Buscar

O diário do ano da peste

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 147 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 147 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 147 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

A FICÇÃO FACTUAL DE DANIEL DEFOE
Publicado em 1722, como relato de testemunha ocular só identificada no final do 
texto pelas iniciais H. F., A Journal of the Plague Year é uma narrativa ficcional sobre 
Londres durante o surto de peste bubônica no verão de 1665. Escrita na primeira pessoa por 
um narrador anônimo e imaginário (Daniel Defoe tinha quatro anos no ano da peste), o 
texto se apresenta como história verídica, reconstruída a partir de dados e fatos concretos.
Um diário do ano da peste se diferencia de todas as demais abordagens da epidemia 
por se tratar de uma obra ficcional que reúne, organiza e contextualiza farta informação de 
credibilidade inquestionável. Nesta, mais do que em qualquer outra das suas novelas, 
Daniel Defoe trama a narrativa fundindo fato e ficção, através de minuciosa coleção de 
detalhes. Ou seja, o autor emprega métodos jornalísticos na ficção, criando um primeiro 
modelo de narrativa objetiva, com muitas das técnicas utilizadas até hoje na “reportagem 
jornalística”, a dita “primeira versão da História”. 
O narrador da história se limita a registrar as suas observações e comentários. O 
desenrolar da ação é determinado e conduzido pelo conflito entre as duas personagens 
centrais: a peste atacando Londres de um lado, a cidade e seus habitantes resistindo ao 
ataque do outro. 
O realismo e a preocupação informativa do texto tornam a obra, mesmo sendo 
ficcional, um instrumento da maior eficiência para o estudo da propagação e controle de 
doenças infecciosas no meio urbano. Um diário do ano da peste também é fonte de 
consulta obrigatória para se entender o comportamento coletivo diante de uma calamidade 
social que cria um pandemônio na comunidade e ameaça a vida de cada um dos seus 
integrantes. 
Neste sentido, Defoe empenha-se na exemplificação da irracionalidade dos homens 
frente a um inimigo incontrolável e invisível. No processo, o texto deixa evidente que os 
sentimentos e reações coletivas pouco mudaram do século XVIII para cá. Da peste 
bubônica para a AIDS ou o dengue – as epidemias mudaram, mas os povos continuam os 
mesmos.
 O Diário mapeia a disseminação da peste em Londres passo a passo, bairro a bairro, 
paróquia a paróquia, com contabilização semanal dos mortos e uma exposição do alto custo 
humano da epidemia. Descreve as valas comuns, abertas para enterrar as pequenas 
montanhas de mortos recolhidos pelas ruas da cidade, detalha os mais descabidos e 
grosseiros procedimentos médicos, as superstições, simpatias, benzeduras, talismãs, poções 
milagrosas e o vasto instrumental terapêutico, vindos tanto da sabedoria popular quanto da 
Cabala ou bruxaria. Ainda registra os mais diversos níveis de sofrimento, da morte 
horrenda das mães grávidas contaminadas à execução de 40 mil cães e 20 mil gatos, a fim 
de conter a transmissão da doença.
Apesar da abundância de ponto-e-vírgulas subordinando longas frases e do moralismo 
excessivo característicos da escrita no início do século XVIII, o livro mantém o “prazer do 
texto” e o interesse do leitor, pela apurada manipulação dos fatos para surpreender e chocar. 
A acumulação de grande volume de dados e acontecimentos parece caótica e mal 
selecionada. A justaposição quase desconexa de estatísticas e incidentes mundanos, porém, 
é intencional. Tem por função aumentar a concretude da história e sua verossimilhança ao 
depoimento espontâneo e sincero de um autêntico observador comum.
Estas sofisticadas artimanhas narrativas revestem o texto com o verniz da veracidade, 
despindo-o de qualquer pretensão literária. 
 As anedotas e histórias de “interesse humano”, entremeadas com dados oficiais sobre 
o alastramento da epidemia nos quatro cantos de Londres, seriam apenas truques de 
imaginação para prender a atenção do leitor. Além de deixar a história mais convincente, o 
reaproveitamento de testemunhos verídicos dá um “valor acrescido de mercadoria” ao 
texto.
Com este estilo simples e direto, aparentemente tosco e pouco elaborado, Defoe busca 
despertar o interesse de um novo tipo de leitor, o cidadão comum, que não freqüenta os 
círculos culturais, nem conhece os maneirismos intelectuais de seu tempo. Para isto, o texto 
instrui enquanto entretém, incluindo vulgaridades e exageros alarmistas, assim como 
informações de serventia prática ou educativa para “o homem da rua”. Desta forma, Defoe 
também antecipou os fundamentos da literatura popular moderna.
Ficção factual ou narrativa semi-histórica, Um diário do ano da peste foi escrito em 
1721-22. Dois anos antes, o sensacionalismo jornalístico que cercou um surto de peste em 
Marselha, na França, despertou o interesse de Defoe pelo apelo comercial do tema. Ainda 
em 1720, publicou um panfleto compilado de outros autores, com medidas preventivas 
contra a peste, chamado “Due Preparations for the Plague”. Em seguida, Defoe partiu para 
a criação do Diário, sendo “parcialmente inspirado” naquele folheto e outros livros da 
época, que lhe serviram de fonte: as estatísticas das mortes causadas pela epidemia saíram 
de London’s Dreadful Visitation, os procedimentos médicos e tratamentos da doença 
vieram de Necessary Directions for the Preventions and Cure of the Plague e Medela 
Pestilentiae.
A PESTE BUBÔNICA
Infecção altamente transmissível, causada pela bactéria Yersinia Pestis, também 
conhecida como Pausteurella Pestis, que ataca o sistema linfático. A peste bubônica era a 
doença mais temida na Europa renascentista. Cerca de dez dias após o contágio, dá-se o 
doloroso inchaço de gânglios linfáticos do pescoço, axilas e virilhas, aparecendo a primeira 
íngua, o “bubo” ou bubão.
Esta primeira íngua sempre é a maior e mais proeminente de todas. Em seguida, 
surgem outros bubões menores pelo corpo. Os sintomas mais comumente associados à 
doença são dores de cabeça, calafrios, febrões, dores lombares, taquicardia, delírio e 
vômitos. Na Renascença, só três em cada dez contaminados conseguiam viver mais de uma 
semana depois da formação do primeiro “bubo”.
Em Londres, a peste bubônica adquiriu proporções pandêmicas em 1665, matando 
17.440 dos seus 93 mil habitantes. De forma endêmica, entretanto, a doença existia há mais 
tempo nas docas da cidade, trazida por ratos de porões de navios estrangeiros. A 
contaminação de seres humanos deu-se através destes ratos, de gatos e cachorros que 
comeram ratos infectados e pelas pulgas destes animais. Apesar da crença popular, a água e 
o ar não desempenharam qualquer papel na erupção ou disseminação da peste. 
Em Um diário do ano da peste, a doença deixa Londres súbita e inesperadamente, 
feito um milagre, no final de 1665. Na verdade, a epidemia continuou em 1666, causando 
mais duas mil mortes na capital da Inglaterra. O surto de peste só seria controlado por outra 
tragédia de semelhante dimensão social, o Great Fire – um incêndio iniciado na city de 
Londres que, em quatro dias, destruiu meia cidade. 
UM DIÁRIO DO ANO DA PESTE
Daniel Defoe
Tradução de Eduardo S. San Martim
Foi lá pelo começo de setembro de 1664 que eu e os meus vizinhos ouvimos em 
conversa corrente que a peste estava de volta na Holanda mais uma vez, pois já fora bem 
violenta no ano de 1663, principalmente em Amsterdam e Rotterdam, onde, pelo que 
dizem, chegou entre mercadorias transportadas por navios da Turquia; uns diziam vindas da 
Itália, outros do Levante; também disseram que veio da Cândia, ou então do Chipre. De 
onde veio não interessava, todos estavam de acordo que a peste estava na Holanda outra 
vez.
Naqueles dias, não tínhamos coisas que eu ainda viveria para ver em prática, como os 
jornais impressos para espalhar rumores e informar sobre os acontecimentos e para 
melhorar as coisas pela imaginação dos homens. Notícias como aquela chegavam nas cartasdos mercadores e de outros que se correspondiam com o exterior e depois as divulgavam 
somente em conversas. Assim, estas coisas não se espalhavam instantaneamente por toda a 
nação como acontece agora. Parece, porém, que o governo tinha recebido um relatório 
comprovando o fato e já promovera várias reuniões para estudar maneiras de impedir a 
vinda da peste, mas tudo era feito muito discretamente. Por isso, os rumores não 
demoraram a desaparecer e o povo foi esquecendo a coisa como algo que nos dizia muito 
pouco a respeito, e que esperávamos não ser verdade. Até o final de novembro, ou o início 
de dezembro de 1664, quando dois homens, ditos franceses, morreram de peste em Long 
Acre, ou mais exatamente, lá pelo fim de Drury Lane. A família com quem estavam 
hospedados tentou esconder o caso de todas as maneiras possíveis, mas como aquilo foi 
comentado pela vizinhança, os secretários de Estado tomaram conhecimento e se 
preocuparam em mandar investigar. A fim de estabelecer a verdade com segurança, dois 
médicos e um cirurgião receberam ordens de ir àquela casa fazer uma inspeção. Fizeram 
isto e, encontrando sinais evidentes da doença nos corpos dos dois mortos, manifestaram 
publicamente sua opinião de que tinham morrido de peste. Depois, o caso foi informado ao 
padre da paróquia que o transmitiu ao Hall.l No boletim semanal de mortalidade, foi 
registrado como de costume, desta forma;
Peste, 2. Paróquias contaminadas, 1.
O povo mostrou grande preocupação com isto e o alarme começou a se espalhar por 
toda a cidade, ainda mais porque, na última semana de dezembro de 1664, outro homem 
morreu na mesma casa, com a mesma doença. Então, ficamos tranqüilos cerca de mais seis 
semanas, pois ninguém morreu com sinais da infecção e foi dito que a doença desaparecera. 
Depois, acho que no dia 14 de fevereiro, morreu mais um em outra casa, mas na mesma 
paróquia e da mesma maneira.
