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UAB – UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL FUESPI – FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA LICENCIATURA PLENA EM LETRAS PORTUGUÊS VISÃO PANORÂMICA DAS LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Assunção de Maria Sousa e Silva FUESPI 2013 Silva, Assunção de Maria Sousa e. Visão panorâmica das literaturas africanas de língua portuguesa / Assunção de Maria Sousa e Silva. – Teresina : FUESPI, 2013. 135 p. ISBN 978-85-8320-006-2 Material de apoio pedagógico ao Curso de Licenciatura Plena em Letras Português do Núcleo de Educação a Distância da Universidade Estadual do Piauí – NEAD / UESPI, 2013. 1. Literatura africana. 2. Inte-relação entre Literatura e Identidades. 3. Vozes e Obras africanas. I. Título. CDD: 896 S5861v Presidente da República Dilma Vana Rousseff Vice-presidente da República Michel Miguel Elias Temer Lulia Ministro da Educação Aloizio Mercadante Oliva Secretário de Educação a Distância Carlos Eduardo Bielschowsky Diretor de Educação a Distância CAPES/MEC Celso José da Costa Governador do Piauí Wilson Nunes Martins Secretário Estadual de Educação e Cultura do Piauí Átila de Freitas Lira Reitor da FUESPI – Fundação Universidade Estadual do Piauí Carlos Alberto Pereira da Silva Vice-reitor da FUESPI Nouga Cardoso Batista Pró-reitor de Ensino de Graduação – PREG Francisco Soares Santos Filho Coordenadora da UAB-FUESPI Márcia Percília Moura Parente Coordenador Adjunto da UAB-FUESPI Raimundo Isídio de Sousa Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação – PROP Geraldo Eduardo da Luz Júnior Pró-reitor de Extensão, Assuntos Estudantis e Comunitários – PREX Marcelo de Sousa Neto Pró-reitor de Administração e Recursos Humanos – PRAD Benedito Ribeiro da Graça Neto Pró-reitor de Planejamento e Finanças – PROPLAN Raimundo da Paz Sobrinho Coordenadora do curso de Licenciatura Plena em Letras Português– EAD Ailma do Nascimento Silva Edição UAB - FNDE - CAPES UESPI/NEAD Diretora do NEAD Márcia Percília Moura Parente Diretor Adjunto Raimundo Isídio de Sousa Coordenadora do Curso de Licenciatura Plena em Letras – Português Ailma do Nascimento Silva Coordenadora de Tutoria Maria do Socorro Rios Magalhães Coordenadora de Produção de Material Didático Cândida Helena de Alencar Andrade Autora do Livro Assunção de Maria Sousa e Silva MATERIAL PARA FINS EDUCACIONAIS DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS CURSISTAS UAB/ FUESPI Revisão Algemira de Macêdo Mendes Teresinha de Jesus Ferreira Diagramação Pedro Leonardo de Sousa Magalhães Capa Luiz Paulo de Araújo Freitas UAB/UESPI/NEAD Campus Poeta Torquato Neto (Pirajá), NEAD, Rua João Cabral, 2231, bairro Pirajá, Teresina (PI). CEP: 64002-150, Telefones: (86) 3213-5471 / 3213-1182 Web: ead.uespi.br E-mail: eaduespi@hotmail.com SUMÁRIO Unidade 1 - Literaturas africanas de língua portuguesa no Brasil: a inte- relação entre literatura e identidades – África / Brasil ......................... 7 1. Por que estudar literaturas africanas de língua portuguesa no Brasil: a interrelação entre literatura e identidades – África / Brasil .........................9 1.1 O que são as literaturas africanas de língua portuguesa? Conceitos ........ 9 1.2 A distinção entre literatura colonial e literaturas africanas e os estudos no Brasil ................................................................................................... 10 1.3 Contextos, momentos e fases literárias ............................................. 13 Unidade 2 - Literatura angolana ..................................................................... 23 2. Literatura angolana ........................................................................................ 25 2.1 Alguns dados sobre Angola – o país ................................................. 26 2.2 A literatura angolana: contexto, princípios e fases ............................ 27 2.2.1 Texto 1 (enxerto) ............................................................................. 28 2.3 Vozes poemáticas ............................................................................. 33 2.3.1 Novas vozes poéticas ..................................................................... 45 2.4 Vozes da prosa: a narrativa angola ................................................... 51 2.4.1 Texto 2 (enxerto) .............................................................................. 52 Unidade 3 - Literatura moçambicana .................................................... 59 3. Literatura moçambicana ....................................................................... 61 3.1 Conhecendo Moçambique ................................................................. 61 3.2 A literatura moçambicana: princípios e fases ..................................... 61 3.3 Vozes representativas e obras em prosa ........................................... 64 3.4 Vozes representativas e obras em poesia ......................................... 67 3.4.1Poemas moçambicanos ................................................................... 69 Unidade 4 - Literatura caboverdiana e guineense .............................. 77 4. Literatura caboverdiana e guineense ................................................... 79 4.1. Conhecendo Cabo Verde .................................................................. 79 4.1.2 A literatura caboverdiana: princípios e fases .................................. 80 4.1.2.1 – Periodização da literatura caboverdiana (Enxerto 1) .............. 81 4.1.2.2 Quanto às temáticas e ao peso das estruturas sociais nas produções literárias ................................................................................................... 85 4.1.2.3 (Enxerto 2) ................................................................................... 85 4.2 Vozes poéticas dos claridosos ........................................................... 88 4.2.1 Poemas caboverdianos.................................................................... 89 4.3 Vozes da prosa caboverdiana ............................................................ 93 4.4 Conhecendo Guiné-Bissau ................................................................ 99 4.4.1 A literatura guineense: princípios e fases...................................... 100 4.4.1.1 Poemas guineenses.................................................................... 108 4.4.2 Vozes da prosa guineense ............................................................. 110 4.4.2.1 Textos em prosa........................................................................... 111 Unidade 5 - Literatura são-tomense ................................................... 115 5. Literatura são-tomense ....................................................................... 117 5.1. Conhecendo São Tomé ................................................................... 117 5.2 A literatura são-tomense: princípios, momentos e as vozes representativas da poesia ...................................................................... 118 5.3 Vozes representativas da prosa ....................................................... 121 5.4 Vozes contemporâneas .................................................................... 123 5.4.1 Poemas de Conceição Lima ......................................................... 126 Referências Bibliográficas .................................................................. 130 UNIDADE 1 LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL: A INTER-RELAÇÃO ENTRE LITERATURA E IDENTIDADES – ÁFRICA / BRASIL OBJETIVOS • Entender os porquês da inclusão das literaturas africanas de língua portuguesa no ensino de Letras no Brasil; • Distinguir literatura colonial de literatura africana de língua portuguesa; • Identificar o contexto, momentos e fases gerais das literaturas africanas de língua portuguesa. FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português 9 1. Por que estudar literaturasafricanas de língua portuguesa no Brasil: a interrelação entre literatura e identidades – África / Brasil Diante das considerações introdutórias, o estudo das literaturas afro-brasileira e africanas de língua portuguesa, de um lado, permite não só um maior conhecimento da nossa história brasileira e nossa formação cultural mas também revela ricas vivências e experiências culturais dos povos africanos. Povos estes que constituem um dos elementos formadores da cultura brasileira. Por outro, o estudo contribui para que se elimine a predominância de imagem negativa e inferiorizada que comumente se tem de África como continente constituído de países exóticos – selva e savanas -, paupérrimos, abalados por guerras e doenças, incapazes de solucionar seus problemas sociais, políticos e econômicos. Não há uma África, mas várias Áfricas delineadas por seus países multirraciais, de paisagens geográficas diversas, de etnias, costumes e culturas diversas e diferentes e autônomos cuja tradição se reconhece como berço real da cultura ocidental. Estudar as literaturas africanas de língua portuguesa produzidas pelos cinco países: Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe permite-nos conhecer a perene ligação e relação estabelecida literariamente entre esses países e o Brasil desde meados do século XIX, justamente em razão dos pertencimentos identitários que vigoram a partir da diáspora negra advinda desses países desde o século XVI. O tráfico de escravos africanos e o próprio processo de escravidão no Brasil deixaram marcas indeléveis em nossa sociedade, todavia a presença de africanos enriqueceu sobremaneira o país economicamente, socialmente e culturalmente. No contexto colonial, além dos importantes aspectos de trocas econômicas, a literatura foi um meio de diálogo profícuo, principalmente entre Cabo Verde/ Brasil e Angola/ Brasil, fenômeno que se intensifica cada vez mais no século XXI, como veremos no decorrer deste curso. 