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RESPONSABILIDADE SOCIAL UNIASSELVI-PÓS Autoria: Marcone Costa Cerqueira Indaial – 2019 1ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jóice Gadotti Consatti Norberto Siegel Camila Roczanski Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2019 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. C416r Cerqueira, Marcone Costa Responsabilidade social. / Marcone Costa Cerqueira. – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 147 p.; il. ISBN 978-85-7141-356-6 ISBN Digital 978-85-7141-357-3 1. Responsabilidade social. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 302 Impresso por: Sumário APRESENTAÇÃO ..........................................................................05 CAPÍTULO 1 Responsabilidade Social e Sociedade ......................................07 CAPÍTULO 2 A Responsabilidade Social e o Mercado ..................................53 CAPÍTULO 3 Responsabilidade Social Empresarial e Seus Desafios ......101 APRESENTAÇÃO Prezado aluno, bem-vindo à Responsabilidade Social. Nesta disciplina desenvolveremos um estudo aprofundado acerca do tema da Responsabilidade Social. Dentro de um contexto social complexo e variado, na qual se tornou a sociedade moderna, é importante discutir os aspectos que constituem as relações entre indivíduos, empresas e instituições sociais. O tema da Responsabilidade Social deve ser entendido como uma discussão que abarca tanto os indivíduos, em suas ações sociais, quanto as empresas, em suas atividades econômicas e as instituições sociais em seus papéis políticos. Para compreender este complexo cenário, é necessário lançar um olhar analítico e crítico sobre os seus principais componentes, entender como se formam as estruturas sociais, as ligações entre os indivíduos e as principais relações produtivas. Além desta compreensão alargada, é preciso ainda entender como se desenvolveu o tema da Responsabilidade Social, seu papel na organização social, suas funções dentro do quadro produtivo das empresas e sua importância para o crescimento social como um todo. Diante desta constatação, nosso itinerário de estudo terá como princípio o importante estudo das formações sociais, a construção das relações políticas a partir das instituições e dos processos de interação entre os indivíduos. No primeiro capítulo abordaremos a questão da Responsabilidade Social frente à sociedade, analisando os principais pontos que constituem o viver social, seus aspectos culturais, políticos e seus principais desafios. Mais adiante, no segundo capítulo, nos voltaremos para a compreensão do cenário econômico, suas interações com as instituições sociais, seus processos produtivos e suas principais contribuições para a compreensão do tema da Responsabilidade Social. Neste capítulo buscaremos analisar de forma crítica a importância da Responsabilidade Social frente ao desenvolvimento humano e social através dos processos produtivos e das relações de mercado. No terceiro capítulo, tendo já discutido o tema da Responsabilidade Social dentro das esferas social e econômica, nos debruçaremos sobre o cenário empresarial, tendo o cuidado de ampliar nossa discussão para os prementes desafios que se colocam neste intricado contexto. Ao fim deste estudo, acreditamos que você estará apto a desenvolver sua própria visão crítica sobre o tema da Responsabilidade Social, aplicando de forma independente em sua prática profissional o conhecimento aqui adquirido. Bons estudos! CAPÍTULO 1 RESPONSABILIDADE SOCIAL E SOCIEDADE A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Conhecer os princípios sociais, políticos, éticos e estruturais que compõem a sociedade, compreendendo a importância da Responsabilidade Social neste contexto. Analisar de maneira crítica e independente as relações teóricas e práticas da interação social entre os diversos agentes sociais, identifi cando e distinguindo o surgimento da Responsabilidade Social e seu campo de inserção. 8 Responsabilidade social 9 RESPONSABILIDADE SOCIAL E SOCIEDADE Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Mesmo sendo uma difícil tarefa conceituar a sociedade humana, podemos argumentar que ela surgiu como agrupamento dos indivíduos humanos vivendo em um meio social, agrupamento este que se formou em vista da melhor chance de sobrevivência e perpetuação do indivíduo e sua linhagem. No entanto, a sociedade pode parecer algo puramente natural e instintivo, porém sua complexidade é muito maior. Para superarmos esta compreensão do caráter instintivo, que parece permear os motivos por trás da formação da sociedade, temos a imaginação humana. A razão humana em sua capacidade, aparentemente ilimitada, molda os contornos gerais da confi guração da realidade social. O homem é um ser que precisa muito mais do que alimentos e procriação para se realizar, sua natureza racional o direciona a uma complexidade existencial que deve ser suprida na sociedade. Por este viés, a sociedade se torna uma rede viva de relações que vão moldando os indivíduos e os direcionando a uma convivência demarcada por relações de aproximação. Desta forma, nosso estudo neste capítulo estará pautado pela busca de uma compreensão mais ampliada dos meandros constitutivos das relações sociais, suas construções institucionais, os parâmetros de interação entre os indivíduos e os processos políticos. A partir daí, poderemos compreender as bases de construção da ideia de Responsabilidade Social e sua inserção no cenário social. 