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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE GEOGRAFIA HISTORIA E DOCUMENTAÇÃO DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA BACHARELADO EM GEOGRAFIA A IMPORTÂNCIA DO PATRIMÔNIO IMATERIAL: REDES ARTESANAIS DA COMUNIDADE DE LIMPO GRANDE, MUNICÍPIO DE VÁRZEA GRANDE – MATO GROSSO CUIABÁ-MT 2018 Cintia Araujo Sacramento A IMPORTÂNCIA DO PATRIMÔNIO IMATERIAL: REDES ARTESANAIS DA COMUNIDADE DE LIMPO GRANDE, MUNICÍPIO DE VÁRZEA GRANDE – MATO GROSSO Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de geografia da Universidade Federal de Mato Grosso, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de bacharel em geografia Orientadora: Prof.ª Dr.ª Giseli Dalla-Nora CUIABÁ-MT 2018 As redeiras de Limpo Grande, que apesar das dificuldades lutam para manter viva uma tradição centenária. Agradecimentos Agradeço primeiramente a Deus que me permitiu chegar até aqui. Aos meus pais, familiares, a amiga Jucenil que me acompanhou durante as pesquisas de campo e também a Marília. Agradeço em especial a minha orientadora Dr. ª Giseli Dalla-Nora. A universidade Federal de Mato Grosso ao professor Me. Diogo Marcelo Delben Ferreira de Lima,a todos os professores do departamento e a redeiras que me receberam na comunidade. , RESUMO Este trabalho estudou a importância das redes “cuiabanas” para a cultura local tendo como proposta o registro das redes, pois o registro é uma forma de proteção dos patrimônios imateriais. Para construção desse trabalho foram utilizados levantamento bibliográficos e visitas in loco. As visitas in loco foram muito importantes durante todo o desenvolvimento da pesquisa, pois elas proporcionaram mais clareza no objeto de estudo. A metodologia aqui aplicada foi a pesquisa qualitativa, pois a mesma busca entender todo o processo e não somente o resultado. Com os Resultados da pesquisa verificou-se que o registro não é uma garantia permanente da preservação do patrimônio imaterial, mas que pode sim contribuir para proteção e preservação do mesmo. Palavras-chaves: Patrimônio imaterial- Preservação- Registro. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Mapa de localização ........................................................................... 16 Figura 2: Índias guanás desenho de Florence 1827 ......................................... 17 Figura 3: Foto de uma das redeiras mais antigas da comunidade ................. 19 Figura 4: Rede arara com flores ......................................................................... 20 Figura 5: Rede com estampa de tuiuiú .............................................................. 21 Figura 6: Tear ....................................................................................................... 23 Figura 7: Batedeira feita de buriti ...................................................................... 24 Figura 8: Desenho de ponto cruz ....................................................................... 24 Figura 9: Placa informando venda de rede ....................................................... 27 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS IPHAN Instituto do patrimônio histórico e artístico nacional NEPEC Núcleo de estudos e pesquisas sobre espaço e cultura SENAC Serviço nacional de aprendizagem comercial SESC Serviço social do comercio SPHAN Serviço do patrimônio histórico e artístico nacional UERJ Universidade do estado do Rio de Janeiro SUMÁRIO 1.INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 8 2.REFERENCIAL TEÓRICO ..................................................................................... 9 2.1. GEOGRAFIA E CULTURA .............................................................................. 13 3. METODOLOGIA ................................................................................................. 14 3.1. ÁREA DE ESTUDO ......................................................................................... 16 4. RESULTADOS ..................................................................................................... 17 4.1. OS ÍNDIOS GUANÁS E A ARTE DA TECELAGEM DEIXADA POR ELES ... 17 4.2. AS REDES CUIABANAS DE LIMPO GRANDE .............................................. 18 4.3. AS REDEIRAS ................................................................................................. 19 4.4. TECELAGEM: PRODUÇÃO ARTESANAL X PRODUÇÃO INDUSTRIAL ..... 21 4.4.1. O TECER E OS INSTRUMENTOS UTILIZADO NA TECEDURA ................ 23 4.5. ARTE AMEAÇADA .......................................................................................... 25 5. TOMBAMENTO E REGISTRO ........................................................................... 27 5.1. PROPOSTA DE REGISTRO DAS REDES CUIABANAS ............................... 29 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 32 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 33 8 1. INTRODUÇÃO Cultura vai muito além da característica de uma sociedade, ela é o que diferencia uma sociedade de outra. A cultura possui uma diversidade ampla de conceitos, ela está presente em nossas vidas, seja na crença, nos costumes, hábitos, na forma como se veste, ou até mesmo em outros aspectos a cultura sempre se faz presente. Quando falamos sobre identidade cultural, estamos fazendo menção ao sentimento de pertencimento que temos em relação a uma cultura, ou seja, a cultura a qual pertencemos, acreditamos e participamos ao longo da nossa vida. De acordo com Claval (2007, p.89), “A cultura só existe através dos indivíduos aos quais é transmitida e que, por sua vez, a utilizam, a enriquecem, a transformam e a difundem. Sem elas, eles estariam desamparados: o intuito não é suficiente para guiá-los”. A identidade cultural é um conceito muito discutido nas ciências sociais, isso porque ela é um processo que vai sendo construído, é o resultado das experiências e vivências de um