1.1 O que são as literaturas africanas de língua portuguesa? Conceitos O fato de denominarmos literaturas africanas de língua portuguesa aqui no Brasil não é motivo de polêmica, visto que a maioria dos estudiosos Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa 10 que aqui se debruça sobre essas literaturas reconhecem e acatam tal termo. O que é válido colocar em discussão é como essas literaturas são conceituadas. Em África de língua portuguesa esse termo já foi algo de boas discussões. Na historiografia crítica, o termo Literaturas africanas de expressão portuguesa, cunhado pelo estudioso Manuel Ferreira, assegura- se pela visão de que: “herda[ram] o português como expressão cultural e ele faz parte da [...] cultura” (FERREIRA, 1987, p. 15), mas tendo em vista que o termo “expressão” trazia o sentido com certo predomínio dessa herança portuguesa na cultura africana e, portanto, demarcava uma visão ideológica atrelada ao domínio da metrópole em época colonial, buscou-se a denominar Literaturas africanas de língua portuguesa. Vejamos o que diz um dos estudiosos das literaturas africanas, Alfredo Margarido: Diante da explicação de Alfredo Margarido, reflita: nenhum termo é neutro, todos trazem em si uma perspectiva ideológica, carregada de intencionalidade. 1.2 A distinção entre literatura colonial e literaturas africanas e os estudos no Brasil Segundo Ferreira (1987) a literatura colonial surge com a chegada dos portugueses nos países africanos que em Cabo Verde ocorreu em 1460, Guiné Bissau (1485), Moçambique (1505), São Tomé e Príncipe (1485), São Essas observações são indispensáveis para explicar a razão pela qual renunciei à designação clássica de literaturas africanas de expressão portuguesa, que também utilizei com alguma frequência, para substituí-la pela de literaturas dos países africanos de língua portuguesa. A primeira razão reside no lastro neocolonialista patente numa designação como de expressão portuguesa. Não se trata de escrever em língua portuguesa, mas de se manter fiel à expressão portuguesa, o que seria contraditório com a substância nacional da escrita [...]. Por outro lado, dizendo que se trata da expressão portuguesa, reduz- se automaticamente o campo de afirmação destas literaturas, impedindo a integração das formas orais das línguas autóctones. (MARGARIDO, 1980, p. 8-9) FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português 11 Paulo de Assunção de Luanda, Angola (1575). Da chegada dos portugueses até meados do século XIX, não há registro de textos literários produzidos nesses países. Só a partir daí é que a metrópole (Portugal) tomou medidas para desenvolver o ensino, por exemplo, em Cabo Verde isso aconteceu de 1845 a 1866. Foi então com a instalação do prelo nessas ex-colônias que o quadro passou a se modificar. Isso não quer dizer que não havia manifestação literária. As sociedades eram ágrafas, no entanto existia uma rica literatura oral, passada de geração a geração, manifestações que infelizmente não vamos nos deter sobre elas neste curso. O prelo foi instalado em Cabo Verde em 1842, em Angola em 1845, Moçambique, em 1854, São Tomé e Príncipe, em 1857 e Guiné Bissau, 1879. Só quatro anos após a instalação do prelo é que foi publicado o primeiro livro impresso que se tem notícia: Espontaneidades da minha alma (1849) do angolano José da Silva Maia Ferreira. Segundo Manuel Ferreira (1987), em Literaturas africanas de expressão portuguesa, há de se ressaltar, para efeito metodológico, as duas linhas divisórias: literatura colonial e literaturas africanas. Para ele, a literatura colonial, compreende-se dos textos em que Como podemos perceber, a ideia de inferiorização do homem negro é a tônica desses textos que se pautavam das teorias racistas que vigoram na época como a de Gobineau e do filósofo Lévi-Bruht. Essa literatura se intensifica nos anos 20 e 30 do século XX quando também se fortalece o processo colonialista. Nos textos também se percebe uma visão paternalista e exótica e “a glorificação de uma mítica imperial” (Idem, p. 21) Para o mesmo teórico, as literaturas africanas são o oposto. Nas literaturas africanas, O homem negro aparece como que por acidente, o homem branco está colocado à categoria de herói mítico, desbravador das terras inóspitas, operador de uma cultura superior. Ele é no texto literário e no pensamento de que o redige e organiza, o habitante privilegiado e soberano, o prolongamento da pátria e o mítico semeador da utopia. Nele reside o ânimo e a consciência das posses da terra e das gentes e, com exceções a assunção do predestinado redentor com dom imperial (FERREIRA, 1987, p. 11). Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa 12 Enquanto no excerto acima, para os primeiros estudiosos dessa literatura além mar a preocupação de conceituar passava por uma perspectiva político-ideológica, em razão das próprias circunstâncias em que se inseria o fenômeno; para uma das estudiosas brasileiras, a professora da USP, Tânia Macedo, os estudos sobre literaturas africanas no Brasil é baseado por viés de valor estético. O universo africano perspectivado por dentro consequentemente saneado da visão folclorista e exótica. No material linguístico do texto o negro é privilegiado e revestido de um sólido tratamento literário – embora não sejam exclusivas as personagens europeias (de sinal negativo ou positivo). É o africano que normalmente preenche os apelos da enunciação e é ele quase exclusivamente, enquanto personagem ficcional ou poética, o sujeito do enunciado. Os cuidados e os esmeros do sujeito enunciador são de organicamente moldar o enunciado com ingredientes significativos e representativos da especificidade africana. Se colocados, lado a lado, dois textos, um de literatura colonial e outro de literatura africana é como se procedêssemos a uma justaposição de brusco contraste. O texto colonial representa e prolonga a realidade colonial; otexto africano nega a legitimidade do colonialismo e faz da revelação e da valorização do universo africano, a raiz primordial. (FERREIRA, 1987, p. 14) Desenha-se, assim, entre nós, uma das balizas que têm orientado os estudos das literaturas africanas: o valor dos textos como produtos estéticos. Ainda que a relação entre texto e contexto seja sempre iluminada e a interdisciplinaridade seja uma constante em nossa abordagem, o que tem guiado a crítica e o ensino no Brasil é o valor estético das obras. E, no que diz respeito a essa questão, vale lembrar que não se trata de um esteticismo em si, e sim de iluminar a peculiaridade e as tensões que os textos percorrem, visto serem eles fruto de uma vivência e ambientação africanas, mas veiculados em língua ocidental – portanto, partícipes de uma dupla natureza. (MACEDO, 2010, p. 281) FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português 13 Ao produzir literatura, os escritores forçosamente transitavam pelos dois espaços, pois assumiam as heranças oriundas de movimentos e correntes literárias da Europa e das Américas e as manifestações advindas do contato com as línguas locais. Esse embate que se realizou no campo da linguagem literária foi o impulso gerador de projetos literários característicos dos cinco países africanos que assumiram o português como língua oficial. (FONSECA;MOREIRA [pdf]) Agora, apresentadas concepções diferentes, mas não contrapostas, observe o direcionamento que percorremos para estudar essas literaturas. Por um lado, não se desconhece o peso da questão histórica que fazem parte da condição de produção dos autores aqui estudados, visto que é crucial, por outro, é preciso levar em conta o critério estético bem ressaltado por Tânia Macedo. 1.3 Contextos, momentos e fases literárias Vale, porém, trazer outros oportunos elementos salientados por mais duas estudiosas brasileiras Maria de Nazareth Soares Fonseca e Teresinha Taborda Moreira (PUC Minas) para reforçar uma melhor compreensão dessas literaturas africanas. Ambas, apontando para as produções que se engendraram durante os períodos de independência e pós-independência alertam-nos para que levemos em conta o contexto em que o escritor africano escreve. Para elas, esse escritor africano vivia até o período da independência entre duas realidades: a colonial e a africana e não podia ficar alheio a isso. Então sua escrita imprimia uma tensão anunciada entre esses dois mundos, em razão de que ele utilizava uma língua europeia e sua escrita “registrava a tensão nascida da utilização da língua portuguesa em realidades bastante complexas” (FONSECA; MOREIRA em pdf). As pesquisadoras também nos levam a observar quatro momentos importantes para a “emergência das literaturas nos espaços colonizados pelos portugueses”. Recorrendo a Ferreira (1989) indicam que o primeiro momento refere-se ao o que ele chama de “estado de alienação”, cujos textos poderiam ser de quaisquer outros cantos do mundo porque expressam uma Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa 14 alienação cultural. O segundo seria a fase de “percepção da realidade” em que se percebe a influência do meio e revela os primeiros sinais de sentimento nacional, a saber, o sofrimento por ser negro, o negrismo e o indigenismo. O terceiro momento implica no escritor tendo “consciência de colonizado” em que sua produção literária engendra-se do contexto sociocultural e geográfico, sendo, portanto, o tempo da “desalienação e do discurso da revolta”. E o quarto e último momento é da “fase histórica da independência nacional em que se reconstitui “a individualidade plena do escritor africano” e que ele produz o texto com liberdade, exercendo