2 A SOCIEDADE E SUAS INSTITUIÇÕES Compreender como se constitui o processo de formação social é uma tarefa que demanda um amplo estudo de todas as bases constitutivas das próprias relações humanas. Os indivíduos humanos estão propensos a buscar as melhores formas de organização em vista de garantir a sua segurança e sobrevivência. No entanto, mais que um simples animal gregário, o ser humano consegue empreender relações mais profundas, seja no âmbito familiar ou grupal. “Pode- se dizer que existe relação social quando indivíduos ou grupos têm expectativas recíprocas em relação ao comportamento uns dos outros, de modo que tendem a agir de maneiras relativamente padronizadas” (CHINOY, 1973, p. 54). Podemos aceitar o fato de que a sociedade se forma pela necessidade de subsistência e sobrevivência, mas que vai se sofi sticando a partir do momento em que o homem se vê como participante de uma realidade que envolve outros indivíduos, surgindo uma identidade social, algo que impele o indivíduo a se 10 Responsabilidade social identifi car com o grupo que partilha dessa mesma realidade social. Este processo segue um ritmo gradual, bem como sofre saltos constantes, e o que determina sua velocidade são os fatores que impulsionam a capacidade de satisfazer as necessidades naturais de subsistência, o que não exclui as necessidades sociais de aproximação. Em sentido amplo, a capacidade da sociedade em estabelecer as relações de aproximação dos indivíduos está estritamente dependente da capacidade de prover as condições de subsistência destes indivíduos. A capacidade de estabelecer as relações de aproximação é também dependente de diversos processos de fortalecimento dos laços intrínsecos ao próprio viver social. Não há dúvidas de que as relações que se estabelecem por via da satisfação das necessidades básicasde segurança e sobrevivência, vão incrementando-se a partir dos laços criados em torno de outros interesses mais sofi sticados. A construção desses laços é um processo que demanda um profundo grau de interação, o que não exclui as possibilidades de confl itos e desavenças. Os confl itos dentro da sociedade são naturais exatamente pela determinante da disputa direta dos meios de subsistência, seja terra, água, maquinário, ou qualquer outra coisa que infl uencie na disposição das aproximações sociais dos indivíduos, podendo criar sociedades menores dentro de uma sociedade maior. Neste curso que você está iniciando, a UNIASSELVI disponibiliza na sua plataforma virtual de aprendizagem um conjunto de materiais que o auxiliará em seus estudos. Acesse, com seu login e senha, o site da instituição: <www.uniasselvipos.com.br>. Ao se estabelecerem os parâmetros de construção social, vê-se surgir os principais traços que dão identifi cação ao grupo em sociedade, os indivíduos primeiro partilham de uma visão de mundo que os unifi ca em diversos níveis. Desta forma, partindo da clara necessidade de segurança e subsistência, a sedimentação das relações sociais, mais amplas e sofi sticadas, ocorre em um nível mais simbólico. Podemos entender, a partir dessa perspectiva, que as sociedades surgem pelas necessidades concretas dos indivíduos, mas são estruturadas, unifi cadas e ordenadas, por via das relações que se fortalecem por meios das construções simbólicas. Buscando aprofundar mais essa perspectiva, podemos pensar em traços que se constituem como recorrentes em quase todas as sociedades, traços culturais 11 RESPONSABILIDADE SOCIAL E SOCIEDADE Capítulo 1 que se colocam como norteadores das relações entre os indivíduos. Todas as sociedades constroem fundamentos culturais que primeiro se estabelecem como costumes aceitos e seguidos por todos os indivíduos pertencentes àquele grupo social. De acordo com Beattie (1980), cultura é toda produção material, simbólica, artística e espiritual que carrega em si mesma um sentido em um contexto social para todos os indivíduos que a reconhecem como válida e a valorizam. Neste sentido, podemos compreender que os primeiros traços sociais, aqueles que dão identifi cação e coesão ao grupo, são traços simbolicamente reconhecidos dentro do contexto cultural criado na sociedade. Por este viés, pode-se perceber que a simples necessidade material de sobrevivência e segurança não é capaz de dar toda a identidade e signifi cação social necessária para a sedimentação do grupo de indivíduos em sociedade. Pode-se indagar o fato de que dentro de uma sociedade há visões discrepantes sobre inúmeras formas de compreensão do mundo, na maioria das vezes, criando situações de rupturas sociais. Certamente que este fator nos alerta para o fato de que a sociedade humana, seja em qual cultura for, não é um sistema fechado em si mesmo. É próprio dos conjuntos sociais humanos o embate sobre as signifi cações sociais atribuídas aos símbolos culturais. Isso não signifi ca que as sociedades estejam em colapso, ao contrário, o embate apenas demonstra que tanto o contexto social, quanto o cultural são dinâmicos e possuem o mesmo peso na organização dos indivíduos. “A única distinção