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O Código Da Vinci - Dan Brown

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O CÓDIGO DA VINCI
DAN BROWN
A Bertrand edita O Código Da Vinci, um impressionante êxito mundial em
que Dan Brown se revela um génio criativo não só a nível do suspense mas
também da própria complexidade do enredo. O Código Da Vinci é uma obra
simultaneamente vertiginosa, inteligente e intricadamente recheada de
elementos científicos e de pormenores inesperados. Das primeiras páginas à
imprevisível e surpreendente conclusão, Dan Brown, autor de outros best-
sellers, prova ser um exímio contador de histórias.
Harvard Robert Langdon, conceituado simbologista, está em Paris para
fazer uma palestra quando recebe uma notícia inesperada: o velho curador do
Louvre foi encontrado morto no museu, e um código indecifrável encontrado
junto do cadáver. Na tentativa de decifrar o estranho código, Langdon e uma
dotada criptologista francesa, Sophie Neveu, descobrem, estupefactos, uma
série de pistas inscritas nas obras de Leonardo Da VinCI, que o pintor
engenhosamente disfarçou.
Tudo se complica quando Langdon descobre uma surpreendente ligação: o
falecido curador estava envolvido com o Priorado de Sião, uma sociedade
secreta a que tinham pertencido Sir Isaac Newton, Botticelli, Victor Hugo e Da
Vinci, entre outros.
O CÓDIGO DA VINCI
2.a Edição
Tradução de MÁRIO DIAS CORREIA
BERTRAND EDITORA Chiado 2004
Título Original: THE DA VINCI CODE (c) 2003 Dan Brown
Acabou de imprimir-se em Abril de 2004
Formatação, conversão em PDF e Montagem de Arte da Capa:
Edu Lopes
Julho de 2004
Software: Open Office – Source Free
AGRADECIMENTOS
Antes de mais e sobretudo, ao meu amigo e editor Jason Kaufman, por ter
trabalhado tanto neste projecto e por ter verdadeiramente compreendido o
significado deste livro. E à incomparável Heide Lange - campeã infatigável de O
Código Da Vinci, agente extraordinária e amiga indefectível.
Nunca poderei exprimir plenamente a minha gratidão para com a
excepcional equipe da Doubleday, pela sua generosidade, fé e soberba
orientação. Agradeço em especial a Bill Thomas e Steve Rubin, que acreditaram
neste livro desde o início. E o meu reconhecimento vai também para o núcleo
duro inicial de apoiantes internos, encabeçado por Michael Palgon, Suzanne
Herz, Janelle Moburg, Jackie Everly e Adrienne Sparks, para os talentosos
membros da força de vendas da Doubleday e para Michael Windsor, pela
fabulosa sobrecapa.
Pela generosa ajuda que me deram na investigação deste livro, estou em
dívida para com Museu do Louvre, o Ministério da Cultura Francês, o Projecto
Gutenberg, a Bibliothèque National, a Biblioteca da Sociedade Gnóstica, o
Departamento de Estudos de Pintura e o Serviço de Documentação do Louvre, a
Catholic World News, o Royal Observatory Greenwich, a London Record Society,
a Muniment Collection da Abadia de Westminster, John Pike e a Federation of
American Scientists, e os cinco membros da Opus Dei (três activos, dois
afastados) que me contaram as suas histórias, positivas e negativas, sobre as
respectivas experiências no seio da congregação.
Estou igualmente grato à Water Street Bookstore por ter desencantado
tantos dos livros que usei na minha pesquisa, ao meu pai, Richard Brown -
professor de Matemática e autor -, pela ajuda que me deu com a Proporção
Divina e a Sequência Fibonacci, a Stan Planton, Sylvie Baudeloque, Peter
McGuigan, Francis Mclnerney, Margie Watchel, André Vernet, Ken Kelleher da
Anchorball Web Media, Cara Sottak, Karyn Popham, Esther Sung, Míriam
Abramowitz, William Tunstall-Pedoe e Griffin Wooden Brown.
E finalmente, num romance tão intimamente ligado ao sagrado feminino,
seria imperdoável não referir as duas mulheres extraordinárias que tocaram a
minha vida. A minha mãe, Connie Brown colega de escrita, educadora, música
e figura modelar -, e a minha mulher, Blythe - historiadora de arte, pintora,
editora de primeira linha e, sem a mínima dúvida, a mulher mais
espantosamente talentosa que alguma vez conheci.
FATO:
O Priorado de Sião.
Sociedade secreta europeia fundada em 1099, é uma organização real. Em
1975, a Bibliothèque National de Paris descobriu um conjunto de pergaminhos,
conhecidos como Les Dossiers Secrets, que identificam numerosos membros do
Priorado de Sião, incluindo Sir Isaac Newton, Botticelli, Victor Hugo e Leonardo
da Vinci.
A prelatura do Vaticano conhecida como Opus Dei é uma seita católica
profundamente devota que tem sido objecto de controvérsias recentes devido a
acusações de lavagem ao cérebro, coerção e práticas perigosas conhecidas
como "mortificação corporal". A Opus Dei acaba de construir em Nova Iorque,
no nº 243 da Lexington Avenue, uma Sede Nacional que custou 47 milhões de
dólares.
Todas as descrições de obras de arte, edifícios, documentos e rituais
secretos que aparecem neste romance são exactas.
PRÓLOGO
Museu do Louvre, Paris
22:46
 Jacques Saunière, o conceituado conservador, atravessou a
camba-lear o arco abobadado da Grande Galeria. Estendeu as
mãos para o quadro mais próximo, um Caravaggio. Agarrando
a moldura de ma-deira dourada, puxou-a para si até arrancá-la
da parede, e então caiu de Costas, enrodilhado debaixo da
grande tela.
 Como sabia que aconteceria, uma pesada grade de ferro
desceu com estrépido ali perto, selando a entrada da galeria. O
soalho de madeira estremeceu. Muito ao longe, um alarme
começou a tocar.
 Saunière, um homem de setenta anos, deixou-se ficar
estendido por um instante, a tentar recuperar o fôlego, a avaliar
a situação. Ainda estou vivo, pensou. Saiu a rastejar de baixo da
tela e olhou em redor, procurando no cavernoso espaço um
lugar onde esconder-se.
 - Não se mexa - disse uma voz, arrepiantemente próxima. 
De gatas no chão, o conservador imobilizou-se, voltando
lenta-mente a cabeça. A pouco mais de quatro metros e meio de
distância, do outro lado da grade descida, a agigantada silhueta
do seu atacante vigiava-o através das barras de ferro. Era alto e
largo, com uma pele espectralmente pálida e ralos cabelos
brancos. As íris dos olhos eram rosadas, com pupilas de um
vermelho-escuro. O albino tirou uma pis-tola do casaco e
apontou-a directamente ao conservador.
 - Não devia ter fugido. - O sotaque não era fácil de
identificar. - Agora diga-me onde é que está.
 - Já lhe disse - tartamudeou Saunière, indefeso de joelhos no
chão da galeria. - Não faço ideia do que está a falar!
 - Mente. - O homem estava a olhar para ele, e a única coisa
que se distinguia na grande sombra densa e imóvel era o brilho
dos olhos fantasmagóricos. - Você e os seus irmãos possuem
algo que não vos pertence.
 O conservador sentiu uma vaga de adrenalina percorrer-lhe
as veias. Como é possível que ele o saiba
 - Esta noite, a custódia legítima será restaurada. Diga-me
onde está escondido, e viverá. - O homem apontou a arma à
cabeça do conservador. - É um segredo pelo qual esteja disposto
a morrer?
 Saunière quase não conseguia respirar. O homem inclinou
um pouco a cabeça, fazendo pontaria ao longo do cano da
arma. Saunière ergueu as mãos, num gesto de defesa.
- Espere - disse, lentamente. - vou dizer-lhe o que quer
saber. - Pronunciou as palavras seguintes com muito cuidado.
Tinha ensaiado aquela mentira vezes sem conta... sempre a
pedir a Deus nunca se ver na necessidade de usá-la. Quando o
conservador acabou de falar, o homem sorriu, satisfeito.
 - Sim, é exactamente o que os outros me disseram. Saunière
encolheu-se. Os outros?
 - Encontrei-os também - informou o homem, num tom
sarcástico. - Aos três. Confirmaram o que acaba de dizer.
 Não pode ser! A verdadeira identidade do conservador, bem
como as dos três senescais, era quase tão sagrada como o
antigo segredo que protegiam. Saunière compreendeu que os
colegas tinham, de acordo com a regra estritamente ordenada,
contado a mesma mentira antes de morrerem. Fazia parte do
protocolo. O homem voltou a apontar a arma.
 - Depois de o matar, serei eu o único a conhecer a verdade.-
A verdade. Numa fracção de segundo, Saunière apercebeu-se
do verdadeiro horror da situação. -Se eu morrer, a verdade
perder-se-á para sempre. Instintivamente, tentouencontrar um
refúgio.
 A arma explodiu, e o conservador sentiu como se um ferro
em brasa lhe trespassasse o ventre quando o projéctil se lhe
alojou no estômago. Caiu para a frente... lutando contra a dor.
Lentamente, rolou sobre si mesmo e olhou através das grades
para o seu assassino.
 O homem estava a apontar-lhe à cabeça.
 Saunière fechou os olhos, com os pensamentos a rodopiarem
num turbilhão de medo e tristeza. O clique do percutor a bater
numa câma-ra vazia ecoou no corredor. O conservador abriu
rapidamente os olhos. O homem olhou para a arma, parecendo
quase divertido. Procurou no bolso um segundo carregador, mas
então como que econsiderou, sorrindo calmamente à figura
ensanguentada de Saunière.
 - O meu trabalho aqui está feito.
 O conservador baixou os olhos e viu o orifício da bala na
branca camisa de linho. Era um ponto negro orlado por um
pequeno círculo de sangue, poucos centímetros abaixo do
esterno, estômago. Quase que por um capricho de crueldade, a
bala falhara o coração. Como veterano da guerra da Argélia, o
conservador fora já testemunha da-quele tipo de morte
horrivelmente lenta. Sobreviveria cerca de quinze minutos,
enquanto os ácidos do estômago se derramavam na cavi-dade
torácica, envenenando-o por dentro.
 - Abençoada seja a dor - disse o homem. E desapareceu.
 Agora sozinho, Jacques Saunière voltou o olhar para a grade
de ferro. Estava encurralado, e as portas só voltariam a abrir-se
dentro de no mínimo vinte minutos. Quando chegassem junto
dele, estaria morto. Mesmo assim, o medo que o dominava
agora era um medo muito maior que o da sua própria morte.
 -Tenho de transmitir o segredo.
 Pôs-se de pé, cambaleante, e imaginou os três companheiros
assassinados. Pensou nas gerações que os tinham precedido...
na missão que a todos eles fora confiada. Uma cadeia
ininterrupta de conhecimento.