a sua criatividade, tratando de temas com maior alargamento e identificação com África. Sob uma perspectiva que as autoras chamam de mais historicista, conforme Patrik Chabal (1994), há quatro fases da abrangência das literaturas africanas: 1) a da assimilação – em que o escritor africano imita os modelos europeus; 2) a da resistência – em que o escritor africano defende a cultura africana e rompe com os modelos europeus preestabelecidos, “fase da conscientização definitiva do valor do ser africano e que coincide com a conscientização da africanidade sob a influência da negritude de Aimé Césaire, Léon Damas e Léopold Senghor”; 3) fase simultânea a da afirmação do escritor africano como tal que, segundo Fonseca apud Chabal (1994), o “escritor procurar marcar seu lugar na sociedade e definir a sua posição nas sociedades pós-coloniais em que vive” e 4) a atual, a fase de traçar rumos novos “para o futuro da literatura dentro das coordenadas de cada país, ao mesmo tempo em que se esforçam por garantir, essas literaturas nacionais, o lugar que lhes compete no corpus literário universal”(FONSECA, MOREIRA, s/d,[em pdf]) Cabe então, a partir desses delineamentos de fases gerais do percurso historiográfico das literaturas africanas ressaltar momentos cruciais dos movimentos literários nos cinco países, a saber: I - a publicação do livro de poemas “Ilha de nome santo” de Francisco José Tenreiro, em São Tomé e Príncipe (1942); II - a publicação da revista Claridade, em Cabo Verde (1936-1960); o movimento “Vamos descobrir Angola” (1948) III - a publicação da revista Mensagem (1951-1952), em Angola; FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português 15 IV - a publicação da revista Msaho (1952), em Moçambique, V - a publicação da antologia “Mantenhas para quem luta!” (1977), pelo Conselho Nacional de Cultura, em Guiné-Bissau. Saiba mais Afro-brasileira: “termo polêmico que provoca significativa discussão junto com os outros dois: literatura afrodescendente e literatura negra que conforme Oswaldo Camargo (1986) é aquela que revela vivências e experiências estéticas a partir do ponto de vista da persona negra. Segundo Macêdo, literatura afro-brasileira indicaria o conjunto de produtos, de autoria afrodescendentes, que tematizaria a negritude a partir de uma perspectiva interna e comprometida politicamente em recuperar e narrar a condição do negro no Brasil.” (MACEDO, 2010, p. 279) Diáspora (Diáspora Negra): “Com relação à diáspora africana, podemos situá-la em três momentos: a partir da ideia de que a África é o berço da humanidade, os africanos saíram do continente africano para povoar os demais continentes, isso já faz parte da diáspora africana. Saíram livremente, voluntariamente, e todo o resto da humanidade, e mesmo aqueles que voltaram para a África e os que invadiram a África, são todos descendentes de africanos. Isso faz parte dessa diáspora mais antiga, que é mais conhecida como “o berço da humanidade”. A segunda diáspora é o produto resultante do tráfico negreiro. Tráfico negreiro que levou africanos para todos os cantos do mundo, para o continente asiático, para o continente americano, e para a Europa. E nessa segunda diáspora os africanos não saíram voluntariamente, foram sequestrados, amarrados, transportados e deportados, não podemos considerá-los como imigrantes porque eles não sabiam nem por onde iam, nem para onde estavam sendo levados, nem por que motivo. Foi por meio dessa grande diáspora que as Américas se desenvolveram, que a Europa se desenvolveu, com a mão de obra africana, num mundo em que a tecnologia estava no ponto em que estamos hoje, onde a produção e o desenvolvimento precisam do trabalho humano. Foi Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa 16 graças a essa mão de obra escravizada que nós, os africanos, construímos as riquezas dos países, como o Brasil. A terceira diáspora é a que data de alguns anos antes das independências africanas, os africanos tiveram que sair obrigados pelas condições de vida dos seus países, condições de vida que foram deixadas pelos colonizadores, depois de anos de colonização. A colonização não aconteceu como se esperava, e seu desenvolvimento foi feito com dirigentes fascistassanguinários, sustentados pelos próprios europeus que colonizaram a África. Alguns fugiram dessas condições de vida, das guerras, para encontrar melhores condições de vida na Europa. Mesmo os intelectuais africanos fugiram da África porque não encontraram melhores condições de produtividade intelectual, e muitas vezes por causa das questões políticas foram para outros países. [...] Nós temos na África também uma nova diáspora africana: muitos imigrantes dos países africanos em guerra são encontrados, inclusive aqui no Rio de Janeiro, em São Paulo e em outras cidades, alguns raros intelectuais. Mas a grande diáspora africana está nos países ocidentais.” (MUNANGA, Kabengele In. Entrevista ao portal Salto para o Futuro. Disponível em http://www.tvbrasil.org. br/saltoparaofuturo/entrevista.asp?cod_Entrevista=85 ) Preconceito, Discriminação e Racismo: “Os preconceitos são pré- julgamentos sobre o outro, sobre outros povos, sobre outras culturas, [...] opiniões às vezes formalizadas, às vezes não formalizadas, acompanhadas de afetividade, são diferentes da discriminação. A discriminação é expressa pelos comportamentos observáveis, que podem ser censurados e até punidos pela lei, são atitudes que não são invisíveis. Outra coisa é um “derivado” que é chamado de racismo, que praticamente é todo um sistema de dominação que está por trás disso, todo um sistema de dominação sustentado por um discurso que, às vezes, tem conteúdo de uma ciência, por ser uma pseudociência, uma doutrina que existe justamente para justificar a dominação, a exploração do outro. Esse discurso legitimador foi considerado, no século XVIII e XIX, como uma ciência da época, uma ciência chamada de raciologia, mas que tem vários nomes. Mas se olharmos bem, na história da humanidade, esse sistema é mais antigo do que a modernidade ocidental. Nós aprendemos que isso começa com a FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português 17 modernidade ocidental, mas é muito mais antigo, podemos colocar na origem dos contatos entre os povos, quando os europeus começaram a imigrar e montaram seus sistemas de dominação. Alguns chamam de ideologia esse sistema de dominação, não o sistema como tal, mas o discurso que acompanha esse sistema de dominação e que legitima isso.” (MUNANGA, Kabengele. Entrevista ao portal Salto para o Futuro. Disponível em http:// www.tvbrasil.org.br/saltoparaofuturo/entrevista.asp?cod_Entrevista=85) Negrismo: “corresponde a uma fase de consciência de identidade cultural anterior à negritude e na qual as representações e as expressões do texto literário sobressaem de um estado de espírito virado para o passado africano em oposição aos dados da cultura européia, mas sem que tenha sido apreendida uma conscientização libertadora, que só terminou por se alcançada, em bloco, com a fase da negritude, nos inícios (sic) da década de 30. Diríamos que o negrismo é uma forma de dar expressão passiva aos valores do passado africano, enquanto a negritude é uma atitude caracterizada pelo fato de encarar esses fenômenos numa perspectiva dinâmica (p.90).” (FERREIRA, Manuel. Literaturas africanas de expressão portuguesa. São Paulo: Ática, 1987) Manuel Ferreira, português, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi quem introduziu o estudo das “literaturas africanas de expressão portuguesa” nas universidades portuguesas, em 1974. Ele foi o primeiro pesquisador a divulgar dados para o público em geral e para a comunidade acadêmica. Neste trabalho nos embasamos nas pesquisas que estão nos seguintes livros deste autor: Literaturas africanas de língua portuguesa I e II, 50 poetas africanos (antologia); No reino de Caliban I e II. Glossário Agrafas: Que não tem escrita. Diacrônico: Desenvolvimento de um campo de saber no decorrer do tempo. Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa 18 Neocolonialismo: “Motivado pelo o novo tipo de capitalismo financeiro e monopolista relacionado à segunda revolução industrial que modificou áreas de indústria elétrica, química, metalúrgica e etc. Teve seu momento alto nos séculos XVIII, XIX e XX e até agora no século XXI com influências imperialistas. Apoiado pelo Estado burguês liberal, predominância do poder econômico capitalista sob as decisões do Estado. Justifica-se por uma missão civilizatória baseada na crença da superioridade da civilização européia sob as demais” Fonte:http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/neocolonialismo/neocolonialismo5.php Gobineau: “Nascido no dia 14 de julho de 1816 em Ville-d’Avray, comuna da França, Joseph Arthur de Gobineau exerceu atividades como filósofo, escritor e diplomata. Durante o século XIX, suas teorias sobre o racismo foram consideradas as mais importantes entre estudiosos do tema e levada a cabo pelos defensores do racismo.” Fonte: http://www.infoescola.com/ biografias/arthur-de-gobineau/ Lévi-Bruht: “O pensamento de Lévy-Bruhl goza de uma posição particularmente contraditória na história da antropologia. Por um lado, seus escritos são tratados como a manifestação de uma personalidade etnocêntrica formada, sobretudo, por uma miríade de conceitos pouco claros e pela ausência de experiência em campo. O etnocentrismo de Lévy-Bruhl, na visão de seus críticos, estaria manifesto na suposição de uma diferença fundamental entre o pensamento ocidental e o pensamento dito primitivo, governado pela lei da participação e indiferente às ideias de contradição e contiguidade na relação causal. Para os seus críticos, Lévy-Bruhl não faria outra coisa senão radicar as diferenças