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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI HISTÓRIA DA ARTE GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 4 2 O que é a arte? ................................................................................................. 5 2.1 A arte como um reflexo da cultura e da sociedade .................................... 9 3 Quando a arte surgiu? .................................................................................... 11 3.1 A arte no Paleolítico: o naturalismo .......................................................... 11 4 A arte no Neolítico: um novo estilo ................................................................. 15 5 A arte na Idade dos Metais: um novo material ................................................ 18 6 Tipos de arte ................................................................................................... 19 7 Arte, estética e cultura de massa .................................................................... 22 7.1 A arte e a beleza estética ......................................................................... 24 7.2 Arte e estética e sua relação com a cultura ............................................. 25 8 Indústria cultural e arte ................................................................................... 29 9 Arte romana .................................................................................................... 33 9.1 Influências gregas e etruscas na produção artística romana ................... 33 9.2 Pintura e escultura romanas .................................................................... 38 9.3 A pintura romana ...................................................................................... 39 9.4 A escultura romana .................................................................................. 43 9.5 A arquitetura romana ................................................................................ 49 10 Arte contemporânea .................................................................................... 59 10.1 Arte contemporânea: algumas características e tendências ................. 59 11 Arte conceitual e seus significados .............................................................. 65 11.1 Arte contemporânea e seus desdobramentos ...................................... 70 12 Perspectivas culturais no ensino de artes ................................................... 74 3 12.1 O que é cultura? ................................................................................... 74 12.2 A cultura e o ensino de artes ................................................................ 78 12.3 O hibridismo cultural ............................................................................. 82 Bibliografia básica ................................................................................................. 85 4 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O grupo educacional Faveni, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 2 O QUE É A ARTE? Para começar a refletir sobre o tema deste capítulo, você deve se questionar o que é a arte. Para o crítico inglês John Ruskin (apud PROENÇA, 2009, p. 6), “[...] as grandes nações escrevem sua autobiografia em três volumes: o livro de suas ações, o livro de suas palavras e o livro de sua arte”. Ele ainda acrescenta que “[...] nenhum desses três livros pode ser compreendido sem que se tenham lido os outros dois, mas desses três, o único em que se pode confiar é o último”. Partindo dessa colocação, você pode entender a arte como reflexo da sociedade, ou seja, como algo profundamente ligado à cultura e aos sentimentos de um povo. É por isso que, aos olhos de Ruskin, o livro da arte é o mais confiável. Por meio da arte, o homem pode se manifestar expressivamente e registrar a sua vida em diferentes aspectos. Ele pode, por exemplo, retratar uma festa, um nascimento, um trabalho, uma manifestação religiosa, assim como momentos de ilusão, ou ainda devaneios, sátiras e críticas. Em geral, as atividades humanas em algum momento foram elementos de representação artística, nas mais diversas linguagens, temas e técnicas de produção. A palavra “arte” vem do latim ars e corresponde ao termo grego tékhne (“técnica”), que significa “[...] toda atividade humana submetida a regras em vista da fabricação de alguma coisa” (CHAUÍ, 2003 apud FERREIRA, 2011, p. 61). A arte é um meio de fazer, de produzir. Nesse sentido, ela pressupõe um conhecimento prévio inerente ao ser humano. Veja: A arte é muitas coisas. Uma das coisas que a arte é, parece, é uma transformação simbólica do mundo. Quer dizer: o artista cria um mundo outro — mais bonito ou mais intenso ou mais significativo, ou mais ordenado — por cima da realidade imediata [...]. Naturalmente, esse mundo do outro que o artista cria ou inventa nasce de sua cultura, de sua experiência de vida, das ideias que ele tem na cabeça, enfim, de sua visão de mundo [...] (GULLAR apud FERREIRA, 2011, p. 61). 6 A arte, apesar de ser um conceito subjetivo, pode ser compreendida como um saber. Ela alia conhecimentos teóricos e práticos de modo a expressar os sentimentos de um povo intrínsecos ao seu contexto social. As obras de arte apresentam diferentes temas. Você pode considerar que elas: Retratam elementos naturais, como é o caso das pinturas nas cavernas de Altamira, na Espanha (Figura 1); (Santos, 2019) Expressam os sentimentos religiosos do homem, tal como o quadro Natividade, do pintor renascentista Sandro Botticelli (Figura 2), ou a máscara do Deus-Morcego criada por uma antiga civilização pré- colombiana do México (Figura 3); (Santos, 2019) 7 8 Retratam situações sociais, como A família de Retirantes, do pintor brasileiro Candido Portinari (Figura 4). (Santos, 2019) Sugerem diferentes impressões a quem as contempla, como as pinturas de Tomie Ohtake (Figura 5). (Santos, 2019) 9 2.1 A arte como um reflexo da cultura e da sociedade A obra de arte se situa entre o particular e o universal da experiência humana. Cada obra é tanto um produto cultural de determinada época quanto uma criação singular da imaginação humana, cujo valor é universal. A obra de arte revela para o artista e ao mesmo tempo para o espectador uma possibilidade de existência e comunicação, além dos fatos e relações habitualmente conhecidos. Dessa maneira, a criação artística pode se distinguir das demais modalidades de conhecimento por promover a comunicação entre os seres humanos, com a utilização particular das suas formas de linguagem. Para Arthur Schopenhauer (2003), filósofoalemão do século XIX, caberia à arte expor ideias e assim explorar o verdadeiro conteúdo do mundo. A arte, para ele, se definiria como a “exposição de ideias” ou o modo de consideração das coisas 10 independentemente do princípio da razão. Ela seria o conhecimento cristalino dos graus de objetivação da vontade. Pela arte, o gênio, faculdade comum a todos em menor ou maior grau, intuiria “[...] o essencial propriamente dito do mundo, o conteúdo verdadeiro de seus fenômenos [...]” (SCHOPENHAUER, 2003, p. 15). Ou seja, para o filósofo, a arte seria a maneira mais efetiva de explorar o conteúdo do mundo. Além disso, a arte pode ser entendida como um modo privilegiado de conhecimento e aproximação entre indivíduos de diferentes culturas. Afinal, ela favorece o reconhecimento das diferenças e semelhanças, expressas nos produtos artísticos e concepções estéticas, num plano mais profundo que o do discurso verbal. Por meio da análise de objetos e imagens produzidas pelo homem no decorrer dos tempos, você pode, além de obter um retrato das transformações, ver os registros das descobertas proporcionadas pela ciência, sistematizadas pela geografia, registradas pela história, desenvolvidas pela matemática. Por meio da história da arte, é possível compreender a relação do homem com o seu tema e o seu espaço. As manifestações artísticas são exemplos da diversidade cultural dos diferentes povos, expressando a riqueza criadora dos artistas de todos os tempos e lugares. Os trabalhos de arte muitas vezes expressam as questões humanas, tais como problemas sociais e políticos, sonhos, medos, perguntas e inquietações das mais diversas. Também documentam fatos históricos e manifestações culturais particulares. Como afirma Ferreira (2011, p. 67): O artista, através de sua obra de arte autêntica, pode protestar contra as barbáries do mundo, transformando a submissão em ato de luta, buscando resgatar a dignidade humana, o ser humano pleno, rumo a uma sociedade melhor, mais justa e mais democrática, onde todos possam ter acesso aos bens culturais de consumo e ao lazer. Nesse sentido, a arte não se restringe a produzir o belo ou o útil, o prazer. Mais do que isso, a “[...] arte pode contribuir para a compreensão do mundo real e expressão da verdade” (FERREIRA, 2011, p. 67). 11 3 QUANDO A ARTE SURGIU? Como você pode notar, o ser humano, seja de que época for, sempre produziu e se cercou de artefatos e utensílios para o uso cotidiano e para a expressão de seus sentimentos diante da vida. Os primeiros registros da cultura humana datam da Pré-História. Foram encontrados objetos, pinturas e gravações no interior de muitas cavernas espalhadas pelo mundo. Por meio deles, antropólogos e historiadores puderam reconstituir a vida dos ancestrais pré- históricos do homem. Devido à sua longa duração, a Pré-História foi dividida por historiadores, segundo Proença (2009), nos seguintes períodos: Paleolítico (Idade da Pedra Lascada) — do surgimento do ser humano até cerca de 12 mil anos atrás; Neolítico (Idade da Pedra Polida) — de 12 até 6 mil anos atrás; Idade dos Metais — de 6 mil anos atrás até o desenvolvimento da escrita. 