determinado grupo social. O patrimônio cultural pode ser entendido como bens materiais e imateriais, muito importante na história de uma sociedade. Patrimônio cultural é um conjunto de saberes, expressões, formas de fazer, práticas, que estão ligados a identidade de um povo. Preservar o patrimônio cultural vai muito mais além do simples ato de preservar, proteger o patrimônio de uma sociedade é manter vivo através de memórias passadas a sua identidade. O tombamento e o registro de um patrimônio cultural é uma forma de protegê-lo. O patrimônio pode ser dividido em duas categorias importantes, sendo essas categorias a dos bens materiais e dos bens imateriais. Se entende como bens materiais tudo aquilo que podemos tocar, como por exemplo, uma estátua, um monumento, documentos. Já os bens imateriais são os costumes de uma sociedade, as tradições, as músicas, os modos de fazer entre outros. A área de estudo desse trabalho é a comunidade Limpo Grande, que está localizada no distrito de Capão Grande, município de Várzea Grande-MT, uma das 9 comunidades mais antigas da cidade. Essa comunidade possui uma tradição muito importante, que é a produção de redes artesanais, tradição essa herdada dos primeiros habitantes dessa região, que eram osíndios guanás, e que possuíam grandes habilidades na tecelagem. As redes de Limpo Grande ou ainda chamadas de “redes cuiabanas” se diferenciam das outras pela forma como são produzidas. Apesar das redes serem de uma comunidade de Várzea Grande elas recebem o nome popular de “redes cuiabanas”, esse nome é devido ao fato de seu polo principal de comercialização ser em Cuiabá. A confecção dessas redes se dá de forma artesanal e elas são produzidas em teares verticais uma tradição que vem a mais de cem anos sendo passada de geração a geração. Apesar de ser um importante patrimônio imaterial cultural mato- grossense esse patrimônio não é registrado. O principal objetivo desse trabalho é indicar por meio da pesquisa, legislação e da política cultural a necessidade do registro das “redes cuiabanas” de Limpo Grande. Para que se possa alcançar o objetivo geral dessa pesquisa se faz necessário entender a importância da cultura e das práticas culturais na formação da identidade dessa comunidade, tendo foco na tecedura das redes. Sendo assim a justificativa desse trabalho consiste em demonstrar a importância da preservação do patrimônio cultural. Este trabalho está dividido em seções sendo elas: introdução, referencial teórico, metodologia, resultados e considerações finais. 2. REFERENCIAL TEÓRICO Em tempos atuais a cultura desempenha diversos papeis, durante muitos anos quando falado em cultura, normalmente se referia ao patrimônio ou arte, porém com o passar do tempo o conceito de cultura foi se ampliando. As políticas culturais são um conjunto de objetivos e estratégias que tem como principal função desenvolver o setor cultural. Elas são iniciativas ou propostas que são desenvolvidas pela administração pública, empresas privadas, ou ainda por organizações sem fins lucrativos, com objetivo de garantir a sociedade o direito à 10 prática, produção e acesso à cultura pois, seu ponto principal está pautado na concepção de cultura e em sua importância. Segundo Coelho (1997, p.291): A política cultural é entendida habitualmente como programa de intervenções realizadas pelo Estado, instituições civis, entidades privadas ou grupos comunitários com o objetivo de satisfazer as necessidades culturais da população e promover o desenvolvimento de suas representações simbólicas. Sob este entendimento imediato, a política cultural apresenta-se assim como o conjunto de iniciativas, tomadas por esses agentes, visando promover a produção, a distribuição e o uso da cultura, a preservação e divulgação do patrimônio histórico e o ordenamento do aparelho burocrático por elas responsável. As políticas culturais exercem um papel importante, pois são elas que irá fazer com que se cumpra o dever de garantir a todos o direito a cultura. Um dos aspectos que classifica o ser humano como um animal diferente dos outros, é a habilidade que ele tem de promover mudanças em seu espaço, ou seja, produzir cultura e fazer história. A transmissão da cultura é um processo complexo, pois para que possa ser transmitida é importante que o indivíduo tenha uma grande capacidade de memorizar e também de reproduzir os conhecimentos. Segundo Wagner e W.Miresell (2003, p.28): A cultura resulta da capacidade de os seres humanos se comunicarem entre si por meio de símbolos. Quando as pessoas parecem pensar e agir similarmente, elas o fazem porque vivem, trabalham e conversam juntas, aprendem com os mesmos companheiros e, mestres, tagarelam sobre os mesmos acontecimentos, questões e personalidades, observam ao seu redor, atribuem o mesmo significado aos objetos feitos pelo homem, participam dos mesmos rituais e recordam o passado. Pode-se entender então que a cultura não leva em consideração indivíduos isolados, mas sim comunidade de pessoas que integram um mesmo espaço e a partir do momento em que integrantes de uma determinada comunidade passam a se deslocar a sua cultura começa a se difundir. De acordo com Claval (2007, p.63): A cultura é a soma de comportamento, saberes, técnicas, conhecimentos e valores acumulados pelos indivíduos durante suas vidas e, em outra escala, pelo conjunto dos grupos de que fazem parte. 