da ordem da cultura em diferenças que, em última análise, passariam por diferenças de ordem natural.” Fonte: http://classicos12011.wordpress.com/2011/04/14/comentario-levy-bruhl/. Aimé Césaire (1913 – 2008), Léon Damas (1912 -1978), Léopold Senghor (1906 – 2001): Nomes ligados ao termo “Negritude”. Foram responsáveis e dinamizadores, considerados os pais do Movimento de Negritude na Europa, na década de 1930. O termo aparece pela primeira vez Cahier d’un retour au pays natal, livro de poemas de Aimé Césaire, em FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português 19 Paris, 1938. Aimé Césaire (martinicano), Léon Damas (ganês) e Léopold Senghor (senegalês). Patrik Chabal: francês, “estudou em França, nos EUA e na Grã- Bretanha. Fez investigação e deu aulas na Universidade de Cambridge (onde se doutorou em Ciências Políticas) e é actualmente professor no Departamento de História do King’s College (Londres). Está envolvido num projecto a longo prazo em que se conjuga o estudo da cultura na política comparada e a pesquisa da teoria das ciências sociais”. Fonte: http://www. buala.org/pt/da-fala/etiquetas/patrick-chabal. Colonialismo: “Motivado pelo crescente mercado capitalista comercial e mercantil, teve seu ponto ápice nos séculos XVI e XVII, apoiado pelos Estados absolutistas e empenhava-se no esforço nas missões que rendiam lucros e domínio de terra. Um processo de exploração cujo objetivo é extrair os produtos tropicais e metais preciosos das colônias e importar para a metrópole européia. Justificava-se na missão religiosa de espalhar o cristianismo para os pagãos no mundo e converter os demais povos ao catolicismo.” Fonte: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/neocolonialismo/ neocolonialismo-5.php. Leituras complementares Para maior aprofundamento sobre o conteúdo desenvolvido nesta unidade sugerimos que leiam os seguintes textos de nossa bibliografia básica: 1 - Sobre o panorama das literaturas africanas de língua portuguesa,leia o texto: FONSECA, Nazareth S; MOREIRA, Teresinha T. Panorama das literaturas africanas de língua portuguesa. [pdf] Disponível http://www.ich.pucminas.br/ posletras/Nazareth_panorama.pdf, acessado em 02/03/2012. 2 - Um estudo das literaturas africanas sob a perspectiva diacrônica: FERREIRA, Manuel. Literaturas africanas de expressão portuguesa I. São Paulo: Ática, 1987. _________ . Literaturasafricanas de expressão portuguesa. Lisboa: Biblioteca Breve; Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1986. 2 v. Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa 20 3 - Sobre o movimento da negritude que influenciou parte das produções da fase de resistência, sugerimos o artigo “Movimento de negritude: uma breve reconstrução histórica do professor Petrônio José Domingues (UNIOESTE) disponível http://www.fflch.usp.br/cea/revista/africa_026/ af07.pdf. 4 - Sobre preconceito, discriminação e racismo, leia: a entrevista completa de Kabengele Munanga ao Portal Salto para o futuro e para um estudo mais aprofundado o livro do mesmo autor Superando o Racismo na escola. 2ª edição revisada / Kabengele Munanga, organizador. – [Brasília]: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005, 204p. Disponível em http://www.uel.br/projetos/leafro/pages/ arquivos/MUNANGA%20K%20%20Superando%20o%20Racismo%20na%20Escola%20 (sem%20capa).PDF. Atividades de aprendizagem Releia o texto da unidade e responda às questões a seguir. (Conforme a orientação do tutor podem ser escolhidas duas ou três destas perguntas para serem respondidas como exercícios) 1 – Após a leitura do texto e com base nas informações nele contidas, aponte como surgiram as literaturas africanas de língua portuguesa. 2 – Estabeleça diferenças entre literatura colonial e literaturas africanas. 3 – Levando em consideração as diferentes fases e/ou momentos apresentados por Ferreira, Margarido e Chabal, exponha que critérios cada um se apropria para delinear os momentos importantes dessas literaturas de modo geral. 4 – Pesquise na web e escreva de forma sucinta sobre o Movimento e Revista Claridade em Cabo Verde e da revista Mensagem em Angola. Esta FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português 21 pesquisa é importante porque lhe subsidiará nos estudos sobre literatura caboverdiana e a angolana. Exponha no mural virtual socializando com os colegas. Resumo Nesta unidade, apresentamos alguns elementos e conteúdos introdutórios para a compreensão das literaturas produzidas nos cinco países que têm como língua oficial o português. Todos eles passaram por situações históricas semelhantes e foram afetados pelo processo de colonização empreendido pelo colonizador português. Vimos: A importância e o significado dos estudos das literaturas africanas nas universidades brasileiras. A relação perene entre o Brasil e os demais países africanos de língua portuguesa desde o século XVI e permanente diálogo e reconhecimento das heranças culturais. A problematização do termo literaturas africanas de expressão portuguesa e a opção por literaturas africanas de língua portuguesa em Àfrica; os estudos e os critérios levando em conta no Brasil. As distinções teóricas estabelecidas entre literatura colonial e literaturas africanas Fases e momentos importantes para a compreensão dessas literaturas de língua portuguesa no continente africano. Atividade complementar Fórum de discussão: Após pesquisar sobre negritude e indigenismo na África, apresente suas considerações sobre estes dois tópicos contrapondo-os. Obs.: Cada participante do fórum deve expressar sua posição sobre eles e dialogar com os demais acrescentando contraposições Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa 22 Para finalizar Releia o texto da Unidade 1, reveja suas respostas nos exercícios, revise sua pesquisa e elabore um fichamento destacando os principais pontos desenvolvidos nesta unidade para melhor compreensão das literaturas africanas que iremos estudar. UNIDADE 2 LITERATURA ANGOLANA OBJETIVOS • Compreender o contexto e as condições de produção para a identificação das temáticas desenvolvidas da literatura angolana; • Analisar as fases e momentos importantes para a formação da literatura angolana; • Ler e interpretar textos literários dos autores angolanos representativos. FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português 25 2. Literatura Angolana Nesta Unidade 2, passamos a estudar de maneira panorâmica a literatura angolana. Muito mais se teria a registrar, refletir, provocar discussões quantos aos aspectos temáticos e formais dos textos literários produzidos, todavia, isso não é possível em razão do propósito deste trabalho que é de introdução aos estudos desta literatura. Dando relevância às fases da literatura angolana, optamos apresentá-las sob o ponto de vista diacrônico, visto que nosso objetivo é enfatizar de forma breve, mas produtiva as temáticas, a influência da história nas condições de produção de alguns autores representativos. É importante deixar claro que muitos e significativos autores e autoras não serão contemplados em razão de ser este estudo apenas preliminar e panorâmico. No entanto, apresentaremos nas seções Saiba mais e Leituras complementares, indicativos de textos que poderão suprir a curiosidade e a necessidade de pesquisa e de maior aprofundamento. Diferente de outros tempos, quando iniciamos os estudos de literaturas africanas, temos hoje uma produção acadêmica (artigo, ensaios, resenha, etc) bastante acessível que você pode usufruir na web e em livros impressos. É significativo também o número de autores africanos editados no Brasil e com mais facilidade de serem encontrados nas livrarias e bibliotecas das universidades. Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa 26 2.1 Alguns dados sobre Angola - o país Mapa Angola Angola, capital da República de Angola, tem como língua oficial o português, além de outras principais: Umbundu, Kimbundu, Kikongo, Cokwe, Fiote e Kwanyama. Sua moeda nacional é a Kwanka (AOA). No país existem as religiões Católica (51%); Protestante (17%); Animista (30%) e Outras (2%). Luanda, Huambo, Benguela, Lobito e Lubando são as principais cidades. Há duas estações climáticas no país: a das chuvas, período mais quente que decorre de setembro a maio, e a de cacimbo, seca, menos quente que se estende de maio a setembro.