moderno, em seus diversos aspectos inter-relacionados, aparece, no período 
medieval e no início da história moderna, na forma de uma nova e complexa forma de 
organização política, caracterizada em função de variáveis como: 
 
Continuidade no tempo e no espaço. O Estado moderno é uma forma de 
organização política cujas instituições resistem ao tempo; especialmente, sobrevivem 
a mudanças de liderança e de governo. É a forma de organização política de um 
território definido e distinto. 
Transcendência. O Estado moderno é uma forma particular de organização política 
que constitui uma ordem pública unitária, distinta de e superior a governados egovernantes e passível de representação. As instituições associadas com os Estados 
modernos – em particular, o governo, o judiciário, a burocracia e as forças 
armadas – não constituem em si mesmas o Estado; são seus agentes. 
Organização política. As instituições por meio das quais o Estado atua – 
especialmente o governo, o judiciário, a burocracia e a política – são diferenciadas 
17 
 
de outras organizações políticas e associações. Elas são formalmente coordenadas 
entre si e relativamente centralizadas. As relações de autoridade são hierárquicas. O 
controle é direto e territorial, relativamente difundido e penetra na sociedade legal e 
administrativamente. 
Autoridade. O Estado é soberano, isto é, a derradeira fonte de autoridade política 
em seu território, e reivindica o monopólio sobre o uso da força legítima dentro 
deste território. A jurisdição de suas instituições se estende diretamente a todos os 
residentes ou membros desse território. Em suas relações com outras ordens 
públicas, o Estado é autônomo. 
Compromisso de fidelidade. O Estado espera e recebe lealdade de seus membros e 
dos habitantes permanentes de seu território. A lealdade que ele tipicamente espera e 
recebe assume precedência sobre aquela lealdade anteriormente devida a família, 
clã, comuna, nobreza, clero, papa ou imperador. Os membros de um Estado estão 
sujeitos às suas leis e têm obrigação geral de obedecê-las, em virtude de sua 
qualidade de membro (MORRIS, 2006, ps. 76-77) [grifo nosso]. 
 
Portanto, para Morris (2006), Estados modernos são um modus organização política 
que reivindicam soberania sobre os seus domínios e independência de outros Estados. 
Como organização política predominante no mundo contemporâneo, bem como resultado, 
em parte, do fracasso de outras formas de coordenação da vida social, o Estado apresenta 
desafios. Entidades supraestatais, como a União Europeia, implicam em cessão de parte da 
soberania nacional, e parece haver um jogo de forças entre aqueles Estados mais ou menos 
favorecidos – e representados - nas instancias internacionais que se apropriam das 
soberanias nacionais. Outro ponto merecedor de atenção é a capacidade de reação dos 
Estados a problemáticas tranfronteiriças como terrorismo e poluição. 
A corrupção, enquanto apropriação da coisa pública para fins privados, é igualmente 
problema de caráter transnacional, mas afeta o Estado em seu propósito de eficiência e 
justiça, dois de seus elementos legitimadores de existência. Se a alocação de recursos se dá 
em detrimento das necessidades reais da população em favor de interesses escusos, não há 
redistributividade e o Estado escapa ao seu fim. É por motivos que tais não ser possível 
discutir corrupção sem discutir o Estado. Em países certos países, o inverso é igualmente 
verdadeiro. 
3 BRASIL: DESENVOLVIMENTO POLITICO-CONSITUCIONAL 
 
Em nove de março de 1500, no contexto da Revolução Comercial e sua política 
expansionista em busca de regiões para o além-mar europeu que fornecessem matéria-prima e 
fossem consumidores dos produtos das metrópoles, descobriu-se o que hoje Brasil. 
As três décadas posteriores ao descobrimento foram, afora os franceses e seu interesse 
pelo pau-brasil, de nada muito diferentes do período antecedente à descoberta: diversas 
comunidades indígenas povoavam o vasto território, cada qual com suas tradições 
procedimentos. Por isso, toma-se neste trabalho, como ponto de partida para o estudo da 
evolução político-constitucional brasileiro o advento das capitanias hereditárias. 
 
3.1 PERÍODO COLONIAL 
 
Pode-se dizer, então, que a colonização do Brasil começou efetivamente pela 
organização das capitanias hereditárias, sistema consistente na divisão do território colonial 
em doze porções confrontantes com o oceano e com os limites do Tratado de Tordesilhas. Ã 
falta de recursos públicos para a povoação, doou-se a particulares as capitanias vitalícias 
àqueles decididos a morar no Brasil e capazes de colonizá-lo e defendê-lo. 
Embora poucas dessas capitanias tivessem obtido êxito, foram relevantes na medida 
em que criaram núcleos de povoamento e formação de centros de interesse econômico e 
social, ainda que de forma esparsa, o que efetivamente influiu na estrutura do futuro Estado 
brasileiro. 
Os donatários de tais capitanias exerciam tanto poder de legislação, quanto de 
julgamento e execução, ou seja, dispunham de poder quase absoluto e tinham interesses 
meramente exploratórios. 
Pouca integração havia entre as capitanias. Por isso, para Silva (2008, p. 70), instituía-
se de maneira difusa a jurisdição cível e criminal e “a dispersão do poder político e 
administrativo era assim, completa, sem elo que permitisse qualquer interpenetração, salvo 
apenas a fonte comum que era a metrópole”. 
Apenas com a chegada Tomé de Souza, o primeiro Governador-Geral, em 1559, 
houve a introdução de um elemento unificador à colônia brasileira, 
Funda-se a primeira capital do país, Salvador, além da chegada dos únicos educadores 
do tempo colonial: os jesuítas. No plano político, surgem os Regimentos do Governador-
Geral, os quais 
19 
 
 
têm, de fato, a maior importância para a história administrativa do país: 
antecipavam-se às cartas políticas, pelo menos na delimitação das funções e no 
respeito exigido das leis, foros e privilégios, atenuando o arbítrio, fixando a ordem 
jurídica (CALMON apud SILVA, 2008, p. 70) 
 