11 A cultura é uma herança transmitida de uma geração a outra. Ela tem suas raízes num passado longínquo, que mergulha no território onde seus mortos são enterrados e onde seus deuses se manifestam. Não é, portanto, um conjunto fechado e imutável de técnicas e comportamentos. Os contatos entre povos de diferentes culturas são algumas vezes conflitantes, mas constituem uma fonte de enriquecimento mútuo. A cultura transforma-se, também, sob o efeito das iniciativas ou inovações que florescem em seu seio. A cultura pode ser vista de várias maneiras e através de vários olhares diferentes. Ela está inserida em diversos aspectos de uma sociedade, assim como a cultura preserva as tradições ela também integraliza outros costumes e tradições de outras sociedades. PATRIMÔNIO O patrimônio está vinculado à cultura, pois, se remete ao passado de uma sociedade, ele pode ser entendido como o resultado do que foi produzido por ela ao longo dos anos, e que deve ser preservado, como parte fundamental para se conhecer sua história. De acordo com Scifoni (2015, p.129): O patrimônio é expressão de um passado e lhe dá concretude permitindo compreendê-lo, mobiliza memórias coletivas e estimula uma reflexão sobre os caminhos traçados na trajetória da construção da humanidade do homem. O patrimônio é a reflexão do passado, ou seja, através dele se pode perceber a história que foi percorrida pelo ser humano. De acordo com Silva e Silva (2006): O patrimônio cultural de um povo pode ser classificado como as diversas peculiaridades que possuem significado social, representam e traduzem uma identidade, abarcando tanto as características pelas quais os indivíduos pertencentes a distintas etnias se aproximam ou se diferenciam em relação ao seu modo de vida e ao de outros. Essa concepção ampliou-se paulatinamente ao longo do século XX, tornando-se mais abrangente em relação aos conceitos e às categorias de bens materiais e imateriais. Pode-se entender como patrimônio cultural tradições, identidades ou ainda características dos indivíduos. 12 Segundo Veloso (2006.p.440) “O que importa destacar é que, quando se trata de patrimônio cultural, seja material ou imaterial, fala-se também de valores e de interesses coletivos que, por sua própria especificidade, não são fixos nem imutáveis”. Sendo assim ao referirmos a patrimônio cultural estamos fazendo menção a valores da coletividade, valores esses que não podem ser considerados permanentes e constantes. O patrimônio imaterial ou ainda chamado de intangível são bens que se referem as práticas sociais como celebrações de festas, musicas, danças, modos de fazer, entre outros. Segundo Silva e Silva (2006): O patrimônio imaterial, ou intangível, caracteriza-se por ter um suporte físico indireto, que sozinho não possui significado, mas torna- se ícone de representações, costumes, tradições ou saberes. É o caso do artesanato, dos instrumentos de artes visuais, das festas religiosas, celebrações, e mesmo os modos peculiares “do fazer”, tais como técnicas culinárias e de trabalho, bem como os lugares de sociabilidade A constituição de 1998 no artigo 216 caracteriza como patrimônio cultural, os bens materiais e imateriais. Esse trabalho tem como foco os bens imateriais, que é a categoria onde se enquadra a produção artesanal das redes da comunidade de Limpo Grande. Segundo o IPHAN (2012) “Os bens culturais imateriais estão relacionados aos saberes, às habilidades, às crenças, às práticas, aos modos de ser das pessoas”. Ainda de acordo com veloso (2006.p.251) “A tradição cultural é fruto de uma tessitura muito complexa que osindivíduos tecem com base em elementos da história, da memória e do cotidiano”. É a construção de saberes, tradições que vão se consolidando ao longo dos anos. De acordo com Cecilia Londres (2004): Patrimônio é tudo o que criamos, valorizamos e queremos preservar: são os monumentos e obras de arte, e também as festas, músicas e danças, os folguedos e as comidas, os saberes, fazeres e falares. Tudo enfim que produzimos com as mãos, as ideias e a fantasia. Preservar o patrimônio cultural é cuidar dos bens que representam histórias de gerações passadas de um grupo social, e que quando o cidadão se sente parte de um grupo social ele passa a valorizar suas raízes culturais, pois sente que aquela é a sua cultura e por isso deve preservá-la. 13 2.1 GEOGRAFIA E CULTURA A geografia é uma das áreas que está presente nas ciências humanas, e estuda também a cultura, esse estudo é realizado através do subtema geografia cultural. Até se estruturar como é hoje a geografia cultural passou por várias etapas. De acordo com Claval (1999) por volta de 1890, surge a geografia cultural na Alemanha, Estados Unidos e França ainda de acordo com ele foi Ratzel quem utilizou pela primeira vez a expressão geografia cultural. Segundo Oliveira e Silva (2010.P.2): A Geografia Cultural tem suas origens na Europa do final do século XIX, e início do século XX juntamente com a sistematização da geografia como ciência acadêmica no debate sobre sua identidade, ou seja, sobre o que era inerente a ela como ciência. Claval identifica o período de 1890 a 1940 como sendo a primeira fase da geografia cultural, nesse período pode-se enfatizar quatro temas que estão ligados entre a sociedade e a natureza, sendo eles: a análise das técnicas, os instrumentos de trabalhos, a paisagem cultural e o gênero de vida. (Corrêa,1999). Já os anos de 1940 a 1970 é caracterizado como sendo a segunda fase da geografia cultural, no final da segunda fase a geografia cultural começou a passar por um processo de renovação, gerando críticas entre diversos geógrafos. A geografia cultural não leva em consideração somente a cultura, ela abrange outros assuntos como, paisagem, território, lugares. A geografia cultural também busca compreender a interação que o ser humano tem com a natureza. Desde o seu surgimento a geografia cultural vem se desenvolvendo e após anos, se encontra tão importante quanto outros ramos da geografia como por exemplo a geografia política e econômica. No Brasil a geografia cultural teve início em 1993 como a criação do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Espaço e Cultura - NEPEC criado no departamento de geografia da Universidade do Estadual do Rio de Janeiro - UERJ, no entanto a geografia cultural ainda não possui a mesma importância que em outros locais do mundo como Europa e Estados Unidos, pois a mesma foi incorporada tardiamente. Segundo Corrêa e Rosendahl (2003): A cultura foi, ou negligenciada, ou entendida como senso comum, passando a ser vista como sendo dotada de poder explicativo. Seus aspectos culturais estavam presentes em muitos trabalhos realizados, 14 no entanto, isto não permitia qualificar aqueles trabalhos como de geografia cultural. Com a incorporação tardia e a falta de reconhecimento a geografia cultural no Brasil é pouco difundida. Devemos sempre ter claro que a geografia cultural é uma análise, reflexão, sobre o espaço onde habita o homem e onde há diversas formas de cultura. 