3.1 A arte no Paleolítico: o naturalismo Esse período também é chamado de Idade da Pedra Lascada. Nele, grupos de homens produziam armas e instrumentos de pedra, que eram lascadas para adquirirem bordas cortantes. As primeiras manifestações artísticas desse período em que se têm registro são as pinturas encontradas nas cavernas de Chavet e Lascaux, na França (Figura 6), e de Altamira, na Espanha. 12 As primeiras expressões de arte consistiam em traços feitos nas paredes das cavernas ou em mãos em negativo (Figura 7). Somente depois de muito tempo é que o ser humano da Pré-História passou a desenhar e a pintar animais. (Santos, 2019) 13 Os desenhos e as pinturas desse período apresentam como principal característica o naturalismo, pois a natureza e os seres vivos eram representados tal como vistos pelo homem paleolítico. Diferentemente do que aconteceu em outros períodos, o artista retratava somente o que via. As chamadas pinturas rupestres (do latim rupes, “rocha”) representavam animais, muitas vezes aqueles que eram temidos, como o bisão (Figura 8). (Santos, 2019) Para produzir pinturas como a da Figura 8, eram utilizados óxidos minerais, ossos carbonizados, carvão, vegetais, além de sangue de animais. O ser humano das cavernas esmagava os elementos sólidos e os dissolvia na gordura dos animais caçados. Inicialmente, utilizava os próprios dedos para pintar. No entanto, também há indícios do emprego de pincéis produzidos com penas e pelos. 14 Outro aspecto que chama a atenção nesse período são as esculturas. Elas retratam predominantemente figuras femininas, como a Vênus de Willendorf (Figura 9). A pequena escultura de pedra foi encontrada pelo arqueólogo Josef Szombathy, perto de Willendorf, na Áustria, em 1908. (Santos, 2019) Na Figura 9, você pode observar alguns aspectos: não há diferenciação evidente da cabeça em relação ao pescoço, os seios são volumosos, assim como o ventre e as nádegas, que têm forma arredondada. 15 4 A ARTE NO NEOLÍTICO: UM NOVO ESTILO O Neolítico também foi denominado Idade da Pedra Polida. Nesse período, os homens produziam armas e instrumentos polindo as pedras por atrito, deixando- as, assim, mais afiadas e eficientes. Foi nessa época que aconteceu a chamada Revolução Neolítica. Segundo Proença (2009), ela marcou o início da agricultura e da domesticação de animais. Isso permitiu ao homem substituir a vida nômade por uma vida mais estável. Como você pode imaginar, essa mudança alterou profundamente a história humana. Com a fixação dos grupos, a população cresceu rapidamente e desenvolveu seus primeiros núcleos familiares. Além disso, ocorreu a divisão de trabalho nas comunidades. Você deve considerar que: Há, então, uma diferença básica entre o Paleolítico e o Neolítico, embora o homem ainda dependesse da pedra como o material de seus principais utensílios e armas. A nova forma de vida deu origem a um grande número de habilidades e invenções, muito antes do surgimento dos metais: a cerâmica, a tecelagem e a fiação, métodos básicos de construção arquitetônica. Sabemos tudo isso a partir dos povoados do Neolítico que foram revelados por escavações (JANSON; JANSON, 1996, p. 17). A importante passagem da caça para a agricultura de subsistência provavelmente foi a causa de profundas alterações na maneira de o homem ver a si próprio e o mundo. Segundo Janson e Janson (1996, p. 17), “[...] deveria haver, aqui, um enorme capítulo sobre o desenvolvimento da arte que, no entanto, se perdeu, simplesmente por que os artistas do Neolítico trabalhavam com madeira e outros materiais perecíveis”. No entanto, há uma exceção: Stonehenge, o grande círculo de pedra localizado no sul da Inglaterra (Figuras 10 e 11). 16 17 O Stonehenge é considerado o mais bem preservado dos monumentos megalíticos ou "de grandes pedras". Aparentemente, ele é de cunho religioso, já que o esforço contínuo necessário para construí-lo só poderia ter sido mantido pela fé. Sua estrutura inteira volta-se para o ponto exato em que o Sol se levanta no dia mais longo do ano, o que leva a crer que deve ter se prestado a um ritual de adoração do Sol (JANSON; JANSON, 1996, p. 18). As conquistas técnicas do homem neolítico certamente se refletiram nas suas pinturas, pois o estilo naturalista deu lugar a um estilo mais simples e geométrico. O novo estilo mais sugeria do que representava fielmente os seres (Figura 12). Você pode observar que essas pinturas do Neolítico não buscavam imitar a natureza; suas figuras possuem poucos traços e poucas cores. Além das formas representadas,os temas também sofreram mudanças: as atividades cotidianas e coletivas passaram a ser representadas. Note que na cena representada na Figura 13 há a clara intenção de transmitir a ideia de movimento, de dar vida à cena representada por meio da posição das pernas e dos braços. 18 5 A ARTE NA IDADE DOS METAIS: UM NOVO MATERIAL Na Idade dos Metais, com a dominação do fogo, o artista passou a trabalhar com o metal e a produzir peças mais complexas e elaboradas. Para a produção de esculturas de metal, ele utilizava principalmente a técnica com a forma de barro e a técnica da cera perdida. As primeiras esculturas foram encontradas na Escandinávia e na Sardenha, representando guerreiros e mulheres e documentando costumes do período (Figura 14). (Santos, 2019) 19 6 TIPOS DE ARTE Para se manifestar artisticamente, o homem usa o som (música), a linguagem verbal oral ou escrita (literatura), a linguagem visual e a linguagem corporal (dança). Ele pode, ainda, expressar-se por meio da combinação de várias linguagens. É possível classificar a arte de diversas maneiras. Para Schopenhauer (apud BARBOZA, 2001, p. 94), por exemplo, haveria uma hierarquia entre as artes — a menos relevante seria a arquitetura, seguida pela escultura, pela pintura, pela poesia e, por fim, pela música, a mais interessante das expressões. Portanto, segundo ele, entre as artes estaria a arquitetura, capaz de lidar com formas e proporções, expondo ainda o conflito entre gravidade e resistência. Para a boa e 20 bela arquitetura, seria necessário traduzir a tensão da natureza com o material típico, a pedra. Na hierarquia do filósofo, a jardinagem ainda estaria numa posição superior à da arquitetura. Em patamares mais elevados que a arquitetura e a jardinagem estariam a escultura e a pintura histórica, capazes de representar a fisionomia e o corpo humano com genuína beleza estética. Nessa hierarquia, a poesia estaria em posição superior à das artes plásticas e seria inferior somente à música. A poesia, para Schopenhauer (2003), possibilita a exposição da vontade em sua objetivação mais elevada, permitindo uma dinâmica narrativa das ações e semblantes superior à das artes plásticas. A última arte na hierarquia e a mais excelsa de todas elas seria a música, pois se conhece aí “não a cópia, repetição de alguma ideia das coisas do mundo”, mas a “linguagem universal” da coisa em si. De modo geral, você pode considerar a classificação das artes apresentada a seguir. Artes plásticas: englobam alguns tipos de artes visuais. Referem-se a expressões artísticas que utilizam técnicas de produção que manipulam materiais para construir formas e imagens. A ideia é que tais formas e imagens revelem uma nova concepção estética e a visão poética do artista plástico. Entre as artes plásticas, estão: arquitetura, pintura, desenho, escultura, gravura e fotografia. (Santos, 2019) Artes cênicas: consistem no estudo das expressões performáticas apresentadas em um palco e relacionadas com a dança, o teatro, a linguagem verbal ou a música. (Santos, 2019) Artes visuais: são todas as artes que apresentam realidade ou imaginação percebida pelo olhar como processo criativo. (Santos, 2019) 21 Arquitetura: é a arte de projetar e edificar espaços — a partir da harmonia de proporções, da seleção de materiais e de soluções estruturais — em vista da plástica arquitetônica. (Santos, 2019) Escultura: é a técnica de representar figuras ou de organizar formas em três dimensões, esculpindo ou combinando elementos. (Santos, 2019) Pintura: é caracterizada pela técnica de aplicar tintas sobre uma superfície, geralmente plana, representando figuras conhecidas ou imaginárias, cuja cor é um elemento básico. Exemplos: quadros, painéis, murais. (Santos, 2019) Música: é a combinação harmoniosa e expressiva de sons e ritmos, cuja compreensão se dá na esfera da sensível e do intuitivo, por meio da audição. É a arte de se exprimir por meio de sons, cuja forma e conteúdo variam de acordo com cada cultura e contexto social. Essa prática cultural foi desenvolvida em diferentes sociedades desde a Pré-História. (Santos, 2019) Teatro: é o ofício ou arte de atuar, que percorreu a história da humanidade, unindo por vezes dança e música. O teatro surge com a evolução dos rituais relacionados à caça e à colheita (agricultura). Posteriormente, os ritos teatrais remetem a cerimônias dramáticas, com expressões de cunho espiritual. (Santos, 2019) Poesia (literatura): utiliza recursos linguísticos e estéticos para a expressão dos sentimentos, questões humanas e/ou situações cotidianas. Tem como objetivo retratar o real ou o imaginário, de forma lírica, veiculando informações ao receptor. (Santos, 2019) Cinema: denominado “sétima arte”, surge com os irmãos Lumière, na França, em 1895, a partir do cinematógrafo, inspirado na ideia de domínio 22 fotográfico e de síntese do movimento com a proposição sonora. Aos poucos, a arte foi retratando grandes eventos sociais. Hoje, cada vez mais filmes e documentários transmitem e veiculam imagens e mensagem para informar e provocar seus espectadores. (Santos, 2019) Como você viu, o artista pode se expressar de diversas maneiras, seja pela linguagem visual, pela linguagem cênica ou pela linguagem plástica, ou ainda pela mistura de várias linguagens. Assim, as diferentes manifestações de arte estão profundamente ligadas à cultura de um povo, pois ora retratam elementos do meio natural (como nas pinturas pré-históricas), ora retratam temas religiosos, situações sociais, etc. As manifestações artísticas revelam a visão do homem sobre o espaço, assim como a sua relação com o seu meio e o seu tempo. Ou seja, as obras de arte são reflexos da cultura e da história. 