Esta morte chamou muito a atenção do povo para aquele canto da cidade. Embora 
cuidassem para manter isto o mais longe possível do conhecimento público, com os 
boletins semanais mostrando um aumento de óbitos acima do normal na paróquia de St 
Giles, surgiu a suspeita de que a peste estava entre os moradores daquela zona da cidade e 
que muitos morriam com ela. Isto tomou conta da cabeça das pessoas e poucas se 
arriscavam a atravessar Drury Lane ou outras ruas suspeitas, a não ser que negócios 
importantíssimos as obrigassem a ir até lá.
O crescimento dos óbitos nos boletins foi assim: o número habitual de enterros em 
uma semana, nas paróquias de St Giles-in-the-fields e St Andrew Holborn, era entre doze e 
dezessete ou dezenove mais ou menos, em cada uma. No momento em que a peste surgiu 
na paróquia de St Giles, observou-se que o número de enterros comuns aumentou 
consideravelmente. Por exemplo:
De 27 de dezembro a 3 de janeiro St Giles 16
St Andrew 17
De 3 a 10 de janeiro St Giles 12
St Andrew 25
De 10 a 17 de janeiro St Giles 18
St Andrew 18
De 17 a 24 de janeiro St Giles 23
St Andrew 16
De 24 a 31 de janeiro St Giles 24
St Andrew 15
De 30 de janeiro a 7 de fevereiro St Giles 21
St Andrew 23
De 6 a 14 de fevereiro St Giles 24
sendo um de peste.
Aumentos semelhantes foram observados nos boletins de óbitos da paróquia de St 
Bride, que se une a um lado da paróquia de Holborn, e na paróquia de St James, 
Clarkenwell, que se une a Holborn pelo outro lado; em ambas, o número habitual de mortos 
por semana era entre quatro e seis ou oito, mas, naquele momento, aumentou como segue:
De 20 de dezembro a 27 de dezembro St Bride 0
St James 8
De 27 de dezembro a 3 de janeiro St Bride 6
St James 9
De 3 a 10 de janeiro St Bride 11
St James 7
De 10 a 17 de janeiro St Bride 12
St James 9
De 17 a 24 de janeiro St Bride 9
St James 15
De 24 a 31 de janeiro St Bride 8
St James 12
De 31 de janeiro a 7 de fevereiro St Bride 13
St James 5
De 7 a 14 de fevereiro St Bride 12
St James 6
Além disso, o povo notou, com grande inquietação, que os boletins de óbitos em 
geral aumentaram muito durante aquelas semanas, embora fosse uma época do ano em que 
o número de mortos era normalmente moderado.
O número habitual de enterros registrados nos boletins semanais era entre 240 e 300. 
O último era considerado muito alto, mas, depois disso, vimos os boletins aumentando 
constantemente, como segue:
Enterros Aumento
De 20 a 27 de dezembro 291 ...
De 27 de dezembro a 3 de janeiro 349 58
De 3 a 10 de janeiro 394 45
De 10 a 17 de janeiro 415 21
De 17 a 24 de janeiro 474 59
O último boletim foi realmente assustador, sendo o de mais alto número de enterros 
por semanas desde a última epidemia, em 1656.
Tudo isso, porém, passou novamente e, com o clima ficando frio e a geada que 
começara em dezembro continuando muito severa até perto do final de fevereiro, 
acompanhada por ventos cortantes mas moderados, os registros de óbitos voltaram a 
diminuir e a cidade cresceu com saúde e todo mundo começou a encarar o perigo como tão 
bom porque passou. Só que, em St Giles, o número de enterros ainda continuava elevado. 
No começo de abril, principalmente, estavam em vinte e cinco por semana até a semana de 
18 a 25, quando trinta foram enterrados na paróquia de St Giles, sendo dois com peste e 
oito com febre tifóide, que era considerada a mesma coisa. O número de mortos com febre 
tifóide também aumentou, sendo oito na semana anterior e doze na semana indicada acima.
Isto assustou a todos outra vez e temores terríveis assaltaram o povo, principalmente 
porque o clima estava mudando, aumentando o calor com a proximidade do verão. Na 
semana seguinte, no entanto, surgiram algumas esperanças. Os boletins diminuíram e o 
número de mortos ficou em 388 no total, nenhum com peste e apenas quatro com febre 
tifóide.
Uma semana depois, porém, voltou novamente e a doença tinha se espalhado para 
duas ou três paróquias, a saber: St Andrews, Holborn, St Clement Danes e, para grande 
aflição da city2, morreu um dentro das suas muralhas, na paróquia de St Mary Woolchurch. 
Isto significa que foi em Bearbinder Lane, perto da Bolsa de Mercadorias. No total, foram 
nove mortos com peste e seis com febre tifóide. Através de uma investigação, entretanto, 
foi revelado que o francês que morreu em Bearbinder Lane tinha morado em Long Acre, 
perto das casas contaminadas e se mudara com medo da doença, sem saber que a tinha 
contraído.
Isto foi no começo de maio, o clima ainda temperado, instável e bastante frio, e o 
povo ainda tinha algumas esperanças. O que os encorajava era que a city estava saudável: 
todas as noventa e sete paróquias enterraram apenas cinqüenta e quatro mortos e 
começamos a acreditar que a peste ficaria só naquele canto da cidade, sem avançar mais, 
pois na semana seguinte, de 9 a 16 de maio, morreram três, mas nenhum dentro de toda city 
ou liberties3. St James enterrou apenas quinze, o que era muito pouco. É verdade que St 
Giles enterrou trinta e dois, mas, mesmo assim, apenas um morrera com a peste e o povo 
voltou a se tranqüilizar. O registro geral de óbitos também estava bastante baixo, pois, na 
semana anterior, registraram-se 347 mortos e, na semana mencionada acima, apenas 343. 
Continuamos com esperanças por alguns dias, mas só alguns, pois o povo não podia mais 
ser enganado desta maneira. Inspecionaram as casas e descobriram que a peste realmente se 
espalhara por toda parte e que muitos morriam com ela todos os dias. Então, todo nosso 
entusiasmo diminuiu e não dava mais para esconder. Mais que isso, rapidamente 
transpareceu que a epidemia tinha se espalhado mais do que qualquer esperança de seu 
declínio. Na paróquia de St Giles, atingira várias ruas e várias famílias estavam de cama, 
com todos muito doentes e, conseqüentemente, no boletim de óbitos da semana seguinte, a 
coisa começou a se mostrar. É verdade que havia apenas quatorzeregistrados com peste, 
mas tudo não passava de fraude e enganação, porque na paróquia de St Giles enterraram 
quarenta no total e certamente a maioria morreu de peste, embora estivesse registrada com 
outras doenças. Mesmo o número de todos os enterros não aumentando para além de trinta 
e dois e sendo só 385 o total de mortos, havia quatorze com febre tifóide e quatorze com 
peste. Considerávamos óbvio que, no total, cinqüenta morreram de peste naquela semana.
O boletim seguinte ia de 23 a 30 de maio, com dezessete casos de peste. Mas os 
enterros em St Giles chegaram a cinqüenta e três – um número assustador –, dos quais só 
nove registrados com peste. Numa inspeção mais rigorosa, porém, feita pelos juízes de paz 
a pedido do Lorde Prefeito, foi descoberto que mais vinte morreram realmente de peste 
naquela paróquia, mas foram registrados com febre tifóide ou outras doenças, além de 
outros escondidos.
Estas coisas foram insignificantes perto do que aconteceria imediatamente depois. O 
clima esquentou e, a partir da primeira semana de junho, a epidemia se espalhou de uma 
maneira pavorosa e os boletins subiram às alturas. Os itens febre, febre tifóide e dentes 
começaram a inchar. Todos os que puderam esconder a doença o fizeram para evitar que os 
vizinhos se afastassem e se recusassem a conviver com eles. E também para evitar que as 
autoridades fechassem suas casas; mesmo que ainda não estivesse em prática, isto era 
ameaçado e o povo se aterrorizava só de pensar.
Na segunda semana de julho, a paróquia de St Giles, onde mais se espalhava a 
epidemia, enterrou 120. Embora os registros indicassem só sessenta e oito com peste, todo 
mundo disse que foram pelo menos cem, calculando isso, como anteriormente, pelo número 
habitual de enterros naquela paróquia.
Até esta semana, a city continuou livre, sem que ninguém morresse de peste, exceto 
aquele francês que mencionei antes, em todas as noventa e sete paróquias. Então, quatro 
morreram dentro da city, um em Wood Street, um em Fenchurch Street e dois em Crooked 
Lane. Southwark estava totalmente livre, ninguém tinha morrido naquela margem do rio.
Eu vivia perto de Aldgate, a meio caminho entre Aldgate Church e Whitechappel 
Bars, no lado esquerdo ou norte da rua. Como a doença não tivesse chegado neste lado da 
city, nossa vizinhança continuava muito tranqüila. No outro extremo da cidade, as 
preocupações eram grandes: as pessoas mais ricas, principalmente a nobreza e o senhorio 
do oeste da city corriam para fora da cidade com suas famílias e criados de maneira 
incomum. Isto era melhor observado em Whitechapel, quer dizer, em Broad Street, onde eu 
vida. Na verdade, não dava para ver nada além de carretas e carroças com mercadorias, 
mulheres, criados, crianças etc. Carruagens cheias de gente melhor de vida, escoltada por 
homens a cavalo, todos com muita pressa. Depois, apareciam carretas e carroças vazias e 
cavalos de reserva com criados que, aparentemente, estavam voltando ou foram enviados 
do interior para buscar mais gente. Além de incontáveis homens a cavalo, alguns sozinhos, 
outros com criados, mas todos, em geral, carregados de bagagens e equipados para viajar, 
como qualquer um perceberia pela sua aparência.
Isto foi uma coisa muito triste e terrível de se ver, e, sendo uma cena que eu não tinha 
como evitar a contemplação da manhã à noite (realmente, naquele momento não havia mais 
nada para se ver), encheu-me de reflexões sobre o tormento que se aproximava da city e a 
situação infeliz daqueles que ficassem lá dentro.