Foram legítimas cartas organizatórias do regime colonial, que conferiram ao 
governador-geral poderes atinentes ao governo político e militar. 
Permanecia, entretanto, uma dispersão no poder político da colônia. Em 1596, dividiu-
se o país em Estado do Brasil e Estado do Maranhão, divisão essa que durou cinco anos. 
Determinados interesses, em especial de ordem econômica, resultaram em uma dispersão 
ainda maior dentro desses Estados, cada vez mais vinculados a administrações regionais e 
locais. 
Passada essa cisão de Brasis, permaneciam governos de autoridades locais, 
subordinados, em tese, ao governo-geral da capitania, mas que acabaram por tornar-se 
praticamente autônomos, perfeitamente independentes do poder central. 
Nessa estrutura de distribuição de poder, eram os capitães-mores aqueles a exercer as 
competências estatais típicas e a promover a manutenção do status quo: assemelhavam-se 
assim, à figura do senhor feudal. 
Novais descreve o que Frei Vicente experimentava na Salvador colonial: e a ausência 
de Estado e de uma sociedade organizada. 
 
Notava as cosias e via que pedia para comprar um frangão, quatro ovos e peixe para 
comer, e nada lhe traziam, porque não havia praça, nem açougue, e se mandava 
pedir as ditas coisas e se mandava pedir as ditas coisas e outras mais às casas 
particulares, lhas mandava. Então disse o bispo: verdadeiramente que nesta terra 
andam as coisas trocadas, porque toda ela não é república, sendo-o cada casa (1997, 
p. 130). 
 
Novais aponta ser a organização municipal, que se desenrolava no cenário de 
descentralização política da época, autêntico elemento de transposição do poder econômico 
para o poder político (especialmente em regiões agrárias), isso porque apenas os “homens 
bons de terra” poderiam ter vida política ativa no âmbito da administração pública, seja no 
Senado da Câmara seja na Câmara Municipal (2008, p. 72). 
Para além da sociedade agroaçucareira, latifundiária e escravagista, houve o 
desenvolvimento, em torno das cidades participantes do ciclo da mineração, de uma sociedade 
urbana, com comerciantes, artesãos e intelectuais. Nessas regiões, sobretudo em Minas 
Gerais, Mato Grosso e Goiás, surgem inquietações sociais em torno do arroxo promovido por 
Portugal para aliviar suas finanças. 
20 
 
A derrama, por exemplo, era meio instituído para ser usado sempre que a arrecadação 
não atingisse o mínimo estabelecido por Portugal e toda a população pagava a diferença, 
inclusive com o usode força militar. 
 
No início do século XIX o Brasil tem pouco mais de três milhões de habitantes (um 
milhão só de escravos). Sua situação econômica é lamentável: as minas exauridas, o 
comércio autorizado a negociar apenas com Portugal e a instalação de indústrias 
proibida desde 1785 por um decreto real (NOVAIS, 1997, p. 131). 
 
A esse cenário de instabilidade política, social e econômica soma-se a chegada da 
Coroa Portuguesa ao Brasil (ou sua fuga ante a iminente invasão do solo português): se é bem 
verdade que até 1815 o Brasil possui status de colônia ante a metrópole portuguesa, a 
mudança à categoria de Reino Unido a Portugal oportunizou-se com a chegada de D. João VI 
ao Brasil em 1808. 
 
O século XIX começou, no Brasil, em 1808, com a vinda da Coroa Portuguesa de 
Lisboa para o Rio de Janeiro. Embora se passassem quatorze anos até que fosse 
proclamada a independência do país – e pelo menos duas décadas até que fosse 
consolidada -, a presença da corte em terras americanas é daqueles acontecimentos 
históricos que, como poucos, marcam uma ruptura indiscutível: dali em diante, tudo 
seria diferente. E foi (GRINBERG; SALES, 2009, p. 11). 
Transferida a Família Reinante para o Rio de Janeiro, era preciso instalar as 
repartições, os tribunais e as comodidades necessárias a organização do governo; 
cumpria estabelecer a ordem, com a polícia, a justiça superior, os órgãos 
administrativos, que tinham até aí faltado à colônia. Assim se fez a partir de 1. de 
abril. Foram instituídos e criados o Conselho de Estado, a Intendência Geral de 
Polícia, a Mesa da Consciência e Ordens, (...) O Banco do Brasil, para auxiliar o 
Erário, Casa da Moeda, a Impressão Régia, etc. Abriram-se antes os portos, 
decretara-se a liberdade de indústria, possibilitara-se a expansão comercial (SILVA, 
2008, p. 72). 
 
A despeito dessa “onda modernizante” trazida pela Coroa Portuguesa ao agora Reino 
Unido a Portugal, seus efeitos mostrara-se um tanto tacanhos fora das cercanias do Rio de 
Janeiro, agora nova capital: três séculos de fragmentação político-administrativa, em um 
território vasto com o brasileiro, faziam do projeto português algo distante da realidade 
cotidiana da agora ex-colônia – faziam-se predominar os centros de poder locais sobre os 
interesses do “centro”. 
Além disso, já com a saída dos franceses de Portugal, inicia na cidade do Porto 
movimento em prol da volta da família real à península ibérica, fato que se confirma em 1821, 
com o retorno de d. João. 
Fica d. Pedro de Alcântara, o qual vê seus poderes de príncipe regente minguados por 
uma série de decretos do Parlamento de Lisboa. Não os acata d. Pedro e no dia 7 de setembro 
de 1822 declara a independência do Brasil. Mantém a monarquia e a escravidão. 
21 
 
 
As elites brasileiras que tomaram o poder em 1822 (apoiando D. Pedro) 
compunham-se de fazendeiros, comerciantes e membros de sua clientela, ligados à 
economia de importação e exportação e interessados na manutenção das estruturas 
tradicionais de produção cujas bases eram o trabalho escravo e a grande propriedade 
(VIOTTI DA COSTA, 2007, p. 11) [grifo nosso] 
 
Os filhos dessa elite estudavam nas melhores universidades europeias e tomaram para 
si ideais teóricos que emergiam no Velho Continente como o Liberalismo, Federalismo, 
Democracia e mesmo Constitucionalismo. Tal era um arcabouço da teoria política necessário 
para fazer cumprir, enquanto justificação ao interesse de verem-se livres dos julgos da Coroa 
e assumirem de vez o comando do país. 
 