7 ARTE, ESTÉTICA E CULTURA DE MASSA Apesar de você não reparar, elementos artísticos fazem parte do seu dia a dia em vários momentos, formas, linhas, desenhos e expressões. A arte está presente em elementos arquitetônicos das construções, em grafites nos muros, na música que você escuta, na interpretação teatral de novelas, filmes e séries que você gosta, por exemplo. A expressão artística é uma habilidade estritamente humana, nenhum outro animal possui essa capacidade criativa, pois trata-se de uma forma do ser humano expressar sentimentos. Além de sentimentos, pode-se dizer que a arte é uma extensão da imaginação do artista. De acordo com Ocvirck et al. (2014), o desejo humano de criar não é um fenômeno recente. É possível encontrar artes desde o início dos tempos dos seres humanos no planeta Terra, quando eles pintavam nas paredes rochosas de cavernas imagens de sua realidade. Na contemporaneidade, chamamos esse movimento de arte rupestre (Figura 1), que geralmente representava animais 23 caçados, rituais e momentos relevantes de sua existência primitiva. Essa forma de arte demonstrou ser eficiente no quesito duração, pois algumas delas estão preservadas até a atualidade. Segundo Spadin (2020), depois da arte rupestre, aconteceram muitas outras manifestações artísticas elementares e importantes para a área, como a arte egípcia, que apresentava conceitos de frontalidade muito característicos; a arte grega e seu comprometimento com a realidade; a arte romana, com sua associação aos tão respeitados seres mitológicos da época; e tantas outras que traçam seu caminho até a atualidade. Assim como a espécie humana, a arte se desenvolveu ao longo dos séculos e várias formas surgiram juntamente da evolução. A criatividade humana permitiu que manifestações como a escultura acontecessem. Primeiramente, eram feitas 24 pelas próprias mãos humanas e, depois, com instrumentos que aperfeiçoaram a técnica, permitindo a criação de cada vez mais detalhes.Essa transformação continua acontecendo e, com o passar do tempo, outros recursos e ferramentas são criados, inclusive as digitais. 7.1 A arte e a beleza estética A arte é uma composição plural, e sua definição depende do entendimento do indivíduo. Pode estar ligada a sensações e sentimentos do artista, assim como com o seu jeito de enxergar a realidade. Da mesma forma que a definição é ampla, o entendimento também, pois o que é entendido como arte para alguns, para outros, às vezes, não. Conforme Ocvirk et al. (2014, p. 3), “para uns, uma obra de arte é alcançada somente quando a criação ultrapassa a simples função ou utilidade e assume mais do que o significado comum”. Outras pessoas, no entanto, têm uma visão menos seletiva e entendem vários outros tipos de manifestações criativas como arte. A definição e a interpretação da arte mudam com o passar do tempo. Um excelente exemplo da transição da arte e do que é considerado arte pela sociedade é o graffiti, um tipo de pintura, geralmente com muitas cores e expressividade feito em muros e espaços urbanos. Segundo Souza (2008), a atividade deixou de ser associada a práticas juvenis de depredação, como a pichação, e conquistou o status de manifestação artística. Antes considerado uma manifestação marginal, o graffiti hoje é respeitado e procurado por muitas pessoas, inclusive para integrar e enriquecer o visual da paisagem urbana, geralmente carregada do cinza dos prédios, e para integrar a decoração de interiores, como casas e empresas. Portanto, é possível entender que a arte é transitória e tem ciclos. O que é considerado bonito para um grupo de pessoas ou em determinado período histórico, pode não ser para outro grupo. Assim, você pode compreender que a arte é subjetiva e depende de expectativas, gostos e preferências dos indivíduos que a apreciam/consomem. A noção de estética também segue a mesma linha de 25 raciocínio. A estética tem ligações com a filosofia e a apreciação daquilo que é considerado belo pelo olhar humano. Assim como a arte, a apreciação da beleza também é relativa e depende de uma série de fatores, como preferências, noções e conhecimento do espectador. Nem todas as pessoas vão encontrar beleza em uma obra específica, pois suas preferências pessoais podem influenciar na apreciação. A arte se altera conforme a necessidade dos artistas de explorar novos formatos e, assim, a noção do que é arte também vai se modificando. São incontáveis as vezes em que essas modificações foram incompreendidas pelo público, que, em geral, fica confuso com o que lhe é apresentado. Conforme Azevedo Junior (2008, p. 15), “para apreciarmos algo ‘belo’ não usamos imediatamente nossa razão, mas os sentimentos, nossa intuição, nossa imaginação”, e é dessa forma que muitas pessoas conseguem uma experiência estética com uma obra de arte, seja ela qual for. Sem considerar o “correto” e sem perceber tendências na arte, em geral as pessoas consideram bonito e esteticamente agradável tudo aquilo que lhes toca os sentimentos e emociona de alguma forma. A palavra estética deriva da língua grega, e sua definição é algo aproximado a “compreender pelos sentidos”. 7.2 Arte e estética e sua relação com a cultura Os padrões do que é considerado artístico são bastante fluidos, pois dependem da interpretação dos interlocutores, que, por sua vez, possuem gostos, raciocínios e sentimentos diferentes uns dos outros. Há, também, outro motivo para essas diferenças de interpretações, um pouco mais específico, que a cultura em que indivíduos ou grupos estão inserido. Cultura, em sua definição antropológica, envolve todos os costumes, padrões comportamentais, conhecimentos e crenças que distinguem um grupo social. Se você refletir um pouco, perceberá que existe uma quantidade infindável de características culturais no espaço em que vive, além de notar que cidades, estados 26 e países possuem uma cultura regional e tradições que, por vezes, remontam de séculos. A culinária de um país, suas tradições e festas típicas têm impacto cultural, e é justamente ele que pode tornar determinada região atrativa para o turismo, por exemplo. Muitas pessoas têm atração e curiosidade em conhecer aspectos culturais que não os de sua origem. (Spadin, 2020) As diferentes religiões espalhadas pelo mundo são grandes concentradoras de cultura, uma vez que, de uma para a outra, as comemorações, os rituais e as crenças variam, criando uma diversidade de características entre os grupos. Observe um exemplo de manifestação cultural religiosa na Figura 2. Com a ampliação das fronteiras e o acesso à informação, fragmentos de outras culturas passam a se misturar com o que é tradição para um povo. Para o indivíduo inserido em uma cultura tradicional, toda a realidade que presencia é 27 considerada por ele normal; porém, quando há esse espalhamento do acesso, as novas informações chegam a todo momento, tornando a cultura híbrida. Com a arte e a estética, não é diferente. O primeiro aspecto que analisaremos é a estética da arte, que pode ser considerada válida por indivíduos dentro de um contexto sociocultural específico e, por outros grupos com culturas diferentes, não validada ou não compreendida. Em seguida, para compreender a arte, é necessário, além da habilidade de compreender sensivelmente o que está sendo transmitido, desenvolver a capacidade de compreensão do contexto no qual a arte está inserida. Azevedo Junior (2008) afirma que a maneira de compreender e apreciar a beleza na arte depende diretamente do repertório cultural do observador e do poder de transmissão e expressão das ideias e sentimentos do artista na maneira como escolheu representá-las. Portanto, a apreciação e o entendimento de diversas obras de arte necessita de experiência estética prévia e conhecimento acerca do contexto histórico do momento em que a arte foi produzida por parte do receptor. Outros aspectos passíveis de uma interpretação mais aprofundada são a biografia do autor da obra e a intenção dele ao transmitir uma mensagem. Fonte:www.deolhonailha.com.br 28 Como você pode notar, a capacidade de perceber as obras de arte depende do conhecimento e da cultura que o indivíduo carrega e da competência do autor de expressar tais elementos na obra. Quanto à estética, cabe a cada indivíduo, ou grupo de indivíduos inserido em uma determinada cultura, a capacidade de julgar uma obra de arte como bela ou não. Esse julgamento vai depender dos recursos físicos inseridos na obra, assim como o contexto social e a cultural na qual ela estiver inserida. É possível interligar, por mais que pareça complicado, obras de arte