A correria do povo foi tanta que durante algumas semanas não havia como chegar até 
a porta do Lorde Prefeito sem extrema dificuldade. Uma multidão se aglomerava lá para 
conseguir passes e atestados de saúde a fim de viajar, pois sem eles ninguém obteria 
permissão para cruzar as cidades à beira da estrada, nem para se hospedar em qualquer 
pensão. Como ninguém tinha morrido na city durante todo esse tempo, o Lorde Prefeito 
dava atestados de saúde sem qualquer dificuldade para todos que morassem nas noventa e 
sete paróquias e também nas liberties.
Esta correria continuou por algumas semanas, quero dizer, todo o mês de maio, 
aumentando ainda mais em junho, porque foi comentado que o governo estava por baixar 
uma ordem de construção de postos e barreiras para impedir as pessoas de viajar e que as 
cidades junto às estradas não permitiriam a passagem de pessoas vindas de Londres por 
medo de que trouxessem a epidemia junto com elas. Logo no começo, nenhum destes 
rumores tinha qualquer fundamento, a não ser na imaginação.
Então, comecei a me preocupar seriamente com minha própria situação e como eu 
deveria agir. Com isso, quero dizer que tinha que decidir entre ficar em Londres ou trancar 
minha casa e fugir, como fizeram muitos dos meus vizinhos. Exponho meu caso particular 
mais detidamente porque sei que isto poderá ser útil àqueles que vierem depois de mim, 
caso tenham que enfrentar a mesma desgraça e tenham que, da mesma maneira, fazer sua 
escolha. Por isso, desejo que este relato lhes sirva mais como uma orientação para seus atos 
do que como a história do meu comportamento, visto que saber o que aconteceu comigo 
poderá não ter o menor valor para eles.
Tinha duas coisas importantes diante de mim: uma era levar em frente meus negócios 
e loja, que eram consideráveis e nos quais tinha investido todos os meus recursos neste 
mundo. A outra era a preservação de minha vida em tão terrível calamidade que, pelo que 
eu via, certamente atingiria toda a cidade. Por maior que ela fosse, no entanto, meus medos, 
talvez como os de outras pessoas, a apresentavam muito maior do que poderia ser.
A primeira preocupação tinha grande importância para mim. Meu comércio era o de 
selas e como a maioria das minhas transações não eram em loja ou negócios casuais, mas 
junto a mercadores comerciando com as colônias inglesas na América, muito dos meus 
estoques se encontrava nas suas mãos. Era solteiro, é verdade, mas tinha uma família de 
criados que mantinha a meu serviço, tinha uma casa, loja e depósitos cheios de 
mercadorias. Encurtando, largar tudo como coisas que têm que ser abandonadas numa 
situação como esta (quer dizer, sem qualquer supervisor ou pessoa apta para ser 
encarregada delas) seria arriscar a perda não somente do meu comércio, mas das minhas 
mercadorias, e realmente de tudo que eu tinha no mundo.
Tinha um irmão mais velho em Londres na mesma época, vindo não muitos anos 
antes de Portugal. Aconselhando-me com ele, sua resposta veio em três palavras, as 
mesmas que foram ditas em situação bastante diferente, a saber: “Mestre, salvai-vos!” Em 
suma, era a favor de que eu me retirasse para o interior, como ele mesmo se decidira fazer 
junto com a família; e ele me disse o que parece que ouvira no exterior: a melhor precaução 
contra a peste é fugir dela. Sobre meus argumentos de que perderia meu negócio, minhas 
mercadorias e créditos, ele me confundiu bastante, dizendo a mesma coisa que eu 
argumentava para ficar, ou seja, que entregar a Deus minha segurança e saúde seria a maior 
negação das minhas pretensões de não perder meus negócios e minhas mercadorias. “Mas – 
disse ele – não seria mais sensato entregar a Deus o risco de perder teus negócios em vez de 
ficar num momento de tanto perigo, encarregando tua vida a Ele?”
Não podia argumentar que não tinha lugar algum para ir, com tantos amigos e 
parentes em Northamptonshire, de onde veio nossa família e, principalmente, porque tinha 
uma irmã única em Lincolnshire, querendo muito me receber e me cuidar.
Meu irmão, que já tinha enviado sua esposa e as duas crianças para Bedfordshire e se 
decidira a imitá-los, me pressionou fervorosamente para que eu fosse embora. Terminei 
convencido a satisfazer sua vontade, mas naquele momento não tinha como conseguir um 
cavalo. Embora seja verdade quenem toda a população saiu da city de Londres, me arrisco 
a dizer que todos os cavalos o fizeram, porque, durante algumas semanas, dificilmente 
encontrou-se um cavalo à venda ou para alugar em toda city. Resolvi viajar a pé com um 
criado e, como muitos faziam, dormir ao relento. Levaríamos conosco uma barraca militar 
e, assim, ficaríamos pelos campos, o clima estava bastante quente e não havia perigo de 
sentirmos frio. Digo como muitos faziam porque, no fim, muita gente fez isso, 
principalmente aqueles que estiveram nos exércitos durante a guerra que terminara não 
fazia muito tempo. Preciso dizer que, falando de causas secundárias, se a maioria do povo 
tivesse viajado assim, a peste não seria levada para dentro de tantas casas e cidades do 
interior como foi, para grande prejuízo, a ruína, na verdade, de uma enormidade de gente.
Foi então que meu criado, o que pretendia levar comigo, me abandonou. Assustado 
com o crescimento da peste e não sabendo quando eu partiria, tomou outras providências e 
me deixou. Assim, fiquei despreparado para aquela hora. E de uma maneira ou outra, 
sempre que estabelecia uma data para ir embora, era atrapalhado por um incidente ou outro, 
terminando em frustração e novo adiamento. Isto me leva a contar uma história que, de 
outra forma, poderia ser considerada uma digressão desnecessária sobre estes imprevistos 
virem do Céu.
Menciono a história também como o melhor método que posso recomendar para 
qualquer um nesta situação, principalmente se for alguém com consciência de suas 
responsabilidades em busca de orientação sobre o que fazer. Objetivamente: manter os 
olhos atentos às predisposições peculiares do que ocorre a sua volta na época e examiná-las 
com profundidade, para saber como se relacionam entre si e como se relacionam todas 
juntas com a questão diante da pessoa. Então, acho que se pode tomá-las como intimações 
do Céu sobre o que é seu dever inquestionável fazer nesta situação. Refiro-me a ir embora 
ou ficar no lugar onde moramos quando visitados por uma doença contagiosa.
Uma manhã, enquanto matutava sobre estas coisas particulares e sobre nada chegar 
até nós sem orientação e permissão do Poder Divino, veio bem claramente na minha mente 
que estes contratempos tinham alguma coisa extraordinária e fui obrigado a considerar se 
isto não indicava ou me intimava a crer que era a vontade do Céu que não fosse embora. 
Imediatamente, meu raciocínio prosseguiu: se realmente vinha de Deus que eu deveria 
ficar, Ele seria capaz de efetivamente me preservar no meio de toda a morte e perigo que 
me cercaria e, se eu tentasse me salvar fugindo de minha casa, agindo de modo contrário a 
estas intimações que acredito serem Divinas, seria como fugir de Deus, e assim Ele poderia 
aplicar Sua justiça em mim quando Ele achasse conveniente.
Estas reflexões mais uma vez modificaram muito minhas decisões e, quando voltei a 
conversar com meu irmão, disse que me inclinava a ficar e assumir meu fardo no lugar que 
Deus me designou, o que, considerando tudo o que disse, parecia ser ainda mais 
especialmente o meu dever.
Meu irmão, embora ele mesmo um homem muito religioso, riu de tudo que falei 
sobre uma intimação do Céu e contou várias histórias de pessoas imprudentes, como ele as 
chamou, como eu era; certamente, eu deveria me submeter a isto como uma obra do Céu se, 
de alguma maneira, estivesse incapacitado por males ou doenças e por isso não pudesse ir 
embora. Então, deveria aceitar a Sua orientação, pois, sendo meu Criador, tinha um direito 
indiscutível de soberania para dispor de mim. Só assim não haveria dificuldade em 
determinar qual era ou não era o chamado de Sua Providência. Aceitar uma intimação do 
Céu para não sair da cidade somente porque não conseguiu alugar um cavalo para viajar ou 
porque fugiu o acompanhante que levaria como empregado era ridículo, pois eu ainda tinha 
a minha saúde, meus membros, outros criados e poderia com facilidade andar a pé um ou 
dois dias. Tendo um bom atestado de que estava com saúde perfeita, conseguiria tanto 
alugar um cavalo quanto um lugar numa diligência dos correios já na estrada, conforme 
preferisse.
Ele passou, então, a me falar das maléficas conseqüências decorrentes da presunção 
dos turcos e maometanos na Ásia e em outros lugares por onde andara (sendo um mercador, 
meu irmão tinha retornado do exterior há poucos anos, vivendo por último em Lisboa, 
como já mencionei). Baseando-se nas noções de predestinação que professam, crendo que o 
fim de todo o homem está predeterminado e definitivamente decretado de antemão, eles 
iam despreocupados em lugares contaminados e conversavam com pessoas contaminadas. 
E assim morriam em média entre dez e quinze mil por semana, enquanto os mercadores 
europeus ou cristãos se mantinham recolhidos e reservados, geralmente evitando o 
contágio.
Com estes argumentos, meu irmão mudou minha decisão mais uma vez e resolvi ir 
embora, deixando todas as coisas prontas para isso. Em suma, a epidemia cresceu muito a 
meu redor, os registros de óbitos subiram para quase setecentos por semana e meu irmão 
me disse que ele não se arriscaria a ficar por mais tempo. Pedi que me desse mais um dia 
para pensar e eu me decidiria. Já tinha organizado todas as coisas da melhor maneira 
possível, tanto no meu comércio quanto à pessoa a quem confiaria meus negócios, e pouco 
me restava fazer, a não ser decidir.
Naquela noite, fiquei em casa completamente só, com minha mente sob grande 
pressão, indeciso e sem saber o que fazer. Tirei a noite para pensar seriamente. De comum 
acordo, as pessoas já tinham abandonado o costume de sair depois do pôr-do-sol. Sobre as 
razões disso, terei oportunidade de falar mais adiante.