3.2 PERÍODO MONÁRQUICO 
 
Desafiante era, então, desenvolver um modelo de Estado não absolutista, o que viria 
de encontro às novas ideias basilares do próprio processo de independência (ao menos em 
teoria, como visto), mas ao mesmo tempo atingir o objetivo de controlar os centros de poder 
locais. 
 
Proclamada a independência, o problema da unidade nacional impõe-se como 
primeiro ponto a ser resolvido pelos organizadores das novas instituições. A 
consecução desse objetivo dependia da estruturação do poder centralizador e uma 
organização nacional que freasse e até demolissem os poderes locais e regionais, que 
efetivamente dominavam o país, sem deixar de adotar os princípios políticos que 
estavam em moda na época (SILVA, 2008, p. 74). 
 
A solução é dada pela Constituição Imperial outorgada em 1824: surge, ademais dos 
três poderes típicos, um quarto, o Poder Moderador, sob a batuta do próprio Imperador, o qual 
tinha poder de revisão sobre os demais. Com o Poder Moderador poderia o Imperador 
suspender Magistrados ou mesmo dissolver a Câmara. Além do mais, era o Imperador o 
intérprete constitucional em última instância. 
As oligarquias regionais sedimentadas desde os tempos de colonização viam-se dessa 
forma pressionadas, o que representaria risco de perda de poder político. Diversas revoltas 
como a Sabinada, Balaiada, e a República Piratini fazem sentir o descontentamento dos 
liberais contra os mecanismos centralizadores. 
Para enfrentar os movimentos e revoltas populares, segundo Novaes (1997, p. 164), o 
governo cria a Guarda Nacional, uma tropa formada por proprietários rurais e seus seguidores, 
que recebem patentes militares. Serão os futuros “coronéis”. 
22 
 
Não é suficiente. A pressão internacional, sobretudo da Inglaterra, para que o Brasil 
abolisse a escravidão, assim como a propaganda republicana, idealizada pelos liberais 
descontentes com a centralização política, aliada aos novos barões do café – cuja mão de obra 
era de imigrantes europeus, conscientes de possíveis melhores condições de trabalho – e à 
diversificação da economia nacional enfraquecem um Império já combalido em dívidas 
decorrentes da Guerra do Paraguai e de inúmeras revoltas regionais: sessenta e cinco anos 
depois da Constituição de 1824 proclama-se a República. 
 
3.3 PERÍODO REPUBLICANO 
 
3.3.1 A velha República 
 
O Estado brasileiro adquire nova roupagem (mas os oligarcas, atores centrais, ainda 
são mesmos): em 1889 o pelo Marechal Deodoro da Fonseca declara proclamada a República, 
cujo princípio constitucional de estruturação do Estado é o federalismo, agora iluminado por 
um regime político pretensamente democrático. 
Estabeleceu-se, em 1891, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. 
Adotou-se, então, a República Federativa como forma de governo. As outrora províncias 
agora passavam a constituir Estados Unidos do Brasil. Vigia também, de acordo com a 
Constituição desse novo Estado brasileiro, o modelo presidencialista. Outra importante 
mudança foi a extirpação do quarto Poder, o Moderador, tomando-se como base o modelo 
montesquiano de tripartição dos poderes. 
Adota a Constituição, ainda, segundo Novaes (1997, p. 196),“ eleição direta para o 
executivo, mas o voto permanece ainda restrito ao círculo de cidadãos do sexo masculino, 
alfabetizados, maiores de 21 anos”. 
Problemática, contudo, a dissonância existente entre a constituição formal, aquela 
promulgada, e a constituição material, resultante do entrelace das forças econômicas e 
políticas da jovem República. 
 
Apesar das profundas mudanças constitucionais, a estrutura sócio-econômica 
permanece a mesma; a vida dos trabalhadores; a dependência do capital estrangeiro 
não muda; o sistema de produção não muda e a distância da população para o 
processo político não muda. Apenas uma coisa muda: os militares chegam ao poder 
(NOVAES, 1997, p. 196) 
 
23 
 
A grave crise econômica, a perda de apoio das forças armadas e criticas da imprensa 
levam o “pai da República”, Marechal Deodoro, a renunciar. Assume o vice-presidente, 
Floriano Peixoto, outro militar, considerado o “consolidador da República”, em deferência à 
mão firma que utilizara para estabilizar o estado de guerra civil então reinante no país. 
O terceiro presidente da República foi Prudente de Morais, pertencente às oligarquias 
que tramaram o processode proclamação da República. 
Para Silva (2008, p. 80), “o sistema constitucional implantado enfraquecera o poder 
central e reacendera os poderes regionais e locais, adormecidos sob o guante do mecanismo 
centralizador e unitário do Império”. 
Campos Sales, em sucessão a Prudente de Morais, com vistas a neutralizar esse 
problema, terminou por adotar a “política dos governadores”, consistente em um sistema de 
minorias deliberativas, cujo domínio pertencia aos governadores, os quais, ao seu turno, eram 
sustentados por “coronéis”. 
Para Silva (2008, p. 80), “o coronelismo fora o poder central e efetivo, a despeito das 
normas constitucionais traçarem normas formais da organização nacional com teoria de 
divisão de poderes e tudo”. 
Havia, portanto, uma constituição formal, escrita, e outra, material, ditada por uma 
política “café com leite”: São Paulo e Minas Gerais, principais polos econômicos do país, 
ditam as regras do jogo. Exemplo é a “Política de Valorização do Café”: ante a queda de 
preço no mercado internacional dessa commodity, o governo passa a comprar suas “sobras”, 
intervindo no mercado para garantir margens razoáveis aos cafeicultores. “São tempos em que 
a jovem oficialidade (e só a jovem) mostra sua insatisfação com as manobras do poder” 
(NOVAES; LOBO, 1997, p. 216) e, após a quebra da Bolsa de Nova York, o país enfrenta 
grave crise econômica. Washington Luís é deposto em 24 de outubro de 1930. A Velha 
República termina como começou: por um golpe Militar. 
 