com contextos políticos e sociais. (Spadin, 2020) Existem inúmeras obras de arte que retratam a realidade e a cultura dos países, como as fotografias que demonstram o sofrimento de conflitos civis em países, os efeitos de guerras e as dificuldades de um povo. É necessário, porém, definir a ordem política na arte, para que você consiga compreender por que ela é introduzida nesse contexto. Política refere-se à toda realidade em que vive uma sociedade. Envolve leis e organiza a forma com que os cidadãos devem agir para conviver de forma pacífica, ou busca a melhor forma para que isso aconteça. A política também envolve as relações entre os estados de um determinado país e a forma como esse país se relaciona com os outros, visando uma convivência pacífica, mesmo com as diferenças culturais existentes. A política vai além das pessoas e tem grandes relações com a cultura e a maneira como a sociedade se constrói, as características que assume ao longo dos anos, bem como com decisões tomadas por grandes líderes, que nem sempre estão de acordo com as necessidades do povo. Neste contexto, é importante ressaltar que existem políticas de incentivoà produção de arte, que normalmente acontecem quando há a percepção de que a produção artística e cultural de uma cidade, estado ou país podem estar comprometidos. Assim, acontecem projetos que estimulam os cidadãos a produzirem arte e entrarem em contato com ela, por exemplo, em exposições e galerias. (Spadin, 2020) Dessa maneira, a arte surge não somente para retratar a beleza de uma sociedade e seus acertos, de forma poética e enxergando somente aquilo que é positivo, mas também se eleva para declarar aquilo que é real, incomoda, é difícil 29 de digerir ou gera incômodo, seja geral ou de parcela da população. De acordo com Oliveira (2019, documento on-line), os trabalhos artísticos que surgem de situações políticas não são simples comentários ou manifestações do artista: As obras espelham demandas e sentimentos da coletividade – são declarações políticas que, em sua maioria, evocam o potencial transformador da arte. Lembremos que, em meio às táticas de protesto, surgem manifestações artísticas, tais como, fotografias, performances, grafites, música e dança que acabam por compor uma estética contemporânea (OLIVEIRA, 2019, documento on-line). É possível compreender, então, que a arte é abrangente e se transformou, ao longo dos tempos, em uma forma de subverter, de retratar para o mundo aquilo que acontece dentro de uma determinada sociedade, ou seja, é um meio para retratar a história. 8 INDÚSTRIA CULTURAL E ARTE Apesar da arte passar por evolução e transição constantes, além de contar com inúmeros movimentos artísticos, técnicas e formas de relatar um acontecimento, seus movimentos mais antigos não se apagam por existirem ferramentas mais modernas. A arte se adapta, surgem novas vertentes, novos movimentos, mas o que foi produzido permanece, sendo relembrado e fazendo parte da história da arte. Dessa maneira, é possível entender que sempre existe espaço na arte e que, apesar de surgir o novo, o contemporâneo, o pós-moderno, nenhum desses movimentos faz a estética antiga ser desconsiderada ou prescrever. (Spadin, 2020) A linha do tempo da arte é quase mágica e só se amplia com o passar do tempo. A arte de cada época remonta a uma parte da história da civilização, conta sua existência, seus problemas, expõe sua política e sua cultura. Assim, torna- -se parte da cultura moderna, pois é importante para o sujeito contemporâneo possuir conhecimento histórico. A arte tem a capacidade de comunicar ao seu público tudo aquilo que ele precisa saber de forma visual, auditiva ou interpretativa. 30 A contemporaneidade, no entanto, trouxe uma evolução nunca imaginada para a arte e para a cultura da população mundial. A evolução da comunicação e dos meios tecnológicos possibilitou a queda das fronteiras invisíveis que delimitavam os países. Geograficamente, os territórios são os mesmos, porém, culturalmente, a tecnologia permitiu o “espalhamento” da cultura, causando uma miscigenação dos elementos históricos e culturais entre os povos. Esses acontecimentos podem ser considerados desde a evolução da prensa e da facilidade com que a informação passou a ter para se espalhar a partir disso. As produções manuais, rudimentares e praticamente artesanais passaram por uma industrialização, tornaram-se mais rápidas e, com isso, de mais fácil propagação. A partir disso, surge a fotografia, o cinema, a televisão e a internet, ferramentas que possibilitaram, cada uma de sua forma e a seu tempo, a ampliação das fronteiras e a propagação da informação, assim como a mistura de influências culturais diversas nas sociedades. Conforme os estudiosos da escola de Frankfurt, Adorno e Horkheimer (2000), toda a civilização moderna confere um ar de semelhança, ou seja, todos os livros, músicas, produção televisiva e cinematográfica, entre outros itens de cultura que a modernidade carrega tiveram um toque da indústria cultural. O termo indústria cultural foi criado pelos mesmos autores, Adorno e Horkheimer (1985), que estudavam a teoria crítica e os encaminhamentos da sociedade moderna. A indústria cultural refere-se a todo o tipo de cultura que nasce das massas de forma espontânea, ou seja, todo tipo de formato cultural que pessoas comuns passaram a criar, em vez de eruditos, artistas e grandes estudiosos da arte e da estética, por exemplo. A indústria cultural surge durante a “industrialização” da sociedade, o crescimento das linhas de produção e a facilidade e a possibilidade da fabricação de produtos em larga escala. Juntamente a isso, inicia-se uma padronização dos objetos culturais, seguindo o mesmo curso. De acordo com Cordeiro et al. (2017, p. 89) “Estes [os objetos culturais], na sociedade capitalista liberal, passaram a ser produzidos sob a ótica do lucro, cujo 31 fim é meramente o seu consumo”. A indústria cultural fala sobre a lógica de consumo criada pelo capitalismo, que prega não somente o consumo por conta da necessidade básica, mas como um merecimento pelo esforço de cada indivíduo, incentivando o ato deliberado de consumir. Os produtos frutos dessa indústria são feitos para agradar ao máximo de pessoas possível e, dessa forma, serem consumidos em massa. Tudo funcionando está dentro da ótica do lucro, que é o objetivo do capitalismo. Com esse objetivo (satisfazer o máximo de pessoas possível), a indústria cultural usa muitos estereótipos e clichês, fazendo os indivíduos se perceberem naquele produto e o encaixarem em sua realidade, acreditando que precisam comprá-lo ou consumi-lo. Faz parte da indústria cultural fazer promessas ao indivíduo, que, muitas vezes, esquece que vive em sociedade e tem necessidade de se autorrecompensar por seu trabalho, pelas horas que passa estudando, entre outros “sacrifícios” que faz. Dessa forma, aquele que consome crê que é preenchido por suas posses e conquistas e se sente realizado em razão delas. Conforme lembram Cordeiro et al. (2017, p. 92), “não sabe o sujeito que ele não é o rei dessa indústria, como poderia pensar, mas reinado por ela. No assalto indefinido entre promessas, sonhos e espetáculos, a sua rotina diária e no trabalho continua a lhe massacrar”. É possível entender, então, dois pontos: o primeiro é que, apesar do consumo gerar uma tranquilidade momentânea, a rotina do homem voltará a fazer ele sentir necessidade de consumir novamente; e o segundo, é que a indústria cultural trabalha em favor do capitalismo. Você pode perceber, portanto, que a indústria cultural tem impacto em muitos setores da sociedade, inclusive na arte. Para Adorno e Horkheimer (2000), a sociedade sob influência da indústria cultural torna-se cada vez mais deficiente de pensamento crítico e mais toldada de liberdade. Estudiosos afirmam que a indústria cultural tem a capacidade de manipular o ser humano, criando a sensação de que ele precisa fazer o que todos os outros fazem, experimentar o que todos experimentam e ter o que outras pessoas têm. As pessoas são, portanto, influenciáveis. Na arte, podemos citar o 32 cinema como uma das formas pré-moldadas da indústria cultural e que segue o modelo “agradar para vender”. Existe uma infinidade de temáticas de filmes disponíveis nos catálogos dos cinemas, da televisão e, mais recentemente, dos serviços de streaming. Porém, grande parte dessas produções segue uma “receita de bolo”. Um herói ou uma mocinha bondosos, justos e humanos — com os quais as pessoas se identificam por meio dos estereótipos — são imagens padronizadas. Por exemplo, a “mocinha” de uma história é sempre incapaz de cometer uma maldade, possui um conflito a ser resolvido com resiliência e coragem; o enfrentamento de um problema, que pode ter um grande vilão envolvido, um mal que pode destruir a humanidade, ou qualquer ameaça que lhes comprometa a existência. Depois de muitas lutas, percalços e, às vezes, algum romance,o lado do herói sempre vence e todos os espectadores terminam o filme com aquela sensação de alívio e bem-estar, quase de missão cumprida. Esse efeito é produzido por grandes concentrações de estereótipos e clichês, que causam o sentimento de normalidade e identificação, é o famoso “final feliz”. Se você reparar, vai perceber que qualquer final ou desenvolvimento que saia dessa normalidade gera incômodo em algumas pessoas. Walter Benjamin afirma que a arte se tornou banal e comercial, perdendo a sua capacidade de ser original e seu caráter de objeto artístico (BENJAMIN, 2014). Benjamin defende que com a reprodutibilidade técnica — capacidade de propagação de informações por meios de comunicação, inclusive da arte — a aura da arte acaba por se perder. Ainda segundo Benjamin (1994, p. 168) “Na medida em que ela [a técnica de reprodução] multiplica a reprodução, substitui a existência única da obra por uma existência serial”. Portanto, o autor defende que a essência da obra de arte se desfaz dessa forma, e sua magia, a técnica com que foi feita, os detalhes em sua superfície e a história de sua produção perdem-se com a sua reprodução em diferentes mídias. Imagine que você está em uma praia de areia branca, sentindo o calor do sol na pele, ouvindo o barulho das ondas do mar e sentindo a brisa marítima. 