aceitável é a de que o termo ‘social’ denota a consideração do conjunto dos seres humanos em interação e suas relações, enquanto o ‘cultural’ signifi ca a consideração dos signifi cados, valores e normas, com seus veículos materiais (ou cultura material)” (SOROKIN, 1968, p. 100). Em uma sociedade mais complexa, estratifi cada em diversos níveis sociais, pode-se perceber o grau de sofi sticação dos signifi cados culturais das principais representações construídas em vista da organização social. Quando nos remetemos às sociedades antigas, tais como a egípcia, a grega e a romana, por exemplo, podemos perceber o complexo edifício simbólico de representações sociais, valores e traços culturais. De acordo com Beattie (1980), cultura é toda produção material, simbólica, artística e espiritual que carrega em si mesma um sentido em um contexto social para todos os indivíduos que a reconhecem como válida e a valorizam. 12 Responsabilidade social 1 Uma excelente forma de compreender a organização simbólica de uma sociedade, principalmente em seus aspectos culturais, é analisar sua forma de organizar a compreensão do mundo. Neste sentido, faça uma breve pesquisa bibliográfi ca e virtual, buscando traçar um paralelo entre pelo menos um mito de cada uma das duas principais sociedades antigas da história, por exemplo, os gregos e os romanos. Busque compreender como eles explicavam coisas cotidianas, como as mudanças das estações do ano e a vida após a morte. Isso te ajudará a perceber como as representações culturais são importantes para a organização social. R.:____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ _____________________________________________________. Encontra-se nestas sociedades uma estratifi cação social extremamente pautada na organização dos indivíduos, na defi nição de suas funções sociais e na delimitação das interações possíveis entre os indivíduos de níveis distintos. Diferentemente de uma sociedade mais simples e primitiva, como a dos indígenas, por exemplo, em que a estratifi cação social é mínima e as funções sociais e as interações possíveis são mais generalizadas e menos lastreadas por delimitações. Vejamos a defi nição de estratifi cação social segundo Johnson (1997, p. 95): “Estratifi cação é o processo social através do qual vantagens e recursos, tais como riqueza, poder e prestígio são distribuídos sistemática e desigualmente nas ou entre sociedades. A estratifi cação difere da simples desigualdade porque é sistemática”. Por esta defi nição, podemos entender que a estratifi cação social é a divisão da sociedade em classes ou grupos, na qual determinada classe impõe sua posição de domínio sobre as demais, sendo um sistema tradicional, geralmente apoiado em costumes e legitimações religiosas e culturais. 13 RESPONSABILIDADE SOCIAL E SOCIEDADE Capítulo 1 Não se pode incorrer ao erro de pensar que uma sociedade menos estratifi cada, como a dos indígenas, seja pior ou menos desenvolvida do que as sociedades clássicas, como as citadas, ou as modernas sociedades. O que importa é compreender que os indivíduos envolvidos em sociedade estabelecem meios de signifi cação simbólica e concreta para organizar seu convívio social e suas interações. Outro ponto que deve nos chamar a atenção no estudo da sociedade é a questão dos meios de coerção social. Até o momento foi possível estabelecer que as sociedades humanas surgem primeiro por conta da necessidade natural de segurança e sobrevivência dos indivíduos. Uma segunda fase é a sofi sticação deste estabelecimento social por meio de simbolismos culturais que dão ordem e sentido ao corpo social. No entanto, como já começamos a indicar, este arranjo não está imune ao confl ito e a desajustes, embates que podem ocorrer por diversifi cados motivos. Diante disso, é preciso pensar sobre os dispositivos que são criados, dentro do corpo social, para prevenção e anulação dos riscos iminentes destes confl itos, bem como a punição daqueles que não acatam as regras e os valores aceitos pelo grupo. Dentro destes dispositivos sociais, podemos destacar dois que parecem ter um efeito mais profundo na organização das relações entre os indivíduos e na garantia de adesão aos valores, aos costumes e às diretrizes, evitando os confl itos e os embates. O primeiro é a aceitação social, ou seja, o reconhecimento que um indivíduo recebe de seus pares por conta de suas ações dentro do corpo social. Podemos ver, em todas as culturas, rituais de passagemnos quais os indivíduos são inseridos na vida do grupo, comemorações, rituais e cerimônias que reforçam o reconhecimento daqueles indivíduos que se destacam. Todos os indivíduos aderem aos movimentos sociais que respondem aos seus anseios, o que lhes dá esperança e reconhecimento, sendo estes sentimentos mais poderosos que o medo. Neste sentido, podemos afi rmar que a aceitação do indivíduo com relação aos valores e costumes é a base de valorização e reconhecimento social que ele experimenta. Esta ideia está muito próxima do que Montesquieu (2008) defi niu como sendo a base de governos republicanos e democráticos, o sentimento de acatar o ordenamento social, defendê-lo e esperar o mesmo de todos os indivíduos. As relações sociais sedimentadas pelo sentimento de pertencimento ao grupo são fortalecidas