3. METODOLOGIA A metodologia desse trabalho se apoia nos conceitos da pesquisa qualitativa, pois segundo Bogdan e Biklen (1994) os investigadores que utilizam o método qualitativo estão mais preocupados com todo o processo do que somente com o resultado. Ainda de acordo com Bogdan e Biklen (1994): “Os investigadores qualitativos frequentam os locais de estudo porque se preocupam com o contexto. Entendem que as ações podem ser melhor compreendidas quando são observadas no seu ambiente habitual de ocorrência”. Quando o investigador visita a área de estudo, ele se aproxima dela, pois pode observar a realidade com seus próprios olhos. Por esse motivo frequentar a área de estudo é de fundamental importância, pois possibilita analisar com riqueza de detalhes comportamentos, hábitos, cultura e costumes da área que é estudada. Por ser uma pesquisa que envolve um grupo social, foi aplicada nesse trabalho a pesquisa social. Esse método se pauta na vontade de conhecer e buscar resposta para os problemas, através da utilização de procedimentos científicos. A pesquisa social é um procedimento que possibilita a aquisição de conhecimentos novos no âmbito da realidade social. De acordo com Gil (1989, p.43): “A pesquisa social pode decorrer de razões de ordem intelectual, quando estão baseadas no desejo de conhecer pela simples satisfação de conhecer, ou prática quando estão baseadas no desejo de conhecer para agir”. Ela estuda as características de um grupo social por isso ela possibilita conhecer de perto o objeto de estudo. 15 Para que se possa tornar possível e com melhor qualidade, foram utilizados na realização desse projeto, livros, artigos, entrevistas e outros materiais bibliográficos, que tenham embasamento teórico relacionado ao tema proposto. Também foi realizada a visita in loco, que tem como objetivo principal colher e registrar informações de forma ordenada sobre o assunto do tema estudado. A aplicação das entrevistas se deu de forma não estruturada, isso para que se pudesse ter uma conversa mais informal, e de forma mais natural, possibilitando que as entrevistadas tivessem mais liberdade para responder e também deixando o caminho aberto para novos questionamentos que foram surgir ao longo das entrevistas. As entrevistas ocorreram entre dezembro de 2017 a fevereiro de 2018, onde foram feitos questionamentos sobre todo o processo de confecção das redes desde a produção das redes até sua comercialização. Foram entrevistadas 5 redeiras com idade entre 37 a 54 anos de idade onde cada uma delas contou um pouco de sua história sobre quando iniciou o oficio de tecer. Segundo Andrade (2010, p.13): Uma entrevista pode ter como objetivos averiguar fatos ou fenômenos; identificar opiniões sobre fatos ou fenômenos; determinar, pelas respostas individuais, a conduta previsível em certas circunstâncias; descobrir fatores que influenciam ou que determinam opiniões, sentimentos e condutas; comparar a conduta de uma pessoa no presente e no passado, para deduzir seu comportamento no futuro. Por isso a entrevista é um instrumento eficaz na confecção de uma pesquisa, pois se elaborada e realizada de forma correta será uma ferramenta fundamental. Portanto é importante definir o tipo de entrevista a ser realizada e também os objetivos que se pretende alcançar com ela 16 3.1. ÁREA DE ESTUDO Figura nº1.Mapa de localização. Fonte: Mappersdigital 2018. Limpo Grande é uma comunidade rural que está há aproximadamente 23 km de distância do centro de Várzea Grande. Essa comunidade possui cerca de 200 famílias, onde grande parte tem alguma relação de parentesco. As pessoas da comunidade em sua grande maioria são católicas e todo ano no local realizam a Festa de Santa Clara no início do mês de agosto. Segundo Magno (2010, P.82): A religiosidade católica é dominante em toda comunidade, isso se evidencia pela demonstração de fé nas casas, com as imagens dos santos de devoção. As principais festas religiosas são as de Santa Clara e Santa Luzia. O costume de guardar os dias santos é seguido com respeito pelos mais velhos. 17 Parte dos moradores que ali residem trabalham em casas de famílias, trabalhos temporários e informais e com a comercialização de artesanato.Os moradores do local encontram uma grande dificuldade de locomoção, assim como seus filhos que precisam sair da comunidade para estudar, visto que a pequena escola presente na local atende apenas os alunos das séries iniciais. Essa dificuldade de locomoção se dá devido ao fato do único ônibus que passa pela comunidade circular no local a cada 2 h e 30 minutos, e o mesmo só circula na comunidade até as 19 h da noite. 4. RESULTADOS 4.1. OS INDIOS GUANÁS E A ARTE DA TECELAGEM DEIXADA POR ELES. Dentre os principais moradores que habitavam as margens do rio Cuiabá, sobre a margem direita estava a etnia Guanus, que era formada por vários grupos e aldeias, o conjunto de pessoas que ali habitavam somavam cerca de cinco a seis mil pessoas de acordo com Florence 1827. Figura nº 2 - Índias guanás desenho de Florence 1827. Fonte: Florence 1827. 