No recolhimento da noite, empenhei-me em decidir, primeiro, qual era o meu dever e 
citei os argumentos com que meu irmão me pressionara a ir para o interior. Contrapus a 
eles a forte tendência da minha mente para que ficasse, um visível chamado que sentia vir 
das minhas circunstâncias particulares e do devido cuidado para a preservação dos meus 
bens que, devo dizer, eram o meu patrimônio. Para mim, as intimações que pensava ter 
recebido do Céu também significavam um tipo de orientação para me arriscar. Ocorreu-me 
que, se recebia o que devo chamar de uma orientação para ficar, também deveria supor que 
ela continha uma promessa de ser protegido, caso a acatasse.
Isto continuou junto comigo e me sentia cada vez mais encorajado para ficar, 
estimulado pela confiança secreta de que seria salvo. Some-se a isto que, abrindo a Bíblia 
que se encontrava diante de mim e, no momento em que minhas reflexões sobre a questão 
ficaram mais sérias do que o costume, entre outras expressões, gritei: “Bem, não sei o que 
fazer; Deus, orientai-me!” E, naquele instante, parei de folhear o livro no Salmo 91, fixando 
os olhos no segundo verso. Li até o sétimo verso, excluindo-o, depois acrescentei o décimo. 
Assim: “Eu direi do Senhor, Ele é meu refúgio e minha fortaleza, Nele hei de crer; Ele 
seguramente te protegerá com Suas penas e sob as Suas asas tu hás de crer; Sua verdade há 
de ser teu escudo e proteção; não temerás o terror da noite, nem a flecha que vara o dia, 
nem a pestilência que caminha na escuridão, nem a destruição que devasta ao meio-dia; mil 
cairão a teu lado e dez mil à tua direita, mas não chegará perto de ti; verás somente com 
teus olhos e contemplarás a recompensa dos pervertidos; porque assim quis o Senhor, que é 
meu refúgio, o Altíssimo, a tua morada; e nenhum mal te atingirá nem peste alguma 
chegará perto de tua casa”, etc.
Quase nem preciso dizer ao leitor que, a partir do momento em que resolvi ficar na 
cidade, entregando-me inteiramente à bondade e à proteção do Todo-Poderoso, deixei de 
procurar qualquer outra forma de defesa. Minha sorte estava nas Suas mãos e Ele seria 
capaz de me manter vivo tantoem tempo de epidemia quanto em tempo de saúde. Caso Ele 
não me considerasse digno de salvação, eu continuaria nas Suas mãos, aceitando que Ele 
fizesse de mim o que Lhe parecesse melhor.
Com esta decisão, fui para a cama. Ela seria reconfirmada no dia seguinte, quando a 
mulher com quem eu pensava deixar minha casa e meus negócios ficou doente. Outro 
imperativo me conduziu na mesma direção. No dia seguinte, eu mesmo também fiquei 
passando muito mal, assim que não conseguiria ir embora ainda que tentasse. Fiquei doente 
três ou quatro dias, e isso me deixou completamente determinado a ficar. Então, dei adeus a 
meu irmão, que foi para Dorking, em Surrey, mais tarde se afastando ainda mais, em 
Buckinghamshire ou Bedfordshire, num refúgio que encontrou para sua família.
Era um péssimo momento para ficar doente. Se alguém notasse, seria imediatamente 
comentado que estava com peste. Embora não tivesse sintoma algum daquela doença, me 
sentia muito mal na cabeça e no estômago e não fiquei sem medo de estar realmente 
contaminado. Em três dias, melhorei. Na terceira noite descansei bem, suei um pouco e 
acordei bastante refeito. O medo de que fosse a epidemia foi embora junto com a doença e 
retomei meus negócios como sempre.
Essas coisas, no entanto, eliminaram todas minhas cogitações de ir para o interior. 
Como meu irmão já tinha partido, não tive mais com quem discutir o assunto, nem com ele 
nem comigo mesmo.
Estávamos, então, em meados de junho e a peste, que atacava principalmente o outro 
extremo da cidade, como disse antes, nas paróquias de St Giles, St Andrew e Holborn, 
seguindo para Westminster, começou a se mover para o leste, na direção da zona onde eu 
morava. Observariam, porém, que ela não vinha diretamente para nós. Na city, digo dentro 
das muralhas, a vida continuava indiferente, ainda saudável. A peste também não avançava 
para além do rio, em Southwark. Embora, em todas as doenças, 1.268 tenham morrido 
naquela semana – de onde se pode imaginar que uns novecentos morreram com peste –, 
apenas vinte e oito morreram dentro dos muros da city e dezenove em Southwark, incluindo 
a paróquia de Lambeth, enquanto só nas paróquias de St Giles e St Martin-in-the-fields 
morreram 421.
Percebemos que a epidemia continuava principalmente nas paróquias de fora que, por 
serem mais populosas e cheias de pobres, foi onde a doença encontrou melhores condições 
para se espalhar do que na cidade, conforme explicarei mais tarde. Eu dizia que percebemos 
a peste vir em nossa direção pelas paróquias de Clarkenwell, Cripplegate, Shoreditch e 
Bishopsgate. As duas últimas uniam-se a Aldgate, Whitechapel e Stepney; nestas zonas, a 
epidemia terminou por se espalhar com toda sua fúria e violência, mesmo quando diminuiu 
nas paróquias do oeste, onde começara.
Foi muito estranho notar que, nesta semana específica de 4 a 11 de julho, quase 
quatrocentos morreram de peste só nas paróquias de St Martin e St Giles-in-the-fields, 
enquanto verifiquei que, em Aldgate, morreram quatro, em Whitechapel três e, na paróquia 
de Stepney, um.
Da mesma forma, na semana seguinte, de 11 a 18 de julho, registraram-se 1.761 
óbitos, mesmo assim, em todo outro lado do rio, em Southwark, não mais que dezesseis 
morreram de peste.
Este estado de coisas mudou logo, começando a se agravar principalmente na 
paróquia de Cripplegate e Clarkenwell. Na segunda semana de agosto, só Cripplegate 
enterrou 886, e Clarkenwell, 155. Na primeira, deve-se admitir que 850 morreram com 
peste. Na última, o próprio boletim registrou que 145 tinham a peste.
Durante o mês de julho, enquanto nossa zona da cidade parecia ser poupada em 
comparação com a zona oeste, como observei, eu andava normalmente pelas ruas, 
conforme exigissem meus negócios e, geralmente, uma vez por dia, às vezes duas, entrava 
na city para ir à casa de meu irmão, que ele tinha me encarregado de cuidar para ver se 
continuava segura. Trazendo as chaves no meu bolso, eu as utilizava para entrar na casa, 
percorrendo a maioria das salas para ver se tudo estava bem. Embora pudesse ser uma coisa 
maravilhosa dizer que ninguém teria um coração tão endurecido por tal calamidade para 
assaltar e roubar, a verdade é que todas as formas de vilanias, canalhices e libertinagens 
foram praticadas tão abertamente como sempre na cidade – não direi com a mesma 
freqüência porque a população estava muito reduzida.
A city também começou a ser atingida dentro de suas muralhas, mas havia muito 
menos gente, porque uma grande multidão fora para o interior, continuando a fugir ainda 
todo o mês de julho, mas não mais em massa como anteriormente. Em agosto, é verdade, o 
povo fugiu de uma maneira que comecei a pensar que não sobraria realmente ninguém, só 
ficando na city oficiais de justiça e criados.
Enquanto a população fugia da city, descobri que a corte se mudara mais cedo, a 
saber, no mês de junho, indo para Oxford, onde foi do agrado de Deus preservá-la. Ouvi 
dizer que a doença não a atingiu muito, mas não posso afirmar que tenha visto demonstrar 
maiores preocupações com a gratidão e o arrependimento, embora não quisesse ser acusada 
de ir longe demais em seus vícios gritantes que, pode-se dizer sem abuso de confiança, 
trouxeram aquele terrível castigo para toda a nação.
A aparência de Londres ficou assim estranhamente alterada: refiro-me a toda a massa 
de prédios, city, liberties, subúrbios, Westminster e Southwark em conjunto, embora a zona 
específica chamada de city, ou dentro das muralhas, ainda não estivesse muito 
contaminada. Como um todo, a aparência das coisas estava muito diferente: dor e tristeza 
em todas as faces. Mesmo algumas zonas ainda não estando tomadas, todos pareciam muito 
preocupados. Como víamos a peste, aparentemente, se aproximando, cada um cuidava de si 
e de sua família como se corressem o maior perigo. Se fosse possível representar 
exatamente aqueles tempos para aqueles que não os viram, dando ao leitor a devida idéia do 
horror que se apresentava em toda parte, seria preciso criar imagens em suas mentes e 
enchê-las de pavor. Bem pode-se dizer que Londres estava toda em lágrimas. As 
carpideiras, na verdade, não saíam pelas ruas e ninguém se vestia de preto ou mandava 
fazer um traje formal de luto nem pelos amigos mais íntimos, mas as vozes das carpideiras 
eram claramente escutadas nas ruas. A choradeira das mulheres e crianças nas janelas e 
portas das casas onde seus parentes mais queridos talvez estivessem morrendo, ou recém-
mortos, era tão freqüente quando se passava pelas ruas que bastava para cortar o mais 
insensível coração do mundo que a escutasse. Viam-se lágrimas e lamúrias em 
praticamente todas as casas, principalmente no início da epidemia, pois, quando se 
aproximou do fim, os corações dos homens estavam tão endurecidos e a morte era tão 
constante diante de seus olhos que já não se preocupavam tanto com a perda de seus 
amigos, esperando que também eles fossem chamados na hora seguinte.
Meus negócios às vezes me levaram até o outro extremo da cidade, mesmo onde a 
doença estava predominante. Como a coisa era nova para mim, assim como para todos os 
outros, o mais impressionante foi ver aquelas ruas que normalmente eram tão 
movimentadas ficarem desertas, com tão pouca gente à vista que se eu fosse um estrangeiro 
e estivesse perdido em meu caminho, algumas vezes percorreria uma rua inteira (refiro-me 
às transversais) sem encontrar pessoa alguma para me orientar, exceto os vigias sentados 
nas portas das casas que estavam fechadas, sobre as quais falarei daqui a pouco.