pelas diversas formas de autorrealização do indivíduo, 14 Responsabilidade social sendo muito importante a socialização de instrumentos para a autopromoção e reconhecimento. Esse aspecto é fundamental para a propagação dos valores e das normas aceitas pelo grupo. Em uma sociedade repressora, na qual o indivíduo se encontra tolhido de suas possibilidades, o grau de confl itos tende a ser maior. Este primeiro nível de ordenamento, a saber, a adesão e a aceitação dos indivíduos com relação aos acordos sociais e traços culturais simbólicos, precede o nível mais objetivo da coerção. No nível do reconhecimento social, os indivíduos são levados a seguir os costumes por receio de serem vistos de forma depreciativa, sendo ainda um aspecto coercitivo no qual o sentimento de pertencimento é muito forte. Como já apontado, em um nível mais objetivo de coerção, o simples comprometimento do indivíduo para com os ditames de regras e valores sociais não é sufi ciente para que ele os siga. Nesse ponto são necessários meios mais contundentes de coerção, normas mais rígidas e centralmente pautadas na punição. Podemos elencar neste nível as leis e as demais proibições sociais. O tema das leis é um amplo campo de discussões, desde a Antiguidade ele vem sendo tratado por diversos tipos de pensadores, de fi lósofos a teólogos. Para os gregos, como Aristóteles (2007), as leis tinham a função de tornar os cidadãos virtuosos, levando-os à busca de virtudes éticas e sociais. Já na Idade Média, em Agostinho (1980), principalmente, as leis humanas eram refl exo da lei divina agindo no ser humano. Na Modernidade, após todo o movimento de construção jurídica a partir da fi losofi a iluminista, autores como Kant (1984) apontam as leis como frutos da própria autonomia da razão em sua capacidade de se autolegislar. Para este autor, a adesão dos indivíduos às leis se dá por um reconhecimento racional de sua validade para o convívio social e bem-estar dos indivíduos. A obra “Nascimento da lei moderna: o pensamento da lei de Santo Tomás a Suarez” é uma interessante e completa análise dos fundamentos teóricos, sociais e culturais que estabeleceram as bases para as principais construções modernas sobre as leis. Vale a pena pesquisar. FONTE: BASTIT, M. Nascimento da lei moderna: o pensamento da lei de Santo Tomás a Suarez. Tradução de Maria E. A. P. Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2010. 15 RESPONSABILIDADE SOCIAL E SOCIEDADE Capítulo 1 É necessário compreender que as leis, assim como as construções simbólicas da cultura, são representações que partem primeiro de consensos sociais estipulados no nível da aceitação social. Em Aristóteles, por exemplo, que via nas leis a busca da virtude, também justifi cava a escravidão como algo natural entre os homens, afi rmando que alguns nasciam para serem escravos. Já Kant via na pena de morte uma punição justa para o indivíduo que renegou a sua capacidade racional livre de aceitar a lei e segui-la. O que buscamos compreender com esses exemplos é que mesmo partindo de teorias amplas e racionais, as leis refl etem entendimentos que são consenso em determinada sociedade, em determinado contexto e período histórico. O nível de coerção proporcionado pelas leis é objetivo por não estar apenas apoiado no reconhecimento dos demais indivíduos, no entanto, está baseado em normativas que carregam consigo punições e sanções sociais, morais e físicas. Este é mais um traço da sociedade que expressa seu grau de organização e sofi sticação, ligando diretamente as esferas cultural e social, como aponta Heller (1968, p. 29): A consciência que transforma com sentido o mundo circundante, guiada por certas leis ideais, pertence, como algo necessário, ao ser peculiar do homem. Esta natureza humana que sai e se destaca do meramente dado pode ser, para a História Natural, uma variável, mas para a História da Cultura é uma constante. Por outro lado, as realidades naturais e culturais que encontra o ser do homem consciente e transformador do mundo, e que condicionam a sua atividade em forma de leis, revelam também, embora em medida muito diferente, uma constância histórico- sociológica, graças a qual, precisamente, é possível a cultura. As leis são também construções históricas e sociais dos grupos em sociedade, demonstrando que sua dinâmica é a própria sofi sticação da natureza humana em vista de sua organização. Em vista da organização da sociedade, o papel das leis é mais que regulador ou meramente coercitivo, sua representação simbólica enquanto produto cultural é a demonstração da sofi sticação dos valores surgidos na própria sociedade. Como já apontado, em diversos momentos o consenso é quebrado pelos mais variados motivos, a representação simbólica das construções culturais e sociais não é coadunada na aceitação uníssona das leis por todos os indivíduos. Neste ponto, a punição exerce seu papel de reguladora das anomalias e distorções existentes Em vista da organização da sociedade, o papel das leis é mais que regulador ou meramente coercitivo, sua representação simbólica enquanto produto cultural é a demonstração da sofi sticação dos valores surgidos na própria sociedade. 