 Agora, subitamente, a despeito de todas as precauções... a
despeito de todas as medidas de segurança... Jacques Saunière
era o único elo que restava, o único guardião dos mais
formidáveis segredos alguma vez guardados.
 A tremer, olhou em volta.
 -Tenho de encontrar uma maneira...
 Estava trancado dentro da Grande Galeria, e havia apenas
uma pessoa a quem podia passar a tocha. Saunière estudou as
paredes da sua opulenta prisão. Uma colecção dos quadros mais
famosos do mundo parecia sorrir-lhe, como um grupo de velhos
amigos.
 Com o rosto contraído pela dor, Saunière fez apelo a todas
as suas faculdades e forças. A tarefa desesperada que tinha pela
frente, bem o sabia, ia exigir cada segundo de vida que lhe
restava.
CAPÍTULO UM
 Robert Langdon acordou lentamente. Algures na escuridão,
tocava a campainha de um telefone - um som fraco, inusitado.
Procurou às apalpadelas o candeeiro da mesa-de-cabeceira e
acendeu-o. Examinando de olhos piscos o ambiente que o
rodeava, viu um luxuoso quarto estilo renascença, com
mobiliário Luís XVI, frescos pintados à mão nas paredes e uma
colossal cama de mogno de quatro colunas.
 -Onde diabo estou eu?
 O roupão de banho pendurado numa das colunas da cama
tinha bordadas no bolso do peito as palavras: HOTEL RITZ
PARIS. Pouco a pouco, o nevoeiro começou a dissipar-se.
Langdon pegou no auscultador.
 - Sim?
 - Monsieur Langdon? - perguntou uma voz de homem. -
Espero não o ter acordado?
 Confuso, Langdon olhou para o relógio da mesa-de-
cabeceira: marcava meia-noite e trinta e dois. Tinha dormido
apenas uma hora, mas sentia-se mais morto do que vivo.
 - Fala o concierge, monsieur. Peço desculpa pela intrusão,
mas tem uma visita. Diz que o assunto é urgente.
 Langdon não estava ainda bem acordado. Uma visita?
Focou os olhos no pequeno panfleto que deixara amarrotado em
cima da mesa-de-cabeceira.
A UNIVERSIDADE AMERICANA DE PARIS ORGULHA-SE DE
APRESENTAR UM SERÃO COM ROBERT LANGDON PROFESSOR
DE SIMBOLOGIA RELIGIOSA, UNIVERSIDADE DE HARVARD
 Langdon gemeu. A conferência daquela noite - uma palestra,
com projecção de diapositivos, sobre o simbolismo pagão
escondido nas pedras da Catedral de Chartres - tinha muito
provavelmente eriçado o pêlo a alguns dos membros mais
conservadores do público. Quase de certeza, um qualquer
erudito religioso seguira-o até ao hotel disposto a dar-lhe luta.
- Lamento - disse -, mas estou muito cansado, e...
 - Mas, monsieur - insistiu o recepcionista, baixando a voz
até um murmúrio carregado de urgência. - Trata-se de um
homem importante.
 Langdon não duvidava. Os seus livros sobre pintura
religiosa e simbologia cultural tinham-no tornado uma relutante
celebridade no mundo das artes, conferindo-lhe uma visibilidade
que o envolvimento decisivo que acabara por ter num
badaladíssimo caso ocorrido no Vaticano, no ano anterior, viera,
infelizmente, centuplicar. Desde então, o rio de historiadores
"importantes" e maníacos da arte que lhe iam bater à porta
parecia não ter fim.
 - Por favor, faça a gentileza - disse Langdon, esforçando-se
ao máximo por manter os bons modos -, de tomar nota do nome
e do número do telefone do senhor e diga-lhe que tentarei
entrar em contacto com ele antes de deixar Paris, na terça-feira.
Muito obrigado.
 E desligou antes que o recepcionista pudesse protestar.
Agora sentado na cama, Langdon deitou um olhar carrancudo
ao Manual de Relacionamento com os Hóspedes pousado na
mesa-de-cabeceira e cuja capa proclamava: DURMA COMO UM
BEBÉ NA CIDADE DAS LUZES. REPOUSE NO RITZ DE PARIS.
Voltou a cabeça e olhou, cansado, para o espelho de corpo
inteiro aparafusado na parede fronteira. O sujeito que lhe
devolveu o olhar era um desconhecido - desgrenhado, exausto.
 -Estás a precisar de férias, Robert.
 Sabia que o último ano lhe cobrara um pesado tributo, mas
não achava graça a vê-lo provado no espelho. Os olhos azuis,
normalmente penetrantes, pareciam naquela noite enevoados e
gastos. Uma incipiência de barba escurecia-lhe o maxilar forte e
o queixo amenizado por uma inesperada "covinha". À volta das
têmporas, as madeixas prateadas progrediam, infiltrando-se na
densa mata de cabelos escuros. Por muito que as colegas na
universidade afirmassem que aquelas pinceladas de cinzento só
contribuíam para lhe realçar o encanto livresco, Langdon não
tinha ilusões.
 -Se a Boston Magazine me visse agora.
 No mês anterior, para seu grande embaraço, a Boston
Magazine incluíra-o na lista das dez pessoas mais intrigantes da
cidade - uma honra algo dúbia que o tornara alvo de
intermináveis piadinhas por parte dos seus pares em Harvard. 
Naquela noite, a cinco mil quilómetros de casa, o elogio
ressurgira para ensombrar-lhe a conferência que tinha dado.
 - Senhoras e senhores - anunciara a anfitriã diante de uma
casa cheia no Pavillon Dauphine da Universidade Americana de
Paris -, o nosso convidado desta noite dispensa apresentações. É
autor de numerosos livros: A Simbologia das Seitas Secretas, A
Arte dos Illuminati, A Linguagem Perdida dos Ideogramas, e
quando digo que é mestre em iconologia religiosa, digo-o num
sentido muito literal. Muitos dos aqui presentes usam textos seus
nas aulas.
 Os estudantes incluídos na assistência assentiram
entusiasticamente.
 - Tinha planeado apresentá-lo esta noite dando-vos nota do
seu impressionante curriculum vitae. No entanto... - olhou
risonhamente para Langdon, que ocupava uma das cadeiras
colocadas no palco - um dos membros do público acaba de
facultar-me uma apresentação muito mais, digamos... intrigante.
 E mostrou um exemplar da Boston Magazine.
 Langdon encolheu-se na cadeira. Onde diabo foi ela
arranjar aquilo? A anfitriã começou a ler excertos escolhidos do
estúpido artigo, e Langdon deu por si a enfiar-se cada vez mais
pela cadeira abaixo. Trinta segundos mais tarde, a assistência
estava a sorrir e a mulher não dava sinais de ir parar tão cedo.
 - "E a recusa do senhor Langdon em falar publicamente
sobre o seu invulgar papel no conclave do Vaticano do ano
passado contribui sem dúvida para aumentar-lhe a pontuação
no nosso "intrigómetro." Querem ouvir mais? - perguntou aos
assistentes.
 A multidão aplaudiu. Façam-na parar, por favor, suplicou
Langdonsilenciosamente, enquanto ela voltava a mergulhar no
artigo:
 - "Embora o Professor Langdon possa talvez não ser
considerado do género "bonitão", como alguns dos nossos
nomeados mais jovens, a verdade é que não lhe falta, longe
disso, o chamado encanto académico. Com quarenta e poucos
anos, tem uma presença cativante, realçada por uma voz de
barítono invulgarmente baixa que as alunas descrevem como
"chocolate para os ouvidos"."
 O anfiteatro inteiro explodiu numa gargalhada.
 Langdon forçou um sorriso contrafeito. Sabia o que vinha a
seguir - uma ridicularia qualquer a respeito de "Harrison Ford
num fato de tweed" - e como nessa noite julgara que seria
finalmente seguro voltar a usar o seu Harris de tweed e a sua
Burberry de gola alta, decidiu passar à acção.
 - Obrigado, Monique - disse, pondo-se prematuramente de
pé e avançando até ao pódio. - A Boston Magazine tem
claramente um dom especial para a ficção. - Voltou-se para a
assistência com um sorriso embaraçado. - E se descubro qual de
vocês desencantou este artigo, vou pedir ao consulado que o
mande deportar.
 A assistência riu-se.
 - Bem, minha gente, como todos sabem, estou aqui esta
noite para falar do poder dos símbolos...
 
 O retinir da campainha do telefone voltou a quebrar o
silêncio do quarto. Com um gemido de incredulidade, Langdon
pegou no auscultador.
 - Sim?
 Como já esperava, era o recepcionista.
 - Senhor Langdon, mais uma vez as minhas desculpas.
Telefono-lhe para o informar de que o seu visitante vai neste
momento a caminho do seu quarto. Achei que seria melhor
avisá-lo.
 Langdon ficou de repente muito acordado.
 - Mandou alguém ao meu quarto?
 - Peço desculpa, monsieur, mas um homem como... Não
tenho autoridade para impedi-lo.
 - Quem é ele exactamente?
 O recepcionista, porém, já tinha desligado. Quase no mesmo
instante, um punho pesado bateu à porta do quarto.
 Sem saber muito bem o que fazer, Langdon deslizou para fora
da cama, sentiu os dedos dos pés afundarem-se na espessa
alcatifa. Enfiou o roupão do hotel e aproximou-se da porta.
 - Quem é?
 - Senhor Langdon? Preciso de lhe falar. - O homem falava
inglês com um sotaque cerrado, numa voz seca, autoritária. -
Sou o tenente Jérôme Collet. Direction Centrale Police Judiciaire.
 Langdon fez uma pausa. A Polícia Judiciária? A DCPJ era
mais ou menos o equivalente francês do FBI americano.
 Sem tirar a corrente de segurança, entreabriu a porta alguns
centímetros. O rosto que o encarou do outro lado era estreito
como um cutelo e tinha um ar desgastado. O homem,
invulgarmente magro, vestia um uniforme azul, de ar muito
oficial.
 - Posso entrar? - perguntou.
 Langdon hesitou, sentindo-se inseguro enquanto os olhos
mortiços do desconhecido o estudavam.
 - Que se passa?
 - O meu capitaine pede a sua colaboração numa questão
privada.
 - A estas horas? - conseguiu Langdon dizer. - Passa da meia-
noite.
 - Tinha encontro marcado com o conservador do Louvre esta
noite, não é verdade?
 Langdon sentiu uma repentina vaga de inquietação. Ele e o
respeitado conservador Jacques Saunière tinham combinado
encontrarem-se para uma bebida depois da conferência daquela
noite, mas Saunière não chegara a aparecer.
 - Sim, é verdade. Como sabe?
 - Encontrámos o seu nome na agenda dele.
 - Espero que esteja tudo bem.
 O polícia deixou escapar um suspiro de cansaço e enfiou
uma foto Polaroid pela estreita abertura da porta. Quando
Langdon viu a foto, o corpo pôs-se-lhe rígido.
 - Essa fotografia foi feita há menos de uma hora. No interior
do Louvre.