33 Essa sensação de presença em um local específico, com todas as suas características, nunca será substituída pela visualização de uma imagem na tela do seu computador, por mais que você tente. Esse é o pensamento de Walter Benjamin ao falar da reprodução da arte em meios de massa. Por mais que você tente ver a Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, em uma impressão de papel não é o mesmo que visitá-la no museu do Louvre, na França. Apesar de todos esses pontos críticos à indústria cultural e à massificação da informação, existe um contraponto na propagação da arte. A facilidade de acesso às obras de arte e produções artísticas históricas descentraliza o poder das galerias de arte e dos museus, que, na maioria dos casos, está longe da maior parte da população, e democratiza o acesso do conhecimento pelo público, permitindo, ao menos, a compreensão de alguns aspectos das obras de arte, mesmo que não as conheça. Afinal, não seria “justo” que, com a quantidade de informações que temos disponíveis, não fosse possível ver uma obra de arte a não ser indo até todos os museus espalhados pelo mundo. 9 ARTE ROMANA 9.1 Influências gregas e etruscas na produção artística romana A era da arte helenística aos poucos deu lugar ao predomínio da arte romana, após a vitória romana sobre os coríntios, em 146 a.C. A Grécia foi fundamental como província do Império Romano, influenciando profundamente sua cultura, que passou a ser conhecida como cultura greco-romana. A Roma dos césares adotava uma administração uniforme do Império e produziu uma “arte imperial” (HAUSER, 2003), que incorporou a estética grega e, no decorrer do tempo, fixou o padrão universal de moda e bom gosto. Os etruscos viveram na Itália Central e efetuaram a transição da Idade do Bronze pré-histórica para a histórica. A principal contribuição dos etruscos para os romanos se concentra na arte de construir: 34 De acordo com os escritores romanos, os etruscos foram mestres de engenharia arquitetônica, de planejamento urbano e agrimensura. Muito pouco sobreviveu em pé, tanto da arquitetura etrusca quanto da romana inicial; mas as obras que temos, mais as informações coletadas a partir de escavações recentes, mostram que, de fato, os etruscos eram construtores altamente habilidosos (JANSON; JANSON, 2009, p. 70). A herança mais importante dos etruscos para as construções romanas foi o arco de plena volta. Esse elemento arquitetônico já havia sido largamente utilizado pelos egípcios e até pelos gregos, porém sem definir um sistema estrutural que resultasse em distribuições espaciais originais, como ocorreu com os romanos (JANSON; JANSON, 2009; SANTOS, 2000). O povo etrusco era mais antigo do que os romanos, e supõe-se que tenha sido constituído por greco-asiáticos, que, em tempos muito distantes, emigraram para a Itália, fixando-se nas regiões depois chamadas Etrúria, Úmbria, Toscana e Lácio. Eram grandes metalurgistas e excelentes engenheiros hidráulicos. Acredita- se, por isso, que as primeiras estátuas de bronze que surgiram em Roma fossem etruscas, assim como as primeiras obras hidráulicas. A Figura 1 apresenta a célebre estátua denominada Lupa Capitolina, o símbolo da origem de Roma, que consiste na figura de uma loba amamentando os irmãos Rômulo e Remo. No primeiro milênio antes de Cristo, a civilização grega florescia a leste do Mediterrâneo, e, enquanto isso, uma civilização se desenvolvia no centro-norte da Itália — onde hoje se localiza a Toscana —, os enigmáticos etruscos. Sua origem é hitita e sua religião dava importância ao enterro dos mortos junto com seus objetos de uso diário, assim como os egípcios. Sua cultura também apresentava elementos da cultura grega, conforme afirma Fazio (2011, p. 125): “Tal como a arte hitita, a arte etrusca também apresentava relevos de feras nas entradas dos túmulos e, assim como a arte dos minóicos e micênicos, decorações naturalistas representavam pássaros e golfinhos [...]”. É certo que os etruscos assimilaram muito de seus vizinhos gregos, mas também eram um povo original, cujas produções influenciaram fortemente a arte romana. A economia dos etruscos baseava-se na agricultura e no comércio internacional, principalmente de metais. 35 A esse fenômeno se deve o caráter mercantilista dos romanos, além da herança no domínio de trabalhos em metal. A arquitetura romana reproduz elementos já encontrados na cultura etrusca, visto que as ordens da arquitetura e a forma dos templos gregos foram adaptados pelos etruscos e, posteriormente, assimilados e adaptados pela arquitetura romana. “Ao se basearem nos gregos, os etruscos usaram os elementos das ordens com originalidade, mesmo que não os tenham compreendido. Posteriormente, os romanos criaram um estilo de arquitetura próprio, ao mesmo tempo coerente e forte, utilizando arcos e abóbadas como estruturas, e as ordens, principalmente, como decoração [...]” (FAZIO, 2011, p. 126). Os etruscos habitaram as colinas pantanosas que se elevavam nos dois lados do rio Tibre. Os hábeis construtores etruscos cavaram a vala que, posteriormente, tornou-se a Cloaca Máxima (um dos mais antigos sistemas de esgoto do mundo), drenando os pântanos. Segundo a lenda, foram nessas colinas que a cidade de Roma foi fundada. As culturas grega e etrusca convergiram para o desenvolvimento da arte romana principiada a partir do século II a.C., momento em que Roma dominava a totalidade do Mediterrâneo e avançava sobre o norte da Europa e da Ásia. A cultura 36 etrusca possuía características orientalizadas, acentuadas pelas relações comerciais que este povo realizava com os demais povos da bacia do Mediterrâneo. A partir do século IV a.C., observou-se um processo gradativo de helenização dos romanos, o qual se manifestou em todas as esferas da sua cultura artística, a exemplo da escultura, da arquitetura, da literatura e, inclusive, da língua e da religião. Os romanos importavam esculturas e demais objetos da Grécia e reproduziam cópias em suas oficinas de arte. O espírito lírico dos gregos foi traduzido ao espírito prático dos romanos, que criaram uma versão própria da linguagem greco-helenística (HAUSER, 2003). Quando o Império Romano foi instaurado (séc. I a.C.), a arte foi elevada ao status de símbolo do poder, como demonstração de grandeza imperial. Esse fenômeno desencadeou uma mudança da imagem da capital (Roma), bem como das demais províncias dominadas. Estruturas e equipamentos arquitetônicos foram erguidos por todosos domínios do Império Romano, como templos, estátuas, teatros, termas, palácios, casas de veraneio, colunas comemorativas, aquedutos, arcos de triunfo, entre outros. A Figura 2 exemplifica o fortalecimento da imagem das cidades dominadas pelos romanos por meio da intervenção no espaço urbano. Elementos advindos da cultura etrusca (os arcos) convivem com os capitéis coríntios (cultura greco-helenística) e imprimem a marca de Roma na província de Antalya, na Turquia (130 a.C.). 37 O princípio romano de absorver aspectos da cultura dos povos dominados contribuiu para preservar processos e produções que poderiam ser apagados da história. A assimilação e adaptação das mais diversas culturas pelo povo romano era considerada um feito, uma prova de orgulho, devido à superioridade militar. Benevolo (1997) afirma que houve apropriação de muitas culturas, entretanto, há uma clara supremacia da influência grega dos períodos Clássico e Helenístico nas realizações artísticas romanas. É uma noção histórica elementar que Roma conquistou militarmente a Grécia, mas foi por ela espiritualmente conquistada. O caráter imperialista romano utilizava a arte como símbolo das suas conquistas, e cada general romano promovia um derrame de obras gregas em Roma após cada invasão bem-sucedida. Os generais voltavam das cidades gregas carregado de tesouros de arte, de modo que se tornavam colecionadores e entendidos. Artistas gregos iam morar em Roma e pediam cidadania romana, e eram inclusive escolhidos como arquitetos oficiais dos Impérios Romanos. Toda a elite intelectual de Roma aderiu 38 completamente à Grécia, nota de bom tom, sinal de que a pessoa era diferente e original (BELL, 2008). A estrutura de pensamento romano era muito diferente do caráter grego: a sabedoria do grego era uma tentativa para explicar a beleza, já a do romano, um esforço para consolidar o poder. O grego era muito especulativo, o romano, muito prático. O grego criou a filosofia, procurando a essência do mundo; o romano, o direito, para proteger os bens materiais das pessoas. Chauí (2000) afirma que o grego advertia: conhece-te a ti mesmo; enquanto o romano impunha: dura lex, sed lex (A lei é dura, mas é a lei). Como centro cultural mais importante do período, Roma teve imperadores e conselheiros patronos das artes, inaugurando o termo “mecenato”, advindo do nome do conselheiro do imperador Augustus, Caius Mecenas. Nesse momento, os artistas obtiveram grande prestígio. No fim do século I d.C., Roma já havia absorvido e reinventado as duas influências — etrusca e grega — e estava madura artisticamente para desenvolver produções independentes e originais. Durante o período em que a influência grega foi predominante na produção artística romana, a escultura foi a principal categoria artística; em um momento posterior, a pintura passou a ocupar o primeiro plano, acabando por suplantar a escultura. 