16 Responsabilidade social na conduta de determinados indivíduos. Dentro do arranjo necessário para se equilibrar os níveis de arranjo social, as leis estabelecem um elo entre o que é consenso sociocultural e o que é dispositivo punitivo-regulatório. Compreender a sociedade como uma organização composta por níveis de relações e ordenamentos, representações simbólicas de cultura e dispositivos punitivos de regulação, nos leva a confrontar outro aspecto que determina a sofi sticação dos corpos sociais. O contexto social se intrinca na complexa ordenação de instituições que resguardam os fundamentos culturais, políticos e sociais do grupo. Nas sociedades modernas, os indivíduos são sujeitos institucionalizados, desde o nascimento, a educação, a formação familiar, o trabalho, a justiça, os aspectos espirituais, todos estes níveis culturais de representação social são mediados por instituições. As bases consensuais advindas das representações simbólicas de cultura que expressam os valores e diretrizes do grupo social se materializam através das instituições sociais. Trataremos deste tema agora. É possível afi rmar que as instituições, mais que apenas adequarem os indivíduos ao contexto social, são as intermediadoras destes mesmos indivíduos nos processos de organização social. Por este viés, podemos começar por orientar nossa exposição na direção de delinear suas objetivações proporcionadas por sua abrangência social. Como fator de agrupamento dos indivíduos em torno de padrões e regras, as instituições desempenham o papel de um elo na construção de uma corrente, unindo todos de forma mais coesa e sólida. Se pensarmos o modelo de instituição para defi nir um grupo celular, poderemos encontrar diversos tipos de confi gurações, por exemplo, uma universidade é uma instituição, ela se caracteriza como uma organização que abrange pessoas. As instituições sociais se referem àsinstituições abrangentes, como a religião, a educação, a economia e a família, acreditamos que este ponto esteja bem claro. Nestes moldes, as instituições sociais são amplas dentro do contexto da sociedade, abrigando instituições nucleares, por exemplo, a universidade é uma instituição educacional. Dessa forma, quando se diz de determinada doutrina religiosa, por exemplo uma denominação protestante, está se falando de uma instituição religiosa orientada em certo sentido, mas que se caracteriza como uma instituição abarcada pela noção universal de religião. “As instituições são construídas a partir de normas ou expectativas sociais amplamente consideradas como obrigatórias e sustentadas por fortes sanções que garantem a conformidade a elas” (SCOTT, 2010, p. 112). A partir desta assertiva, podemos perceber a natureza fl exível que permeia a concepção de instituição em sua função social, as normas e os padrões são criados como meios de distinguir o indivíduo em seu papel na sociedade, sendo que, de forma 17 RESPONSABILIDADE SOCIAL E SOCIEDADE Capítulo 1 geral, esta coerção pode ser entendida como uma ação racional em vista de um valor. No entanto, além da obrigação moral a partir da aceitação de um valor, existe o fator de convencimento e coerção, por parte das instituições que levam o indivíduo a experimentar a sensação de exclusão do meio social onde ele está inserido. Nesse sentido, a partir do momento em que o indivíduo sofre uma sanção, ele está sendo colocado como parte desvirtuada da instituição social na qual ele está integrado. A necessidade de ser aceito no grupo social leva o indivíduo a assimilar fi elmente os preceitos que lhe são indicados nas instituições às quais pertence, o que de certa forma se torna uma coerção muito forte, uma vez que a possibilidade de exclusão o leva a não questionar algumas coisas. O que mais habilita as instituições sociais a serem a base da organização de uma sociedade é a capacidade de agrupar indivíduos em torno de objetivos comuns, assim, a coexistência desses grupos pode ocorrer naturalmente, bem como passar por momentos de ruptura. A partir dessas colocações, aos olhos do indivíduo moderno, pode parecer estranho pensar que em determinado momento alguém pode ser excluído de um convívio social apenas por não aceitar um padrão vigente de conduta. Todavia, quando pensamos nas sociedades menos complexas e mais nucleadas, podemos mensurar o que seja o fato da exclusão social. Em sociedades pequenas, como as que geralmente eram formadas nos modos de produção antigos, modos totalmente dependentes da posse da terra e fortemente territorialistas, a blindagem social contra a infl uência de outras sociedades era fortemente erguida pela infl uência das instituições na vida do indivíduo. Na moderna sociedade capitalista, a fl exibilidade com relação ao campo de escolha do indivíduo é muito grande, dentro da religião, por exemplo, existem vários caminhos possíveis ao indivíduo em uma mesma sociedade, o que era pouco provável em sociedades antigas. Assim, é possível projetar a infl uência dos modos de vida, bem como dos símbolos culturais, na confi guração das instituições sociais, e a importância destas na confi guração do indivíduo social atuante. Em amplo sentido, a existência das instituições sociais e sua ação na sociedade são traços claros de que o ser humano se organiza racionalmente em torno de valores, padrões e diretrizes. Esse processo, de forma alguma, é inerte, sendo na verdade um campo vasto para o surgimento de rupturas sociais, principalmente em uma sociedade aberta no sentido produtivo, como é o caso da sociedade moderna, na qual diversas orientações culturais e morais são observáveis no cotidiano. Analisando em um plano geral a situação das instituições sociais, a incidência de confl itos é algo pouco desejado por parte da maioria dos indivíduos de uma sociedade. 