Um dia, estando naquela zona da cidade para fazer um negócio importante qualquer, 
a curiosidade me levou a observar as coisas mais do que o costume e, assim, percorri um 
longo trajeto por onde não tinha compromissos. Subi até Holborn e lá as ruasestavam 
cheias de gente, mas todos só caminhavam no meio da rua, nunca em qualquer um dos 
lados, porque, eu suponho, não queriam se misturar com qualquer pessoa vinda das casas 
ou sentir cheiros e odores das casas que deveriam estar contaminadas.
Os tribunais da corte estavam totalmente fechados. Também não havia muitos 
advogados à vista em Temple ou em Lincoln’s Inn ou Gray’s Inn. Todo mundo estava em 
paz e não havia necessidade de advogados. E também porque, sendo tempo de férias, eles 
em geral iam para o interior. Em alguns lugares, as casas de quarteirões inteiros estavam 
fechadas e todos os moradores fugiram para o interior, deixando apenas um ou dois vigias.
Quando digo quarteirões de casas fechadas, não me refiro a casas lacradas pelos 
oficiais de justiça. É que muita gente acompanhou a corte, por exigência de seus empregos 
ou outras necessidades. Outros realmente se retiraram apavorados com a doença e isso 
deixou algumas ruas simplesmente abandonadas. Na city, o medo não estava nem perto de 
ser tão grande, abstratamente falando, principalmente porque, embora tivessem se 
preocupado muitíssimo no início, a peste, como já disse, aparecia esporadicamente, de 
modo que todos ficaram alerta e se despreocuparam muitas vezes seguidas, até que isso se 
tornou algo cotidiano para eles. Mesmo quando a peste surgiu com violência, embora não 
tivesse se espalhado visivelmente dentro da city, ou nas zonas leste e sul, as pessoas 
começaram a sentir coragem e ficaram, diria eu, um pouco insensíveis. É verdade que uma 
grande quantidade de gente fugiu, mas já disse que estes viviam principalmente na zona 
oeste da cidade e do que chamamos de coração da city: vale dizer, os mais ricos, pessoas 
desvinculadas do comércio ou dos negócios. O resto, a maioria, ficou e parecia se submeter 
ao pior. Assim, nos lugares que chamamos de liberties e nos subúrbios, em Southwark e na 
zona leste, como Wapping, Ratcliff, Stepney, Rotherhithe e outros, a população em geral 
permaneceu, com exceção aqui e ali das poucas famílias ricas que, como as anteriores, não 
dependiam de seus negócios.
É preciso não esquecer que a city e os subúrbios eram incrivelmente cheios de gente 
na época desta epidemia; quero dizer, na época em que começou. Embora tenha vivido para 
ver um crescimento ainda maior, com multidões se estabelecendo em Londres mais do que 
nunca, mesmo assim sempre fizemos idéia de que, depois do fim das guerras, da dissolução 
dos exércitos e da restauração da família real e da monarquia, a quantidade de gente que 
veio para Londres estabelecer negócios ou acompanhar as resoluções da corte sobre 
nomeações, gratificações por serviços prestados e outras foi tão grande que se computou 
haver na cidade mais de cem mil pessoas, além das que sempre houvera anteriormente. Não 
só isso, outros chegaram a dizer que foi o dobro porque todas as famílias arruinadas do 
partido do rei vieram para cá. Todos os velhos soldados se estabeleceram no comércio e 
muitíssimas famílias se fixaram aqui. A corte, mais uma vez, trouxe consigo uma grande 
onda de vaidade e novas modas. Todas as pessoas andavam faceiras e elegantes e o bem-
estar da Restauração atraiu grande quantidade de famílias para Londres.
Muitas vezes pensei nisso como Jerusalém cercada pelos romanos quando os judeus 
estavam reunidos para celebrar a Páscoa – assim, uma quantidade inacreditável de gente foi 
surpreendida quando, não fosse isso, estaria em outros países. Da mesma forma, a peste 
entrou em Londres quando, casualmente, pelas circunstâncias específicas acima 
mencionadas, ocorrera um grande crescimento da população. Este afluxo de gente a uma 
corte jovem e alegre gerou muito trabalho na city, principalmente para tudo que estivesse 
na moda ou fosse um refinamento. Conseqüentemente, isso atraiu grande número de 
trabalhadores, artesãos e semelhantes, que eram, essencialmente, gente pobre que dependia 
de seu trabalho braçal. Lembro de modo particular que, numa representação sobre as 
condições dos pobres encaminhada ao Lorde Prefeito, estimou-se haver não menos de cem 
mil tecelões manuais dentro e nas cercanias da city, vivendo a maioria deles nas paróquias 
de Shoreditch, Stepney, Whitechapel e Bishopsgate, ou seja, em torno de Spitalfields, mas 
do que Spitalfields era então, pois não passava de uma quinta parte do que é agora.
Por isso, no entanto, pode-se supor a população total. E, de fato, muitas vezes cheguei 
a considerar que, mesmo depois de uma quantidade alarmante de gente ter ido embora no 
início, ainda havia uma multidão tão grande quanto parecia haver anteriormente.
Devo retornar mais uma vez ao começo desses tempos assustadores. Enquanto os 
temores da população foram novos, eles cresceram estranhamente com diversos acidentes 
esquisitos que, reunidos, tornavam realmente surpreendente o povo não se levantar feito um 
único homem e abandonar suas casas, deixando o lugar como um território destinado pelo 
Céu para uma Akeldama4, condenada à destruição na face da Terra e tudo que lá fosse 
encontrado desapareceria com ela. Vou descrever apenas algumas destas coisas, mas elas 
certamente foram tantas, e tantos feiticeiros e gente velhaca as propagavam que 
seguidamente me perguntei se alguém (principalmente mulheres) permaneceria.
Em primeiro lugar, uma estrela incandescente ou cometa apareceu durante vários 
meses antes da peste, como faria no ano seguinte, pouco antes do incêndio. As velhas e a 
porção fleumática hipocondríaca do outro sexo, a quem quase também poderíamos chamar 
de velhas, observaram (principalmente depois e não antes de acontecerem os flagelos) que 
dois cometas passaram exatamente sobre a city e chegaram tão perto das casas que ficou 
evidente que eles significavam algo peculiar só da city. O cometa anterior à peste tinha uma 
coloração pálida, débil e opaca, seu movimento era pesado, solene e lento. Já o cometa que 
apareceu antes do incêndio era brilhante e faiscante ou, como também disseram, em 
chamas, movendo-se com rapidez e fúria. Um prenunciava uma pesada condenação, lenta 
porém severa, terrível e apavorante como a peste. O outro anunciava uma explosão, súbita, 
rápida e ardente como o incêndio. Algumas pessoas foram tão peculiares que não apenas 
viram o cometa antes do incêndio, mas acreditavam que, além de ter acompanhado seu 
movimento rápido e violento com os olhos, também teriam escutado o cometa, que fazia 
um vigoroso ruído de atrito, forte e terrível, perceptível apesar da distância.
Também vi estas duas estrelas e devo confessar que, tendo apenas uma noção leiga 
sobre estas coisas, as encarei como presságios e avisos de um castigo de Deus. Depois que 
a peste surgiu, antecedida pela primeira estrela, ainda vi outra do mesmo tipo e, então, não 
consegui pensar outra coisa, a não ser que Deus ainda não tinha castigado suficientemente a 
city.
Não podia, porém, considerar estas coisas com a mesma importância dada por outros, 
pois sabia que os astrônomos indicam causas naturais para fenômenos como esses. Seu 
movimento e suas rotações são inclusive calculadas, ou pelo menos tentam calculá-las. De 
forma que não podiam ser tão simplesmente prenúncios ou anunciações e muito menos a 
causa de fenômenos como a peste, a guerra, um incêndio e outros do gênero.
Se pensassem como eu ou como pensam os filósofos, essas coisas teriam pouca 
influência sobre a imaginação das pessoas comuns, que tinham uma melancolia quase 
absoluta, com medo de que alguma pavorosa calamidade ou castigo tomasse a city. Isso 
aconteceu principalmente com a visão deste cometa e com o pequeno alarme dado em 
dezembro pelas duas pessoas que morreram em St Giles, como já disse.
As apreensões da população foram como que estranhamente aumentadas pelos erros 
da época, pois o povo – não consigo imaginar por que princípio – estava mais influenciável 
por profecias econjurações astrológicas, sonhos e contos da carochinha do que jamais 
estivera ou seria. Se este estado de espírito foi criado pelas maluquices de alguns que 
ganhavam dinheiro com isso – quer dizer, publicando previsões e profecias – eu não sei. 
Mas é certo que alguns livros amedrontaram terrivelmente a população, livros como o 
Almanack Lilly, As previsões astrológicas de Gadbury, o Almanack de Poor Robin e 
semelhantes. Muitos outros se anunciaram como livros religiosos. Um destes tinha como 
título Fuja dela, meu povo, a não ser que queiras tomar parte em suas pestes. Outro se 
chamava Bom conselho; outro, Curador da Grã-Bretanha e muitos iguais. Todos, ou a 
maior parte deles, previam, direta ou veladamente, a ruína da cidade. Alguns eram tão 
inflamados e atrevidos que percorriam as ruas pregando suas profecias, fingindo serem 
enviados para rezar pela cidade. Um deles, em particular, como Jonas para Nínive, gritava 
pelas ruas: “Daqui a quarenta dias Londres será destruída”. Não tenho certeza se dizia 
daqui a quarenta ou daqui a poucos dias. Outro corria quase nu, só com ceroulas na cintura, 
chorando noite e dia, como o homem mencionado por Josephus5, que gritava “Desgraça 
para Jerusalém”, pouco antes da destruição da cidade. Assim, aquela pobre e nua criatura 
gritava “oh grande e terrível Deus” e nada mais dizia, repetindo estas palavras 
continuamente, com uma voz e expressão cheias de horror e passos rápidos. Ninguém 
conseguia fazê-lo parar ou descansar ou ingerir qualquer alimento, pelo menos é o que ouvi 
dizer. Encontrei esta pobre criatura várias vezes nas ruas e eu teria conversado com ele, 
mas ele não conseguia falar comigo ou com quem quer que fosse, tomado por seus gritos 
contínuos e melancólicos.
Estas coisas aterrorizaram o povo ao extremo, principalmente quando, duas ou três 
vezes como já mencionei, descobriram um ou dois mortos de peste no registro de St Giles.