 Enquanto continuava a olhar para a estranha imagem,
Langdon sentiu a repulsa e o choque iniciais darem lugar a uma
súbita explosão de ira.
 - Quem faria uma coisa destas?
 - Esperávamos que pudesse ajudar-nos a responder
precisamente a essa pergunta, considerando os seus
conhecimentos de simbologia e os seus planos para se encontrar
com monsieur Saunière.
 Langdon olhava para a foto, com um horror a que começava
a misturar-se o medo. A imagem era horripilante e
profundamente estranha, provocando uma perturbadora
sensação de déjà vu. Pouco mais de um ano antes, recebera a
fotografia de um cadáver e, como agora, um pedido de ajuda.
Vinte e quatro horas mais tarde, quase tinha perdido a vida na
Cidade do Vaticano. Aquela foto era completamente diferente, e
no entanto, algo no cenário tinha um toque
desconcertantemente familiar.
 O polícia consultou o relógio.
 - O meu capitaine está à espera, monsieur.
 Langdon mal o ouviu. Tinha os olhos presos à fotografia.
 - Este símbolo aqui, e o modo como o corpo está tão
estranhamente...
 - Posicionado? - sugeriu o polícia.
 Langdon assentiu, sentindo um arrepio gelado ao erguer os
olhos.
- Não consigo imaginar alguém capaz de fazer isto a uma
pessoa. 
O rosto do polícia pareceu tornar-se ainda mais sombrio.
 - Não está a compreender, senhor Langdon. Aquilo que vê
nessa fotografia... - Fez uma pausa. - Foi monsieur Saunière que
o fez a si mesmo.
CAPÍTULO DOIS
 A quilómetro e meio dali, Silas, o corpulento albino,
atravessou a coxear o portão de uma luxuosa mansão de arenito
castanho-avermelhado situada na Rua La Bruyère. O cilício que
usava em torno da coxa esquerda cortava-lhe a carne, mas
apesar disso a alma dele cantava de satisfação por servir o
Senhor.
 Abençoada seja a dor.
 Os olhos avermelhados inspeccionaram o vestíbulo quando
entrou na residência. Deserta. Subiu silenciosamente as escadas,
para não acordar nenhum dos outros numerários. A porta do
quarto estava aberta: as fechaduras eram proibidas naquela
casa. Entrou, fechando-a atrás de si.
 O quarto era espartano: soalho de madeira, uma cómoda
de pinho, num canto uma lona estendida que lhe servia de
cama. Estava ali de visita, naquela semana, mas havia já muitos
anos que, pela graça de Deus, dispunha de um santuário
semelhante em Nova Iorque.
 O Senhor proporcionou-me abrigo e um objectivo na vida.
 Naquela noite, Silas sentia que começara, por fim, a pagar a
sua dívida. Dirigindo-se rapidamente à cómoda, pegou no
telemóvel que deixara escondido na última gaveta e fez uma
chamada.
 - Sim? - disse uma voz de homem.
 - Voltei, Professor.
 - Fala - ordenou a voz, com uma nota de satisfação.
 - Estão todos mortos. Os três senescais.... e o próprio Grão-
Mestre.
 Houve uma pausa momentânea, como que para uma curta
prece.
 - Assumo, portanto, que tens a informação?
 - Todos disseram o mesmo. Independentemente.
 - E acreditaste neles?
- A concordância foi demasiada para ser coincidência. 
Uma expiração excitada.
 - Óptimo. Tinha receado que a reputação de secretismo da
irmandade prevalecesse.
- A perspectiva da morte é uma motivação poderosa. 
- Diz-me então, meu discípulo, o que devo saber.
 Silas sabia que a informação que extorquira às suas vítimas
ia constituir uma surpresa.
 - Professor, todos eles confirmaram a existência da Clef de
Voûte... a lendária Chave de Abóbada.
 Ouviu o som de uma inspiração rápida e superficial, e sentiu
a excitação do Professor.
 - A Chave de Abóbada. Tal como suspeitávamos.
 De acordo com a lenda, a irmandade concebera um mapa
de pedra - uma Clef de Voûte... ou Chave de Abóbada -, que
revelava o esconderijo do maior dos seus segredos... uma
informação tão poderosa que protegê-la passara a ser a razão
da sua própria existência.
 - Quando tivermos a Chave de Abóbada em nosso poder-
disse o Professor -, estaremos apenas a um passo de distância.
 - Estamos mais perto do que julga. A Chave de Abóbada
encontra-se aqui, em Paris.
 - Em Paris? Incrível. É quase demasiado fácil.
 Silas relatou os acontecimentos da noite: como todas as suas
quatro vítimas, momentos antes de morrerem, tinham
desesperadamente tentado comprar as suas vidas ímpias
revelando o segredo que lhes fora confiado. Todos eles lhe
tinham dito exactamente a mesma coisa - que a Chave de
Abóbada estava artificiosamente escondida num determinado
local no interior de uma das velhas igrejas de Paris: Saint-
Sulpice.
 - Dentro da casa do Senhor - exclamou o Professor. - Como
escarnecem de nós!
 - Como fizeramdurante séculos.
 O Professor calou-se, como que a deixar assentar na alma o
triunfo daquele momento. Finalmente, disse:
 - Prestaste um grande serviço a Deus. Há centenas de anos
que esperávamos por isto. Tens de recuperar a pedra.
Imediatamente. Esta noite. Sabes o que está em jogo.
 Silas sabia que o que estava em jogo era de uma
importância incalculável, mas aquilo que o Professor agora lhe
ordenava parecia impossível.
 - Mas a igreja é uma fortaleza. Sobretudo de noite. Como
faço para lá entrar?
 No tom confiante do homem que possui uma enorme
influência, o Professor explicou o que tinha de ser feito.
 
 Quando desligou o telefone, Silas sentiu na pele um
formigueiro de antecipação.
 Uma hora, disse para si mesmo, grato por o Professor lhe ter
dado tempo para cumprir a necessária penitência antes de
entrar na casa de Deus. Tenho de purgar a minha alma dos
pecados de hoje. Os pecados que cometera naquele dia tinham
sido santos no seu objectivo. Havia séculos que o direito sagrado
sancionava a guerra contra os inimigos de Deus. O perdão
estava garantido.
 Mesmo assim, Silas bem o sabia, a absolvição exigia
sacrifício.
 Depois de fechar as portadas da janela, despiu-se
completamente e ajoelhou no centro do quarto. Baixando os
olhos, examinou o cruel cilício apertado à volta da coxa. Todos
os verdadeiros seguidores do Caminho usavam aquele artefacto
- uma correia de couro eriçada de farpas metálicas que lhe
trespassavam a pele, numa constante recordação dos
sofrimentos de Cristo. Além disso, a dor que causava ajudava
também a dominar os desejos da carne.
 Apesar de ter já usado o seu cilício mais do que as duas
horas exigidas, Silas sabia que aquele não era um dia como os
outros. Pegou na ponta da correia e apertou a fivela mais um
furo, estremeceu quando as farpas se lhe cravaram ainda mais
profundamente na carne. Deixando escapar lentamente o ar
contido nos pulmões, saboreou o ritual purificador do seu
próprio sofrimento.
 Abençoada seja a dor, murmurou, repetindo a manta
sagrada do padre Josemaría Escrivá - o Professor dos
Professores. Embora Escrivá tivesse morrido em 1975, a sua
sabedoria perdurava, as suas palavras continuavam a ser
murmuradas por milhares de fiéis em todo o mundo enquanto
ajoelhavam no chão e cumpriam a sagrada pratica conhecida
como "mortificação corporal".
 Silas voltou a sua atenção para a corda cheia de nós
cuidadosamente enrolada no chão a seu lado. A Disciplina. Os
nós estavam cobertos de sangue seco. Ansiando os efeitos
depuradores da sua própria agonia, murmurou uma rápida
oração. Então, pegando numa ponta da corda, fechou os olhos
e fê-la rodopiar com força por cima do ombro, sentindo os nós
baterem-lhe nas costas. Continuou a flagelar-se, golpeando a
pele, uma e outra vez.
 Castigo corpus meum.
 Finalmente, sentiu o sangue começar a correr.
CAPÍTULO TRÊS
 O ar agreste de Abril entrava pela janela aberta do Citroen
ZX que seguia para sul, passando diante da Ópera e
atravessando a Place Vendôme. Sentado ao lado do condutor,
Robert Langdon sentia a cidade passar por ele enquanto tentava
aclarar as ideias. Um duche rápido e uma escanhoadela com a
máquina de barbear tinham-no deixado mais ou menos
apresentável, mas contribuído muito pouco para lhe minorar a
ansiedade. A imagem assustadora do corpo do conservador
Saunière não lhe saía da cabeça. 
 Jacques Saunière está morto.
 Aquela morte causava-lhe uma irreprimível e profunda
sensação de perda. Apesar da sua reputação de pessoa
reservada, a dedicação às artes de que sempre dera provas fazia
do conservador do Louvre um homem geralmente querido e
respeitado. Os livros que escrevera sobre os códigos secretos
escondidos nos quadros de Poussin e Teniers contavam-se entre
os manuais de estudo que Langdon mais usava nas suas
próprias aulas. Aguardara com intensa expectativa o encontro
daquela noite, e sentira-se desapontado quando Saunière não
aparecera.
 Mais uma vez, a visão do cadáver atravessou-lhe o espírito.
Jacques Saunière tinha feito aquilo a si mesmo? Langdon voltou-
se e olhou pela janela, expulsando a imagem do pensamento.
 Lá fora, a cidade mantinha a mesma azáfama das horas
diurnas: vendedores ambulantes empurravam carrinhos
carregados de amandes caramelizadas, empregados de
restaurantes carregavam sacos de lixo para o passeio, um casal
de namorados procurava no calor das carícias uma defesa
contra a brisa perfumada pelo aroma dos jasmins.
 O Citroen atravessava autoritariamente todo este caos, com
a sua dissonante sereia de dois tons a cortar o trânsito como
uma faca.
 - O capitaine ficou contente por saber que ainda estava em
Paris - disse o polícia, falando pela primeira vez desde que
tinham saído do hotel. - Uma coincidência feliz.
 Langdon sentia-se tudo menos feliz, e coincidência era um
conceito em que não acreditava por aí além. Como alguém que
passara a vida a explorar as interligações escondidas de
emblemas e ideologias díspares, tinha tendência para ver o
mundo como uma trama de histórias e acontecimentos
profundamente entretecidos. As ligações podem não ser visíveis,
costumava dizer aos seus alunos de Simbologia em Harvard,
mas estão sempre lá, escondidas logo abaixo da superfície.
 - Deduzo - disse - que a Universidade Americana de Paris
lhes disse onde eu estava hospedado?
 O tenente abanou a cabeça.
 - A Interpol.
 A Interpol, pensou Langdon. Claro. Esquecera que o
aparentemente inócuo costume que os hotéis europeus tinham
de exigir a apresentação de um passaporte no acto de registo
não era uma curiosa formalidade, era a Lei. Em qualquer dada
noite, por toda a Europa, os agentes da Interpol podiam saber
exactamente quem estava a dormir onde. Encontrá-lo no Ritz
não demorara provavelmente mais do que cinco segundos.