9.2 Pintura e escultura romanas As duas fortes influências de todas as artes romanas — a etrusca e greco- helenística — orientam a produção da pintura e da escultura. As artes etruscas são mais populares e voltadas para a expressão da realidade vivida, ao passo que as artes greco-helenísticas são conduzidas pela busca de um ideal de beleza. As duas manifestações convivem na pintura e na escultura dos romanos, que formam uma sociedade “[...] aberta e cosmopolita, que absorveu os traços regionais num modelo comum totalmente romano, homogêneo e diversificado ao mesmo tempo [...]” (JANSON; JANSON, 2009, p. 70). 39 Para adentrar na arte romana, deve-se, portanto, compreendê-la nesse modelo complexo, e não em uma única qualidade formal, visto que a “romanidade” é resultante dos múltiplos estímulos e referências reelaborados pelos artistas de Roma. 9.3 A pintura romana Assim como nas demais artes, as produções dos etruscos influenciaram a pintura romana, o que foi revelado em trabalhos arqueológicos que encontraram numerosos afrescos etruscos no interior de túmulos. As pinturas encontradas representam cerimônias religiosas, ritos fúnebres, alegorias e motivos ornamentais. De modo simultâneo, a pintura enriqueceu-se e definiu-se ao contato dos modelos gregos e, sobretudo, helenísticos. Infelizmente, não conhecemos quadros de cavalete romanos, porém Baumgart (1999) sugere que devem ter existido, levando-se em consideração o costume de representar em amplas composições as batalhas dos generais vitoriosos. Pompeia era uma cidade romana com muitos reflexos da arte helenística, e o pouco que foi preservado, tanto da pintura grega quanto da pintura romana, deve- se, em grande parte, à erupção do vulcão Vesúvio (79 d.C.), que soterrou os edifícios construídos. Nossa imaginação especula sobre o tipo de pintura existente antes da catástrofe, já que, conforme Janson e Janson (2009, p. 77): “O que resta é capaz de surpreender o observador como sendo o aspecto mais excitante, bem como desconcertante, da arte sob o domínio romano [...]” (Figura 3). 40 Elementos importantes da pintura romana são referenciados pelas pinturas encontradas em Pompeia. As pinturas autônomas, ou pinturas em tela (pinturas de cavalete de modo geral, independentemente do suporte), não eram comuns nos tempos romanos. Não há registros significativos desse tipo de pintura, ao contrário das pinturas que faziam parte da decoração dos interiores, os afrescos. Os afrescos de Pompeia narram muito do que conhecemos sobre a pintura romana. Santos (2000) explica que, durante o século II a.C., era costume recobrir as paredes internas com uma camada de gesso pintado, imitando placas de mármore. Posteriormente, os pintores romanos criavam a ilusão do mármore apenas com a pintura, dispensando o gesso. Essa descoberta desencadeou outras possibilidades na pintura, visto que, além de imitar o mármore, os artistas passaram a sugerir saliências e profundidade na pintura. Surgiram, então, pinturas nas paredes que simulavam janelas abertas, por onde se via paisagens com animais e pessoas, além de barrados. que formavam uma grande pintura mural com temas diversos. O exemplo mais notável dessa técnica é o grande friso de um ambiente da Vila dos Mistérios, nos arredores de Pompeia (Figura 4). 41 Ao observar a Figura 4, percebe-se que o artista inseriu as figuras em painéis vermelhos sobre uma estreita faixa verde, separando os painéis por listras negras, de modo a criar uma espécie de palco para as figuras que representam um ritual. Segundo Janson e Janson (2009), o conjunto pictórico representa vários aspectos dos Mistérios Dionisíacos, um culto semissegredo trazido da Grécia para a Itália. Ao analisar a Figura 4, observa-se que as poses e os gestos das personagens retratadas são extraídos do repertório da arte grega clássica, o que caracteriza uma legítima herança grega. No século I d.C., os pintores romanos combinaram a ilusão do espaço com a delicadeza dos pequenos detalhes, estilo que pode ser admirado em uma sala da Casa dos Vettii (63–70 d.C.), em Pompeia, apresentada na Figura 5. Na Sala de Íxion, as cenas não dão a impressão de cópias diretas de originais helenísticos, visto que são compilações de motivos provenientes de diversas origens (JANSON; JANSON, 2009). 42 Ao analisar a Figura 5, é possível identificar que as pinturas são dispostas em um conjunto de peças que simulam painéis de mármore, com complexas cenas arquitetônicas, vistas através de janelas. “A ilusão criada pelas texturas da superfície e cenas distantes têm um grau extraordinário de realidade tridimensional, mas tão logo tentamos analisar a relação das várias partes em si, ficamos confusos e rapidamente percebemos que os pintores romanos não tinham uma compreensão sistemática da profundidade espacial [...]” (JANSON; JANSON, 2009,p. 79). Vale destacar que as arquiteturas a que se referem os autores são, na verdade, cenários teatrais que ilustram os episódios das aventuras de Ulisses, e a peça central provavelmente copia uma obra grega. Os retratos constituem uma peça importante na escultura grega, porém tiveram pouca expressão na pintura. Ora de maneira mais estilizada e decorativa, ora de maneira precisa, a pintura romana uniu realismo e imaginação e ocupou grandes espaços nas construções, complementando a arquitetura. 43 9.4 A escultura romana A questão da originalidade na escultura romana tem provocado debates na história da arte. A preferência pela decoração opulenta levou os romanos a importarem a estatuária grega, ou a cópia massificada delas, realizadas em seus ateliers, em Roma. Janson e Janson (2009, p. 73) alegam que “[...] existem categorias inteiras de escultura romana que merecem a designação de ‘ecos desativados’ das criações gregas, esvaziados de seu significado original e reduzidos à condição de obras de uma apurada perícia [...]”. Certos tipos de escultura romanas tiveram forte significação na tradição escultórica: os retratos e os baixos-relevos narrativos são os dois tipos de escultura que mais expressam a sociedade romana. Definida sob a ação das correntes etruscas e gregas, a escultura romana encontra suas melhores afirmações nessas duas modalidades de escultura. O baixo-relevo romano (Figura 6) é extremamente realista, exemplificando um verdadeiro documento histórico. Pode permitir a reconstituição, em todos os detalhes, desde os arreios dos cavalos até as armas dos combatentes, do gesto à vestimenta, do acontecimento militar ou histórico que representa (BAUMGART, 1999). A escultura romana é realista, descritiva e documental. Esses traços artísticos definem o caráter romano, feito de senso prático e de instintos políticos de domínio. 44 O temperamento realista e prático dos romanos é expresso em suas esculturas, que não pretendem instituir um padrão de beleza humana — como nas esculturas gregas —, mas representar fielmente uma pessoa. Não se pode desprezar a apropriação das técnicas e da estética gregas na escultura romana, conforme adverte Santos (2000, p. 42): “[...] ao entrar em contato com os gregos, os escultores romanos sofreram forte influência das concepções helenísticas a respeito da arte, só que não abdicaram de um interesse muito próprio: retratar os traços particularizadores de uma pessoa. O que acabou ocorrendo foi uma acomodação entre a concepção artística romana e a grega [...]”. Esse princípio pode ser compreendido quando se observa a estátua de Augusto (19 a.C.), o primeiro imperador romano (Figura 7). O escultor utilizou a estátua grega Doríforo, de Policleto, como referência. À estátua original foram realizadas alterações para que se adaptasse ao gosto e estilo romanos: a postura do tronco e das pernas foi mantida, assim como a inclinação lateral da 45 cabeça. No entanto, o escultor posicionou o braço de Augusto de tal forma, que ele parece se dirigir com firmeza aos seus súditos. É possível perceber que o escultor procurou captar as feições reais do imperador e o vestiu com a couração e a capa tradicionais romanas (SANTOS, 2000). A escultura romana culmina no retrato. Em simples bustos ou estátuas de corpo inteiro, os escultores deixaram verdadeiras obras-primas, devido à técnica e ao poder de emoção. As tradições do retrato romano são carregadas de sugestões religiosas e identificam-se com o culto dos mortos, de origem etrusca. Os etruscos modelavam diretamente em cera máscaras funerárias de implacável realismo, técnica que foi transmitida aos romanos, que adotavam o mesmo processo (HAUSER, 2003). Baumgart (1999) esclarece que, na primitiva Roma, havia uma lei que regulamentava o uso do retrato. Era o jus imaginum, embora depois tenha caído em desuso. Por esse direito, só mereciam retrato os indivíduos que tivessem prestado relevantes serviços ao Estado no exercício de cargos públicos importantes. Os 46 retratos eram, inicialmente, simples bustos em cera, conservados zelosamente pela família. Havia uma tradição muito antiga de fazer imagens de cera dos chefes de famílias importantes quando de sua morte. Essas imagens eram preservadas pelas famílias e carregadas nos cortejos fúnebres subsequentes. Essa forma ancestral de veneração foi atualizada na era republicana, tornando-se uma maneira de demonstrar a importância e a continuidade de uma família. Os romanos consideravam a cera um material efêmero, impermanente, decidindo moldar as imagens com materiais mais duradouros, como o mármore e o bronze (JANSON; JANSON, 2009). A Figura 8 exemplifica o ideal romano na escultura, que se distingue da expressão grega do ideal estético. O registro minucioso de uma topografia facial em mármore não poupa rugas ou verrugas, mas vai além, visto que o escultor optou por quais rugas enfatizar e quais traços destacar. “O rosto surge como uma personalidade especificamente romana – austero, sulcado, de vontade férrea. Trata-se de uma ‘imagem paterna’ de autoridade assustadora; alguém que se pode imaginar dirigindo não apenas uma família, mas uma colônia, e até mesmo um império [...]” (JANSON; JANSON, 2009, p. 73). 