3.3.2 Revolução de 30 
 
Getúlio Vargas iniciou a revolução, cuja plataforma de governo voltada para questões 
sociais, além de intervir nos Estados, afastando a influência dos coronéis, os quais desarma. 
Promulgada em 19.7.1934, a segunda Constituição da República Federativa do Brasil. 
Nessa nova carta constitucional, a qual manteve os elementos principais da primeira – 
a república, federação, regime representativo, presidencialismo e divisão dos poderes -, 
ampliam-se os poderes da União. 
24 
 
 
3.3.3 Estado Novo 
 
Com o golpe de Getúlio, rompe-se com os elementos fundamentais do Estado anterior 
– uma ditatura fora instalada, e aqui já não se fala mais em democracia, por exemplo. 
Rompidos tais valores, há um novo Estado, e com ele, nova constituição. 
Em 10.11.1937 outorga-se a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, que atribui 
amplos poderes ao Executivo, inclusive em sua atípica função legislativa – como 
consequência enfraquecendo o parlamento -, além de forte tendência de nacionalização e 
controle pelo Estado da economia. 
Contudo, para Silva (2008, p. 83), 
 
a carta de 1937 não teve aplicação regular. Muitos de seus dispositivos 
permaneceram letra morta. Houve ditadura pura e simples, com todo o Poder 
Executivo e Legislativo concentrado nas mãos do Presidente da República, que 
legislava por via de decretos-leis que ele mesmo aplicava, como órgão do Executivo. 
 
3.3.4 A Redemocratização 
 
Terminada a II Guerra Mundial, na qual o Brasil adotou posição contrária a regimes 
totalitários e ditatoriais como o da Alemanha de Hitler e da Itália de Mussolini, afigurou-se 
indelével um processo de redemocratização. Esse foi um dos motivos que culminou na 
deposição do então presidente Getúlio Vargas. Instalou-se uma Assembleia Constituinte, cuja 
inspiração foram as Constituições de 1891 e 1934 e que resultou na Constituição da República 
dos Estados Unidos do Brasil. 
A nova carta política do Estado brasileiro reanimava princípios como o da harmonia 
dos poderes e representativade, além de maior autonomia ao Poder Legislativo em detrimento 
do Poder Executivo. Sob sua égide, diversos presidentes governaram o país. Marca maior 
desse período regido foi, entretanto, grande instabilidade política, resultado da disputa entre as 
forças políticas. 
Silva (2008, p. 85) atribui a ineficácia constitucional e o fracasso do processo 
redemocratizante ao fato de ela ter-se voltado “às fontes formais do passado, que nem sempre 
estiveram conformes com a história real, o que constitui o maior erro daquela Carta Magna (a 
de 1946), que nasceu de costas para o futuro”. 
 
25 
 
3.3.5 A Ditadura Militar 
 
Uma Junta constituída por três ministros do então presidente Jango assume o país em 
nove de abril de 1964. Promulga-se o Ato Institucional, que atribui poderes de exceção ao 
Governo e suspende por seis meses direitos e garantias constitucionais (LOBO; NOVAES, 
1997). 
A intervenção militar rompe com a ordem constitucional vigente. Seu ápice deu-se 
com o ato institucional n. 5 (13/12/1968). Explicitamente violam-se direitos fundamentais tais 
como direitos políticos e direito de manifestação. Leia-se o art. 5 do AI-5, ipsis literis: 
 
A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, 
em: 
I - cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função; 
II - suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais; 
III - proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política; 
IV - aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança: 
a) liberdade vigiada; 
b) proibição de freqüentar determinados lugares; 
c) domicílio determinado, 
§ 1º - O ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá fixar restrições 
ou proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou 
privados. 
(...) 
 
Buscava-se legitimação desse Estado repressor por meio de campanhas ufanístico-
nacionalistas (“Brasil: ame-o ou deixe-o”) e também por um suposto “desenvolvimento 
nacional”. 
 
O crescimento do país, que irá até 1973, faz-se em cima das exportações, do arrocho 
salarial e do capital internacional, mas deve-se sobretudo à ação do Estado, que 
planeja a economia e tudo controla: poupança, créditos, impostos, etc. Por esses 
tempos as tempos as Bolsas de Valores do Rio de Janeiro e de São Paulo registram 
os maiores volumes de negócios de sias história. O mercado vai se definindo e fica 
claro que uma das razoes do golpe militar é o fortalecimento do sistema capitalista 
(para desestimular, inclusive, aventuras esquerdistas). A sociedade de consumo se 
faz com 20% da população nacional (LOBO; NOVAES, 1997, p. 275). 
 
Contudo, o rompimento com os valores democráticos e republicanos causou reação 
popular, reprimida com violência e tortura. Dependente do capital e inteligência 
internacionais, o país endivida-se especialmente após a crise do petróleo de 78. Endividado e 
sem o apoio da classe média, o grupo militar viu-se impelido a ceder às pressões populares e, 
a partir de Figueiredo, revogar os Atos Institucionais e iniciar um processo de transição 
política. 
26 
 
 
3.3.6 A Nova República e a Constituição de 1988 
 
Depois de vinte anos de ditadura (1964-1984), a pressão popular pela retomada de 
valores democráticos ganha força. Marcante é o pleito popular por eleições diretas a 
Presidente, movimento conhecido por “Diretas Já”. Anota Silva (2008, p. 88, cf “Um sistema 
de equilíbrio”, Jornal da Tarde, de 8.12.84, p.6), 
 
A Nova República pressupõe uma fase de transição, com início a 15 de março de 
1985, não qual serão feitas ‘com prid6encia e moderação, as mudanças necessárias: 
na legislação opressiva, nas formas falsas de representação e na estrutura federal, 
fase que ‘se definirá pela eliminação de resíduos autoritários’, e o que é mais 
importante, ‘pelo início, decidido e corajoso, das transformações de cunho social, 
administrativo, econômico e político que requer a sociedade brasileira. 
 