 Enquanto o Citroen acelerava para sul através da cidade, a
silhueta iluminada da torre Eiffel surgiu ao longe, do lado
direito, apontando para o céu. Ao vê-la, Langdon pensou em
Vittoria, recordando a promessa que, um ano antes e meio a
brincar, tinham feito de, todos os seis meses, voltarem a
encontrar-se num local romântico diferente. A torre Eiffel teria
com toda a certeza feito parte da lista. Infelizmente, beijara
Vittoria pela última vez num barulhento aeroporto de Roma,
havia mais de um ano.
 - Já foi lá acima? - perguntou o polícia, olhando para ele.
 - Perdão? - sobressaltou-se Langdon, apanhado de surpresa.
 - É maravilhosa, não é? - O tenente apontou para a torre
através do pára-brisas. - Já a subiu?
 - Não, ainda não - respondeu Langdon.
 - É o símbolo da França. Para mim, é perfeita.
 Langdon assentiu distraidamente. Os simbologistas faziam
com frequência notar que a França - um país afamado pelo seu
machismo, costumes dissolutos e líderes diminutos e inseguros
como Napoleão e Pepino, o Breve - não poderia ter escolhido
como emblema nacional nada mais apropriado do que um falo
com trezentos metros de altura.
 No cruzamento com a Rue de Rivoli, o semáforo estava
vermelho, mas o Citroen nem sequer abrandou. O tenente
passou como uma tromba e continuou a acelerar, descendo um
troço ladeado de árvores da Rue Castiglione, que servia de
entrada norte aos famosos Jardins das Tulherias, a versão
parisiense de Central Park. A maior parte dos turistas traduzia
erradamente a designação de Jardins dês Tuileries como tendo
qualquer coisa a ver com os milhares de tulipas que lá
floresciam, mas Tuileries era na realidade uma referência literal
a algo muito menos romântico. Aquele parque fora em tempos
uma enorme e feia cova de onde os parisienses extraíam o barro
com que manufacturavam as famosas telhas - ou tuiles -
vermelhas dos seus telhados.
 Quando entraram no parque deserto, o tenente meteu a
mão debaixo do tablier e desligou a incómoda sereia. Langdon
deixou escapar um suspiro, saboreando o súbito silêncio. À
frente do carro, os feixes pálidos dos faróis de halogéneo
varriam o saibro compactado do caminho, no qual os pneus
zuniam entoando um ritmo hipnótico. Langdon sempre
considerara as Tulherias solo sagrado. Fora naqueles jardinsque Claude Monet experimentara formas e cores e literalmente
inspirara o nascimento do movimento impressionista. Naquela
noite, porém, pesava sobre o local uma estranha atmosfera de
sombria premonição.
 O Citroen virou à esquerda, seguindo para oeste ao longo
da alameda principal do parque. Contornando um lago circular,
o tenente atravessou uma silenciosa avenida e entrou no vasto
espaço quadrangular que ficava a seguir. Langdon avistou o fim
do Jardim, assinalado por um gigantesco arco de pedra.
 O Arc du Carrousel.
 Não obstante os rituais orgiásticos que em tempos tinham
decorrido junto ao Arc du Carrousel, os aficcionados da arte
reverenciavam aquele lugar por uma razão completamente
diferente. Da esplanada onde terminavam as Tulherias avistava-
se quatro dos mais fabulosos museus de arte do mundo, um em
cada ponto cardeal.
 À sua direita, na direcção sul e do outro lado do Sena e do
Quai Voltaire, Langdon viu a fachada espectacularmente
iluminada da velha estação ferroviária, agora o célebre Musée
d'Orsay. Olhando para a esquerda, distinguia a parte superior
do ultramoderno Centro Pompidou, que albergava o Museu de
Arte Moderna. Atrás dele, para oeste, o antigo obelisco de
Ramsés espreitava por cima das copas das árvores, assinalando
a localização do Musée du Jeu de Paume.
 Bem à sua frente, a leste, do outro lado do arco, erguia-se o
monolítico palácio renascentista que se tornara o mais famoso
museu de arte do mundo. O Louvre.
 Langdon sentiu o já familiar arrepio de espanto maravilhado
enquanto os seus olhos tentavam inutilmente abarcar toda a
massa do edifício. Ao fundo da enorme praça-fronteira, o Louvre
era como uma cidadela recortada contra o céu de Paris. Com a
forma de uma grande ferradura, era o edifício mais comprido da
Europa, maior do que três torres Eiffel deitadas umas a seguir às
outras. Nem sequer os cem mil metros quadrados da praça que
se estendia entre as duas alas do museu conseguia ofuscar a
magnificência da fachada. Certa vez, Langdon percorrera a pé
todo o perímetro do Louvre, uma espantosa caminhada de
quatro quilómetros e meio.
 Calculava-se que seriam precisas cinco semanas para que
um visitante contemplasse devidamente as 65 300 obras de arte
conservadas no museu, embora a maior parte dos turistas
preferisse uma experiência abreviada a que Langdon costumava
chamar "Louvre Light" - uma espécie de sprint para ver os três
objectos mais famosos: a Mona Lisa, a Vénus de Milo e a Vitória
Alada. Art Buchwald gabara-se certa vez de ter visto as três
obras-primas em cinco minutos e cinquenta e seis segundos.
 O tenente pegou num pequeno rádio e falou rapidamente
em francês:
 - Monsieur Langdon est arrivé. Deux minutes.
 Do outro lado veio uma qualquer indecifrável confirmação.
O tenente devolveu o aparelho ao bolso do casaco e voltou-se
para Langdon.
 - O capitaine espera-o na entrada principal - disse.
 E, ignorando os sinais que proibiam o tráfego automóvel na
praça acelerou e galgou o passeio. A entrada principal do
museu era agora visível, erguendo-se ousadamente à distância,
rodeada por sete tanques triangulares de onde jorravam fontes
iluminadas.
 La Pyramide.
 A nova entrada do Louvre de Paris tornara-se quase tão
famosa como o próprio museu. A controversa e neomoderna
pirâmide de vidro concebida pelo arquitecto americano de
origem chinesa I. M. Pei continuava a atrair o escárnio dos
tradicionalistas, na opinião dos quais destruía a dignidade da
praça renascentista. Goethe descrevera a arquitectura como
música petrificada, e os detractores de Pei descreviam a sua
pirâmide como unhas a raspar numa ardósia. Os admiradores
progressistas, em contrapartida, exaltavam a construção de vidro
transparente com vinte e um metros e sessenta e cinco
centímetros de altura como uma espectacular sinergia de
estrutura antiga e método moderno - um elo simbólico entre o
antigo e o novo - que abria ao Louvre a porta do próximo
milénio.
 - Gosta da nossa pirâmide? - perguntou o tenente. Langdon
franziu o sobrolho. Os franceses adoravam, segundo parecia,
fazer esta pergunta aos americanos. Era, claro, uma pergunta
armadilhada. Admitir que gostava da pirâmide transformava a
vítima num tosco americano sem ponta de gosto, manifestar
desagrado era tomado como um insulto.
 - Mitterrand era um homem ousado - respondeu, dividindo a
diferença. Dizia-se que o falecido presidente francês, que
encomendara a pirâmide a Pei, sofria de um "complexo
faraónico". Responsável por ter enchido Paris de obeliscos, obras
de arte e artefactos egípcios, François Mitterrand tivera uma tal
afinidade com a cultura nilótica que os Franceses continuavam a
chamar-lhe a Esfinge. - Como se chama o seu capitão? -
perguntou, mudando de assunto.
 - Bezu Fache - respondeu o tenente, aproximando-se da
entrada principal da pirâmide. - Chamamos-lhe lê Taureau.
 Langdon olhou para ele, perguntando a si mesmo se todos
os franceses teriam uma misteriosa alcunha animal.
 - Chamam o Touro ao vosso capitão? O homem arqueou as
sobrancelhas.
 - O seu francês é melhor do que quer admitir, monsieur
Langdon.
 O meu francês é uma porcaria, pensou Langdon, mas a
minha iconografia zodiacal é bastante boa, muito obrigado.
Taurus era sempre o touro. A astrologia era uma constante
simbólica em todo o mundo.
 O tenente parou o carro e apontou, por entre duas fontes,
para uma grande porta na face da pirâmide.
 - Ali tem a entrada. Boa sorte, monsieur.
 - Não vem?
 - As minhas ordens eram para trazê-lo até aqui. Tenho
outros assuntos a tratar.
 Langdon deixou escapar um suspiro e apeou-se. O circo é
vosso, pensou.
 O tenente engatou a primeira, acelerou e afastou-se a
grande velocidade.
 Ali de pé a ver os farolins traseiros do carro desaparecerem
na noite, Langdon apercebeu-se de que podia muito facilmente
reconsiderar, atravessar a praça, apanhar um táxi e voltar para
a cama. Alguma coisa lhe disse que era provavelmente uma
péssima ideia.
 Enquanto avançava por entre a bruma de água das fontes,
teve a perturbadora sensação de estar a transpor um limiar
invisível para um outro mundo. A sensação onírica daquela noite
estava uma vez mais a envolvê-lo. Vinte minutos antes, dormia
no seu quarto de hotel. Agora, encontrava-se de pé diante da
pirâmide de vidro mandada construir pela Esfinge, à espera de
ser recebido por um polícia a que chamavam o Touro.
 Estou preso num quadro do Dali, pensou.
 Dirigiu-se à entrada principal - uma enorme porta giratória.
O átrio que ficava para lá dela, escassamente iluminado, estava
deserto.
 Bato à porta?
 Perguntou a si mesmo se alguma vez algum respeitado
egiptologista de Harvard teria batido à porta de uma pirâmide
esperando que lhe respondessem. Ergueu a mão para bater no
vidro, mas das sombras lá em baixo surgiu uma figura, a subir a
escadaria encurvada. O homem, atarracado e escuro, quase
Neanderthal, vestia um casaco assertoado que a largura dos
ombros repuxava, como se lhe estivesse apertado. Caminhava
com um ar de inconfundível autoridade sobre pernas curtas e
fortes. Vinha a falar pelo celular, mas terminou a chamada antes
de chegar. Fez sinal a Langdon para que entrasse.
 - Chamo-me Bezu Fache - anunciou, enquanto Langdon
passava pela porta giratória. - Capitão da Direcção Central da
Polícia Judiciária. - O tom era a condizer: um ribombar gutural,
como um prenúncio de tempestade. 
 Langdon estendeu a mão.
 - Robert Langdon.
 A manápula enorme de Fache fechou-se à volta da mão de
Langdon com uma força esmagadora.
 - Vi a fotografia - disse Langdon. - O seu agente disse que
foi o próprio Jacques Saunière que fez...