18 Os índios guanás ou ainda conhecidos como guanazes pertencem a etnia guanus e são os que mais se destacam na tecelagem, com a produção de redes e também na produção de cerâmica rude. E é onde hoje se encontra Santo Antônio do Leverger, Nossa Senhora Do livramento e Várzea grande que grande parte dos índios guanás habitavam. Os índios guanás eram conhecidos por seu caráter hospitaleiro e pacifico. Segundo Florence (1827.P.99): As peças de algodão trançado, que aqui são conhecidas por panões, não têm ordinariamente mais de quatro varas de comprimento e duas ou três de largura. São tramadas de um modo para mim desconhecido, os fios verticais inteiramente cobertos pelos horizontais de lado e de outro, o que faz com que o tecido seja muito espesso e próprio para barracas, por não dar passagem à mais violenta chuva. As mulheres de Cuiabá, que fazem redes, seguem o mesmo sistema. Para concluírem uma de duas varas em largura e comprimento, consomem seis ou mais dias. As índias guanás tinham grande habilidades no processo de tecer, e essa habilidade resultou em uma tradição que vem sobrevivendo a mais de 100 anos, passando por gerações. Tradição essa que hoje estão nas mãos das talentosas redeiras de Limpo Grande. 4.2. AS REDES CUIABANAS DE LIMPO GRANDE Chamadas de “redes cuiabanas” as redes de Limpo Grande recebem esse nome em função do seu polo de comercialização principal ser a cidade de Cuiabá. Elas se diferenciam pela forma como são produzidas. A origem das redes é uma tradição herdada das índias guanás. A comunidade de Limpo Grande é referência na produção artesanal de redes. Segundo Coradini (2006 P.150): As redes fascinam a todos pelo colorido, e pelos lavrados, que vão revelando as mais diversas formas, flores e animais da fauna mato- grossense, como araras, tucanos, onças, tuiuiús, garças... além de formas humanas – como a figura de um índio flechando uma onça, ou mesmo a de uma santa, como a de Nossa Senhora do Livramento. 19 Figura nº 3- Foto de uma das redeiras mais antigas da comunidade Fonte: Cintia Sacramento 2018. De acordo com informações obtidas nas entrevistas, por volta dos anos 40 e 50 as redes ainda eram feitas a partir do algodão que era cultivado na própria comunidade, porém anos mais tarde passou-se a utilizar linhas industrializadas. A troca pela linha industrializada se deu devido ao fato de ser mais prático e pela variedade de cores, o que faz com que as redes se tornem mais bonitas e com cores vibrantes. Algumas redeiras afirmam terem ouvido histórias sobre a época em que se fiava os fios de algodão cru, ele passava por um processo de limpeza depois de colhido, processo esse que era realizado para retirar as sementes, depois o algodão era tingido o que acabava por resultar em um procedimento muito trabalhoso, segundo elas o fuso foi deixado de ser usado há muitos anos. 4.3. AS REDEIRAS As redeiras são mulheres moradoras da comunidade de Limpo Grande, que desde cedo começaram a tecer para ajudar na renda de suas famílias. Por falta de 20 oportunidades e até por terem pouco estudo, tecer foi a forma que elas encontraram para poder ajudar em casa e foi assim que muitas sustentaram seus filhos. As redeiras ou ainda chamadas de “artesãs”, fazem além das redes: chalés, echarpes, tapetes, caminhos de mesa, bolsas, colchas e forros para travesseiros. Todos esses produtos são levados para casa do artesão ou ainda vendido por elas mediante a encomenda de clientes. Redeira arara, 54 anos, relata que aprendeu a fazer rede com sua vó, que foi quem criou ela e seus três irmãos, pois sua mãe faleceu quando ainda era pequena e seu pai trabalhava fora, aos 13 anos começou a tecer e assim ajudava a família. Seu bordado favorito é o casal de araras. Redeira arara com flores, 59 anos, aprendeu a tecer observando sua mãe, fazendo rede ajudava na renda da família. Seu bordado favorito é a estampa de arara com flores. Figura nº 4- Rede arara com flores. Fonte: Cintia Sacramento 2018. Redeira Nossa senhora Aparecida, 43 anos, começou a fazer rede aos 14 anos, foi com sua mãe que aprendeu a tecer e assim ajudava com as despesas da casa. Seu bordado favorito é a imagem de Nossa senhora Aparecida, pois a mesma é devota dessa santa. 21 Redeira tuiuiú, 37, anos começou a tecer com 16 anos, quando se casou, aprendeu a tecer com sua sogra que foi quem à ensinou. Tem preferência pelo bordado de tucano e tuiuiú. Figura nº 5- Rede com estampa de tuiuiú. Fonte: http://www.artlimpo.blogspot.com O trabalho realizado pelas redeiras é totalmente artesanal e por isso requer muito mais tempo para sem concluído diferente da produção industrial que pode ser realizada em pouco tempo. 4.4. TECELAGEM: PRODUÇÃO ARTESANAL X PRODUÇÃO INDUSTRIAL A produção artesanal e produção industrial são dois meios de produção diferenciados. A produção artesanal é um processo bem demorado, pois o procedimento se dá de forma manual, esse meio de produção visa a qualidade do produto e é por esse motivo que os produtos artesanais possuem um valor mais elevado, pois sua qualidade e durabilidade são maiores. 22 A produção industrial por sua vez, está mais preocupada com a quantidade do que com a qualidade do produto, pois ela surgiu para acelerar o processo de produção, produzindo num curto período muito mais produtos. Dentro da produção industrial existem vários setores e cada setor é responsável pela execução de uma função especifica. Com a ajuda de máquinas os operários trabalham de forma sequencial, ou seja, produção em série, esse processo é chamado de linha de produção. Fiar ou tecer está ligado a técnica de produzir panos e tecidos, na arte de tecer os indígenas possuem grandes habilidades. O oficio de tecer é uma das artes mais antigas, acredita-se que esse oficio tenha tido início por volta de 5000 a.c. Até o período que antecede a revolução industrial, a única forma de tecelagem era manual, ou artesanal, porém essa realidade mudou a partir do século XVlll, visto que a revolução tinha o objetivo de trocar a força de trabalho pela força mecânica. Com isso a produção passou a ser industrializada o que tornou mais rápido a produção e dispensou grande parte da mão-de-obra humana. No Brasil muitas etnias indígenas praticavam a tecelagem, utilizavam algodão cru e palha trançada. Com a chegada dos portugueses a tecelagem passou a ser feita em teares que por eles foram trazidos. Porém em 1785 pressionada pela indústria da Inglaterra Dona Maria l mandou destruir todos os teares do Brasil. Em 1785, a rainha Dona Maria I, a Louca, assinou um alvará mandando destruir todos os teares brasileiros. Dona Maria I fez isso pressionada pelas indústrias da Inglaterra, que exportava seus tecidos para o Brasil e não estavam dispostos a enfrentar concorrência da produção local (SENAC, 2002, p. 9).Com o decreto da rainha a tecelagem passou a ser produzida de forma escondida e em locais mais distantes e afastados. Somente em 1809 quando através de um alvará de D. João Vl revogando o decreto de Dona Maria l, foi que a tecelagem deixou de ser produzida de forma clandestina. 