Tancredo Neves, eleito em 1501.1985, encabeçaria o novo momento político do 
Estado brasileiro. Faleceu, contudo, antes de assumir o cargo. Tomou posse, assim, seu vice, 
José Sarney, anteriormente ligado às forças políticas conservadoras que comandaram o país 
nos tempos de ditadura. 
A convocação da Assembleia Nacional Constituinte (tecnicamente houve um 
Congresso Constituinte,uma vez que convocados os membros da Câmara dos Deputados e 
Senado Federal) em 1.2.1987, culminou na elaboração da Constituição Federal de 1988, cuja 
base é bastante progressista: procura, especialmente em seus primeiros títulos, estabelecer 
garantias e direitos fundamentais dos cidadãos em face do Estado. Estatui em seu primeiro 
artigo: 
 
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos 
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de 
Direito e tem como fundamentos: 
I - a soberania; 
II - a cidadania; 
III - a dignidade da pessoa humana; 
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; 
V - o pluralismo político. 
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de 
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição [grifo nosso] 
 
Celebra-se neste ano o aniversário de vinte e cinco anos da promulgação da 
Constituição, ou seja, um quarto de século de democracia estável, a maior já vivida pelos 
brasileiros nestes quinhentos e tantos anos passados da “descoberta”. Grandes passos foram 
dados no sentido de instrumentalizar e garantir os direitos expressos da carta constitucional. 
27 
 
Permanece, contudo, imensa a disparidade entre a deontologia dos diplomas legais, que 
expressam, em última instância, o que se espera para país (aquilo que deve ser). 
Superado o período colonial, o Império, uma “República Velha” oligárquica e uma 
ditadura militar, enfrenta-se hoje o desafio de aperfeiçoar o funcionamento do Estado 
brasileiro para que ele concretize seus desideratos de justiça social, democracia e pluralismo. 
Aqui aparece relevante aventar o tema corrupção, a qual obstrui os canais de desenvolvimento 
dos Estados no mundo inteiro e, em especial, no Brasil. É por esse motivo que essa revisão do 
desenvolvimento político-constitucional canarinho faz-se necessário quando se pretende 
debater a problemática da corrupção: dissociá-la do discorrer histórico brasileiro – e de todas 
suas nuances – seria reducionismo leviano. 
Deve-se frisar que o caminhar histórico patrimonialista e oligárquico e pouco 
democrático não é justificativa única, mas certamente indispensável quando da discussão 
sobre corrupção no nosso país. 
3 FORMALISMO 
 
Conforme analisado no capítulo anterior, verifica-se na história política do Estado 
brasileiro uma discrepância entre o que é e o que deveria ser, entre as normas declaratórias de 
direitos e sua garantia, entre o funcionamento esperado da máquina pública e sua parca 
legitimidade enquanto resposta às demandas sociais. Esse desarranjo institucional foi 
estudado por Guerreiro Ramos no livro “Administração e contexto brasileiro: esboço de uma 
teoria geral da administração” sob o prisma do formalismo e é basilar desde capítulo. 
 
3.1 FORMALISMO E SOCIEDADE PRISMÁTICA 
Para estudar o fenômeno do formalismo, Ramos (1983) traz a classificação ecológica 
de Riggs, que propõe uma escala de três modelos: o concentrado, o prismático e o difratado 
 
à semelhança do que acontece quando a luz branca é decomposta nos diferentes 
matizes ou cores do espectro, teoricamente, a cada estrutura (social) corresponderia 
uma função distinta (funcionalmente específica). O modelo prismático se refere ao 
ponto médio entre dois extremos (RAMOS, 1983, p. 250). 
 
A sociedade prismática apresenta-se altamente heterogeneidade, “por nela coexistirem 
o antigo e o moderno, o atrasado e o avançado, o velho e o novo. Essa heterogeneidade se 
exprime materialmente, entre outras, sob a forma de mistura de elementos tecnológicos, 
modernos e antigos, urbanos e rurais” (RAMOS, 1983, p. 250). 
 
Na sociedade prismática, ainda que as funções sejam formalmente atribuídas a 
distintas unidades sociais, na prática, critérios familísticos interferem na 
administração, a economia é condicionada por fatores não econômicos, a política 
ultrapassa o que se presumiria ser o seu domínio próprio. O nepotismo, por exemplo, 
é um fenômeno de superposição muito corrente nas sociedades prismáticas. O 
nepotismo, apreciado quanto à incongruência entre norma e fato, é formalismo 
(RAMOS, 1983, p. 252) [grifo nosso]. 
 
Em sociedades com alto grau de formalismo, assevera Riggs apud Ramos (1983) há 
uma superposição de instituições e grande heterogeneidade social, o que acarreta aguda 
incongruência entre as instituições formalmente prescritas e o comportamento informal e 
efetivo, motivo porque o conhecimento dessas sociedades não possa dar-se a partir de suas 
estruturas normativas e legais. “O observador que assim proceder encontrar-se-ia em face da 
efetiva realidade social, como aquele que utiliza um mapa precário, a fim de procurar uma rua 
ou residência” (1983, p. 252). 
 
29 
 
Formalismo segundo Riggs: “É a discrepância entre a conduta correta e a norma 
prescritiva que se supõe regulá-la. Registra-se ali onde o comportamento efetivo das 
pessoas não observa as normas estabelecidas que lhe correspondem, sem que disso 
advenham sanções para os infratores [...] Textualmente, diz Riggs: “O formalismo 
(grifado no original – G.R.) corresponde ao grau de discrepância entre o 
prescritivo e o descritivo, entre o poder formal e o poder efetivo, entre a 
impressão que nos é dada pela constituição, pelas leis e regulamentos, 
organogramas e estatísticas, e os fatos e práticas reais do governo e da 
sociedade. Quanto maior a discrepância entre o formal e o efetivo, mais formalístico 
o sistema (RAMOS, 1983, p. 252). 
 