 - Senhor Langdon - interrompeu-o Fache, cravando nele uns
olhos cor de ébano. - O que viu na fotografia foi apenas o início
daquilo que o Saunière fez.
CAPÍTULO QUATRO 
 O capitão Bezu Fache movia-se como um touro furioso, com
os largos ombros puxados para trás e o queixo enterrado no
peito. Tinha cabelos pretos e reluzentes de gel, esticados para a
nuca, destacando o bico-de-viúvo pontiagudo como uma seta
que lhe dividia ao meio a testa proeminentee o precedia como a
proa de um cruzador. À medida que avançava, parecia queimar
com os olhos a terra à sua frente, irradiando um brilho
incandescente que apregoava a sua reputação de inflexível
severidade em todas as coisas.
 Langdon desceu atrás dele a famosa escadaria de mármore
que conduzia ao átrio situado por baixo da pirâmide de vidro.
Na descida, passaram por dois agentes armados com pistolas-
metralhadoras. A mensagem era clara: esta noite, ninguém
entra e ninguém sai sem a bênção do capitão Fache.
 Enquanto descia abaixo do nível da praça, Langdon esforçou-
se por combater uma crescente sensação de temor. O ar do
capitão Fache era tudo menos acolhedor, e o próprio Louvre
tinha, àquela hora da noite, uma aura quase sepulcral. A
escadaria, como a coxia de um cinema às escuras, era iluminada
por pequenas lâmpadas embebidas nos degraus. Langdon ouvia
os seus próprios passos ecoarem na cúpula de vidro, lá em cima.
Quando olhou, viu, através do telhado transparente, a brisa
dispersar a poalha de água dos repuxos, fantasmagoricamente
iluminados pelas luzes dos tanques.
 - Gosta? - perguntou Fache, apontando para cima com o
grande queixo.
Langdon suspirou, demasiado cansado para jogos.
 - Sim, a vossa pirâmide é magnífica.
 - Uma verruga no rosto de Paris - resmungou Fache.
 Um a zero. Langdon sentiu que o seu anfitrião era um homem
difícil de contentar. Perguntou a si mesmo se Fache faria a
mínima ideia de que aquela pirâmide fora, por exigência
expressa do presidente Mitterrand, construída com exactamente
666 painéis de vidro - estranha exigência que sempre fora um
tema quente entre os adeptos da teoria da conspiração, os quais
afirmavam que 666 era o número de Satanás.
 Decidiu não abordar o assunto.
 À medida que desciam em direcção ao átrio subterrâneo, o
vasto espaço foi emergindo das sombras. Dezassete metros
abaixo do nível da praça, os seis mil e quinhentos metros
quadrados do novo átrio do Louvre estendiam-se como uma
gruta interminável. com paredes e chão de mármore em quentes
tons de ocre, a condizer com a pedra cor de mel da fachada do
museu, o átrio subterrâneo estava normalmente cheio de sol e
de turistas. Naquela noite, porém, mostrava-se árido e escuro,
impregnado de uma fria atmosfera de cripta.
 - E o pessoal normal da segurança do museu? - perguntou
Langdon.
 - En quarantaine - respondeu Fache, como se Langdon tivesse
posto em causa a integridade da sua própria equipa. -
Obviamente, esta noite entrou aqui alguém que não devia ter
conseguido entrar. Todos os guardas de serviço estão na Ala
Sully, a ser interrogados. A segurança do museu está a cargo
dos meus homens.
 Langdon assentiu, caminhando rapidamente para se manter a
par do capitão.
 - Conhecia bem o conservador Jacques Saunière? - perguntou
este.
 - Não o conhecia de todo. Nunca falámos pessoalmente.
Fache pareceu surpreendido.
 - Iam encontrar-se pela primeira vez esta noite?
 - Exacto. Tínhamos combinado encontrar-nos na recepção
oferecida pela Universidade Americana depois da minha
conferência, mas ele não apareceu.
 Fache rabiscou algumas notas num pequeno caderno.
Enquanto caminhavam, Langdon viu de relance a outra
pirâmide, muito menos conhecida, do Louvre - a Pyramid
Inversée - uma enorme clarabóia invertida que pendia do tecto
como uma estalactite, numa secção contígua do átrio. Fache
subiu à frente dele o pequeno lanço de escadas que conduzia à
entrada em arco de um túnel por cima da qual uma tabuleta
indicava: DENON. A Ala Denon era a mais famosa das três
secções principais do Louvre.
 - Qual dos dois pediu o encontro desta noite - perguntou
Fache subitamente. - Ele ou o senhor?
 A pergunta pareceu estranha.
 - Foi o senhor Saunière - respondeu Langdon, enquanto
entravam no túnel. - A secretária dele contactou-me há poucas
semanas, via e-mail. Dizia que o conservador Saunière soubera
que eu ia dar uma conferência em Paris, este mês, e gostaria de
aproveitar a minha presença para discutir uns assuntos.
 - Que assuntos?
 - Não sei. Relacionados com a arte, suponho. Partilhávamos
os mesmos interesses.
 Fache lançou-lhe um olhar carregado de cepticismo.
 - Não faz a mínima ideia do tema do encontro?
 Langdon não fazia. Ficara curioso, na altura, mas não se
sentira à-vontade para pedir pormenores. O reverenciado
Jacques Saunière tinha uma bem conhecida tendência para o
secretismo e era raríssimo encontrar-se com quem quer que
fosse. Langdon ficara grato pela simples oportunidade de
conhecê-lo.
 - Senhor Langdon, consegue ao menos dar-me um palpite
sobre o assunto que a nossa vítima queria discutir consigo na
noite em que foi assassinada? Poderia ser muito útil.
 A dureza da pergunta fez Langdon sentir-se pouco à-vontade.
 - Não faço a mínima ideia. Não perguntei. Fiquei muito
honrado por ter sido contactado. Sou um admirador da obra do
senhor Saunière. Uso com frequência textos dele nas minhas
aulas.
 Fache tomou nota do facto no seu caderninho.
 Os dois homens iam agora a meio caminho do túnel de
acesso à Ala Denon e Langdon viu, ao fundo, as duas escadas
rolantes ascendentes, ambas paradas.
 - Partilhavam então os mesmos interesses? - perguntou Fache.
 - Sim. A verdade é que passei a maior parte deste último ano
a escrever o rascunho de um livro que aborda a principal área
de especialização do senhor Saunière. Estava na esperança de
conseguir tirar alguns nabos-da-púcara.
 Fache ergueu vivamente a cabeça
 - Como?
 Aparentemente, o idiomatismo não tinha equivalente.
 - Estava desejoso de conhecer as opiniões dele sobre o tema.
 - Estou a ver. E qual é esse tema?
 Langdon hesitou, sem saber muito bem como pôr aquilo.
 - Essencialmente, o trabalho é a respeito do culto da deusa...
o
conceito do sagrado feminino e a arte e os símbolos que lhe
estão associados.
 Fache passou a mão enorme pelos cabelos.
 - E o Saunière era perito nessa matéria?
 - O maior de todos.
 - Estou a ver.
 Langdon teve a sensação de que Fache não estava a ver coisa
nenhuma. Jacques Saunière era considerado o maior
iconografista da deusa do mundo. Não só tinha uma paixão
pessoal por tudo o que se relacionasse com fertilidade, cultos da
deusa, Wicca e o sagrado feminino, como, durante os seus vinte
anos no cargo de conservador, ajudara o Louvre a reunir a
maior colecção do planeta de arte ligada à deusa: machados de
dois gumes oriundos do mais antigo santuário das sacerdotisas
gregas de Delfos, caduceus de ouro, centenas de ankhs Tjet
semelhantes a pequenos anjos de pé, sistros usados no antigo
Egipto para afastar os maus espíritos e uma espantosa
quantidade de estatuetas de Hórus a ser alimentado por Isis.
 - Talvez o conservador Saunière soubesse do seu manuscrito -
sugeriu Fache - e tenha sugerido o encontro para oferecer-lhe
ajuda?
 Langdon abanou a cabeça.
 - A verdade é que ainda ninguém sabe do meu livro. Está na
fase de rascunho e não o mostrei a ninguém, excepto ao meu
editor.
 Fache ficou calado.
 Landgon não acrescentou a razão porque não mostrara o
manuscrito a mais ninguém. O rascunho de trezentas páginas -
provisoriamente intitulado Símbolos do Sagrado Feminino
Perdido - propunha várias interpretações muito pouco
convencionais da iconografia religiosa estabelecida que iam sem
a mínima dúvida provocar controvérsia.
 Quando estava quase a chegar às escadas rolantes
imobilizadas, deteve-se, apercebendo-se de que Fache já não o
acompanhava. Voltando a cabeça, viu-o alguns metros mais
atrás, parado à porta de um elevador de serviço.
 - Vamos de elevador - disse o capitão, quando as portas se
abriram. - Como certamente sabe, ainda é uma boa caminhada
até à galeria.
 Embora soubesse que o elevador abreviaria a longa subida de
dois pisos até à Ala Denon, Langdon não saiu de onde estava.
 - Algum problema? - perguntou Fache, mantendo as portas
abertas com um ar de impaciência.
 Langdon suspirou, lançando um olhar de pena à escada
rolante. Nenhum problema, mentiu a si mesmo, enquanto
retrocedia até ao elevador. Quando rapaz, caíra num poço
abandonado e quase morrera, lutando por manter-seà tona
durante horas até que finalmente o tinham encontrado. Da
experiência ficara-lhe uma quase invencível fobia de espaços
fechados - elevadores, metropolitanos, courts de squash. O
elevador é uma máquina perfeitamente segura, repetia
constantemente, sem nunca se conseguir convencer. É uma
pequena caixa metálica suspensa no interior de um poço
fechado! Retendo a respiração, entrou no elevador, sentindo a
tão sua conhecida descarga de adrenalina quando as portas se
fecharam.
 Dois pisos. Dez segundos.
 - Portanto - disse Fache, quando o ascensor começou a subir -
O senhor e Monsieur Saunière nunca chegaram a falar? Nunca
se corresponderam? Nunca trocaram mensagens por E-mail?
 Outra pergunta estranha. Langdon abanou a cabeça.
 - Não. Nunca.
 Fache inclinou um pouco a cabeça, como se estivesse a anotar
mentalmente o facto. Ficou a olhar em frente, para as portas
cromadas, sem acrescentar uma palavra.
 Enquanto subiam, Langdon tentou pensar em tudo menos nas
quatro paredes que o rodeavam. Viu, reflectido na porta
brilhante do elevador, o alfinete de gravata do capitão Fache:
um crucifixo de prata, com treze placas de ónix preto
incrustadas. Achou aquilo vagamente surpreendente. O símbolo
era conhecido como crux gemmata - uma cruz com treze gemas -
um ideograma cristão de Cristo e dos seus doze apóstolos. Sem
saber muito bem porquê, não esperara que um capitão da
Polícia francesa proclamasse tão abertamente a sua religião.
Mas a verdade era que estava em França; ali, o cristianismo era
mais um direito hereditário do que uma religião.