Ao lado destes casos públicos, estavam os sonhos das velhas ou, devo dizer, a 
interpretação que as velhas davam aos sonhos de outras pessoas. Isso deixou muita gente 
fora de seu juízo. Alguns ouviram vozes dizendo que fugissem porque haveria uma peste 
em Londres tão violenta que os vivos não conseguiriam enterrar os mortos. Outros viam 
aparições no ar e devo ter permissão para afirmar, sem abusar da confiança, que ouviam 
vozes que nunca falavam e viam imagens que nunca apareciam. A imaginação do povo 
estava realmente alterada e possuída. Não era de se estranhar que aqueles que ficaram 
constantemente observando as nuvens vissem formas e figuras, representações e aparições 
que nada tinham por dentro, apenas ar e vapor. Aqui, falavam de uma espada de fogo numa 
mão que saía de uma nuvem com a ponta voltada diretamente para a cidade. Viam carros 
fúnebres e caixões levados no ar para serem enterrados, pilhas de corpos de mortos 
abandonados sem sepulturas e outras visões semelhantes, conforme a imaginação dos 
pobres aterrorizados os alimentava de material para trabalharem.
Assim hipocondríacas fantasias representam
Navios, exércitos, batalhas no firmamento;
Até que olhos firmes dissolvam as imagens,
E tudo volte a sua primeira matéria, nuvem.
Eu poderia preencher este relato com as estranhas versões que, todos os dias, as 
pessoas davam sobre o que tinham visto. Cada um ficava tão certo de ter visto o que 
supunha ver, que não dava para contradizê-lo sem perder um amigo ou ser considerado 
rude e mal-educado por um lado, profano e insensível por outro. Uma vez, antes de 
começar a peste (para além de St Giles, como já disse), acho que foi em março, vi uma 
aglomeração na rua e me juntei à multidão para satisfazer minha curiosidade. Descobri que 
todos estavam olhando para cima, tentando ver o que uma mulher dizia ter aparecido 
claramente para ela, um anjo vestido de branco, com uma grande espada na mão, que 
sacudia e brandia sobre sua cabeça. Ela descreveu cada detalhe da figura, mostrou seus 
movimentos e sua forma, e os pobres logo a reconheceram com muita avidez e prontidão: 
“Sim, eu vejo tudo claramente”, disse alguém, “lá está a espada, tão verdadeira quanto pode 
ser”. Outro viu o anjo. Um viu seu rosto e gritou que gloriosa criatura ele era! Um via uma 
coisa, outro via outra. Olhei tão interessado quanto os demais, mas talvez sem tanta vontade 
de ser sugestionado. Falei que, na verdade, não via nada além de uma nuvem branca, 
brilhante de um lado devido à luz do sol. A mulher esforçou-se para me mostrar o anjo, mas 
não conseguiu me fazer admitir que o tinha visto e, caso eu o fizesse, estaria mentindo. 
Voltando-se para mim, a mulher me olhou no rosto e imaginou que eu ria, o que era 
imaginação sua, porque realmente não estava rindo, mas refletia seriamente como os pobres 
são aterrorizados pela força de sua própria imaginação. Ela, no entanto, se afastou me 
chamando de sujeito profano e gozador e me disse que estávamos num tempo de ira de 
Deus e terríveis castigos se aproximavam e que menosprezadores como eu andariam a 
esmo e pereceriam.
O povo a seu redor parecia tão incomodado quanto ela e achei que não havia como 
persuadi-los de que eu não ri deles, pois seria massacrado antes de conseguir convencê-los. 
Assim, deixei-os e aquela aparição foi considerada tão real quanto a própria estrela 
incandescente.
Também vivi outro encontro como este em pleno dia. Aconteceu numa passagem 
estreita entre Petty France e o cemitério de Bishopsgate, num quarteirão de asilos. Há dois 
cemitérios na igreja ou paróquia de Bishopsgate. Um, a gente atravessa para passar do lugar 
chamado Petty France para a Bishopsgate Street, saindo bem na porta da igreja. O outro 
fica ao lado de um beco estreito, que tem os asilos à esquerda, uma mureta com paliçada à 
direita e, do outro lado, mais à direita, a muralha da city.
Neste beco estreito, um homem estava parado, olhando para dentro do cemitério 
através das grades da paliçada e cercado por tanta gente quanto permitia a estreiteza do 
beco, sem impedir a passagem. O homem falava com veemente fervor, indicando ora um 
lugar, ora outro e afirmando que via um fantasma caminhando sobre determinado túmulo. 
Descreveu a forma, a postura e o movimento do fantasma com tamanha exatidão que reagiu 
com o maior espanto do mundo porque ninguém o via tão bem quanto ele. Subitamente, 
gritou: “Ali está ele, agora vem nesta direção”. Depois, “já foi embora”. Por insistência, 
persuadiu o povo com sua convicção e logo alguém imaginou ter visto o fantasma, em 
seguida outro também viu. O homem passou a vir todos os dias, provocando uma 
aglomeração de curiosos no beco estreito, até que o relógio de Bishopsgate batesse onze 
horas, quando, de repente, o fantasma desaparecia como se fosse chamado de longe.
Olhei interessado para todos os lados e na direção exata que o homem indicava, mas 
não pude ver a menor aparição de coisa alguma. Este pobre homem estava tão convicto que 
incutia grandes pavores nas pessoas, que se afastavam tremendo de medo, até que poucas 
eram as que conheciam o caso e se arriscavam a cruzar aquele beco e dificilmente alguém, 
pelo motivo que fosse, o cruzaria à noite.
Este fantasma, conforme dizia o pobre homem, fazia sinais para as casas, para o chão 
e para o povo, indicando claramente, ou pelo menos assim o entendia, que muita gente teria 
de ser enterrada naquele cemitério, o que realmente aconteceu. Devo reconhecer que nunca 
acreditei que o homem tenha visto isso, nem pude ver coisa alguma por mim mesmo, 
embora tenha olhado com interesse de, se possível, ver o fantasma.
Essas coisas servem para mostrar até onde o povo estava realmente tomado por 
alucinações. Como se tivessem uma noção da proximidade da epidemia, todos os vaticínios 
se referiam à mais pavorosa peste que assolaria toda a cidade e até o reino,destruindo 
quase toda a nação, seus homens e animais.
A isto, como disse antes, os astrólogos acrescentavam histórias de conjunções de 
planetas em angulações malignas e de perniciosas influências. Uma dessas conjunções 
estava por acontecer, e realmente aconteceu, em outubro, outra em novembro. Enchiam a 
cabeça do povo com previsões destes sinais dos céus, pois aquelas conjunções indicavam a 
vinda da seca, da fome e da peste. As duas profecias, porém, estavam totalmente erradas, 
porque não tivemos seca, mas uma forte geada no início do ano, indo de dezembro a março; 
depois, um clima moderado, mais morno do que quente, com ventos refrescantes e, em 
resumo, o clima bem típico da estação, e também grandes chuvaradas.
Tentaram com algum empenho suprimir a publicação dos livros que apavoravam o 
povo e, para intimidá-los, alguns distribuidores foram presos. Não se fez mais nada, pelo 
que estou informado, porque o governo não queria exasperar o povo que já estava, como 
poderia dizer, totalmente fora do seu bom senso.
Tampouco posso perdoar os sacerdotes que, com seus sermões, deprimiam mais do 
que aliviavam os corações de seus ouvintes. Muitos, sem dúvida, faziam isso para o 
fortalecimento da vontade do povo e, principalmente, para apressá-lo no caminho do 
arrependimento, mas não obtinham bons resultados, pelo menos na proporção do mal que, 
por outro lado, causavam. A verdade é que o próprio Deus, em todas as Escrituras, tenta 
atrair-nos para voltar a viver com ele através de convites e chamamentos, nunca nos guia 
pelo terror e pelo espanto. Assim, devo confessar que achei que os sacerdotes deveriam 
fazer do mesmo modo, imitando o nosso abençoado Senhor e Mestre, mostrando que Seu 
Evangelho está repleto de declarações sobre a santa misericórdia de Deus e que Ele está 
pronto para receber e perdoar os arrependidos. Chega a lamentar: “Não quereis vir a Mim 
que vos posso dar vida”, e é por isso que Seu Evangelho é chamado de Evangelho da Paz e 
de Evangelho da Graça.
Mesmo assim, víamos alguns homens de bem, de todas as crenças e cultos, cujas 
pregações eram cheias de terror e não falavam de outra coisa que não fosse algo sombrio. 
Depois de irmanar as pessoas num tipo de horror, as dispersavam deixando todas em 
lágrimas, profetizando nada além de acontecimentos sinistros, apavorando o povo com o 
medo de ser sumariamente destruído, sem conduzi-lo pelo menos o suficiente, a suplicar ao 
Céu por misericórdia.
Foi, de fato, um tempo de muitas e infelizes divergências sobre questões religiosas 
entre nós. Incontáveis seitas, divisões e credos isolados prevaleciam junto ao povo. A Igreja 
da Inglaterra fora restaurada com a monarquia, cerca de quatro anos antes.
Os missionários e pregadores presbiterianos, independentes e de todos os outros tipos 
de cultos começaram a formar sociedades à parte e erguer altares sobre altares. Todas se 
reunindo separadamente para praticar seus cultos, como agora, mas em menor número, sem 
que os não-conformistas formassem um grupo como desde então, e estas congregações que 
se uniram ainda eram poucas. Mesmo as poucas que havia foram proibidas pelo governo, 
que se empenhou em suprimi-las e acabar com suas assembléias.
A epidemia voltou a conciliá-los mais uma vez, pelo menos por algum tempo, com 
muitos dos melhores e mais valiosos missionários e pregadores não-conformistas recebendo 
permissão para freqüentar as igrejas cujos encarregados tinham fugido, e muitos o tinham, 
incapazes de suportar a situação. O povo se reunia sem distinções para escutar suas 
pregações, sem se perguntar muito quem eram ou qual era seu culto. Só depois que a 
doença passou, diminuiu o espírito caritativo. Toda a igreja foi novamente provida com seu 
próprio sacerdote ou por substitutos daqueles vigários que morreram e as coisas voltaram 
mais uma vez para seus antigos canais.