Ramos pondera serem as elites de toda sorte (religiosa, literária, política, econômica) 
céticas quanto às regras e normas observadas em massa. Isso se deve ao fato de a elite ter, 
“mais do que a massa, consciência do caráter convencional das regras e normas, dada a sua 
participação privilegiada no processo social” (1983, p. 225). O seu papel ativo na confecção 
das e normas as tornariam mais emancipadas do que as camadas sociais mais baixas. Por 
isso, 
 
enquanto houver estratificação social, o tipo de formalismo em apreço é inevitável. 
Nas condições histórico-sociais vigentes no mundo, as organizações não podem 
eliminar o formalismo nas relações entre os que dela participam. Etzioni conclui de 
sua análise dos tipos de consentimento, que os infraparticipantes de toda 
organização (lower participants) estão “mais por fora” (less in the know) do que os 
participantes de alto nível (higher ranks). É dizer que estes últimos estão mais “por 
dentro”. Portanto, só mediante o formalismo do seu comportamento em suas 
relações com os infraparticipantes, dissimulam sua “experiência interna” dos 
assuntos da organização (RAMOS, 1983, p. 257). 
 
Na sociologia brasileira, a contribuição do Visconde de Uruguai, para Ramos (1983), 
foi relevante ao destacar a importância de um máximo de realismo em sua ação no meio 
social, quer dizer, fugir da importação arbitrária de instituições como solução ao problema do 
formalismo. 
 
Ao contrário da maioria de seus contemporâneos, condenou (Visconde de Uruguai) 
a transplantação literal e mecânica das instituições políticas e administrativas, nas 
quais se negou sempre reconhecer virtudes intrínsecas. Para ele não havia 
instituições intrinsecamente excelentes. Por isso a criação das instituições no Brasil 
deveria ter em vista as condições efetivas e as particularidades histórico-sociais do 
meio nacional. (RAMOS, 1983, p. 260) 
 
Para Ramos (1983), o formalismo podia assumir feição estratégica em sociedades 
prismáticas. Para ele, 
 
[...] o formalismo não é característica bizarra, traço de patologia social nas 
sociedades prismáticas, mas um fato normal e regular, que reflete a estratégia 
global dessas sociedades no sentido de superar a fase em que se encontra. Outro 
enunciado complementar da nossa tese é ainda o seguinte: o formalismo nas 
30 
 
sociedades prismáticas é uma estratégia de mudança social impostapelo caráter dual 
de sua formação histórica e do modo particular como se articula com o resto do 
mundo (RAMOS, 1983, p. 260) [grifo nosso]. 
 
3.2 O SENTIDO ESTRATÉGICO DO FORMALISMO SEGUNDO RAMOS 
 
O formalismo, assim, poderia ser estratégia para: dirimir conflitos sociais; gerar 
mobilidade social vertical ascendente; construção nacional e como meio de articulação com o 
mundo. 
Pontua Ramos (1983) ter a burocracia na Brasil como função latente minimizar a 
rigidez da estrutura social e evitar a emergência da polarização entre os grupos. Isso explica a 
hipertrofia do nosso setor público, o qual se afigura modo de cooptação, “pela estrutura social, 
daquela parte do excedente populacional que, por ser mais diligente, provavelmente se 
deixada a esmo, procuraria dedicar-se a temerárias atividades, prejudiciais à estabilidade 
social” (1983, p. 273). 
 
[...] “nossa riquíssima classe média”, legião de pessoas “diplomadas e vestidas de 
casaca”, ou seja, o mundo dos médicos sem clínica, dos advogados sem clientela, 
dos padres sem vigarias, dos engenheiros sem empresas e sem obras, dos professores 
sem discípulos, dos escritores, dos jornalistas, dos literatos sem leitores, dos artistas 
sem público, dos magistrados sem juizados ou até com eles, dos funcionários mal 
remunerados [...] essas pessoas diplomadas, para as quais há escassez ou nula 
demanda efetiva no setor privado, pressionam os poderes públicos, em busca de 
ocupação ou de meios de subsistência, e esses poderes são compelidos a munir as 
repartições de pessoal além das necessidades reais, comprometendo a eficiência 
destas, mas evitando que aquelas pressões atinjam um ponto crítico (RAMOS, 1983, 
p. 273). 
 
Assim, não é de se estranhar o inchaço dos setores públicos e sua ineficiência. 
Ocupantes dos cargos públicos, ou mesmo sua existência, não estavam necessariamente 
atrelados a uma demanda por um determinado serviço público. À descrição dos cargos e 
normas estatutárias, por consequência, não haveria de dar-se grande importância, afinal o 
emprego público, nesse diapasão, não é o que deveria ser: instrumento para consecução de 
uma finalidade pública. 
Para Ramos, o jeito é categoria cardinal da sociedade brasileira e possui como raiz 
estrutural o formalismo. É “o genuíno processo brasileiro de resolver dificuldades, a despeito 
do conteúdo das normas, códigos e leis” (1983, p. 287). 
Ramos (1983) aproxima o “jeito” à estratégia adaptadora de Schumpeter 
 
O jeito é, no Brasil, processo nativo, criollo, de contornar uma dificuldade a 
despeito da lei e até mesmo contra ela. É, Como observa o economista Roberto 
31 
 
Campos, “condição de sobrevivência do indivíduo e de preservação do corpo 
social”, “dentro do formalismo”', em sociedades onde as leis são “textos fora do 
contexto”, “construções teóricas que não nasceram do costume”, “formas 
transplantadas e importadas de além-mar se relevância para as possibilidades 
econômicas de nosso ambiente” (RAMOS, 1983, p. 288). 
 
O emaranhado de textos legais, normativos, disciplinadores, de contextos sociais 
ferramenta útil para o agente público interpretá-los ao seu capricho: “funcionários, pequenos 
ou poderosos, criam sua própria jurisprudência” (RAMOS, 1983, p. 291). 
 
A eficácia do jeito reflete a vigência de uma estrutura de poder altamente 
oligarquizada. A industrialização acarretando o surgimento de classes sociais 
diferenciadas e a exigência de serem adotadas normas universalísticas na elaboração 
de decisões governamentais, pois que a indústria não subsiste sem o predomínio da 
racionalidade nas relações sociais – a industrialização restringe e tende a anular a 
eficácia do 'jeito'. Por isso, o 'jeito' é tanto mais eficaz quanto mais o exercício do 
poder público se acha submetido a interesses de famílias ou de clãs, no sentido 
lato do termo. Onde domina a política de clã, pode-se sempre dar um 'jeito', a 
despeito da lei ou contra ela. Obviamente, a prática do 'jeito', foi, no Brasil, mais 
usual ontem do que hoje (RAMOS, 1983, p. 289) [grifo nosso]. 
 