18 Responsabilidade social Entretanto, é importante perceber que o processo de evolução social é marcado sim por confl itos institucionais, principalmente a partir do momento em que uma sociedade avança seus modos de produção e sua interação com outras sociedades. Estes confl itos podem ter dois níveis de abrangência, eles podem ser internos ou externos. No nível interno, os próprios indivíduos que compõem determinado grupo institucionalizado podem entrar em desavença e começar um processo confl ituoso que acabe por alterar a confi guração interna do grupo. Já no nível externo, um grupo institucionalizado pode sofrer infl uência de outros grupos e acabar assimilando as características próprias destes. De forma geral, existem válvulas de segurança para garantir que tais confl itos não aconteçam. Como já foi dito, a coerção acontece de diversas formas, mas principalmente pela exclusão dos indivíduos causadores do confl ito. Se avaliarmos a questão do confl ito como algo natural na existência das instituições sociais, podemos imaginar que a tensão deve existir principalmente nos pontos em que a relação direta com o indivíduo é afetada pelas alterações sociais externas ao grupo. No caso de uma instituição religiosa, o indivíduo é guiado segundo os preceitos e regras válidos de acordo com o grupo, mas se a maioria da sociedade segue padrões distintos daquele grupo, o indivíduo se vê diante de uma situação de mal-estar que pode infl uenciar sua aceitação dos preceitos do grupo original. “O que se requer, em particular, é tornar mais explícito o reconhecimento de que a institucionalização é um processo em curso, circular, sistêmico, e não uma cadeia aberta de acontecimentos com antecedentes e consequências defi nidas” (BUCKLEY, 1976, p. 199). O processo confl ituoso dentro das instituições sociais não pode ser previsto, ou entendido, de forma isolada. Em um contexto social, todas as instituições são interligadas e dependentes, principalmente com relação às instituições econômicas, políticas e religiosas. Os sujeitos sociais, impulsionados pela necessidade de fortalecer suas relações de aproximação, são, de certa forma, fi éis às instituições que lhe proporcionam uma sensação de participação social. Os confl itos demonstram que o ser humano não é um ser apenas instintivo, sua organização social segue uma dinamicidade incrível, fruto de sua racionalidade e de sua capacidade de representar o mundo simbolicamente. Podemos entender que os confl itos ocorrem de forma mais sofi sticada no campo da razão e, como tal, seguem uma formulação minimamente lógica. Assim, é possível afi rmar que existe uma relação de poder que fl ui da capacidade de convencimento ou da capacidade de alteração da realidade de subsistência dos indivíduos sociais. Em uma sociedade autoritária, as instituições 19 RESPONSABILIDADE SOCIAL E SOCIEDADE Capítulo 1 seguem os padrões impostos pelo mais forte. “A situação em que há um consenso total sobre valores, normas e instituições é meramente um caso extremo, e é preciso reconhecer o papel desempenhado pelo poder e pelo confl ito” (SCOTT, 2010, p. 114). Ao intrincarmos todos os elementos que traçamos até o momento no processo de formação de uma sociedade, seja no nível do reconhecimento e aceitação, no nível cultural dos valores e normas, até mesmo no nível coercitivo das leis e instituições, percebemos que as relações sociais se constituem como processos ascendentes. Isso signifi ca dizer que as relações dos indivíduos em sociedade são pautadas por um caráter evolutivo, mesmo que passando por rupturas ou retrocessos, a sociedade sempre evolui. 1 O conceito de evolução carrega uma ampla carga de discussões acerca do que sejam os parâmetros de avaliação do que está mais ou menos evoluído. Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, o governo nazista pregava a existência de uma raça superior, justifi cando assim um genocídio. Ainda neste sentido, os europeus que chegaram às Novas Terras, depois chamadas deAméricas, acreditavam que os moradores daquele lugar, chamados por eles de índios, eram de uma cultura inferior, menos evoluída. No entanto, vários autores dizem que a sociedade tem evoluído com relação aos Direitos Humanos, tais como os direitos das mulheres, das comunidades LGBTI etc. Em vista de sua compreensão deste tema, tomando ainda a diversifi cada aplicação do termo “evolução”, seria possível afi rmar que a sociedade evolui para estágios de maior participação social? Você acredita que nos três casos citados, o termo “evolução” foi utilizado em sentidos distintos dentro do contexto social? R.:_______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________. 