47 Quando a República deu lugar ao Império, os retratos perderam a intensa individualidade. Embora ainda mantivessem uma personalidade identificável, os retratos dos imperadores agora possuíam semelhanças heroicas e idealizadas, à moda da escultura grega. A colocação de Janson e Janson (2009, p. 74) esclarece: “Os gregos haviam dado ao mundo formas insuperáveis de materializar os deuses sob o disfarce de homens; os romanos voltavam agora a essas formas, dessa vez para elevar as imagens dos homens ao nível dos deuses [...]”. A estátua equestre do imperador Marco Aurélio (Figura 9) o apresenta como um homem culto, cujo ideal era o governante filósofo, que exercia seu comando pela sabedoria, e não pela força. Os escultores romanos foram também hábeis no bronze. 48 Nos séculos III e IV, a escultura entra em decadência, refletindo a própria decadência da civilização romana. Todas as recordações da beleza ou do realismo comovente desvanecem-se quando aparecem as primeiras representações de Cristo, aproximadamente em IV d.C., No entanto, não são apenas as obras religiosas do período do declínio do Império Romano que mudam de aspecto: Parecia serem raros os artistas que se importavam com o que fora a glória da arte grega, seu refinamento e harmonia. Os escultores já não tinham paciência para trabalhar o mármore com um cinzel e para o tratar com a delicadeza e o gosto que fora o orgulho dos artífices gregos. Tal como o pintor do mural da catacumba, eles usavam métodos mais imperfeitos como, por exemplo, uma broca mecânica para marcar as características principais de um rosto ou corpo (GOMBRICH, 1999, p. 131). 49 A arte antiga declinou nesse período, no entanto, não podemos atribuir esse fato à perda de habilidade dos artistas. O ponto fundamental a ser considerado é que, em meio a guerras, invasões e revoltas, os artistas já não se mostravam satisfeitos com a representação helênica virtuosa e passaram a buscar outros efeitos e significados na arte. 9.5 A arquitetura romana O poder político romano — que se estendia por um vasto império — esteve associado às suas criações artísticas. Foram criadas grandes cidades devido à sua estrutura militar, que patrocinou construções defensivas (fortalezas e muralhas) e infraestrutura urbana (p. ex., estradas, aquedutos e pontes). A arquitetura clássica grega distinguia-se pela proporção e a funcionalidade, e os romanos a monumentalizaram por seu próprio caráter e sob as sugestões da arte helenística. Tornaram-na grandiosa e espetacular,mesmo cenográfica, conforme o seu gênio e os desígnios de poder e conquista. Para maiores efeitos, superpunham as ordens, colocando a dórica no térreo, a jônica no segundo, a coríntia no terceiro. Os romanos criaram novas ordens: a toscana, variação do dórico, e a compósita, combinação de jônico e coríntio (Figura 10). Levaram ao extremo a decoração, pois achavam a grega era simples e adequada à função de cada elemento construtivo, de modo que desejavam obter efeitos de suntuosidade e riqueza, inscrevendo a arquitetura entre os instrumentos de afirmação do Estado. Os romanos preferiam a ordem coríntia, as folhas de acanto do capitel pintadas de ouro estridente, ao mesmo tempo que variavam e acentuavam a policromia do mármore (BENEVOLO, 1997). 50 Um aspecto peculiar ao romano foi sua atividade urbanista. Os romanos construíam cidades segundo planos diretores previamente estabelecidos, com as duas grandes vias que se cortavam em cruz: o cardo e o decumanus. No cruzamento, havia a praça central, o Foro, para o exercício da vida social e política, em toda sua plenitude. A Figura 11 ilustra o importante Foro em Roma (BENEVOLO, 1997) 51 Os monumentos religiosos alcançaram relativa importância entre os romanos, os quais foram grandiosos e suntuosos, uma vez que a escala adotada na arquitetura era, de modo geral, não a medida do homem, como entre os gregos, mas a medida ideal e super-humana de uma abstração — o Estado. A arquitetura romana expressa-se, porém, por excelência, nos monumentos de utilidade social e pública, honoríficos, militares e urbanísticos (BENEVOLO, 1997; GYMPEL, 2001). Os monumentos de utilidade social, destinados a atender às necessidades coletivas, são: as termas, os anfiteatros, os circos, os teatros e as basílicas. Os monumentos de utilidade pública são: as pontes, os aquedutos e as estradas. Os monumentos honoríficos são: os arcos de triunfo, as colunas triunfais e os túmulos. Os monumentos militares são: as muralhas, as fortalezas e as portas monumentais. Os urbanísticos, por sua vez, têm sua maior expressão no Foro (BENEVOLO, 1997). Os engenheiros romanos adotaram o arco (Figura 12) — herdado dos etruscos — e o aperfeiçoaram, conferindo a ele utilidades práticas, empregando-o 52 na construção de aquedutos e pontes, teatros e circos. Gympel (2001) destaca que ao arco também foi conferida uma significação simbólica, elevando os arcos de triunfo (monumentos honoríficos), que também tendiam aos objetivos de propaganda política. 53 No século II a.C., uma grande inovação passa a fazer parte das estruturas romanas. Paralelamente à construção pétrea, os romanos desenvolvem uma espécie de argamassa, feita com cal, areia, cascalho e certa matéria vulcânica, chamada puzolana, obtendo vigorosa concreção, ao mesmo tempo que aperfeiçoavam a técnica do cozimento do tijolo. (Souza, 2020) Benevolo (1997) observa que, graças a esse recurso construtivo, levantavam-se paredes espessas e sólidas, revestidas de placas de mármore, arcos, cúpulas e abóbodas, audaciosas e resistentes. Não se pode deixar de observar a concepção de espaço que os arquitetos/ engenheiros romanos revelaram possuir na arquitetura. Os gregos não tinham maior preocupação com o espaço interior, visto que sua arquitetura se baseava, sobretudo, em princípios de proporção e beleza regular da forma, nos quais predominavam valores escultóricos. Os gregos não buscavam solucionar certos problemas impostos pelo espaço interior, como os da ventilação e iluminação, pois seus cuidados se voltavam, de modo especial, para os elementos plásticos externos, valores artísticos em que se esmeraram. Os romanos exploraram as possibilidades do arco e da abóbada ampliadas pela argamassa (puzolana), que permitiram concepções novas do espaço arquitetônico, por meio das quais exprimiam seus sentimentos de poder soberano e universal e atendiam às finalidades sociais de seus edifícios e monumentos. Aprenderam, então, a articular espaços interiores, amplos e dinâmicos. Dentro da melhor lógica e funcionalidade, souberam solucionar os consequentes problemas de ventilação e iluminação. Na utilização do espaço arquitetônico, foram verdadeiros inovadores, pois se expressavam com audácia e autenticidade (GYMPEL, 2001). Grande parte dos monumentos romanos que persistiram ao tempo são conhecidos, e mesmo suas ruínas conservam um aspecto extremamente impressionante. Gombrich (1999, p. 117) esclarece essa sensação: “Sentimo-nos formigas quando caminhamos em Roma entre seus enormes pilares. Foram essas ruínas, de 54 fato, que tornaram impossível às gerações seguintes esquecer ‘a grandeza de Roma’ [...]”. O mais famoso monumento romano é a gigantesca arena conhecida como O Coliseu (Figura 13). O Coliseu é uma característica edificação romana: uma estrutura unitária composta de três ordens de arcos sobrepostos, com o objetivo de sustentar os assentos no amplo espaço interior do anfiteatro. À frente dos conjuntos de arcos, o arquiteto posicionou uma espécie de cortina de formas gregas, aplicando em sua fachada os três estilos de construção utilizados para os templos gregos. Gombrich (1999, p. 117) detalha: “O andar térreo é uma variação do estilo dórico, sendo conservados inclusive as métopes e os tríglifos; o segundo andar é jônico, e o terceiro e o quarto são meias colunas coríntias [...]”