23 4.4.1. O TECER E OS INSTRUMENTOS UTILIZADOS NA TECEDURA Feito de ipê, cumbaru ou ainda de aroeira os teares verticais utilizados pelas redeiras de Limpo Grande têm em média um metro e meio de largura por um metro e oitenta de altura. Sentada no chão forrado com pano ou até mesmo com um colchão fino, as redeiras vão reproduzindo a tradição que por elas foram herdadas. Tecendo de baixo para cima pouco a pouco e com muita atenção, elas vão transformando linhas em bordados coloridos e belíssimos. Diversos desenhos são usados para bordar: ararás, tucanos, flores, viola de cocho, tuiuiú, onças, etc. Esses desenhos são tirados do ponto cruz e passados para o tecido. Divididas entre os afazeres doméstico e o tear as redeiras tecem de 4 a 6 horas por dia, um trabalho que requer muita dedicação. Figura nº 6 – Tear. Fonte: Cintia sacramento – 2018. 24 Figura nº 7 – Batedeira feita de buriti. Utilizada para juntar os pontos. Fonte: Cintia sacramento – 2018. Figura nº 8 - Desenho de ponto cruz. Fonte: Cintia Sacramento – 2018. 25 De acordo com Coradini (2006.P.153): Quando se envolve no mundo das redeiras, passa-se a conhecer a linguagem própria do ofício, como se viu até agora. Assim, vocábulos como enovelar, urdir, bilro, corte de fio, tecer, batedeira, punho, sobrepunho, cadarcinho, travessado, canto, buriti, varanda, puçá, tear, liço, meeiro, fazem parte do modo de falar das redeiras. As redeiras possuem uma linguagem própria quando o assunto é tecer, usam palavras que normalmente não estão presentes no nosso cotidiano e que podem parecer estranhas para quem não conhece. O MODO DE FAZER Pra fazer uma rede eu gasto de 18 a 20 novelos de linhas. Primeiro eu começo a urdi a rede, que é passar as linhas em volta do tear, isso demora bastante, eu levo até dois dias só urdindo. Depois de urdi eu passo duas linhas brancas, essas linhas têm nome de liço, uma é usada pra bordar e a outra linha é usada pra fazer a troca de linha. A rede tem que ficar bem espichada então eu uso a espichadera, a espichadera é feita de bambu. Ai depois que já fiz um pouco da rede, quando vou fazer o bordado, coloco o ponto cruz no colo e vou passando do ponto cruz pra rede, tem que fazer isso com muito cuidado pra não errar. Os pontos têm que ficar bem assentado, aí uso a batedeira, essa batedeira é uma madeira que é feita de buriti, então eu pego a batedeira e enquanto eu vou tecendo, eu vou batendo até os pontos fica bem juntinho. Quando a rede fica pronta tem que tirar ela do tear pra dá o acabamento que é colocar o punho e a varanda. (Redeira arara com flores). É importante que haja a preservação do modo de fazer das redes, pois isso impedirá que aconteça a perda dos saberes. O modo de fazer a rede é um processo que envolve várias etapas, e cada etapa desse processo deve ser realizada com muita atenção e muito cuidado para que não haja erros, pois isso acarretaria o desmanche de toda a rede, fazendo com que a Redeira recomece todo o processo. 4.5 ARTE AMEAÇADA O Brasil é um pais com uma ampla diversidade cultural e artística. A cultura e a arte são a maior herança que um povo pode deixar, uma das ameaças enfrentadas 26 pela cultura atualmente é a desvalorização cultural. Essa desvalorização decorre de vários fatores, como o fato de muitos exaltarem culturas de países estrangeiros e denegrirem sua própria cultura. Em tempos onde há uma grande desvalorização da cultura é importante mostrar a dedicação e o empenho das “redeiras” em seguir no oficio de tecer, uma tarefa que não está sendo nada fácil. O preço é um fator que tem contribuído bastante para essa situação, pois muitas pessoas se encantam pelas redes, porem acham seu preço elevado demais. As redes e outros produtos feitos pelas redeiras são deixados por elas na casa do artesão, ao chegar lá o preço é elevado em torno 30% e uma rede de R$ 1.800 pode chegar a custar cerca de R$ 2.300. Segundo Coradini (2006, P.171): A Casa do Artesão, mencionada tanto pelas artesãs tanto de Bom Sucesso como de Limpo Grande, desde dezembro de 2004, vem sendo administrada pelo Serviço Social do Comércio – SESC. Segundo informações concedidas pela gerente da casa, Alessandra Virna da Silva, o SESC manteve o mesmo sistema de comercialização do Estado. As artesãs deixam as redes em consignação, e o SESC, no momento da comercialização, coloca 30% sobre o preço de venda das artesãs. Por esse motivo há redeiras que preferem vender seus produtos por conta própria, pois encontram mais facilidade para vender, visto que muitas vezes esperam meses para que uma de suas redes seja vendida na casa do artesão. Com isso muitas jovens da comunidade não querem aprender a tecer, pois acreditam que seu trabalho não será valorizado e assim buscam outros tipos de serviços. É em decorrência da desvalorização do trabalho das artesãs que vem diminuindo bastante o número de redeiras, estima-se que atualmente haja entre 10 a 15 redeiras na comunidade, um número muito pequeno de redeiras se comparado a década de 90, onde em grande parte das casas na comunidade havia pelo menos uma pessoa que praticava a arte de tecer. 