20 Responsabilidade social Todos os aspectos, como a justiça, a economia, a participação social, sofrem refl exos dinâmicos de atualização social. Pensemos na participação política, quando há cem anos, poucos indivíduos tinham a prerrogativa de participação na vida política, mulheres, negros, indígenas e outras minorias não tinham participação. Tomemos ainda a questão econômica, quando no século XIX a jornada de trabalho poderia chegar a 18 horas diárias nas fábricas, tornando a vida dos trabalhadores totalmente insalubres. Por este viés, podemos perceber que o processo ascendente de evolução das sociedades depende tanto dos confl itos quanto dos símbolos culturais, dos valores e do reconhecimento social. Todo este cenário é mediado pelas instituições que abarcam todos os níveis da vida social. No próximo tópico nos centraremos em uma questão central para a compreensão da relação entre sociedade e indivíduos, entre grupos sociais e instituições. Todas estas relações se constituem como relações políticas. Assim, buscaremos dirimir a questão da política e de seus processos dentro da sociedade. 3 OS PROCESSOS POLÍTICOS NA SOCIEDADE Entender o arranjo político que fundamenta o corpo social é uma tarefa que exige um amplo esforço de análise e crítica. Partindo da noção de sociedade como uma relação que se dá entre indivíduos que buscam segurança e sobrevivência, posteriormente sofi sticando tal relação em traços simbólicos de cultura, devemos compreender como surgem os processos políticos a partir do movimento histórico e social impingido por esta relação. Em outros termos, é preciso compreender que os processos políticos são dinâmicos, históricos e diretamente ligados tanto à simbologia cultural, quanto à relação material dos indivíduos em sociedade. Para se ter uma compreensão maior desta dimensão dinâmica da política, é preciso vislumbrar a relação de mão dupla que existe entre os indivíduos e os meios ao qual eles se inserem, bem como entre o meio social e o meio natural, depois pode-se vislumbrar as relações políticas como interação entre os indivíduos inseridos em uma realidade social e natural. “O homem, além de adaptar-se ao meio natural, adapta-se, também, ao meio social e institucional e o faz numa ampla variedade de situações que exigem reações fl exíveis” (MANNHEIM, 1962, p. 47). Em outros termos, é preciso compreender que os processos políticos são dinâmicos, históricos e diretamente ligados tanto à simbologia cultural, quanto à relação material dos indivíduos em sociedade. 21 RESPONSABILIDADE SOCIAL E SOCIEDADE Capítulo 1 A espécie humana moldou-se em vista de sua relação com a natureza durante milhares de anos, não se pode obliterar este processo de evolução que marca a chegada do homem até a Contemporaneidade. Os desafi os intrínsecos à sobrevivência humana na Terra são determinantes em sua forma de ocupação do espaço, podemos afi rmar que áreas mais propícias ao seu sustento são também as mais disputadas. Sendo um animal social, não político, por natureza, o ser humano se organiza em grupos defi nidos e coesos e, em geral, estes grupos seguem um forte código de padrões, normas e valores. Os grupos humanos, de início, eram pequenos, mas devido à sofi sticação de sua interação com a natureza e seu grau de domínio sobre ela, foram necessárias áreas cada vez maiores para prover o sustento (BEATTIE, 1980). Em diversos momentos, os dispersos grupos humanos tiveram que disputar o espaço necessário para satisfazer suas necessidades, sendo um fator determinante no rumo da história humana. Diante dos desafi os que são oferecidos pelo mundo hostil no qual o ser humano se encontra como participante, ele claramente percebe a necessidade de se organizar para sobreviver e para perpetuar sua espécie. A sociedade é, na verdade, o produto fi nal do processo de organização do ser humano frente às adversidades, podemos asseverar que social é uma defi nição que parte de algo tomado no sentido de compartilhamento de bens materiais, culturais ou artísticos, comprometimento fi rmado por um grupo de indivíduos. As sociedades surgem como respostas à condição de disputa que a luta pela sobrevivência impôs ao homem; no meio social, o indivíduo pode exercer sua participação na vida ativa do grupo, ou seja, estão garantidas sua segurança e liberdade para prover seu sustento e dar continuidade a sua linhagem. Sem dúvidas, a sofi sticação das sociedades se deu de forma exponencial, o homem foi capaz de construir processos civilizatórios que perpetuaram os modelos mais efi cazes, uma vez que, havendo uma disputa entre sociedades rivais, houve também uma espécie de evolução natural social. Para manter e sofi sticar seu modelo de sociedade, cada grupo cria normas, valores e padrões que possam formatar o tipo aceito de inter-relação entre os indivíduos, porém, o fator de evolução da complexidade tecnológica também é essencial. A complexidade de tecnologia e conhecimento presentes em cada grupo - como pode se perceber na comparação entre um grupo tribal que sobrevive de coletar material na natureza e um grupo que se estabelece por meio do cultivo da terra e da criação do gado - exige um grau maior de organização e processos políticos. As diversas revoluções tecnológicas pelas quais a humanidade tem 22 Responsabilidade social passado nos últimos trezentos anos demonstram como a relação entre produção e organização social é extremamente forte. Até o início do século XVIII, todas as formas produtivas dependiam diretamente da força muscular humana