 - É uma cruz gemmata - disse Fache, subitamente.
 Sobressaltado, Langdon ergueu os olhos e viu, reflectidos no
metal, os do polícia cravados nele.
 O elevador parou com um ligeiríssimo solavanco e as portas
abriram-se.
 Langdon saiu para o corredor, ansioso do vasto espaço aberto
proporcionado pelos famosos altos tectos das galerias do Louvre.
O mundo onde se encontrou não era, porém, nada do que
esperara.
 Surpreendido, deteve-se abruptamente.
 Fache lançou-lhe um olhar.
 - Deduzo, senhor Langdon, que nunca viu o Louvre fora de
horas?
 Acho que não, pensou Langdon, tentando orientar-se.
 Por regra impecavelmente iluminadas, as galerias do museu
estavam mergulhadas numa surpreendente escuridão. Em vez
da habitual luz branca vinda de cima, um clarão vermelho, baço,
parecia emanar dos rodapés - manchas intermitentes de luz
vermelha que se derramavam pelas lajes do chão
 Ao olhar para o sombrio corredor, Langdon apercebeu-se de
que devia ter contado com aquilo. Praticamente todas as
grandes galerias usavam luzes vermelhas durante a noite - luzes
de baixa intensidade, não-agressivas, estrategicamente
distribuídas de modo a permitir ao pessoal percorrer os
corredores e ao mesmo tempo manter os quadros numa relativa
obscuridade que atenuava os efeitos deletérios de uma
sobreexposição à luz. O que, naquela noite, criava um ambiente
quase opressivo. Havia longas sombras por todo o lado, e os
altos tectos abobadados pareciam um vazio negro e baixo.
 - Por aqui - disse Fache, voltando à direita e começando a
atravessar uma série de galerias interligadas.
 Langdon seguiu-o, com os olhos a adaptarem-se pouco a
pouco a escuridão. À sua volta, grandes quadros a óleo
começaram a materializar-se como fotografias a serem
reveladas numa enorme câmara-escura... com olhos que o
seguiam quando passava. Sentiu na boca o sabor tão especial
do ar dos museus - um sabor estéril, desionizado com um leve
toque de carbono -, um produto dos desumidificadores
industriais de filtros de carvão que trabalhavam
ininterruptamente para combater o corrosivo dióxido de
carbono exalado pelos visitantes.
 Montadas bem alto nas paredes, as conspícuas câmaras de
segurança transmitiam uma mensagem claríssima: Estamos a
vê-los. Não toquem em nada.
 - Alguma delas é verdadeira? - perguntou Langdon -
apontando para as câmaras.
 Fache abanou a cabeça.
 - Claro que não.
 Langdon não ficou surpreendido. A vigilância electrónica num
museu daquele tamanho teria um custo proibitivo, além de não
servir para nada. Com quilómetros de galerias para vigiar,
seriam necessárias centenas de técnicos só para monitorizar os
visores. A maior parte dos museus tinha optado pela "segurança
de retenção". Não vale a pena tentar impedir os ladrões de
entrar, o que importa é não os deixar sair. O sistema de
retenção era activado logo após o fecho das portas, e se algum
intruso tentasse remover uma das obras de arte, as barreiras
fechavam-se selando a galeria, e o ladrão via-se atrás de grades
ainda antes de a Polícia chegar.
 O corredor de mármore que se estendia à frente deles
encheu-se do eco de vozes. O ruído parecia vir de uma divisão
recuada, mais à frente e à direita, de onde uma mancha de luz
intensa se derramava para a passagem.
 - Gabinete do conservador - anunciou o capitão. 
 Quando se aproximaram, Langdon viu, ao fundo de um curto
corredor, o luxuoso gabinete de Jacques Saunière - madeiras
quentes, obras dos Velhos Mestres nas paredes e uma enorme
secretária antiga sobre cujo tampo se erguia o modelo de um
guerreiro de armadura com sessenta centímetros de altura. Um
punhado de agentes da Polícia movia-se azafamadamente de
um lado para o outro, falando ao telefone e tomando notas. Um
deles estava sentado à secretária, a escrever num computador
portátil. Aparentemente, o gabinete do conservador fora
transformado, pelo espaço de uma noite, no improvisado posto
de comando da DCPJ.
 - Messieurs - disse Fache, e os homens voltaram-se para ele -,
ne nous dérangez pas sous aucun prétexte. Entendu?
 Todos os presentes assentiram com a cabeça.
 Langdon já tinha pendurado suficientes cartões NE PÁS
DERANGER em portas de hotel para apanhar o essencial das
ordens do capitão. Fache e ele próprio não deveriam ser
perturbados fosse a que pretexto fosse.
 Deixando o pequeno grupo de agentes no gabinete, Fache
continuou a conduzir Langdon pelo escuro corredor. Trinta
metros mais à frente, abria-se a entrada da mais popular das
secções do Louvre - La Grande Galerie - um corredor
aparentemente interminável que albergava as mais famosas
obras-primas italianas da colecção do museu. Langdon sabia
que era ali que ia encontrar o corpo de Jacques Saunière; o
célebre soalho de parquet da Grande Galeria era claramente
visível na Polaroid.
 Quando se aproximaram, viu que a entrada da galeria estava
fechada por uma grade de aço que parecia uma daquelas coisas
que os antigos castelos usavam para impedir a entrada aos
exércitos inimigos.
 - Segurança de retenção - explicou Fache, detendo-se junto da
grade.
 Mesmo no escuro, a barricada parecia capaz de deter um
tanque. Chegando do exterior, Langdon espreitou para os
obscuros recessos da Grande Galeria.
 - Tenha a bondade, monsieur Langdon - disse Fache. Langdon
voltou-se para ele, sem compreender.
 Fache apontou para o chão, junto à base da grade.
 Langdon seguiu a direcção do gesto. Na escuridão, não se
apercebera. A barricada fora erguida cerca de sessenta
centímetros, oferecendo uma passagem incómoda mas
praticável.
 - Esta área continua interdita à segurança do museu -
continuou Fache. - A minha equipa de Police Techique e
Scientifique acaba de completar a sua investigação. - Voltou a
apontar para a Parte inferior da grade. - Faça favor.
 Langdon olhou para a estreita abertura a seus pés e depois
para a maciça grade de ferro. Deve estar a brincar, com certeza.
A grade parecia uma guilhotina preparada para esmagar
qualquer intruso.
 Fache resmungou qualquer coisa em francês e consultou o
relógio. Pôs-se então de joelhos e fez deslizar o volumoso corpo
por baixo da grade. Do outro lado, ergueu-se e olhou para
Langdon através das barras.
 Langdon suspirou, apoiou as palmas das mãos no parquet
encerado, estendeu-se de bruços e empurrou-se para a frente.
Ao deslizar, prendeu a gola do fato no rebordo inferior da grade
e bateu com a nuca no ferro.
 Muito suave, Robert, pensou, rastejando desajeitadamente até
finalmente conseguir passar. Quando se pôs de pé,começou a
suspeitar de que ia ser uma noite muito, muito longa.
CAPÍTULO CINCO
 Murray Hill Place - a nova sede nacional e centro de
conferências da Opus Dei - situa-se no nº 243 da Lexington
Avenue, em Nova Iorque. Tendo custado um pouco mais de
quarenta e sete milhões de dólares, a torre, com doze mil
trezentos e cinquenta metros quadrados de área coberta total, é
toda ela forrada a tijolo vermelho e calcário do Indiana.
Desenhado por May ( Pinska, o edifício comporta mais de cem
quartos, seis salões de jantar, bibliotecas, salas de estar e
gabinetes. Nos segundo, oito e décimo sexto pisos há capelas
decoradas com trabalhos de marcenaria e mármore. O décimo
sétimo piso é totalmente residencial. Os homens entram no
edifício pela porta principal, na Lexington Avenue. As mulheres
entram por uma porta lateral e estão, em todas as ocasiões,
"acústica e visualmente separadas" dos homens.
 No começo dessa mesma noite, no santuário do seu
apartamento de cobertura, o bispo Manuel Aringarosa preparou
um pequeno saco de viagem e envergou uma tradicional sotaina
preta. Normalmente, ataria uma faixa púrpura à volta da
cintura, mas, uma vez que se preparava para viajar entre o
público, não quis atrair a atenção para o seu alto cargo. Só os
mais atentos reparariam no anel episcopal de ouro de catorze
quilates com a ametista púrpura, os grandes diamantes e a
aplicação de ouro com a forma de uma mitra um báculo
trabalhada à mão. Pôs o saco de viagem ao ombro, rezou uma
oração silenciosa e saiu do apartamento, descendo no elevador
até ao vestíbulo onde o motorista esperava para levá-lo ao
aeroporto.
 Pouco depois, instalado a bordo de um voo comercial com
destino a Roma, contemplava, através da janela, o escuro
Atlântico. O Sol já se tinha posto, mas Aringarosa sabia que a
sua própria estrela estava em ascensão. Esta noite, a batalha
será ganha, pensou, espantado pelo facto de, apenas meses
antes, se ter sentido impotente contra as mãos que ameaçavam
destruir o seu império.
 Como presidente-geral da Opus Dei, o bispo Aringarosa
passara a última década da sua vida a divulgar a mensagem da
Obra de Deus - literalmente, Opus Dei. A congregação, fundada,
em 1928, pelo padre espanhol Josemaría Escrivá, promovia o
regresso aos valores católicos tradicionais e encorajava os seus
membros a fazer grandes sacrifícios pessoais para poderem
levar a cabo a Obra de Deus.
 A filosofia tradicionalista da Opus Dei começara por lançar
raízes na Espanha anterior ao regime de Franco, mas, com a
publicação, em 1934, do livro espiritual de Escrivá, Caminho -
999 pontos de meditação para fazer na vida a Obra de Deus -, a
mensagem alastrara a todo o mundo. Agora, com mais de
quatro milhões de exemplares de O Caminho publicados em
quarenta e duas línguas, a Opus Dei era uma força global. Tinha
residências, centros de ensino e até universidades em todas as
principais metrópoles da Terra. A Opus Dei era, a nível mundial,
a organização católica que apresentava a mais elevada taxa de
crescimento e a situação financeira mais firme. Infelizmente,
como Aringarosa depressa descobrira, numa era de cinismo
religioso, cultos e tele-evangelistas, o poder e a riqueza de que
dispunha eram também um íman que atraía suspeitas.
 - Muitos consideram-vos um culto alienante. Outros chamam-
vos uma sociedade secreta cristã ultraconservadora. Qual destas
coisas é a Opus Dei? -, perguntavam com frequência os
jornalistas, em tom de provocação.
 - Nem uma, nem outra -, respondia pacientemente o bispo. -
Somos uma Igreja Católica. Somos uma congregação de
católicos que escolheram como sua prioridade seguir a doutrina
católica nas nossas vidas quotidianas o mais rigorosamente que
pudermos.