27 Figura nº 9- Placa informando venda de rede Fonte: Cintia Sacramento – 2018. 5. TOMBAMENTO E REGISTRO O interesse pela preservação do patrimônio vem desde a época em que ocorreu a ll Guerra Mundial, onde durante a guerra os países envolvidos nesse conflito tiveram seus monumentos destruídos, causando uma perda irreparável para essas sociedades. No Brasil em 1937 foi criado o serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - SPHAN, hoje conhecido como: instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, que tem o intuito de proteger da especulação imobiliária e também das reformas urbanas monumentos e cidades antigas. Porém tempos mais tarde essa ideia de preservação se consolidou em 1972 com a criação da convenção para a proteção do patrimônio mundial, cultural e natural. A preservação dos patrimônios históricos e culturais são de grande importância para populações de determinadas localidade. E é um dever do estado preserva-lo, isso para que gerações futuras possam manter viva suas tradições e cultura. Segundo Rabello (2015. P.7): 28 O tombamento é a forma pela qual o poder público seleciona coisas - bens materiais que, por seus atributos culturais, devem ser preservadas contra mutilações e destruição; ou seja, coisas que, por serem portadoras de valor cultural, devem ser conservadas. Seguindo princípios legais, cabe ao estado o papel de avaliar a importância do bem, para que possa decretar a preservação do mesmo. O nome dado a esse procedimento utilizado pelo estado como instrumento para proteger o patrimônio é chamada de tombamento. Tombamento não é a mesma coisa que preservação, pois a preservação pode ocorrer sem que haja o tombamento, no entanto sem o tombamento não existe garantia permanente de preservação. A partir do tombamento a preservação do patrimônio passa a ser definitiva, visto que é a lei que vai impedir que esse patrimônio seja destruído. Podem ser tombados patrimônios materiais, de interesse mundial, nacional, estadual ou ainda local. O tombamento se aplica a bens culturais, ambientais, moveis e imóveis, para que haja um tombamento não há necessidade de desapropriação. Desde que seja preservado em caso de bens imóveis como prédios, essesbens podem ainda ser vendidos ou alugados. A solicitação de um tombamento pode partir de uma sociedade, entidade, de qualquer pessoa de direito público, de órgãos estaduais, municipais, entre outros, todavia para que se possa solicitar um tombamento esse pedido deve ser baseado nas justificativas. Diferente do tombamento que é realizado para patrimônios materiais, o registro é utilizado para patrimônios imateriais que são danças, o saber fazer, festas entre outros. Os registros podem ser de natureza: Municipal - Secretaria de Cultura do Município, Estadual - Secretaria de Cultura do Estado ou Federal (IPHAN) - Autarquia do Ministério da Cultura. Para que o patrimônio seja registrado pelo IPHAN é necessário passar por um longo processo que poderá levar anos até a sua conclusão. O interessado deverá entrar com um pedido de registro que será encaminhado para Brasília e só depois de analisado e comprovado a relevância do patrimônio a nível nacional, é que será feito o registro pelo IPHAN. 29 A primeira fase do registro é o reconhecimento, nessa fase será realizada um levantamento para saber todos os locais do Brasil onde se realiza essa mesma prática (o modo de fazer as redes). Depois de aprovado o registro será elaborado um plano de salvaguarda. O plano de salvaguarda tem como objetivo garantir a existência do patrimônio imaterial registrado, são diretrizes para divulgação, continuidade do patrimônio seu objetivo é elaborar metas para que esse patrimônio não se acabe. A pesar do registro ser muito importante, ele não é uma garantia definitiva de que o bem será preservado definitivamente, pois a cada 10 anos os registros passam por uma análise em seu plano de salvaguarda, para saber se o plano está dando certo se está conseguindo alcançar seus objetivos, caso se passe os anos e o plano de salvaguarda não atinja seus objetivos, o registro pode deixar de existir. 5.1. PROPOSTA DE REGISTRO DAS REDES CUIABANAS As “redes cuiabanas” da comunidade de Limpo grande são símbolo de uma tradição de mais de 100 anos. Tradição essa que vem a gerações passando pelas mãos das talentosas “artesãs” e que se encontra ameaçada devido à dificuldade em vender as redes e outros produtos e também pela falta de incentivos. Segundo Coradini (2006.P.175): Muitas jovens, desmotivadas com a atividade da tecelagem, estão buscando no emprego assalariado uma saída, assim, o número de tecelãs tem diminuído, e se não houver um conjunto de ações compartilhadas entre as pessoas da comunidade com os órgãos públicos ou outras formas de parcerias a tendência é a diminuição cada vez maior dessa atividade importante para a identidade cultural do município de Várzea Grande e também do Estado de Mato Grosso. As redes são de beleza exuberante elas chamam atenção por seus bordados coloridos e principalmente por suas representações da fauna do Mato Grosso. A tecelagem é fundamental na cultura de Matogrossense e apesar de existirem produção de redes em vários locais do país, essa produção que aqui é realizada se destaca por sua forma diferenciada. 