Um mal sempre chama outro. Os terrores e medos do povo o conduziam a mil 
fraquezas, loucuras e atos perversos. Realmente, não faltava gente para encorajá-lo: isto se 
dava correndo atrás de cartomantes, bruxos e astrólogos para saber seu futuro ou, como se 
dizia vulgarmente, ler a sorte, calcular o horóscopo e semelhantes. Em pouco tempo, esta 
loucura fez da cidade uma colméia de uma nova geração de pervertidos que fingiam ser 
mágicos, da magia negra como diziam, e não sei mais o que, mil pactos com o diabo, muito 
piores do que aqueles pelos quais realmente eram culpados. Este comércio cresceu tão 
abertamente e tornou-se uma prática tão generalizada que era comum encontrar sinais e 
inscrições nas portas: “Aqui mora uma cartomante”, “aqui vive um astrólogo”, “aqui se 
calculam horóscopos” e assim por diante. A cabeça de bronze do frei Bacon6 diante da casa 
destas pessoas era tão comum que podia ser vista em quase todas as ruas; ou, então, o 
emblema da madre Shipton7 ou a cabeça de Merlin e semelhantes.
Com que cegos, absurdos e ridículos truques estes oráculos do demônio agradavam e 
convenciam o povo, eu realmente não sei, mas é certo que inúmeros clientes se juntavam 
diariamente diante de suas portas. Se um sujeito soturno com uma jaqueta de veludo, um 
turbante e um casaco negro – como era costume daqueles charlatães andarem – fosse visto 
pelas ruas, o povo o seguiria numa multidão, fazendo perguntas enquanto caminhavam.
Não preciso explicar o que era, ou tentava ser, esta horrenda enganação. Não haveria 
remédio para isto até que a própria peste pusesse um fim em tudo e, imagino, limpasse a 
cidade da maioria destes especuladores. Um de seus logros era quando gente humilde 
perguntava a estes falsos astrólogos se haveria ou não uma peste. Todos eles concordavam, 
em geral dizendo que “sim”, pois assim podiam continuar com seu comércio. Caso o povo 
não tivesse seu medo alimentado desta forma, os bruxos teriam se tornado inúteis e seus 
serviços chegariam ao fim. Então, eles sempre falavam sobre tais e tais influências dos 
astros, das conjunções de tais e tais planetas que, necessariamente, provocariam doença, 
mal-estar e, conseqüentemente, a peste. Chegavam a afirmar com segurança que a peste já 
chegara, o que era bem verdade, embora o dissessem sem nada saber a respeito.
Para fazer justiça aos sacerdotes e pregadores, os sérios e compenetrados da maioria 
dos cultos condenavam estas e outras práticas pervertidas e expunham a loucura, assim 
como a maldade delas. As pessoas mais sóbrias e responsáveis as desprezavam e 
execravam. Era impossível exercer qualquer influência sobre o povo em geral e os 
trabalhadores pobres. Seus medos predominavam sobre todas suas emoções e eles jogavam 
fora seu dinheiro da maneira mais inútil nestas extravagâncias. Os criados, principalmente 
as mulheres, mas os homens também, eram seus clientes mais comuns e geralmente 
perguntavam, primeiro, “haverá uma peste?” Depois, a pergunta seguinte era “Oh Senhor! 
Pelo amor de Deus, o que será de mim? Minha patroa ficará comigo ou me mandará 
embora? Ela vai ficar na cidade ou vai para o interior? Se ela for para o interior, vai me 
levar junto ou me abandonará aqui, para morrer de fome e desgraçada?” E o mesmo com os 
homens.
A verdade é que a situação desta pobre criadagem era desesperadora, como terei 
oportunidade de comentar novamente mais adiante. Era evidente que um grande número de 
criados seria deixado para trás, o que de fato aconteceu. Muitos morreram, principalmente 
aqueles que os falsos profetas iludiram com esperanças de que, continuando a prestar seus 
serviços, seriam levados para o interior por seus patrões e patroas. Se a caridade pública 
não as amparasse, estas pobres criaturas, que eram em número excessivamente grande 
como não pode deixar de ser em todas as situações desta natureza, teriam ficado em 
condições ainda piores do que qualquer outro morador da city.
Estas coisas agitaram a mente das pessoas comunsdurante vários meses, enquanto 
surgiam nelas as primeiras apreensões e a peste ainda não tinha, posso dizer, aparecido. 
Também não devo esquecer que o segmento mais sério da população se comportou de outra 
maneira. O governo estimulou sua devoção, estabelecendo rezas públicas, dias de jejum e 
recolhimento moral para confissões públicas de pecados e súplicas à misericórdia de Deus 
para que afastasse a terrível punição que pairava sobre suas cabeças. Não dá para expressar 
o entusiasmo com que pessoas de todos os cultos aproveitaram a ocasião, como elas se 
congregaram nas igrejas e assembléias. Todas ficavam tão apinhadas de gente que muitas 
vezes não havia, de jeito nenhum, como chegar perto das portas das igrejas maiores. 
Também havia rezas diárias organizadas pela manhã e à noite em diversas igrejas e dias de 
orações particulares em outros lugares. Eu diria que o povo freqüentava todas com uma 
devoção incomum. Muitas famílias, tanto de um como de outro culto, também faziam 
jejuns privados, aos quais só admitiam seus parentes próximos. Assim que, em poucas 
palavras, aqueles que eram realmente sérios e religiosos dedicavam-se a atividades 
pertinentes ao arrependimento e à penitência de maneira verdadeiramente cristã, como um 
povo cristão deve fazer.
Mais uma vez, a população mostrou que queria participar de todas essas coisas. A 
própria corte, que vivia contente e com luxo, assumiu uma justa preocupação com o perigo 
público. Todos os espetáculos e diversões que, assim como ocorriam na corte francesa, 
começavam a se multiplicar entre nós tiveram suas apresentações proibidas: as mesas de 
jogo, os salões de bailes públicos e as casas de música que, em número cada vez maior, 
alteravam os hábitos da população, foram fechados e proibidos. Todos os palhaços, bufões, 
equilibristas, espetáculos de marionetes e fazeres similares que enfeitiçavam o pobre povo 
simplório fecharam seus estabelecimentos, não encontrando qualquer trabalho. A mente do 
povo foi tomada por outras coisas e um tipo de tristeza e terror destas coisas estampou-se 
no semblante até mesmo de gente simples. A Morte estava diante de seus olhos e todo 
mundo começou a pensar em seu túmulo, não em festas e diversões.
Mesmo estas saudáveis reflexões – que corretamente empregadas teriam conduzido 
mais generosamente o povo a cair de joelhos, confessar seus pecados, implorando Sua 
compaixão naquele momento de dor, no qual poderíamos nos tornar uma segunda Nínive – 
tiveram um efeito completamente ao contrário sobre o povo simples, ignorante e estúpido 
em suas reflexões tão brutalmente pervertidas e insensíveis como sempre, que foi então 
conduzido por seu medo a extremos de loucura. Como disse antes, as pessoas correram aos 
curandeiros, feiticeiros e a toda sorte de impostores para saber o que aconteceria com elas 
(com seus medos alimentados e mantidos sempre despertos por aqueles que as iludiam a 
fim de esvaziar seus bolsos). Assim, o povo andava feito louco atrás de curandeiros, 
charlatões e de toda velha benzedeira em busca de remédios e tratamentos, estocando 
tamanha quantidade de pílulas, poções e preservativos, como chamavam, que não apenas 
gastavam seu dinheiro, mas até se envenenavam antecipadamente. Com medo do veneno da 
infecção, preparavam seus corpos para a peste, em vez de se protegerem contra ela. Por 
outro lado, é incrível e difícil de se imaginar como os postes das casas e das esquinas 
ficaram recobertos de receitas de médicos e reclames de sujeitos ignorantes, práticos e 
amadores em medicina, convidando as pessoas a vir a eles atrás de remédios geralmente 
anunciados em floreios como estes: “pílulas preventivas, infalíveis contra a peste”, “elixir 
soberano contra a corrupção do ar”, “instruções precisas para o tratamento do corpo em 
caso de infecção”, “pílulas antipestilenciais”, “incomparável poção contra a peste, nunca 
descoberta antes”, “a cura universal da peste”, “a única verdadeira água da peste”, “o 
antídoto real contra todos os tipos de infecções” – e tantas outras que não consigo lembrar, 
e se conseguisse, encheria um livro só com elas.
Outros fixavam cartazes chamando o povo para seu endereço, onde todos seriam 
aconselhados e orientados em caso de contaminação. Estes também tinham títulos 
enganadores, tais como:
“Eminente médico da Alta Germânia, recém-vindo da Holanda, onde morava no 
tempo da grande peste do ano passado em Amsterdam. Curou multidões de pessoas 
realmente contaminadas.”
“Uma senhora italiana recém-chegada de Nápoles, conhecedora de uma fórmula 
secreta para a prevenção do contágio, descoberta através de sua grande experiência, 
fazendo curas maravilhosas na última peste, lá, quando morreram vinte mil num único dia.”
“Uma velha senhora, que testou seus conhecimentos com grande sucesso na última 
peste nesta cidade, anno 1636, oferece-se para aconselhar somente o sexo feminino. Pode 
ser contatada diretamente......”, etc.
“Um experiente médico, que muito estudou a doutrina de antídotos contra todos os 
tipos de venenos e infecções, atingindo tal competência depois de quarenta anos de prática 
que, com a ajuda de Deus, pode orientar pessoas sobre como evitar o contato com qualquer 
tipo de doença. Atende os pobres gratuitamente.”
Chamo a atenção para estes a título de exemplos. Poderia citar duas ou três dúzias de 
anúncios semelhantes e muitos ainda ficariam de fora. Estes bastam para deixar claro a 
qualquer um o estado de espírito daqueles tempos e como um grupo de ladrões e batedores 
de carteiras não apenas ludibriavam e roubavam o dinheiro dos pobres, mas envenenavam 
seus corpos com preparados repugnantes e fatais, alguns com mercúrio, outros com coisas 
igualmente maléficas, completamente opostas ao que se pretendiam ser, mais nocivas do 
que benéficas ao corpo, caso ocorresse o contágio.
Não posso omitir a sutileza de um destes preparadores de poções com as quais 
enganava os pobres que se aglomeravam a seu redor, mas nada conseguiam sem dinheiro. 