(Fonte consultada: Portal do Cidadão - Governo da República de Angola Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento). A riqueza cultura angolana manifesta-se em diferentes áreas. No artesanato, estatuetas em madeira, instrumentos musicais, máscaras para danças rituais, objetos de uso quotidiano caprichadamente ornamentados, pinturas de óleo e areia se juntam às festas tradicionais realizadas pelas etnias locais expressando seu grande valor cultura. A música também expressa diversos e importantes ritmos: kizomba, semba, rebita, cabetula e os mais novos estilos, o zouk e kuduro. As danças tradicionais também estão presentes no seio da cultura deste país, assim como a sua gastronomia. A literatura, origem no século XIX carrega, em princípio uma característica peculiar de “intervencionista” e comprometida com a história do país para, em seguida, se fortalecer como manifestação estética. Economicamente, segundo dados do Portal do Governo de Angola, na década de 1990, o petróleo pesava 41%, e em 2000, 62% em contraste com o setor de comércio e serviços. A agricultura, silvicultura, pecuária e pesca não chegam ao total de 10% do PIB. Hoje o investimento externo no PIB é significativo para a economia angola. Fonte consultada: http://vida1.planetavida.org/paises/angola/o- pais-2/economia-de-angola/. FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português 27 Saiba mais Sites e portais com informações atuais sobre Angola: http://www.wayfield.com/pt/clientes/angola_hoje.php - Notícias http://www.angola24horas.com/ - Notícias http://jornaldeangola.sapo.ao/ - Notícias http://www.ueangola.com/criticas-e-ensaios - União dos Escritores Angolanos 2.2 A literatura angolana: contexto, princípios e fases Angola, como os demais países africanos de língua portuguesa, tem uma literatura que está intimamente influenciada e relacionada com sua realidade histórico-social. E os autores de hojereforçam e dialogam com as preocupações sociais e estéticas de seus precursores. Isso se acresce a também influência da tradição oral sobre a literatura produzida, demarcando a própria identidade cultural do país expressa nas narrativas e nos poemas contemporâneos. Nomes importantes como de Luandino Vieira, Pepetela e Boaventura Cardoso, Manuel Rui, Ana Paula Tavares, Ruy Duarte de Carvalho, Ondjak, Adriano Botelho, José Eduardo Agualusa, Isabel Ferreira, Dulce Braga, Micaela Reis e muitos outros dimensionam um cânone que estar a se construir. Na poesia, o fôlego que se iniciara com Agostinho Neto, António Jacinto e Viriato da Cruz, reforçado com David Mestre, Arlindo Barbeitos, continua reacendendo as encruzilhadas poéticas, agora com nomes que se proliferam dando uma tônica diferencial como Paula Tavares, João Melo, Ruy Duarte de Carvalho, José Luis Mendonça. De maneira breve, para efeito didático e de maior compreensão do percurso historiográfico pelo qual essa literatura vem passando, vamos, a seguir, conhecer os períodos sistematizados pelo pesquisador Pires Laranjeiras (Universidade de Lisboa). É preciso registrar que tais períodos não devem ser levados como formas rígidas e inflexíveis, eles apenas estão postos para facilitar uma compreensão do percurso literário até então transcorrido. Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa 28 2.2.1 Texto 1 (excerto) LITERATURA ANGOLANA – PERIODIZAÇÃO 1º período, das origens até 1848, a que chamamos de Incipiência. A literatura angolana começou, pelo menos, com o livro de Maia Ferreira, em 1849, que a introdução do prelo em Angola possibilitou. […] (p. 36) 2º período, que vai da publicação dos poemas Espontaneidades da minha alma, de José da Silva Maia Ferreira, em 1849, até 1902. Período dos Primórdios, que engloba uma produção poética remanescente do romanismo, com raros tentames realistas, dos quais se destaca a noveleta Nga mutúri (1882), de Alfredo Troni. […] (p.36) 3º Período, abrangendo sensivelmente a primeira metade do século XX (1903-1947), de Prelúdio ao que viria a ser, na segunda metade do século XX, o nacionalismo inequívoco e intenso. A literatura colonial estende as suas milhares de páginas aos leitores europeus de novidades tarzanísticas. Vigoram as temáticas da colonização, dos safaris, da aventura nas selvas e savanas, numa panóplia de atracção exótica. O negro é figurante ou personagem irreal. É o período em que o romance ou a novela de Castro Soromenho ainda não se desprenderam de um certo etnologismo mitigado, em que o negro ainda é observado através do filtro administrativo e preconceituoso, como facto e fautor de curiosidades. […] (p. 37) 4.° Período, entre 1948 e 1960, fulcral na Formação da literatura, enquanto componente imprescindível da consciência africana e nacional. Época decisiva, considerada unanimemente como a da organização literária da nação, com base em movimentos como o MNIA1, o da Cultura e o da CEI [Casa dos Estudantes do Império]2, além de outros contributos, como o das 1 Movimento dos Novos Intelectuais de Angola, organização cultural de cunho nacionalista, de caráter contestatório. 2 Casa dos Estudantes do Império (CEI) – local que abrigava estudantes africanos (alguns portugueses) que iam estudar em Lisboa (1943 – 1965). A Casa que, a princípio, surgiu para sustentar o propósito imperial e o “sentimento de portugalidade” passa a ser inversamente o lugar de oposição ferrenha ao sistema colonial. Ali desperta nos estudantes uma consciência crítica contra a ditadura e o sistema colonial, mas também o sentimento de valorização das culturas de seus países colonizados. FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português 29 Edições Imbondeiro (de Sá da Bandeira). O Neo-realismo cruza-se com a Negritude. Com os ventos de certa abertura e descompressão da política internacional, a seguir à II Guerra Mundial, na Europa, como em África, animam-se as hostes angolanas empenhadas em libertar-se das malhas estreitas da política colonial e, portanto, de uma cultura alienada do meio africano. É nesse contexto brevemente favorável que surge uma actividade marcada já fortemente por um desejo de emancipação, em sintonia com os estudantes que, na Europa, davam conta de que, aos olhos da cultura ocidental, não passavam todos de «cidadãos portugueses de segunda». […] (p. 37) Na década de 1950, a poesia é a forma que mais convém. Aproveitam- se as conquistas do modernismo, com o verso livre e os temas arrojados, e toma-se o exemplo dos grandes bardos criadores de longos textos, quase excessivos, por vezes a tenderem para o prosaico, como Walt Whitman, Maiakovsky, Álvaro de Campos, Nazim Hikmet ou Pablo Neruda. O caminho poético pode assim congraçar as três vertentes de júbilo ideológico: o povo, a classe e a raça. O povo é negro, trabalhador, explorado e oprimido. Numa palavra: colonizado. Fundamentalmente, traça-se o quadro ou alude-se a figuras paradigmáticas de colonizados: contratados, prostitutas, escravos, moleques, ardinas, lavadeiras, estivadores, analfabetos, serviçais, etc. Pertencem à raça negra ou, no máximo, são mulatos, mas raros. A Negritude concede-lhes o sentimento de exaltação da raça negra, nomeadamente na solidariedade com os negros do Novo Mundo e, por outro lado, sublinha o reconhecimento das raízes, que são étnicas, tribais, mergulhando nos milénios. […] (p. 39) 5.° Período (1961-1971), relacionado com o incremento da actividade editorial ligada ao Nacionalismo declarado ou encapotado, em que surgiram textos de temática guerrilheira, enquanto no ghetto das cidades coloniais, nas prisões ou na diáspora os temas continuavam a ser os do sofrimento do colonizado, da falta de liberdade e da ânsia de tomar o destino nas próprias mãos. Em 1961, começa a luta armada de libertação nacional. […] (p. 39 -40) Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa 30 A atribuição do grande prémio de novelística a Luuanda (1964), de José Luandino Vieira, pela Sociedade Portuguesa de Escritores (1965), quando este se encontrava preso por «actividades terroristas», no Tarrafal (em Cabo Verde), despoleta uma repercussão a nível de Portugal e círculos internacionais, tornando-o, com Agostinho Neto, o escritor mais conhecido. Outros escritores passam pelas prisões ou aí permanecem longos anos: Uanhenga Xitu, Manuel Pacavira, Jofre Rocha, Aristides Van-Dúnem, etc. Luandino torna-se o responsável pela grande revolução estilística, com que criando uma nova língua literária angolana […] (p. 40) 6º Período, de 1972 a 1980, o da Independência, repartido por dois curtos períodos, de 1972-74 e de 1975-80, relativos, respectivamente, a uma mudança estética acentuada, de uma modernidade acertada pelo relógio dos grandes centros mundiais, e, por outro lado, após a independência, a uma intensa exaltação patriótica e natural apologia do novo poder. […] (p. 41) 7º Período, (1981-1993), de Renovação, que começa com a formação, em 1981, da Brigada Jovem de Literatura. Num primeiro momento, a Brigada, dependente sempre do apoio estatal, partiu em busca de certa autonomia decisória e estética, mas revelou-se herdeira do realismo social. O objectivo fundamental era preparar alguns jovens para o trabalho literário, tanto mais que, após a escolarização secundária, não tinham, no país, estudos superiores de literatura desenvolvidos. […] (p. 43) A partir de uma certa altura foi possível começar a publicação de obras consideradas incómodas para o poder político, como o romance Mayombe, de Pepetela, escrito ainda durante a guerrilha. Variadas tendências estéticas e ideológicas ganharam espaço e impuseram as suas obras. Fonte: Pires Laranjeira, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa (vol. 64), Lisboa, Universidade Aberta, 1995, pp.36-43 Ainda sobre a década de 60, correspondendo ao 5º período citado por Laranjeira, Francisco Soares aponta: “[…] três grupos distinguem os autores dosanos 1960: o primeiro é constituído por aqueles que escreviam no país colonial (Arnaldo Santos, FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português 31 Jorge Macedo, o trânsfuga futuro Cândido da Velha – e, na opinião de Venâncio, João Abel); o segundo é constituído por aqueles que compunham fora do país (e de que Manuel Rui, também ficcionista, constitui o principal exemplo, residindo em Portugal – sendo Lara Filho um meio-exemplo, porque escreveu em Portugal e em Angola); o terceiro é constituído por aqueles que viviam nas zonas de guerrilha e está praticamente só representado por Pepetela (outro escritor oriundo de Benguela, de seu nome completo Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos). No entanto, Pepetela (que se inicia na antologia Contos d’Africa da Imbondeiro) só publica nos anos 70, tal como João Abel, e os seus primeiros livros (os dos anos 60) foram escritos em Lisboa e Argel, deles apenas sobrevivendo Muana Puó e Mayombe (aquele escrito em Lisboa, este em Argel), pelo que a chamada literatura de guerrilha se pode dizer que, praticada por autores revelados nos anos 60, foi pouco significativa (dela vieram, sobretudo, As Aventuras de Ngunga).” Francisco Soares (in Notícia da literatura angolana, IN-CM, 2001, p. 209) Glossário Tarzanísticas: (ou tarzanização, conforme chama Woly Soyinka, Prêmio Nobel de literatura em 1986) forma de ver África através da figura de Tarzan, agregada a ideia de uma África de natureza exuberante, porém paupérrima, sem história, atrasada e etc. Fautor: elemento que excita ou favorece Saiba mais Para saber mais sobre a Casa dos Estudantes do Império (CEI): site http://www.dw.de/casa-dos-estudantes-do-imp%C3%A9rio-ber%C3%A7o-de- l%C3%ADderes-africanos-em-lisboa/a-16233230. Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa 32 Leitura complementar Artigo de Rita Chaves (USP), Pepetela: romance e utopia na história de Angola. Disponível em http://www.fflch.usp.br/dlcv/posgraduacao/ecl/pdf/via02/ via02_18.pdf Atividade de aprendizagem 1 – De acordo com a periodização delineada por Pires Laranjeira, identifique os principais momentos propulsores para a formação da literatura angola. 2 – Atente para o que o teórico diz sobre o 4º período e retomando sua pesquisa sobre negritude, feita na Unidade 1, comente a relação e a influencia deste movimento sobre as produções angolanas da época. 3 – No 5º período, o autor refere-se à temática do nacionalismo nos textos angolanos. Leia o poema “Consciencialização” abaixo e faça um breve comentário sobre ele, explicando como o tema o perpassa. Consciencialiazação Medo no ar! em cada esquina sentilenas vigilantes incendeiam olhares em cada casa se substituem apressadamente os fechos velhos das portas e em cada consciência fervilha o temor de se ouvir a si mesma A História está a ser contada de novo medo no ar! Acontece que eu homem humilde ainda mais humilde na pele negra me regresso áfrica para mim com os olhos secos. (Agostinho Neto, Sagrada esperança, 1974) FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português 33 Atividade complementar 1 - Retorne a Unidade 1, atente para as fases prescritas pelas pesquisadores Nazareth Fonseca e Teresinha Moreira, elabore um ou dois parágrafos críticos fazendo a ponte entre aquela unidade 1 e os conteúdos que Laranjeira apresenta a fim de ser incluído no Fórum de discussão. 2.3 Vozes poemáticas Na exposição de Laranjeira, vários nomes importantes fazem parte da historiografia literária angolana. São vozes que buscam, frente ao contexto sócio- histórico e político de Angola, revelar, sob o ponto de vista poético o sentimento por sua terra e sua gente, cuja fonte situa-se no livro Espontaneidades da minha alma, do poeta José da Silva Maria Ferreira, de 1849. Em um primeiro momento, a descrição da terra, sobretudo nas narrativas, dar-se através da tônica de exaltação da paisagem, sob o ponto de vista romântico, marcadamente moldados pela dicção portuguesa e européia. Como vimos, o despertar para os problemas e conflitos que o colonialismo, já no século XX, provocava no seio desta mesma terra e de seus sujeitos promove uma literatura que impõe deliberadamente uma visão de combate e de resistência. Assim a partir dos anos 50, autores importantíssimos estão conjuntamente envolvidos por um sentimento nacional e expõem a sua consciência de promover uma literatura capaz de intervir em prol da libertação do povo angolano. Por esta via, justifica- se que o poeta também será o militante e assim a poesia vai ser uma das armas de combate e de resistência. Como prenúncio de 1948 [surgimento da antologia de Sédar, Senghor Anthologie de La nouvelle poésie noire ET malgache de langue française, publicada na Europa], intelectuais e estudantes angolanos lançam a proposta e assumem veementemente o movimento Vamos descobrir angola, cujos objetivos eram romper com o “tradicionalismo cultural imposto pelo colonialismo; debruçar-se sobre Angola e sua cultura, suas gentes e seus problemas; atentar para as aspirações populares, fortalecendo as relações entre literatura e sociedade; Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa 34 conhecer profundamente o mundo angolano de que eles faziam parte, mas que não figurara nos conteúdos escolares aos quais tiveram acesso” (Fonsera, em [pdf]. Isto é confirmado por outro teórico, Carlos Ervedosa, quando diz: o vermelho revolucionário das papoilas dos trigais europeus encontraram- no, os poetas angolanos nas pétalas de fogo das acácias, e a cantada singeleza das violetas, na humildade dos ‘beijos-de-mulata’ que crescem pelos baldios ao acaso’ (Fonseca apud Everdosa, 1974, p. 107). Desta fase evidenciamos três poetas: i – Agostinho Neto; ii – António Jacinto e, iii – Viriato da Cruz. E da poesia contemporânea, leremos mais três: iv - João Melo, v - Rui Duarte de Carvalho, e vi – Paula Tavares. Vamos aos poemas. Agostinho Neto http://eportuguese.blogspot.com.br/2009/09/antonio-agostinho-neto.html I – Agostinho Neto (António Agostinho Neto. Nasceu em Angola, 1979; morreu em 1973. Militante político é preso por duas vezes pela PIDE. Sua prisão desencadeia protestos e grandes adesões e solidariedade de intelectuais como Jean-Paul Satre, André Mauriac, Simone de Beauvoir, Nicolás Guillén, dentre outros artistas e intelectuais do mundo inteiro. Em dezembro de 1957, é eleito presidente do MPLA e depois foi primeiro presidente eleito da República Popular de Angola. Tem colaboração dispersas em jornais angolanos e portugueses. Participou de várias antologias. Obras mais difundida: Sagrada Esperança (1974); Poemas FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português 35 (1961); Com occhi asciutti (1963). Foi primeiro presidente da União dos Escritores de Angola. Criar Criar criar criar no espírito criar no músculo criar no nervo criar no homem criar na massa criar criar com os olhos secos Criar criar sobre a profanação da floresta sobre a fortaleza impudica do chicote criar sobre o perfume dos troncos serrados criar criar com os olhos secos Criar criar gargalhadas sobre o escárnio da palmatória coragem nas pontas das botas do roceiro força no esfrangalhado das portas violentadas firmeza no vermelho-sangue da insegurança criar criar com os olhos secos Criar criar estrelas sobre o camartelo guerreiro paz sobre o choro das crianças paz sobre o suor sobre a lágrima do contrato paz sobre o ódio criar criar paz com os olhos secos. Criar criar criar liberdade nas estradas escravas algemas de amor nos caminhos paganizados do amor sons festivos sobre o balanceio dos corpos em forcas [simuladas criar criar amor com os olhos secos. (Sagrada Esperanças, 1974; 50 poetas africanos, p. 30-31) Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa 36 Adeus à hora da largada Minha Mãe (todas as mães negras cujos filhos partiram) tu meensinaste a esperar como esperaste nas horas difíceis Mas a vida matou em mim essa mística esperança Eu já não espero sou aquele por quem se espera Sou eu minha Mãe a esperança somos nós os teus filhos partidos para uma fé que alimenta a vida Hoje somos as crianças nuas das sanzalas [do mato os garotos sem escola a jogar a bola de trapos nos areais ao meio-dia somos nós mesmos os contratados a queimar vidas nos cafezais os homens negros ignorantes que devem respeitar o homem branco e temer o rico somos os teus filhos dos bairros de pretos além aonde não chega a luz elétrica os homens bêbedos a cair abandonados ao ritmo dum batuque de morte teus filhos com fome com sede com vergonha de te chamarmos Mãe com medo de atravessar as ruas com medo dos homens nós mesmos Amanhã entoaremos hinos à liberdade quando comemorarmos FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português 37 a data da abolição desta escravatura Nós vamos em busca de luz os teus filhos Mãe (todas as mães negras cujos filhos partiram) Vão em busca de vida. (Sagrada esperança, 1974; No reino de Caliban II, 1976, p. 102-103) II – Antònio Jacinto (Antònio Jacinto do Amaral Martins). Luanda, 1924. Morreu em Lisboa, 2001. António Jacinto teve um percurso de vida essencialmente marcado pelo envolvimento político contra a colonização e o regime fascista que perdurava em Portugal. Em consequência disso foi preso a primeira vez em 1959 e novamente em 1961, sendo desta vez condenado a 14 anos de cadeia (o julgamento aconteceu apenas em 1963) pena que iria cumprir no tristemente célebre campo do Tarrafal, na ilha de Santiago, em Cabo Verde. Em 1972 foi libertado, mas com residência fixa em Lisboa. No ano seguinte fugiu para Argel, indo depois integrar a guerrilha do MPLA. Foi um destacado dirigente daquele movimento de libertação e após a independência de Angola foi Ministro da Cultura, de 1975 a 1978. Fonte:http://resistente.3e.com.pt/joomla/index.php?option=com_content&view=article&i d=39:antonio-jacinto-poeta-angolano&catid=2:trabalhos-publicados) Monangamba Naquela roça grande não tem chuva é o suor do meu rosto que rega as plantações: Naquela roca grande tem café maduro e aquele vermelho-cereja são gotas do meu sangue feitas seiva. O café vai ser torrado pisado, torturado, vai ficar negro, negro da cor do contratado. Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa 38 Negro da cor do contratado! Perguntem às aves que cantam, aos regatos de alegre serpentear e ao vento forte do sertão: Quem se levanta cedo? quem vai à tonga? Quem traz pela estrada longa a tipóia ou o cacho de dendém? Quem capina e em paga recebe desdém fuba podre, peixe podre, panos ruins, cinquenta angolares “porrada se refilares”? Quem? Quem faz o milho crescer e os laranjais florescer - Quem? Quem dá dinheiro para o patrão comprar maquinas, carros, senhoras e cabeças de pretos para os motores? Quem faz o branco prosperar, ter barriga grande - ter dinheiro? - Quem? E as aves que cantam, os regatos de alegre serpentear e o vento forte do sertão responderão: ̶ “Monangambééé...” Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras Deixem-me beber maruvo, maruvo e esquecer diluído nas minhas bebedeiras ̶ “Monangambééé...” (Poemas, 1961, No reino de Caliban II, 1976, p. 135-136) FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português 39 Poema da alienação Não é este ainda o meu poema o poema da minha alma e do meu sangue não Eu ainda não sei nem posso escrever o meu poema o grande poema que sinto já circular em mim O meu poema anda por aí vadio no mato ou na cidade na voz do vento no marulhar do mar no Gesto e no Ser O meu poema anda por aí fora envolto em panos garridos vendendo-se vendendo “ma limonje ma limonjééé” O meu poema corre nas ruas com um quibalo podre à cabeça oferecendo-se oferecendo “carapau sardinha matona ji ferrera ji ferrerééé...” O meu poema calcorreia ruas “olha a probíncia” “diááário” e nenhum jornal traz ainda o meu poema O meu poema entra nos cafés “amanhã anda a roda amanhã anda a roda” e a roda do meu poema gira que gira volta que volta nunca muda Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa 40 “amanhã anda a roda amanhã anda a roda” O meu poema vem do Musseque ao sábado traz a roupa à segunda leva a roupa ao sábado entrega a roupa e entrega-se à segunda entrega-se e leva a roupa O meu poema está na aflição da filha da lavadeira esquiva no quarto fechado do patrão nuinho a passear a fazer apetite a querer violar O meu poema é quitata no Musseque à porta caída duma cubata “remexe remexe paga dinheiro vem dormir comigo” O meu poema joga a bola despreocupado no grupo onde todo o mundo é criado e grita “obeçaite golo golo” O meu poema é contratado anda nos cafezais a trabalhar o contrato é um fardo que custa a carregar “monangambééé” O meu poema anda descalço na rua O meu poema carrega sacos no porto enche porões FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português 41 esvazia porões e arranja força cantando “tué tué tué trr arrimbuim puim puim” O meu poema vai nas corda encontrou sipaio tinha imposto, o patrão esqueceu assinar o cartão vai na estrada cabelo cortado “cabeça rapada galinha assada ó Zé” picareta que pesa chicote que canta O meu poema anda na praça trabalha na cozinha vai à oficina enche a taberna e a cadeia é pobre roto e sujo vive na noite da ignorância o meu poema nada sabe de si nem sabe pedi O meu poema foi feito para se dar para se entregar sem nada exigir Mas o meu poema não é fatalista o meu poema é um poema que já quer e já sabe o meu poema sou eu-branco montado em mim-preto a cavalgar pela vida. (Poemas, 1961; No reino de Caliban II, 1976, p. 136-137) Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa 42 Glossário Monangamba: carregador, contratado, serviçal, indivíduo muito pobre e mal vestido. Matona: peixe miúdo Ferrera: peixe de Angola Ji ferrera ji ferrerééé: pregão para anunciar a venda do peixe com o mesmo nome. III – Viriato da Cruz (Viriato Clemente da Cruz. Porto Amboim, Angola, 1928 – Pequim, 1973 – um dos fundadores do Movimento dos Novos Intelectuais de Angola (1948) e da revista Mensagem (Luanda) Co- fundador do MPLA, além de seu secretário geral. Dissidente do MPLA, exila-se na China. Sua obra: Poemas, 1961) da Casa dos Estudantes do Império) (Fonte: FERREIRA, 50 poetas africanos, Makèsú ̶ “Kuakié!... Makèzú... Makèzú...” O pregão da avó Ximinha É mesmo como os seus panos Já não tem a cor berrante Que tinha nos outros anos. Avó Xima está velhinha Mas de manhã, manhãzinha, Pede licença ao reumático E num passo nada prático Rasga estradinhas na areia... Lá vai para um cajueiro Que se levanta altaneiro No cruzeiro dos caminhos Das gentes que vão p´ra Baixa. Nem criados, nem pedreiros Nem alegres lavadeiras Dessa nova geração Das “venidas de alcatrão” Ouvem o fraco pregão Da velhinha quitandeira. FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português 43 Sô Santo Lá vai o sô Santo... Bengala na mão Grande corrente de ouro, que sai da lapela Ao bolso... que não tem um tostão. Quando sô Santo passa Gente e mais gente vem à janela: - “Bom dia, padrinho...” - “Olá!...” - “Beçá cumpadre...” - “Como está?...” - “Bom-om di-ia sô Saaanto!...” - “Olá, Povo!...” Mas por que é saudado em coro? Porque tem muitos afilhados? Porque tem corrente de ouro A enfeitar sua pobreza?... Não me responde, avó Naxa? - “Sô Santo teve riqueza... Dono de musseques e mais musseques... Padrinho de moleques e mais moleques... Macho de amantes e mais amantes, Beça-nganas bonitas Que cantam pelas rebitas: “Muari-ngana Santo dim-dom ualó banda ó calaçala dim-dom chaluto mu muzumbo dim-dom...” Sô Santo... “Kuakié!... Makèzú, Makèzú...” “Antão, véia, hoje nada?” “Nada, mano Filisberto... Hoje os tempo tá mudado...” “Mas tá passá gente perto... Como é aqui tá fazendo isso?”“Não sabe?! Todo esse povo Pegô num costume novo Qui diz qué civrização: Come só pão com chouriço Ou toma café com pão... E diz ainda pru cima (Hum... mbundu Kene muxima...) Qui o nosso bom makèzú É pra véios como tu.” “Eles não sabe o que diz... Pru qué Qui vivi filiz E tem cem ano eu e tu?” “É pruquê nossas raiz Tem força do makèzú!...” (Poemas, 1961; No reino de Caliban II Antologia panorâmica de poesia africana de expressão português, 1974, p. 164-165.) Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa 44 Banquetes p´ra gentes desconhecidas Noivado da filha durando semanas Kitoto e batuque pró povo cá fora Champanha, ngaieta tocando lá dentro... Garganta cansado: “coma e arrebenta e o que sobra vai no mar...” Hum-hum Mas deixa... Quando Sô Santo morrer, Vamos chamar um Kimbanda Para ngombo nos dizer Se a sua grande desgraça Glossário Kuakié:amanheceu! Makèzu: composto de cola e gengibre. Desjejum tradicional de composto de noz de cola, também conhecido como obi, fruto das plantas pertencentes ao gênero Cole da subfamília Sterculioideae e gengibre, que é mastigado. Baixa: centro da cidade. No tempo colonial, habitado pelos brancos. Mbundu kene muxima: O quimbundo (as pessoas) não têm coração. Musseques: bairro de lata periférico da Luanda, geralmente de terrenos arenosos (Um – onde; seke, areia) Beça-nganas: raparigas Muari-ngana: senhor, patrão, chefe Ualó banda ó calaçala: ei-lo subindo a calçada Kitoto: cerveja de milho Chaluto mu muzumbo: de charuto ou cigarro nos lábios Kimbanda: (quimbanda), curandeiro Ngombo: deus da verdade Foi desamparo de Sandu Ou se é já própria da Raça...” Lá vai... descendo a calçada A mesma calçada que outrora subias Cigarro apagado Bengala na mão... ... Se ele é o símbolo da Raça ou a vingança de Sandu... (Poemas, 1961; No reino de Caliban II Antologia panorâmica de poesia africanas de expressão portuguesa, 1974, p. 166-167) FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português 45 Atividades de aprendizagem 1 – Leia atentamente os poemas, vá ao glossário, e procure entender a temática, a alusão ao contexto social angolano e os sentidos do uso de expressões orais à luz dos conteúdos estudados anteriormente. 2 – Releia o poema “Sô Santo”. De que se trata? O que Sô Santo representa? Que são os outros sujeitos que de interlocução com Sô Santo? Para além do diálogo que se estabelece entre os personagens, o que o poema faz alusão a quê? Atentando para as duas últimas estrofes, como o eu poético enuncia a presença de Sô Santo? E o que se pode concluir do poema? 2.3.1 Novas vozes poéticas Atualmente, a literatura angolana constitui-se dessas variadas tendências estéticas e ideológicas. Poetas como José Luis Mendonça, Ruy Duarte de Carvalho, João Maimona, Ana Paula Tavares e tantos outros utilizam uma escrita literária que revigoram o passado à luz da memória. Realizando-se em contexto de rasuras e “esfacelamentos do projeto social coletivo, a nova ótica lírica precisa encontrar nas águas do passado os elementos essenciais para exorcizar a dor a morte e a dor (Fonseca apud Carvalho, 2003, p. 45). Como exemplo trazemos dois destes poetas da nova voz angolana: Paula Tavares e Ruy Duarte de Carvalho. Ana Paula Ribeiro Tavares http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/capas/obras-literarias/ana-paula-ribeiro-tavares.php Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa 46 I) Ana Paula Ribeiro Tavares: (Lubango, província da Huíla,1952) Passou parte da sua infância naquela província, onde fez os seus estudos primários e secundários. Iniciou o seu curso de História da Faculdade de Letras do Lubango (hoje ISCED-Lubango), terminando-o em Lisboa. Em 1996 concluiu o Mestrado em Literaturas Africanas. Atualmente vive em Lisboa, onde lecciona na Universidade Católica de Lisboa, encontrando-se a fazer o seu doutoramento. Em 2011 reuniu seus seis livros de poemas em Amargos como frutos, lançado no Brasil pela Editora Pallas. Além deles tem dois livros de crônica: O sangue da buganvília (1998) e A cabeça de Salomé (2004) e um romance Os olhos do homem que chorava no rio (2005). Fonte: http://www.ueangola.com/bio-quem/item/68-ana-paula-tavares. Rapariga Cresce comigo o boi com que me vão trocar Amarraram-me às costas, a tábua Eylekessa Filha de Tembo organizo o milho Trago nas pernas as pulseira pesadas Dos dias que passaram... Sou do clã do boi — Dos meus ancestrais ficou-me a paciência O sono profundo do deserto, a falta de limite... Da mistura do boi e da árvore a efervescência o desejo a intranqüilidade a proximidade do mar FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português 47 Filha de Huco Com a sua primeira esposa Uma vaca sagrada, concedeu-me o favor das suas tetas úberes. (TAVARES, Paula. Amargos como frutos Poesia reunida, p. 49) *** As coisas delicadas tratam-se com cuidado filosofia cabinda Desossaste-me cuidadosamente inscrevendo-me no teu universo como uma ferida uma prótese perfeita maldita necessária conduziste todas as minhas veias para que desaguassem nas tuas sem remédio meio pulmão respira em ti o outro, que me lembre mal existe Hoje levantei-me cedo pintei de tacula e água fria o corpo aceso não bato a manteiga não ponho o cinto VOU para o sul saltar o cercado. (TAVARES, Paula. Amargos