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Daniel Faria Patire_Gil Vicente_UmapropostaInterdisciplinar

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Nome: Daniel Faria Datire
R.A.: 2005751
Disciplina: Origens das Literaturas Portuguesa e Brasileira
Gil Vicente – uma proposta interdisciplinar
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em suas diferentes versões, aponta a formação do estudante como leitor fruído até se tornar crítico, ao longo dos anos nos diferentes níveis da Educação – Fundamental, Médio e Superior. Ao Fundamental, dentro do componente curricular de Língua Portuguesa, cabe “desenvolver o senso estético”, das crianças e pré-adolescentes, para que eles reconheçam e respeitem as “diversas manifestações artísticas, das locais às mundiais, inclusive aquelas pertencentes ao patrimônio cultural da humanidade” (BNCC, p.66).
Para o Ensi Médio, espera-se a formação de estudantes protagonistas. Para isso, é preciso municia-los com o contexto histórico, social das diferentes obras literárias estudadas, desenvolvendo a seguinte competência: 
Compreender os processos identitários, conflitos e relações de poder que permeiam as práticas sociais de linguagem, respeitando as diversidades e a pluralidade de ideias e posições, e atuar socialmente com base em princípios e valores assentados na democracia, na igualdade e nos Direitos Humanos, exercitando o autoconhecimento, a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, e combatendo preconceitos de qualquer natureza. (BNCC, p. 490).
No jornalismo, quando um texto começa com uma longa introdução, dizemos que esse tem um nariz de cera. Tal jargão se refere a fragilidade de não começarmos a notícia, o artigo, com o fato ocorrido ou com o objeto principal. Enfim, recorri a presença da Literatura na BNCC para, ao longo deste ensaio, explorar diferentes proposições sobre a importância e relevância de se estudar os textos das peças teatrais do poeta e dramaturgo português Gil Vicente, escritas e encenadas no início do Século XVI, e, ainda por cima, em uma língua estranha a nossos estudantes tantos séculos depois. Já adianto a você, caro leitor, que seria deveras proveitoso, quase singular – diria -, aos nossos estudantes, sobretudo os jovens do Ensino Médio, a quem a Literatura tem um papel fundamental na sua formação cidadã, a leitura e, quiçá, a montagem do Auto da Barca do Inferno. 
Assim, ao apresentar a minha defesa do ensino da obra deste autor que viveu - e se apropriou - da cultura do fim da Idade Média e vira a nascente Era Renascentista surgir, faço um caminho sobre a crítica e relevância histórica de Gil Vicente para a Literatura de Língua Portuguesa e Universal; para, depois, elucidar uma proposta de trabalho interdisciplinar a ser aplicada junto a estudantes do Ensino Médio, sobretudo. 
Gil Vicente e sua obra
No texto que precede a peça Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, o professor de Língua e Literatura Latina da Unicamp Francisco Achcar elenca uma série de críticos e pesquisadores, que não pertencem a cultura lusófona, como os italianos Gianfranco Contini, Luciana Stegagno Picchio, o austríaco Otto Maria Carpeaux, os quais apontam o dramaturgo português como um dos grandes autores quinhentistas europeu. Segundo os diferentes estudiosos, sua obra dialoga com a ampla cultura europeia do período, além de articular em seus textos em diferentes línguas, tais, como: espanhol, português-arcaico e diferentes dialetos. 
Um homem da corte e de seu tempo, Gil Vicente, está presente no Cancioneiro Geral, uma antologia, organizada por Garcia de Resende, em 1516, que traz a poesia feita na corte portuguesa no período da segunda metade do século XV e das primeiras décadas do século XVI (Achcar, p. 9). Apesar de estar no meio da nobreza, o teatro feito por ele é produzido com grande liberdade e repleto de críticas sociais, elaboradas por meio de sátiras de tipos sociais. Os críticos Antonio José Saraiva e Oscar Lopes, em sua obra História da Literatura Portuguesa, apontam: 
Meirinhos, corregedores, juízes, insaciáveis espoliadores do povo, são impiedosamente fustigados na Barca do Inferno, na Floresta de Enganos, na Frágua do Amor, onde a Justiça é uma velha corcovada com as algibeiras repletas de galinhas, perdizes e bolsas, as mãos enormes, habituadas a ‘apanhar’. A Corte, várias vezes saudada como um jardim onde se cultivam as belezas e os requintes, aparece outras vezes como um foco de corrupção, rapina e nepotismo, responsável pelos males da Nação. (Saraiva e Lopes, p. 235)
Entre os mais satirizados, “que atinge uma extraordinária violência” (Saraiva e Lopes, p. 234), estão os clérigos – frades, freis, bispos. Fazem parte também desses tipos sociais presentes de seu teatro: a mulher alcoviteira, os fidalgos, os escudeiros, a velha beberrona. Sua dramaturgia se aproxima das “tradições dramáticas” (Achcar, p. 12) do fim da Idade Média, e de caráter popular, como os autos, as farsas, moralidades, entre outros. 