Nos cartazes que distribuía pelas ruas, parece que acrescentara este anúncio com letras 
maiúsculas: “dá conselhos de graça aos pobres”.
Conseqüentemente, uma multidão vinha atrás dele, para quem ele fazia longos e belos 
discursos, examinava o estado de saúde, a constituição de seus corpos e dizia muitas coisas 
que seria bom que fizessem, coisas impossíveis no momento. Mas toda questão levava à 
conclusão de que se tivessem uma poção e a tomassem numa quantidade determinada todas 
as manhãs, ele garantia com a própria vida que nunca contrairiam a peste, mesmo que 
vivessem numa casa onde houvesse gente contaminada. Isto levava o povo todo a querer a 
tal poção, mas o preço era muito alto, acho que custava meia coroa. “Senhor – disse uma 
pobre mulher –, sou uma pobre mendiga mantida pela paróquia e vosso anúncio diz que dá 
conselhos de graça aos pobres.” “Ai, bondosa senhora – disse o doutor –, é isto que eu faço, 
conforme anuncio. Dou conselhos de graça aos pobres, mas não meus medicamentos.” “Ai 
de mim, Senhor – disse a mulher –, então isto é uma arapuca armada para os pobres. Dar 
conselho de graça aos pobres. Isto quer dizer que o senhor os aconselhais de graça a 
comprar vossos medicamentos com dinheiro. É o mesmo que faz um balconista com suas 
mercadorias.” Aqui, a mulher começou a insultá-lo, ficando na porta da casa dele e 
contando sua história ao povo que aparecia. Até que o doutor descobriu que ela estava 
afastando seus clientes e foi obrigado a chamá-la no andar superior e dar-lhe uma caixa do 
seu remédio grátis, o que talvez também não valesse nada quando ela o tomasse.
Voltando à população, cujas confusões a tornavam facilmente sugestionável por toda 
sorte de farsantes e qualquer tipo de curandeiro. Não há dúvidas de que estes charlatões 
fizeram grandes lucros com a miséria do povo, poisdiariamente víamos que as multidões 
correndo atrás deles eram cada vez maiores. Às portas de suas casas, se aglomerava mais 
gente do que diante das casas do dr. Brooks, dr. Upton, dr. Hodges, dr. Berwick ou 
qualquer outro, entre os mais famosos da época. E disseram-me que alguns deles ganhavam 
cinco libras por dia com sua medicina.
Além de tudo isso, ainda havia outra maluquice que pode servir para dar uma idéia da 
perturbação do espírito dos pobres da época, que seguiam impostores ainda piores do que 
qualquer um destes. Estes ladrões baratos somente iludiam o povo para abrir seus bolsos e 
pegar seu dinheiro. Assim, qualquer que fosse a perversidade, ela vinha da parte dos 
impostores, não dos ludibriados. O aspecto que vou mencionar estava predominantemente 
nas pessoas enganadas, ou igualmente em ambos os lados: carregavam talismãs, filtros, 
praticavam exorcismos, carregavam amuletos e não sei mais que poção para fortalecer o 
corpo contra a peste; como se a peste não estivesse nas mãos de Deus, não fosse a maldição 
de um espírito diabólico; como se pudesse ser afastada com cruzes, signos zodiacais, papéis 
amarrados com muitos nós e algumas palavras ou desenhos, conforme aconteceu 
principalmente com a palavra Abracadabra formando um triângulo ou pirâmide como esta:
ABRACADABRA Outros tinham a inscrição
ABRACADABR dos jesuítas numa cruz:
ABRACADAB
ABRACADA IH
ABRACAD S.
ABRACA
ABRACOutros, nada além de uma
ABRA marca assim:
ABR
AB
A
Poderia consumir um bom tempo em minhas condenações às loucuras e verdadeira 
perversidade de coisas semelhantes numa época de tanto perigo, com um problema de 
conseqüências tão graves como este, uma epidemia nacional. Meus apontamentos dessas 
coisas são mais para chamar a atenção para o fato e somente registrar que foi assim. Como 
os pobres sofreram com a ineficácia daquelas coisas e como muitos terminaram carregados 
pelo carro dos mortos e atirados em valas comuns de todas as paróquias, com seus talismãs 
e escapulários diabólicos ao redor de seus pescoços, permanecerá um assunto para mais 
adiante.
Tudo isso foi decorrência da precipitação das pessoas depois da primeira noção de 
que a peste já estava entre elas, o que se pode dizer que se deu a partir da aproximação de 
Michaelmas8, em 1664, mas principalmente depois que os dois homens morreram em St 
Giles, no começo de dezembro; acontecendo mais uma vez, depois de outro alarme, em 
fevereiro. Quando a peste se espalhou de modo evidente, logo começaram a ver a loucura 
que foi acreditar naquelas criaturas incompetentes que só lhes tiraram dinheiro. Então, seus 
medos reagiram de outra maneira, com espanto e estupidez, sem saber que direção seguir 
ou como agir para se socorrerem e se ajudarem. Corriam da casa de um vizinho para a de 
outro, ou percorriam a rua batendo de porta em porta, com repetidos gritos de “Senhor, 
tende misericórdia de nós! O que devemos fazer?”
Realmente, era preciso sentir pena dos pobres numa coisa em particular, na qual 
contavam com pouca ou nenhuma ajuda. Desejo mencionar com grande respeito e 
consideração algo que, talvez, todo mundo que leia ache desagradável. Objetivamente, 
refiro-me à morte não mais se satisfazer em pairar, se podemos assim dizer, sobre a cabeça 
de cada um, entrando nas casas e nos quartos para contemplar a face das pessoas. Talvez 
houvesse alguma insensatez e inércia na mente delas (e havia em quantidade), mas também 
havia algo de muito justo no pânico soando nas profundezas da alma dos outros, se posso 
dizer isto. Muitas consciências despertaram, muitos corações endurecidos se derreteram em 
lágrimas, muitos penitentes confessaram crimes há muito tempo ocultos. Tocaria a alma de 
qualquer cristão ouvir os gemidos de agonia de tanta gente desenganada, de quem ninguém 
chegava perto para oferecer qualquer consolo. Muitos roubos, muitos assassinatos também, 
foram então confessados em voz alta, embora ninguém sobrevivesse para registrar suas 
confissões. Caminhando pelas ruas, podia-se ouvir gente implorando misericórdia a Deus, 
apelando para Jesus Cristo e dizendo “fui um ladrão”, “cometi o adultério”, “matei” e 
outras frases semelhantes. Ninguém ousava parar para fazer a menor investigação sobre 
essas coisas ou para oferecer consolo às pobres criaturas que gritavam dessa maneira, 
tomadas de corpo e alma pelo pânico. No princípio, e por pouco tempo, alguns sacerdotes 
visitavam os doentes, mas isso não deveria ser feito. Entrar em determinadas casas era 
morte certa. Mesmo os que sepultavam os mortos e eram as criaturas mais endurecidas da 
cidade, às vezes recuavam tão aterrorizados que não se arriscavam a entrar em casas onde 
famílias inteiras foram eliminadas juntas, em circunstâncias particularmente horripilantes, 
como algumas foram. Isso, é claro, no primeiro surto da doença.
O tempo acostumou-os a tudo aquilo e pouco depois se arriscavam em toda parte sem 
hesitação, como terei oportunidade de descrever em detalhe mais adiante.
Suponho que a peste começou nesse momento e, como já disse, as autoridades 
também começaram a refletir seriamente sobre as condições da população. Em seguida, 
contarei o que fizeram para controlar os habitantes contaminados e suas famílias. Sobre a 
questão da saúde, cabe mencionar apenas que, constatando o ânimo enlouquecido do povo, 
numa correria atrás de charlatões e curandeiros, mágicos e cartomantes, como as pessoas 
faziam até perder a lucidez, o Lorde Prefeito, um homem muito sóbrio e religioso, nomeou 
médicos e cirurgiões para atendimento dos pobres – refiro-me aos doentes pobres – e 
determinou que o Colégio de Médicos publicasse orientações sobre remédios baratos para 
os pobres em todos os estágios da doença. Esta foi uma das medidas mais piedosas e 
judiciosas que poderiam ser tomadas naquele tempo, pois afastou a população das 
concentrações diante das portas de qualquer fornecedor de receitas, evitando que as pessoas 
ingerissem, cegamente e sem qualquer consideração, veneno por remédio, encontrando a 
morte em vez da vida.
Estas recomendações dos médicos foram estabelecidas por uma consulta a todo o 
Colégio. Concebidas especialmente para o uso de medicamentos baratos pelos pobres, estas 
recomendações tornaram-se públicas para que todos pudessem conhecê-las e todos os 
interessados podiam obter uma cópia gratuita. Como são informações públicas, que podem 
ser verificadas a qualquer momento, pouparei o leitor do trabalho de lê-las aqui.
Não pretendo diminuir a autoridade ou a capacidade dos médicos quando digo que a 
violência da doença, ao atingir seus extremos, foi como o incêndio do ano seguinte. O fogo 
consumiu aquilo que a peste não conseguiu tocar, desafiando a aplicação de todos os 
remédios. Os carros de bombeiro se quebraram, os baldes foram jogados fora e o poder dos 
homens, fracassando, chegou ao fim. Também a peste desafiou todos os medicamentos. Os 
próprios médicos se contaminavam com seus preventivos na boca; os homens saíam por aí 
prescrevendo e dizendo aos outros o que fazer até que apresentassem os sintomas e caíssem 
mortos, destruídos pelo mesmo inimigo que ensinavam os outros a enfrentar. Este foi o 
caso de muitos médicos, mesmo alguns dos mais eminentes e vários dos cirurgiões mais 
habilidosos. Muitíssimos charlatões também morreram, aqueles que cometeram a loucura 
de acreditar em seus próprios remédios que, sendo conscientes de si mesmos, sabiam não 
servir para nada. Antes fizessem como outros tipos de ladrões que reconheciam sua culpa 
fugindo da justiça, pois não podiam esperar mais do que o castigo que sabiam merecer.
Não há qualquer depreciação ao trabalho e à dedicação dos médicos em dizer que 
morreram na calamidade geral. Nem é esta minha intenção, pois é antes para louvá-los por 
terem arriscado suas vidas ao ponto de perdê-las a serviço da humanidade. Eles

Outros materiais