como frutos, Poesia reunida, p. 55) Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa 48 Rui Duarte de Carvalho http://texto-al.blogspot.com.br/2010/08/na-morte-de-ruy-duarte-de-carvalho.html II) Rui Duarte de Carvalho – nasceu em Santarém, Portugal, em 1941, passa a infância e adolescência em Angola, acompanhando o pai, caçador de elefantes, pelo deserto do Namíbe. Morre na Namíbia (2010). Estudou cinema em Londres e antropologia em Paris. É doutor em Antropologia, pela École des Hautes Études em Sciences Sociales, em Paris. Lecionou na Universidade de Luanda e foi professor convidado na Universidade de Coimbra e da Universidade de São Paulo (USP). Referência como escritor da língua portuguesa, de seus estudos antropológicos, surge um de seus romances “Vou visitar pastores” (1999), sobre os Kuvale, sociedade pastoril do sudoeste de Angola. Na poesia escreveu “Chão de oferta” (1972), “A decisão da idade” (1976), Como se o mundo não tivesse leste (1977), Exercícios de crueldade (1978),Hábito da terra (1988), “Lavra poesia reunida 1970 -2000” (2005). Fonte consultada: http://www.lusofoniapoetica.com/artigos/angola/rui-duarte-carvalho/ biografia-ruy -duarte-carvalho.html FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português 49 Venho de um sul Vim ao leste dimensionar a noite em gestos largos que inventei no sul pastoreando mulolas e anharas claras como coxas recordadas em Maio. Venho de um sul medido claramente em transparência de água fresca de amanhã. De um tempo circular liberto de estações. De uma nação de corpos transumantes confundidos na cor da crosta acúlea de um negro chão elaborado em brasa. (CARVALHO, Ruy D. A Decisão da Idade, União dos Escritores Angolanos, 1976) O Sul O sol o sul o sal as mãos de alguém ao sol o sal do sulao sol o sol em mãos do sul e mãos de sal ao sol O sal do sul em mãos de sol e mãos de sul ao sol um sol de sal ao sul o sol ao sul o sal ao sol o sal o sol e mãos de sul sem sol nem sal Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa 50 Para quando enfim amor no sul ao sol uma mão cheia de sal? Poema “O Sul”. In: Ruy Duarte de Carvalho. A Decisão da Idade. Luanda, União dos escritores Angolanos, 1976, p.5. Atividade de aprendizagem 1 – Ana Paula Tavares e Ruy Duarte de Carvalho, dois representativos escritores e poetas da literatura angolana na contemporaneidade. Em seus poemas, o contexto histórico-social parecem ser elementos importantes para os efeitos e jogos de sentidos, trazendo para o centro dos poemas vozes que por vezes estavam marginalizadas na sociedade. Diante destas considerações, escolha um dos poemas de cada autor acima e identifique os recursos e elementos poéticos de que eles se valem produzir efeitos de sentidos. 2 – “Rapariga”, na língua portuguesa (de Portugal e dos países africanos), significa moça, jovem. Pesquise uma pouco sobre os termos: “tábua Eylekessa”, “Tembo”, “Filha de Huco” e mais sobre a importância e sentido do boi na cultura tradicional angola e interprete o poema “Rapariga” de Paula Tavares. 2.4 Vozes da prosa: a narrativa angola Na narrativa angola, podemos destacar, ainda na metade do século XIX, a noveleta Nga Mutúri, de Alfredo Troni (1845-1904). Esse jornalista nasceu em Coimbra e chegou a Luanda, onde faleceu em 1873. Sua novela, centrado na mestiça cidade de Luanda, apresenta o quadro da sociedade luandense, com linguagem depurada, estilo irônico e certa malícia, porém, “no toque de relevo da crítica de costumes sobressai a alienação trazida FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português 51 pela assimilação cultural e a transparência da coisificação do homem negro na estrutura instável colonizado/colonizador” (FERREIRA, 1977, p. 17). No entanto, são os escritores Antônio de Assis Júnior, Castro Soromenho e Oscar Ribas, aqueles considerados precursores da moderna literatura angola. Segundo Fonseca e Moreira [em pdf], o romance O segredo da morta (1935) de Antônio de Assis Júnior (Luanda, 1887 – Lisboa, 1960) é apontado pelo crítico angolano Luiz Kandjimbo (1997) como o marco inicial da literatura angolana. Este romance apresenta elementos significativos do momento em que o “desenvolvimento socioeconômico provoca fortes mudanças culturais, mexendo no cotidiano daquelas populações fixadas em torno de Luanda e das localidades próximas, situadas nas atuais províncias de Icolo e Bengo, Malange e Kuanza Norte”(Fonseca Apud Chaves, 1999, p.65). Castro Soromenho (Chinde, Zambézia, Moçambique, 1919 – São Paulo, Brasil, 1968) que retoma a temática de O segredo da morta é considerado por Pires Laranjeira (1995) o primeiro romancista africano neo- realista. Soromenho escreve a trilogia Terra morta (1949) Viragem (1957) e A chaga (1970) que traduz os problemas advindos da relação entre a administração colonial e os africanos, “resultando em dramas da violência ou prepotência, da assimilação e hierarquização das relações sociais, muito marcadas pela ascendência étnica e posicionamento das personagens no quadro colônia”. (Idem, Ibidem) Oscar Ribas (Luanda, 1909 – Lisboa, 2004), ficcionista e poeta tematiza as tradições orais angolanas e a sociedade crioula. Dele destacamos o romance Uanga (Feitiço), (1950 ou 1951), em que as “contradições vividas pelo escritor como intelectual e pesquisador mostram-se de forma bastante evidente tanto na fabulação romanesca quanto no modo como o autor interfere na trama, permitindo ao leitor perceber a presença do pesquisador nas informações de cunho etnográfico que costuram a história” (FONSECA; MOREIRA, Idem). Mas o que mais se evidencia na literatura angolana é uma preocupação de escrever a nação. Daí a pesquisadora Inocência Mata Visão Panorâmica das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa 52 (2001, p. 63) dizê-la uma “literatura de nação” que “assume a coletividade da voz” e assim visibiliza a terra, a paisagem (agora sobre outros aspectos), as tensões, as relações, a memória que resgata o esquecido e que recria a história sob outra ótica. Por este raciocínio, trazemos novamente a pesquisa das professoras Fonseca e Moreira para termos mais informações sobre escritores importantíssimos da atual ficção angola: 2.4.1 Texto 2 (excerto) Tal intenção [delinear os contornos da terra angolana] está presente mesmo na ficção de tendência etnográfica de Oscar Ribas, mas irá tomar uma feição significativa em escritores como José Luandino Vieira, defensor de um projeto literário marcado não apenas pelo engajamento e pela utopia, mas por um expressivo trabalho com a linguagem, visível em seus livros Luuanda (1974), Nós, os do Makulusu (1975) e João Véncio: os seus amores (1979). Sobre essa proposta literária, evidente também em vários outros romances do escritor, diz Vima Martin (2006, p. 216): “Seja através do exercício da escritura do conto e do romance, a opção de Luandino Vieira foi por ficcionalizar os desafios vividos pelos marginalizados que habitam a periferia de Luanda e atestar o seu potencial de resistência”. A obra mais recente do escritor, O livro dos rios (VIEIRA, 2006), segue outros percursos. Afasta-se dos musseques e da cidade de Luanda, temas presentes na maioria dos seus livros anteriores, sem abandonar um modo de contar característico da discursividade oral. Ao contrário, propõe uma contação recortada por rememorações sobre rios – “Isto é, conheço rios. De uns dou relação, de outros, memória” (p. 17) –, mas não se furta às lembranças que as águas largas, lentas, dormidas permitem evocar. Acreditando ser a literatura um dos elementos formadores da identidade de um país, Pepetela, nome artístico de Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, nascido em Benguela, em 1941, é um dos maiores escritores angolanos, ligado a uma vertente ficcional que assume, por FUESPI/NEAD Licenciatura Plena em Letras Português 53 vezes deliberadamente, a função social da literatura. Seus vários romances registram a intenção de permanecer junto daqueles que ficaram do lado de fora na distribuição do “mel”, metáfora com que o autor, implícito no romance Jayme Bunda, agente secreto (PEPETELA, 2001, p. 85), alude à perversa divisão de renda e de direitos que o panorama do pós- independência angolano acentua. O escritor publicou três romances no período anterior à independência: As aventuras de Ngunga (1977), Muana Puó (1978) e Mayombe (1980). Os demais livros foram publicados após a independência, e neles pode ser identificada uma revisão melancólica da utopia revolucionária, como em A geração da utopia (1992), mas também se acentua a visão irônica sobre os desmandos da classe que assumiu os destinos da nova nação. O romance A gloriosa família (1997) faz uma incursão pela história de Angola e retoma dados importantes relativos aos interesses de diferentes poderes, expondo as armações necessárias à sustentação dos negócios gerenciados por aventureiros de várias nacionalidades durante o longo e lucrativo período do comércio de escravos. Manuel Rui, poeta e ficcionista, teve vários livros publicados antes da independência. Seu livro de maior alcance entre os leitores angolanos e estrangeiros é, sem dúvida, Quem me dera ser onda, cuja primeira edição, em 1991, foi seguida de outras edições em língua portuguesa e em vários outros idiomas. Como afirma Luiz Kandjimbo (1997), a ficção de Manuel Reis é marcada por um realismo social que assegura ao escritor o manejo de instrumentos capazes de tornar risíveis as situações enfocadas. O riso e a ironia são as armas com que esse escritor angolano disseca o cotidiano das gentes simples ou critica o modo de vida dos mais abastados. Em Quem me dera ser onda, um porco simboliza situações típicas de uma Angola que tem de conviver com a construção
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