Essa disputa de famílias pelo poder gera um clima de instabilidade em que a lealdade, 
a absoluta confianza é essencial na escolha de políticos e gestores públicos. 
 
Para manter-se nos cargos, toda autoridade de alto nível precisa estar vigilante 
contra a conspiração e traição dos adversários, e, por isso, malgrado procure cercar-
se de auxiliares de confianza, centralizam em suas mãos tomadas de decisões, ainda 
as mais aparentemente inócuas. O centralismo facilmente medra onde a instabilidade 
política e social é aguda. Na América Latina, por exemplo, submete-se à apreciação 
dos presidentes de República variada gama de atos e providências que, em países 
estáveis, são regularmente de alçada intermediária da Administração. Mais 
importante do que capacidade, eficiência e honestidade, é, para os governantes 
latino-americanos, frequentemente – a lealdade (RAMOS, 1983, ps. 289-290). 
 
3.3 FORMALISMO E CONSTRUÇÃO NACIONAL 
 
Base do problema de construção nacional jaz na sua falta de bases consuetudinárias, 
originais o que determinou a prevalência da teoria sobre a realidade, do formal e abstrato 
sobre o concreto (RAMOS, 1983). 
 O Brasil, quando da sua declaração de independência, não tinha povo tampouco 
cultura política. Por isso, para Ramos (1983), não haveria outra solução senão busca-las no 
exterior. Instituições parlamentares, por exemplo, eram prática distante da realidade política 
local, motivo porque, entre outros, recorreu-se a situações formalísticas para dirimir os 
problemas institucionais. 
32 
 
 
Na data de 7 de setembro de 1822, declarou-se a Independência de um território que, 
na véspera era colônia de Portugal. A primeira geração de políticos do Brasil-Nação, 
é obvio, viveu mais intensamente do que as gerações que lhe sucederam, o 
imperativo de criar as instituições adequadas ao novo estatuto que, por força da 
declaração de Independência, adquiriram perante o mundo, a ex-colônia e as 
populações que nela habitavam. O problema nacional do Brasil teve, para aquela 
primeira geração, um sentido radical, que as gerações subsequentes não conheceram. 
Os três poderes, nas velhas nações, foram primeiramente uma realidade, costumes 
coletivamente consagrados, e, depois, uma teoria formal e sistemática, elaborada e 
discutida por autores. No Brasil, por força da particularidade da sua formação 
histórica, observa-se o inverso desse processo. Não caminhamos do costume 
para a teoria; do vivido, concreta e materialmente, para o esquema formal. É o 
inverso que se dá; caminhamos, até agora, no tocante à construção nacional (nation 
building), do teórico para o consuetudinário, do formal para o concretamente vivido. 
O formalismo é, nas circunstâncias típicas e regulares que caracterizam a 
história do Brasil, uma estratégia de construção nacional (nation building) 
(RAMOS, 1983, p. 292) [grifos nossos]. 
 
Assim, para Ramos (1983), não haveria outra solução que não o formalismo, pois 
países em desenvolvimento precisam construir artificialmente a nacionalidade. Quando do 
modelo constitucional adotado após a proclamação da República, também era inevitável o 
formalismo: “durante largo tempo, a instituição parlamentar no Brasil foi praticada assim 
como um teatro de roça, por atores toscos e rudes, que sabiam muito mal os seus papéis.” 
(1983, p.295). 
Contudo, anota Ramos (1983, p. 296), “o formalismo não é intrinsecamente mau. Pode 
realizar função positiva num desempenho estratégico que colime a construção nacional, como 
se tem verificado, frequentemente, na evolução política do Brasil.”. 
 
Se, por um lado, o formalismo teve por causa primacial a introdução de padrões de 
governo e administração estrangeiros numa ordem social que com eles não afinava, 
podemos dizer, também, por outro lado, que essa situação se perpetuou por culpa da 
intelligentsia que, com sua elevadacultura, mostrou-se incapaz de ver o mundo 
desde suas próprias tradições, tendo-o visto pelo prisma relativamente difratado das 
sociedades industriais do Ocidente (RAMOS, 1983, p. 296). 
 
“Ao surgirem, seja como colônia, seja, mais tardiamente, como nação, as áreas 
periféricas são compelidas a adotarem modelos institucionais estranhos à sua realidade, a fim 
de, simplesmente, tornar possíveis as suas relações com o mundo exterior” (RAMOS, 1983, p. 
298). Nesse sentido, países objeto de colonização precisaram submeter-se, enquadrar-se ao 
modelo político vigente à época, muitas vezes em benefício dos seus colonizadores. O 
formalismo corresponderia, assim, a uma inevitável estratégia de articulação colônia-mundo. 
 
Mal fomos descobertos, em 1500, e algumas dezenas de anos após, já tínhamos 
instauradas aqui as instituições mais avançadas do mundo, na época. Um território 
habitado por populações tribais, repentinamente, passou a ser teatro de relações 
sociais cujos critérios estavam muito acima da rusticidade da sua condição objetiva. 
33 
 
Aqui, já se tem observado muitas vezes, o Estado precedeu a sociedade 
(RAMOS, 1983, p. 298) [grifo nosso]. 
 
Tanto é verdade que não há muitos casos de agrupamentos que se converteram em 
vilas, impelidos pela força dos acontecimentos. E, quando ocorrido, foi visto com 
desconfiança pelas autoridades, que, instalavam nelas o aparato governamental com a pressa e 
o sobressalto de quem reprime a insubordinação. O município, unidade urbana elementar, até 
ele era formalisticamente constituído. 
Ramos (1983) percebeu ser irrealístico presumir que, sem certa dose de formalismo e a 
transplantação das instituições estrangeiras o Brasil atingisse “a distância que o separava do 
mundo”, no curto período e que o procedeu. Consequentemente, ainda que aos trancos e 
barrancos, o formalismo foi necessário para o Brasil ser uma das maiores nações do mundo 
em menos de dois séculos após sua independência da colônia. 
 