 - A Obra de Deus incluirá necessariamente votos de castidade,
o pagamento do dízimo e a penitência pelos pecados através da
autoflagelação e do uso de cilícios?
 - Está a descrever apenas uma pequena parte da população
da Opus Dei -, dizia o bispo. - Há muitos níveis de envolvimento.
Milhares de membros da Opus Dei são casados, têm família e
fazem Obra de Deus no seio das suas próprias comunidades.
Outros preferem viver em ascetismo na clausura das nossas
residências. Estas escolhas são pessoais, mas todos na Opus Dei
partilhamos o objectivo de tornar o mundo melhor fazendo a
Obra de Deus. É certamente um propósito admirável.
 Ah, mas a razão raramente resultava. Os media gravitavam
para o escândalo, e a Opus Dei, como a maior parte das
grandes organizações, contava entre os seus membros algumas
almas perdidas que lançavam uma sombra sobre todo o
conjunto.
 Dois meses antes, um grupo da congregação numa
universidade do Midwest fora apanhado a drogar novos recrutas
com mescalina na tentativa de induzir um estado eufórico que os
neófitos tomassem por uma experiência religiosa. Um outro
estudante universitário usara o seu cilício durante mais tempo do
que as recomendadas duas horas diárias e contraíra uma
infecção que quase o matara. Em Boston, bastante recentemente,
um jovem e desiludido banqueiro doara as poupanças de uma
vida inteira à Opus Dei antes de tentar suicidar-se.
 Ovelhas tresmalhadas, pensava Aringarosa, e o seu coração
voava para eles.
 O grande embaraço fora, claro, o muito publicitado
julgamento do espião do FBI Robert Hanssen, que, além de ser
um proeminente membro da Opus Dei, acabara por se revelar
culpado de práticas sexuais desviantes. No julgamento, ficara
provado que equipara o seu quarto com câmaras de vídeo
escondidas para que os amigos pudessem vê-lo a ter relações
com a mulher. "O que dificilmente se poderá considerar um
passatempo adequado a um católico devoto", observara o juiz.
 Infelizmente, todos estes acontecimentos tinham ajudado ao
aparecimento de um novo grupo de vigilância conhecido como
Opus Dei Awareness Network (ODAN). O concorridíssimo
website deste grupo - www.odan.org - publicava histórias
assustadoras narradas por ex-membros que alertavam para o
perigo de aderir à organização. Os meios de comunicação
referiam-se agora à Opus Dei como "a Máfia de Deus" e "o Culto
de Cristo".
 Receamos aquilo que não compreendemos, pensou
Aringarosa, Perguntando a si mesmo se aqueles críticos fariam
alguma ideia quantas vidas a Opus Dei tinha enriquecido. O
grupo gozava do pleno aval e da bênção do Vaticano. A Opus
Dei é uma prelatura pessoal do próprio Papa.
 Recentemente, no entanto, vira-se ameaçada por uma força
infinitamente mais poderosa do que os media.... um inimigo
inesperado do qual Aringarosa não tinha meio de se esconder.
Cinco meses antes, o caleidoscópio do poder fora sacudido, e
Aringarosa estava ainda a refazer-se do golpe.
 - Nem imaginam a guerra em que se meteram -, murmurou o
bispo para si mesmo, olhando através da janela do avião para o
negro oceano lá em baixo. Por um instante, refocou os olhos,
demorando-os no reflexo do seu próprio rosto - escuro e
oblongo, dominado por um nariz achatado e adunco, partido
por um murro quando era um jovem missionário, em Espanha.
Uma deficiência física que ele quase já não notava. O mundo de
Aringarosa era o mundo da alma, não o da carne.
 Quando o avião sobrevoava a costa de Portugal, o telemóvel
começou a vibrar no bolso da sotaina de Aringarosa, com o sinal
sonoro desligado. Mal-grado as regras da companhia que
proibiam o uso de telefones celulares durante o voo, Aringarosa
sabia que aquela era uma chamada que não podia perder.
Apenas um homem conhecia aquele número, o mesmo que lhe
enviara o telefone pelo correio.
 Excitado, o bispo respondeu em voz baixa:
 - Sim?
 - O Silas localizou a Chave de Abóbada - disse a voz. - Está
em Paris. Na igreja de Saint-Sulpice.
 O bispo Aringarosa sorriu.
 - Então estamos perto.
 - Podemos consegui-la imediatamente. Mas precisamos da
sua influência.
 - com certeza. Diga-me o que devo fazer.
 Quando desligou o telemóvel, Aringarosa tinha o coração a
bater com força. Olhou mais uma vez para o vazio da noite,
sentindo-se um anão face aos acontecimentos que acabava de
desencadear.
 A oitocentos quilómetros dali, o albino chamadoSilas,
inclinado para uma pequena bacia cheia de água, lavava o
sangue que lhe escorria das costas, observando os esfiapados
padrões de vermelho que se desenhavam no líquido. Purga-me
com o hissope e ficarei limpo, rezou, citando os Salmos. Lava-
me, e ficarei mais branco do que a neve.
 Silas sentiu uma excitação expectante que não experimentava
desde os tempos da sua antiga vida, uma excitação que o
surpreendeu e ao mesmo tempo o electrizou. Havia já uma
década que seguia O Caminho, lavando-se do pecado...
reconstruindo a sua vida... apagando a violência do seu
passado. Naquela noite, porém, tudo voltara, numa vaga
avassaladora. O ódio que tanto se esforçara por enterrar fora
chamado à superfície. Ficara espantado pela rapidez com que o
passado ressurgira. E com ele, claro, tinham regressado as suas
capacidades, enferrujadas mas utilizáveis.
 A mensagem de Jesus é uma mensagem de paz... de não-
violência... de amor. Era esta a mensagem que lhe tinham
ensinado desde o início, a mensagem que gravara no coração. E
no entanto, era esta a mensagem que os inimigos de Cristo
ameaçavam agora destruir. Aqueles que ameaçam Deus com a
força, encontrarão a força. Inamovível e firme.
 Durante dois milénios, os soldados de Cristo tinham defendido
a sua fé contra aqueles que tentavam destruí-la. Naquela noite,
Silas fora chamado à batalha.
 Depois de secar as feridas, vestiu o hábito que lhe chegava
aos tornozelos. Era grosseiro, feito de lã escura, que lhe
acentuava a brancura da pele e dos cabelos. Amarrou a corda à
volta da cintura, cobriu a cabeça com o capuz e permitiu-se um
instante para observar o seu reflexo no espelho. As rodas
começaram a girar.
CAPÍTULO SEIS
 Depois de ter passado por baixo da grade de segurança,
Robert Langdon deteve-se à entrada da Grande Galeria, a olhar
para a boca de um longo e fundo desfiladeiro. De ambos os
lados, as paredes erguiam-se a nove metros de altura, fundindo-
se na escuridão, lá em cima. O clarão avermelhado das luzes de
serviço parecia elevar-se do chão, banhando numa
luminosidade irreal a deslumbrante colecção de da Vincis,
Ticianos e Caravaggios suspensos do tecto por meio de cabos.
Naturezas-mortas, cenas religiosas e paisagens faziam
companhia a retratos de nobres e políticos.
 Apesar de a Grande Galeria albergar as mais famosas peças
da arte italiana, muitos dos visitantes achavam que o que nela
havia de mais impressionante era na realidade o seu famoso
soalho de parquet. Disposto num estonteante desenho
geométrico de placas de carvalho em diagonal, o soalho
produzia uma efémera ilusão de óptica - uma rede
multidimensional que dava ao visitante a impressão de flutuar
através da galeria sobre uma superfície que se transformava a
cada passo.
 Os olhos de Langdon, que seguiam o traçado dos embutidos
de madeira, detiveram-se abruptamente num inesperado objecto
caído no chão poucos metros à sua esquerda, isolado por fita da
Polícia.
 Voltou-se para Fache.
 - Aquilo ali no chão... é um Caravaggio?
 O capitão assentiu, sem sequer olhar.
 O quadro, calculou Langdon, valia mais de dois milhões de
dólares, e no entanto ali estava, caído no chão, como um cartaz
que alguém tivesse deitado fora.
 - Que raio está a fazer no meio do chão?
 Fache lançou-lhe um olhar severo, claramente nada
impressionado.
 - Isto é aquilo a que se chama um local do crime, senhor
Langdon. Não tocámos em nada. Aquela tela foi arrancada da
parede pelo conservador Saunière. Foi assim que ele activou o
sistema de segurança.
 Langdon olhou para a grade, tentando reconstituir
mentalmente o que acontecera.
 - Monsieur Saunière foi atacado no seu gabinete, conseguiu
fugir para a Grande Galeria e activou a grade de segurança
arrancando o quadro da parede. A grade desceu
imediatamente, selando a galeria. Esta é a única porta de
entrada e de saída.
 Langdon estava confuso.
 - Quer dizer com isso que o senhor Saunière encurralou o
atacante dentro da galeria?
 Fache abanou a cabeça.
 - A grade de segurança separou o conservador Saunière do
seu atacante. O assassino ficou no corredor e atingiu monsieur
Saunière a tiro através da grade. - Apontou para uma etiqueta
cor de laranja presa a uma das barras da grade por baixo da
qual acabavam de passar. - A equipa PTC encontrou resíduos de
pólvora de uma arma. Disparou através da grade. Monsieur
Saunière morreu sozinho, aqui dentro.
 Langdon recordou a fotografia do corpo de Saunière. Dizem
que fez aquilo a si mesmo. Olhou para o interminável corredor
que se estendia diante deles.
 - Onde está então o corpo?
 Fache endireitou o seu cruciforme alfinete de gravata e
começou a caminhar.
 - Como provavelmente sabe, a Grande Galeria é muito
comprida.
 O comprimento exacto, se Langdon bem recordava, era de
cerca de quatrocentos e cinquenta metros, o equivalente a três
Washington Monuments postos a seguir uns aos outros. E a
largura do corredor era igualmente impressionante, podendo
com toda a facilidade acomodar dois comboios de passageiros
lado-a-lado. Ao longo do centro, a espaços irregulares,
distribuíam-se estátuas ou grandes urnas de porcelana, que
faziam o papel de separador e obrigavam o fluxo de visitantes a
fazer-se num sentido e no outro junto a paredes opostas.
 Fache mantinha-se silencioso, avançando a passo rápido pelo
lado direito da galeria, o olhar fixo em frente. Langdon sentia
que era quase uma falta de respeito passar diante de tantas
obras-primas sem fazer uma pausa, quanto mais não fosse para
um olhar.
 Não que conseguisse ver qualquer coisa com esta luz, pensou.
 O mortiço clarão avermelhado trouxe-lhe infelizmente à
memória recordações da sua última experiência com iluminação
não-invasiva nos Arquivos Secretos do Vaticano. Era já o
segundo e perturbador paralelo com a sua quase mortal
aventura em Roma. Voltou a pensar em Vittoria. Estivera ausente
dos seus sonhos durante meses. Mal conseguia acreditar que
Roma tivesse sido apenas um ano antes; pareciam-lhe décadas.