30 De acordo com Coradini (2006. P.150): Quando se está em Limpo Grande, o colorido das redes fascina. Escolher é difícil, porque todas são lindas! São feitas pelas habilidosas mãos das famosas artesãs que passam, todos os dias, horas e horas sentadas ao chão forrado por cobertor ou lençol, frente a grandes teares. As “redes cuiabanas” é um patrimônio pertencente a comunidade de Limpo Grande e se não protegido se perdera ao longo dos anos e é através da preservação do seu patrimônio que a comunidade terá acesso ao seu passado. Segundo Pedroso (1999.P 32) “Um povo que não tem raízes acaba se perdendo no meio da multidão. São exatamente nossas raízes culturais, familiares, sociais, que nos distinguem dos demais e nos dão uma identidade de povo, de nação”. São as raízes, costumes e cultura que formam a identidade de uma comunidade e o que as tornas diferentes de outas comunidades. As “redes cuiabanas” são patrimônio de natureza imaterial. Os patrimônios de natureza imaterial são protegidos pelo decreto nº 3.551 de 04 de agosto de 2000.De acordo com esse decreto são patrimônios imateriais: os modos de fazer, saberes, as festas populares, lendas tradições, produções artísticas, etc. É o valor cultural que será o principal motivo para que haja o registro do patrimônio. Por isso é importante o resgate das raízes culturais no meio da comunidade. A perca dos valores culturais e das raízes, é um fato muito preocupante e que não pode passar despercebido, por isso é importante que se preserve a cultura da comunidade de Limpo Grande e para que isso ocorra se faz necessário realizar o registro das “redes cuiabanas” de Limpo Grande, pois é a partir do registro que passa a ter a proteção legal de um patrimônio. A rede de dormir possui um grande valor de representatividade cultural da comunidade de Limpo Grande, por isso propor o tombamento das redes envolve vários fatores. De acordo com Magno (2010, P.82) “as artesãs precisam de uma maior atenção, no sentido de divulgação de seus trabalhos, pois é dele que buscam garantir seu sustento e divulgar essa cultura. 31 Com o registro das redes haverá uma grande valorização dessa tradição, pois a mesma está se perdendo pela falta de valorização dessa arte. Outro fator importante na hora de se pensar o registro das redes e o modo como elas são feitas, pois sabemos que em vários locais do país se fazem redes, porem com técnicas diferentes. As técnicas aqui utilizadas para se fazer as redes, são técnicas muito antiga, assim como os teares verticais utilizados. Segundo Magno (2010, P.63): Dessa forma, ao analisar o processo artesanal da rede de dormir na localidade de Limpo Grande devem-se observar primeiramente as pessoas que tecem esse produto, pois são mulheres simples, com sensibilidade e paciência à flor da pele, que na maioria das vezes retratam sua personalidade nas redes de dormir. Quando observamos as redes, podemos ver que elas não exaltam somente a belezas da natureza mato-grossense, os símbolos que são representados buscam nas entrelinhas conscientizar a população para preservação do nosso ambiente natural. 32 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os grupos sociais, comunidades produzem marcas ao longo dos anos e isso as identifica de forma individual e também coletiva, por isso em todos os lugares há uma tradição ou um modo de viver que foi constituído ao longo do tempo, por pessoas que habitavam e habitam o local. Os lugares não são apenas identificados pelas memórias do local, mas também por sua culinária, danças, festas e várias outras representações significativas para a comunidade. São as características que formam a identidade cultural de uma sociedade ou comunidade e é importante preservar essa identidade. Nesse trabalho foi relatado a importância da preservação do patrimônio, onde o grande foco foi o patrimônio imaterial. A falta de preservação do patrimônio imaterial é um fator que preocupa muito, pois, mesmo a legislação do Brasil sendo de boa qualidade ela não é suficiente para garantir a preservação permanente dessa categoria de patrimônio, visto que o registro que é utilizado como forma de proteção dos patrimônios imateriais, passa por uma analise a cada 10 anos, e dependendo do resultado da análise o registro pode deixar de existir. Um dos principais objetivos quando se pensa no registro das redes cuiabanas é divulgar e reconhecer o trabalho das redeiras assim como preservar esse patrimônio. As redes cuiabanas retratam as belezas da flora e da fauna mato-grossense, e isso é muito importante para a cultura local, tendo em vista que é através da valorização que mantemos a cultura viva, pois em locais onde não háessa valorização a cultura acaba se extinguindo ao longo do tempo, fazendo com que se perca parte da história do local. Com esse trabalho conclui-se que não existe uma garantia permanente de preservação dos patrimônios imateriais, e mais, para que se possa conseguir registrar um patrimônio há um longo processo que pode levar anos. 33 REFERÊNCIAS ANDRADE, Maria Margarida de. Introdução à metodologia do trabalho científico. ed.10. São Paulo. Editora Atlas, 2010. BOGDAN, Robert; Biklen, Sari. Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Tradução Maria João Alvarez, Sara Bahia dos Santos e Telmo Mourinho Baptista. Portugal: Porto Editora, 1994. (Coleção ciências da educação). CAMPO, LMC. A paisagem simbólica de Bom Sucesso e Limpo Grande em Várzea Grande–MT, 2006. CARLOS, Ana Fani Alessandri. Crise urbana. Editora contexto. São Paulo 2015. CLAVAL, P. – Geografia Cultural. Florianópolis, EDUSC, 1999. CLAVAL, Paul. A geografia cultural. Tradução de Luiz F. Pimenta e Margareth C. A. Pimenta. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2007. COELHO, Teixeira. 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Rio de Janeiro: Essentia Editora, 2010. RABELLO, Sonia. O tombamento. Dicionário IPHAN de Patrimônio Cultural. Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Copedoc, 2015. SENAC. Fios e Fibras Oficina de artesanato. Rio de Janeiro: Editora SENAC Nacional, 2002. SILVA, José Borzacchiello da. É geografia, é Paul Claval. Org Maria Geralda de Almeida, Tadeu Alencar Arrais. Goiânia: FUNAPE, 2013. 176 p. SILVA, Ana Paula da; SILVA, Paulo Sérgio da. O registro do patrimônio cultural imaterial: as práticas do IPHAN e do IEPHA/MG. 2016. VELOSO, Mariza. O fetiche do patrimônio. Habitus, v. 4, n. 1, p. 437-454, 2006. https://www.senado.gov.br/atividade/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_216_. asp.acesso em 10/12/2017. 35 APÊNDICE ANEXO
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