Parênteses para reforçar o caráter independente deste autor, como aponta Achcar, o poeta Sá de Miranda, introduziu em Portugal as “novidades renascentistas trazidas da Itália”. E o Renascimento fez florescer um mergulho nas tradições greco-romanas, sobretudo, nas Artes. No teatro, as definições feitas por Aristóteles em sua obra A Poética tornam-se cânones a serem seguidos. Itália e França ganham traduções, comentários do livro aristotélico. E, o querido Gil Vicente deixa-nos um teatro anti-aristotélico, desrespeitando a “rigorosa disciplina” das três unidades – Unidade de Ação, Unidade de Tempo e Unidade de Lugar, que tinham por função concentrar os “efeitos emotivos” do espetáculo para que o público pudesse atingir a catarse. No entanto, no teatro vicentino, há uma série de ações, justaposição de lugares e o tempo é alargado. Escreve Achca: 
Além disso, Gil Vicente abre a cena a todas as classes sociais e pratica as maiores liberdades, seja na construção das situações, misturando elementos sérios e cômicos, seja no uso da linguagem, mesclando registro “elevado” (nobre) com registo “baixo” (popular). (Achca, p. 13) 
De acordo com o russo Vladimir Propp, em seu livro Comicidade e Riso, entre os tipos de riso, existe o de “zombaria”, este ligado ao ato de zombar, ridicularizar alguém ou uma classe social. Escreve ainda: “todo o vasto campo da sátira baseia-se no riso zombaria. E 7tem-se o efeito cômico, ou a comicidade, no ato de ridicularizar os tipos sociais, levando a plateia ao riso (seja no século XVI, seja nos dias atuais).
Por uma proposta interdisciplinar
Ao longo da exposição, espero, demonstrou-se a riqueza da obra de Gil Vicente, colocando-o entre os clássicos universais. Esse fator já o colocaria entre as obras a serem lidas e aprendidas pelos leitores em formação, segundo o texto da BNCC destacado no início do ensaio. Mas, ao mesmo tempo, você, leitor (não imagine que o estivesse esquecido), pode indagar: O que um texto teatral do século XVI, escrito em português arcaico, em versos, pode ensinar a nossos jovens estudantes?
Claro que uma obra com esta característica poderia afastar crianças e adolescentes, mesmo rico em sátiras; pois, para ser pego pega comicidade do texto, precisa, ao menos, que as situações ridículas sejam compreensíveis aos leitores. 
E é neste ponto que se faz necessária a participação não somente do professor de Literatura, como também o de História, de Sociologia, Filosofia, e, porque não, de Matemática.
Por exemplo, a obra Alto da Barca do Inferno, escrita em 1517, pode ser usada em conjunto com a obra do escritor brasileiro Ariano Suassuna, Auto da Compadecida, de 1955, e que virou um grande sucesso nacional com a adaptação para o cinema, em 2000, dirigido por Guel Arraes.
As farsas, autos, e demais estilos de Gil Vicente estão na origem dos espetáculos teatrais mais populares no Brasil, como o circo-teatro, e que foram levados a Televisão.
Com o auxílio dos professores para desvendar esse mundo do século XVI, os jovens estudantes podem ser convidados a fazer um exercício de atualização dos tipos, das linguagens (inserindo gírias, jeitos de falar), das classes sociais. A partir desse incentivo, recriar um auto ao seu modo. 
Assim, aose propor a leitura de uma obra de Gil Vicente para os estudantes, colaboramos com a formação de um cidadão crítico, que tem a capacidade de olhar o mundo a seu redor e compreender, histórica e socialmente, diferentes papeis dentro de uma hierarquia social.

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