[...] quem quer que se abalance a estudar a evolução do organismo governamental no 
Brasil, não ficará surpreso ao ver que a metrópole, com o intuito de acelerar a 
articulação da colônia com o mundo de então, e segundo suas conveniências, 
instaurou, em nosso território, nos princípios de nossas feitorias agrícolas, um 
aparelhamento político digno de uma sociedade organizada e altamente evoluída 
(RAMOS, 1983, p. 300) 
 
 Há de afirmar-se o caráter transacional que, estruturalmente, marca a sociedade 
prismática. Admite-se em tais sociedades o formalismo como discrepância entre o ser e o 
dever ser, e seus mecanismos, ainda que impróprios, mas por vezes necessários, inclusive, 
como se viu, à construção nacional. Contudo, reconhece-se que o desenvolvimento social o 
nation bulding conduzirão a sociedade a um nível não mais prismático, mas sim concentrado, 
onde soluções que tais não se encaixam ao arranjo institucional. Explica-se: o modelo 
republicano constitucional foi tecnologia de política importada quando da proclamação da 
República. Naquele momento, nada mais é de esperar-se que soluções formalísticas até que o 
processo de aprendizagem e adaptação a esse modelo se complete. Passado esse período, 
tendencialmente a caminho é a adoção de medidas não-formalísticas, de medidas apropriadas, 
conformes à lei. 
Toda sociedade é mais ou menos formalística. Nas sociedades prismáticas, contudo, 
critérios “clânicos” interferem na administração pública. Isso conduz, necessariamente, à 
corrupção. Critérios alheios aos necessários para atingir os desideratos públicos não deveriam 
fazer parte da tomada de decisão do agente público. É preciso, para combater práticas como 
essas, criar um arranjo institucional que torne despicienda a opção formalística, o “jeito”. 
4 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: MODELOS ORGANIZACIONAIS 
 
O presente capítulo descreverá os seguintes modelos de administração pública: o 
burocrático, a administração pública gerencial, o governo empreendedor e a governança 
pública. Objetiva-se, assim como nos capítulos anteriores, por meio de revisão bibliográfica, 
fundar referencial teórico para discutir-se a problemática da corrupção. 
O modelo burocrático tornou-se o alvo de críticas por ser considerado inadequado para 
o contexto institucional contemporâneo por sua presumida ineficiência, morosidade, estilo 
autorreferencial, e deslocamento das necessidades dos cidadãos (SECCHI, 2009, p. 349). 
Surgiram, nesse diapasão, devido a ondas modernizantes oriundas da Administração 
Empresarial novas formas de contrato Estado-sociedade, cujos ativadores 
 
são a crise fiscal do Estado (Aucoin, 1990; Hood, 1995; Pollit e Bouckaert 2002), a 
crescente competição territorial pelos investimentos privados e mão de obra 
qualificada (Subirats e Quintana, 2005), a disponibilidade de novos conhecimentos 
organizacionais e tecnologia, a ascenção de valores pluralistas e neoliberais 
(Kooiman, 1993; Rhodes, 1997), e a crescente complexidade, dinâmica e 
diversidade das nossas sociedades (Kooiman, 1993). No velho continente, o 
processo de europeanização também tem desempenhado um papel crucial 
(SECCHI, 2009, p. 349) [grifo nosso]. 
 
 Tais modelos, assevera Secchi (2009), tenderão a trazer mudanças no relacionamento 
das instituições públicas. Em outros tantos casos, adverte, podem der tais modelos meras 
ferramentas retóricas, sem o real propósito de alterar a realidade da gestão pública. 
 
4.1 MODELO BUROCRÁTICO 
 
O modelo também é conhecido na literatura inglesa como progressive public 
administration – PPA (HOOD, 1995), referindo-se ao modelo que inspirou as reformas 
introduzidas nas administrações públicas aos Estados Unidos entre os séculos XIX e XX, 
durante a chamada progressive era (SECCHI, 2009, p. 350). 
Na sua descrição sobre os modelos ideais típicos de dominação, coloca Secchi (2009), 
Weber identificou o exercício da autoridade racional-legal como fonte do poder dentro das 
organizações burocráticas. Em oposição a um líder carismático, por exemplo, aqui o poder 
emana de fontes formais como a lei. A partir dessa premissa é possível compreender as 
principais características desse modelo, quais sejam, a formalidade, a impessoalidade e o 
profissionalismo. 
 
35 
 
A formalidade impõe deveres e responsabilidade aos membros da organização, a 
configuração e a legitimidade de uma hierarquia administrativa, as documentações 
escritas dos procedimentos administrativos, a formalização dos processos decisórios 
e a formalização das comunicações internas e externas. As tarefas dos empregados 
são formalmente estabelecidas de maneira a garantir a continuidade do trabalho e a 
estandardização dos serviços prestados, para evitar ao máximo a discricionariedade 
individual na execução das rotinas. A impessoalidade prescreve que a relação entre 
os membros da organização e entre a organização e o ambiente externo está baseada 
em funções e linhas de autoridade claras. Isso ajuda a evitar a apropriação individual 
do poder, prestígio, e outros tipos de benefícios, a partir do momento que o 
indivíduo deixa sua função ou a organização. O profissionalismo está intimamente 
ligado ao valor atribuído ao mérito como critério de justiça e diferenciação. As 
funções são atribuídas a pessoas que chegam a um cargo por meio de competição 
justa na qual os postulantes devem mostrar suas melhores capacidades técnicas e 
conhecimento. O profissionalismo é um princípio que ataca os efeitos negativos do 
nepotismo que dominava o modelo pré-burocrático patrimonialista (March, 1961; 
Bresse-Pereira, 1996) (SECCHI, 2009, p. 351) [grifo nosso]. 
 
Um dos aspectos centrais parece ser a separação entre as tarefas executivas e as 
meramente operativas, entre as atividades intelectuais e as manuais, entre planejamento e 
execução. A preocupação com a eficiência organizacional é central no modelo burocrático. 
Por um lado, os valores de

Continue navegando

Outros materiais