Uma outra vida. A última vez que soubera dela, fora em
Dezembro: um postal a dizer que ia a caminho do mar de Java
para prosseguir as suas pesquisas... qualquer coisa relacionada
com o uso de satélites para monitorizar as migrações das
mantas. Langdon não alimentara ilusões a respeito de uma
mulher como Vittoria Vetra pudesse ser feliz a viver num campus
universitário, mas o encontro de Roma despertara nele desejos
que nunca imaginara poder sentir. A afinidade de uma vida
inteira com o celibato e as liberdades simples que permitia fora
de alguma maneira abalada... substituída por um inesperado
vazio que parecia ter crescido durante o último ano.
 Continuaram a avançar, sem que Langdon visse qualquer
corpo.
 - O Jacques Saunière veio até tão longe?
 - Monsieur Saunière sofreu um ferimento de bala no
estômago. Morreu muito lentamente. Talvez mais de quinze ou
vinte minutos. Era obviamente um homem de grande força
pessoal.
 Langdon voltou-se para ele, estupefacto.
 - A segurança demorou vinte minutos a chegar aqui?
 - Claro que não. Os seguranças do museu responderam
imediatamente ao alarme e encontraram a Grande Galeria
selada. Através da grade, ouviram alguém a mexer-se na
extremidade mais distante do corredor, mas não conseguiam ver
quem era. Gritaram, mas não obtiveram resposta. Assumindo
que só podia tratar-se de um criminoso, seguiram o protocolo e
chamaram a Polícia Judiciária.
Ocupámos as nossas posições quinze minutos mais tarde.
Quando chegámos, erguemos a grade apenas o suficiente para
podermos cassar por baixo dela, e mandei uma dúzia de
agentes armados para o interior. Percorreram toda a galeria,
com o objectivo de encurralar o intruso.
 - E?
 - Não encontraram ninguém cá dentro. Excepto... - apontou
mais para o fundo do corredor - ele.
 Langdon ergueu os olhos e seguiu a direcção do dedo
estendido de Fache. De início, pensou que o capitão estava a
apontar para uma grande estátua de mármore colocada no meio
da galeria. Mas, continuando a avançar, começou a ver para lá
da estátua. Trinta metros mais à frente, um projector isoladomontado num suporte apontava para o chão, criando uma crua
mancha de luz branca na avermelhada escuridão circundante.
No centro da poça de luz, como um insecto sob as lentes de um
microscópio, o corpo do conservador Saunière jazia nu no chão
de parquet.
 - Viu a fotografia - disse Fache -, de modo que isto não
constituirá surpresa.
 Langdon sentiu um grande frio entranhar-se-lhe nos ossos à
medida que se aproximavam do corpo. À sua frente, estava uma
das mais estranhas imagens que alguma vez vira.
 
 O pálido cadáver de Jacques Saunière jazia no soalho de
parquet exactamente como aparecia na foto. Debruçado para
ele, de olhos semicerrados por causa da luz, Langdon recordou a
surpresa que sentira ao saber que Saunière passara os últimos
dez minutos de vida a dispor o seu próprio corpo daquela
estranha maneira.
 O conservador parecia notavelmente vigoroso para um
homem da sua idade... e toda a sua musculatura estava bem à
vista. Despojara-se de todas as peças de roupa, que deixara
cuidadosamente dobradas no chão, e deitara-se de costas no
centro da larga galeria, perfeitamente alinhado com o eixo do
corredor. Tinha os braços e as pernas bem abertos e esticados
para fora, como uma criança a preparar-se para dar um chapão
numa piscina... ou, talvez mais exactamente, como um homem a
ser esquartelado por uma qualquer força invisível.
 Logo abaixo do esterno, uma mancha de sangue assinalava o
ponto onde a bala trespassara a carne. A ferida sangrara
surpreendentemente pouco, deixando apenas uma pequena
poça de sangue escuro.
 Também o indicador da mão esquerda estava ensanguentado.
Aparentemente, Saunière mergulhara-o na ferida para criar o
mais perturbador aspecto da tétrica cena; usando o seu próprio
sangue como tinta e a pele nua do ventre como tela, desenhara
um símbolo simples: cinco segmentos de recta que se
intersectavam para formar uma estrela de cinco pontas.
 O pentáculo.
 A estrela sangrenta, centrada no umbigo, dava ao cadáver
uma irrecusável aura demoníaca. A foto que vira era já
suficientemente arrepiante, mas agora, ao testemunhar aquilo
em pessoa, Langdon sentiu um mal-estar crescente.
 Jacques Saunière fez isto a si mesmo.
 - Senhor Langdon? - Os olhos escuros de Fache estavam
cravados nele.
 - É um pentáculo - disse Langdon, com uma voz que soou
cava naquele espaço enorme. - Um dos símbolos mais antigos
do mundo. Já era usado quatro mil anos antes de Cristo.
 - E que significa?
 Langdon hesitava sempre que lhe faziam aquela pergunta.
Explicar a alguém o que um símbolo "significava" era como
dizer-lhe como uma determinada canção devia fazê-lo sentir-se -
era diferente de pessoa para pessoa. Nos Estados Unidos, um
capuz branco do Ku Klux Klan evocava imagens de ódio e
racismo, ao passo que, em Espanha, a mesma indumentária
tinha um significado de fé religiosa.
 - Os símbolos têm significados diferentes em contextos
diferentes - disse. - Essencialmente, o pentáculo é um símbolo
religioso pagão.
 Fache assentiu.
 - Culto do diabo.
 - Não - corrigiu Langdon, apercebendo-se imediatamente de
que a sua escolha de palavras devia ter sido mais clara.
 Actualmente, o termo pagão tornara-se quase sinónimo de
culto do diabo - uma interpretação grosseiramente errada. Na
realidade, as
raízes da palavra remontavam ao latim paganus, que significa
habitantes do campo. Os "pagãos" eram literalmente pessoas do
campo não doutrinadas que continuavam agarradas às antigas
religiões rurais do culto da Natureza. Tão forte era, de facto, o
medo que a Igreja tinha dos habitantes das aglomerações rurais
que o outrora inócuo termo "vilão" - o que vive numa aldeia ou
vila - acabara por designar uma pessoa má.
 - O pentáculo - esclareceu Langdon - é um símbolo pré-cristão
relacionado com o culto da Natureza. Os antigos imaginavam o
mundo em que viviam dividido em duas metades: masculino e
feminino. Os seus deuses e deusas esforçavam-se por manter o
equilíbrio de poder. Yin e Yang. Quando o masculino e o
feminino estavam equilibrados, havia harmonia no mundo.
Quando se desequilibravam, havia caos. - Apontou para o
estômago de Saunière.
 - Este pentáculo representa o lado feminino de todas as
coisas... um conceito a que os historiadores da religião chamam
"sagrado feminino" ou "deusa divina". Jacques Saunière sabê-lo-
ia melhor do que ninguém.
 - Monsieur Saunière desenhou o símbolo de uma deusa no
estômago?
 Langdon teve de admitir que parecia estranho.
 - Na sua interpretação mais específica, o pentáculo simboliza
Vénus... a deusa do amor sexual e da beleza femininos.
 Fache olhou para o homem nu e resmungou qualquer coisa.
 - A religião antiga baseava-se na ordem divina da Natureza.
A deusa Vénus e o planeta Vénus eram uma e a mesma coisa. A
deusa tinha o seu lugar no céu nocturno e era conhecida por
muitos nomes: Vénus, Estrela do Oriente, Ishtar, Astarte..., todos
eles poderosos conceitos femininos com ligações à Natureza e à
Mãe Terra.
 Fache parecia ainda mais perturbado, como se de algum
modo preferisse a ideia do culto do diabo.
 Langdon decidiu não lhe revelar a mais surpreendente
propriedade do pentáculo: a origem gráfica da sua ligação a
Vénus. Ainda jovem estudante de Astronomia, ficara estupefacto
ao saber que o planeta Vénus traçava, de oito em oito anos, um
pentáculo perfeito céu eclíptico. Tão espantados tinham os
Antigos ficado ao observar o fenómeno, que Vénus e o seu
pentáculo se tornaram símboLo de perfeição, beleza e das
qualidades cíclicas do amor sexual. Num
tributo à magia de Vénus, os Gregos usavam o seu ciclo de
oito anos para organizar os Jogos Olímpicos. Actualmente,
poucas pessoas sabem que o calendário quadrienal das
Olimpíadas modernas continua a seguir os meios-ciclos de
Vénus. E menos ainda sabem que a estrela de cinco pontas
esteve muito perto de se tornar o emblema olímpico oficial,
tendo sido substituída à última hora pelos cinco anéis
entrelaçados, que reflectem melhor o espírito de inclusão e
harmonia dos Jogos.
 - Senhor Langdon - disse Fache, abruptamente -, é evidente
que o pentáculo tem também de estar relacionado com o diabo.
Os vossos filmes de terror deixam esse ponto bem claro.
 Langdon franziu o sobrolho. Obrigado, Hollywood. A estrela
de cinco pontas tornara-se um chavão praticamente obrigatório
nos filmes a respeito de assassinos psicopatas satânicos,
geralmente desenhada nas paredes do apartamento de um
qualquer satanista juntamente com outra pretensa simbologia
demoníaca. Langdon ficava sempre frustrado quando via o
símbolo neste contexto; as verdadeiras origens do pentáculo
eram na realidade até muito divinas.
 - Garanto-lhe - disse - que, a despeito do que possa ver nos
filmes, a interpretação demoníaca do pentáculo é historicamente
inexacta. O significado original feminino é correcto, mas o
simbolismo do pentáculo tem sido distorcido ao longo dos
milénios. Neste caso, através do derramamento de sangue.
 - Receio não estar a compreender.
 Langdon olhou para o crucifixo de Fache, sem saber muito
bem como expor o que queria dizer.
 - A Igreja, meu caro senhor. Os símbolos são muito
resistentes, mas o pentáculo foi alterado pela Igreja Católica
primitiva. No âmbito das campanhas do Vaticano para erradicar
as religiões pagãs e converter as massas ao cristianismo, a
Igreja lançou uma campanha de difamação contra os deuses e
deusas pagãos, apresentando os respectivos símbolos como
ligados ao mal.
 - Continue.
 - É um expediente muito comum em épocas de agitação. O
novo poder emergente apodera-se dos símbolos existentes e
degrada-os ao longo do tempo numa tentativa de apagar-lhes o
significado. Na batalha entre os símbolos pagãos e os símbolos
cristãos, os pagãos foram derrotados; o tridente de Posídon
tornou-se a forquilha do diabo, o chapéu pontiagudo da mulher
sábia passou a ser o
emblema da bruxa, e o pentáculo de Vénus converteu-se no
sinal do diabo. - Langdon fez uma pausa. - Infelizmente,
também a instituição militar americana perverteu o pentáculo,
que é hoje um dos principais símbolos da guerra. Pintamo-lo nos
nossos

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