. A combinação de estruturas romanas com ordens gregas influenciou significativamente os arquitetos subsequentes. Pode-se observar em várias cidades exemplos dessa influência. O Coliseu tem capacidade para 80 mil espectadores e é o maior exemplo da tipologia anfiteatro, onde ocorriam os combates dos gladiadores — oriundos dos ritos fúnebres etruscos e transformados em verdadeira 55 paixão popular entre os romanos. Dos séculos XV ao XVII, como quase todos os monumentos antigos de Roma, transformou-se em verdadeira jazida de mármore e pedras para as igrejas e os palácios construídos pelos papas, cardeais e príncipes renascentistas e barrocos. Os templos romanos eram erguidos em um plano mais elevado, e a entrada era por meio de uma escadaria construída diante do pórtico principal. Estes elementos arquitetônicos — escadaria e pórtico — distinguiam a fachada principal das laterais e do fundo da edificação. Esse aspecto demonstra que os romanos não tinham a mesma preocupação dos gregos, que prezavam a equivalência de forma entre os pórticos principal e posterior e entre as duas fachadas laterais. Os romanos apreciavam os peristilos externos dos templos gregos, acrescentando-os ao modelo tradicional de seus templos, conforme exemplifica a Figura 14 (SANTOS, 2000). Na construção da Maison Carré (Figura 14), pode-se perceber que os arquitetos adotaram, além dos elementos típicos: a escadaria, o pórtico e as colunas 56 — meias colunas embutidas nas paredes laterais e do fundo, criando uma espécie de falso peristilo. Quando se fala do excepcional tratamento aos espaços interiores atribuído aos arquitetos romanos, o Panteão (Figura 15) surge como exemplar notável. O domínio da construção, com arcos constituídos de pedras separadas em forma de cunha, foi uma grande proeza de engenharia adquirida. A partir de então, os construtores utilizaram a inovação em projetos cada vez mais audaciosos: estendendo pilares de pontes e aquedutos, bem como, extraordinariamente, usaram esse recurso para construir tetos em abóbada. Graças ao seu conhecimento técnico construtivo, os romanos tornaram-se grandes especialistas em construir estruturas com coberturas em abóbadas. O Panteão — ou templo de todos os deuses — é o único templo da Antiguidade Clássica que se manteve como local de culto, sendo convertido em igreja no início da Era Cristã,se manteve intacto até os dias atuais. Seu impressionante interior é coroado por uma imensa rotunda com teto em abóbada, com uma abertura circular no topo, através da qual se vê o céu. O edifício não possui janelas, mas recebe luz abundante e uniforme em todo o ambiente advinda do alto. Sua magnitude é descrita por Gombrich (1999, p. 121): “Conheço poucos edifícios que transmitam semelhante impressão de serena harmonia. Não há 57 qualquer sensação de peso agressivo. O enorme zimbório parece pairar livremente sobre nossas cabeças como uma segunda abóbada celeste [...]”. Além da função decorativa atribuída às colunas — como visto na Maison Carré —, os romanos deram a elas sentido simbólico e honorífico nas suas colunas triunfais, como as de Trajano (séc. I d.C.) e Marco Aurélio (séc. II d.C.), erguidas em Roma (Figura 16). Esses monumentos tipicamente romanos destacam-se por suas dimensões e forte simbolismo, pois comemoram as vitórias dos imperadores sobre os povos dominados. (Souza, 2020) A Coluna de Trajano narra as lutas do imperador e dos exércitos romanos na Dácia, e, devido ao imenso número de figuras esculpidas, a obra é um importante documento histórico em pedra. A expressividade das cenas e das figuras também atribui ao monumento um grande valor artístico. Trata-se de uma crônica ilustrada 58 da guerra e da vitória na Dácia (atual Romênia), na qual legionários romanos são representados embarcando, acampando e combatendo (GOMBRICH, 1999; SANTOS, 2000). A Coluna de Marco Aurélio foi erguida menos de um século depois da Coluna de Trajano, com o objetivo de celebrar o êxito dos romanos contra um povo da Alemanha do Norte. Trata-se de um relevo mais profundo, emocional e dramático, representando cenas violentas da guerra, nas quais os romanos massacram os bárbaros já vencidos. É importante salientar as obras de infraestrutura realizadas pelos romanos, visto que eles foram o povo que construiu as melhores estradas, pontes e aquedutos, para atender à necessidade de domínio, segurança e administração. As grandes estradas ou vias obedeciam a fins militares e econômicos. Eram estrategicamente traçadas e construídas com excelências e primores técnicos, pavimentadas de grandes e grossas lajes, unidas sem argamassa (GYMPEL, 2001). As pontes, os aquedutos e os viadutos foram outras construções excelentes entre os romanos, muitas das quais ainda resistem ao tempo. Os arcos e as abóbadas etruscos eram construídos a seco, já os romanos, de pedra e argamassa, pois permitiam maiores audácias. As pontes foram inicialmente de madeira e, em seguida, de pedra. Benevolo (1997) salienta a verdadeira ciência da mecânica construtiva dos engenheiros romanos, que superpunham audaciosamente os arcos, como na Pont Du Gard (séc. I a.C.), na França. A Pont Du Gard (Figura 17) servia ao abastecimento da cidade francesa de Nîmes, e foi lançada sobre o vale do Rio Gardon, a qual media 262 metros de extensão por 50 de altura. Sua solidez e beleza é realçada pela paisagem, atestando a grandiosidade e a durabilidade das obras públicas romanas. Após as primeiras décadas do século III, os imperadores romanos passam a enfrentar lutas internas pelo poder e a pressão externa pelos povos bárbaros. Nesse cenário, as preocupações com as artes diminuem, coincidindo com a decadência do Império Romano, que, no século V, perde o domínio do seu território 59 do Ocidente para os povos germânicos. O legado romano para o mundo ocidental é inestimável, sobretudo pela grandeza de suas produções artísticas, incluindo a engenharia e a arquitetura. A expressão do poder e o ímpeto expansionista dessa civilização tinha nas obras públicas sua maior visibilidade. Em seus monumentos e edifícios, a riqueza cromática da pintura e a suntuosidade da escultura combinavam as expressões artísticas requintadas com a magnitude das estruturas e dos espaços. (Souza, 2020) 10 ARTE CONTEMPORÂNEA 10.1 Arte contemporânea: algumas características e tendências Você deve saber que o contemporâneo demarca o tempo presente. No entanto, pensar as artes que figuram sob o termo contemporâneo é uma tarefa 60 difícil, pois, por mais que utilizemos definições conceituais que possam representar boa parte da produção artista contemporânea, sempre corremos o risco de não dar conta de outras, que superam tais perspectivas. Afinal, a arte contemporânea não é apenas a arte produzida no tempo presente, uma vez que apresenta uma nova relação com a produção artística, distinta daquela perseguida pelos artistas modernistas. Para dar conta das novas produções artísticas surgidas a partir dos anos 1980, foi inventado o termo arte pós-moderna. Danto (2006) afirma que a utilização desse termo poderia deixar de lado diversas produções contemporâneas, devido à falta de unidade estilística nas obras dos artistas que não seguem mais os princípios da arte moderna. De acordo com Canton (2009a, p. 49): Diferentemente da tradição do novo, que engendrou experiências que tomaram corpo a partir do século XX com as vanguardas, a arte contemporânea que surge na continuidade da era moderna se materializa a partir de uma negociação constante entre arte e vida, vida e arte. Nesse campo de forças, artistas contemporâneos buscam um sentido, mas o que finca seus valores e potencializa a arte contemporânea são as inter- relações entre as diferentes áreas do conhecimento humano. As experiências da Pop Art, “[...] cujas obras utilizavam temas extraídos da banalidade dos Estados Unidos urbano [...]” (ARCHER, 2012, p. 6), que rompia com a ideia de arte como expressão ao buscar um arranjo artístico mecanizado tanto na técnica quanto na forma. Assim como as produções dos artistas conceituais, como, por exemplo, a obra A Base do Mundo (Figura 1), de Piero Manzoni, dificultaram a distinção entre os objetos da arte e os objetos do mundo. Essa obra consiste em um pedestal, comumente utilizado como base para esculturas. O pedestal de Manzoni, aparentemente, está sem uma escultura para torná- lo útil, mas, em sua face, há a seguinte frase: “Base do mundo, base mágica n° 3 de Piero Manzoni, 1961, Homenagem a Galileu [...]” (FERVENZA, 2006, p. 83). Logo, percebemos que a obra conceitual de Manzoni, ao utilizar uma base de escultura com o título “Base do Mundo”, está transformando o mundo em arte. De fato, ao refletirmos sobre a arte contemporânea, torna-se difícil distinguir a arte da vida, pois ambas estão intimamente interligadas. 61 Em consequência da ampliação do conceito artístico, resultante das correntes modernistas, hoje, não há “[...] nenhuma limitação a priori de como as obras de arte devem parecer – elas podem assumir a aparência de qualquer coisa. Isso por si só se deu por encerrada a agenda modernista [...]” (DANTO, 2006, p. 19). Enquanto a arte acadêmica contava com princípios estéticos e temáticos para definir qual era a arte, a arte modernista, por sua vez, construía o conceito de arte a partir de narrativas de grupo, ou seja, os artistas produziam a partir de princípios estéticos comuns na arte contemporânea, tanto com a normatização estética quanto com a eleição de princípios estéticos comuns. Danto (2006), ao ilustrar as descontinuidades na arte, afirma que o renascimento inaugurou a era da arte ao criar a figura do artista e as teorias que distanciavam o fazer artístico (artes liberais) do fazer artesanal, que não exigia reflexões filosóficas. Isso não significa que antes da era da arte não existisse arte. Na verdade, o que não existia era o conceito de arte, visto que as imagens 62 elaboradas eram puramente religiosas e os monges e padres que as construíam seguiam regras iconográficas. Outra descontinuidade ocorreu na década de 1980, a qual causou a morte da arte inaugurada no Renascimento.
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