e da tração animal. Após a invenção da máquina a vapor, ainda na primeira década do século XVIII, as sociedades afetadas por esta mudança tecnológica de produção sofreram forte modifi cações em suas estruturas de formação. Pode-se citar como exemplo a Inglaterra, a França e a Alemanha, que se industrializaram por meio da energia a vapor. A próxima revolução tecnológica veio com a descoberta da energia elétrica e sua utilização na produção industrial. O maquinário se tornou mais potente, menos custoso e proporcionou uma alavancagem na produção e uma aceleração dos processos de crescimento dos centros urbanos industrializados. Nestes processos, as sociedades que primeiro usufruíram do aumento de produção fornecidos por essas novas formas de energia e tecnologia, distanciaram-se das sociedades que permaneceram com economias primariamente agrárias. O que se pretende afi rmar aqui é que as sociedades são mais complexas na medida em que são mais tecnológicas e avançadas intelectualmente, e também mais numerosas. Em um complexo meio social, mediado pelos processos produtivos, dá-se a criação das bases políticas que farão parte da vida dos indivíduos e garantirão a continuidade do modelo social adotado e dos parâmetros aceitos a serem cultivadosnas inter-relações dos indivíduos. Estas bases políticas são também sofi sticações na vida dos indivíduos dentro do convívio social, são elas que garantem as diversas expressões intelectuais, tais como a arte, a religião, a educação, o comércio e tudo que faz parte do mundo social de um grupo. Desta forma, o meio social é a expressão máxima de domínio do homem sobre a natureza, é ali que ele desenvolve e aperfeiçoa toda a produção que brota de sua racionalidade, nesse ponto, ele se distingue de qualquer outro animal que viva em grupo. Por essa perspectiva, apontamos para uma compreensão da sociedade humana, a partir de sua organização política em vista de suas tecnologias, como uma segunda natureza do ser humano. Este viés implica uma visão da política como algo não natural, no sentido determinista da essência do ser humano, mas antes, como algo construído a partir de relações diretas. 23 RESPONSABILIDADE SOCIAL E SOCIEDADE Capítulo 1 1 Em diversas culturas antigas, a visão da sociedade parte da ideia de que o ser humano surge na Terra já vivendo em um contexto social e político. Tomemos como exemplo o mito de Prometeu e Epitemeu e a criação do homem, bem como o mito judaico-cristão da criação do mundo e do homem. Nestes dois casos o ser humano surge em um contexto social criado por um ser superior. No entanto, a antropologia tem demonstrado que o processo de formação da sociedade pelo ser humano levou milhares de anos e foi um processo complexo. Faça uma pesquisa bibliográfi ca e virtual sobre este tema, em seguida, disserte sobre as teorias criacionista e evolucionista. Seria possível afi rmar que esta defi nição acerca da natureza política do ser humano é disputada por uma visão religiosa, cultural e científi ca? R.:_______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________. Neste ponto, somos obrigados a compreender como o próprio indivíduo, ser natural que expressa toda a sua carga de anseios, desejos, perspectivas e medos, é infl uenciado pela organização política da sociedade, suas tecnologias e suas instituições sociais. É preponderante compreender como se desenrola o processo de assimilação do meio social pelo indivíduo que faz parte dele. As sociedades são formadas com o objetivo de proporcionar ao indivíduo inserido nelas as condições necessárias para a manutenção e a continuação de sua vida, evitando os riscos externos. No entanto, deve se destacar que dentro do próprio grupo, no meio social, pode haver sérias disputas e inadequações por parte de alguns, por conta disso, é necessário criar meios de garantir a total adequação por parte dos membros e manter a organização. 24 Responsabilidade social Deste ponto, podemos coadunar os aspectos que até aqui estamos traçando. A sociedade abarca uma esfera não natural de interação entre os indivíduos, mesmo que partindo de relações sociais surgidas em necessidades naturais de subsistência e segurança. A expressão simbólica desta esfera é a concreta organização política. Em outros termos, as bases políticas que organizam um corpo social surgem de representações simbólicas, como a cultura, e se realizam nas interações concretas dos indivíduos. A partir deste entendimento, trataremos do nível simbólico, não natural, para então buscar compreender o nível concreto, histórico-material. Se pensarmos sobre a defi nição da construção política para as tradições clássicas, como os gregos e os romanos, poderemos ver que eles partiam de conceitos abstratos, valores simbólicos, que davam signifi cado ao viver em sociedade. Segundo Aristóteles (1997), a política é a ciência primeira na organização social, ela é responsável pela organização e pela valorização das demais ciências. Até mesmo a ética, que também é uma ciência, está sujeita à ciência política. Tendo em vista essa perspectiva, Aristóteles, que era um típico grego clássico, só entendia a ética, a virtude e a felicidade como objetivos possíveis dentro do contexto político. Ainda segundo Aristóteles, as capacidades humanas responsáveis pelo surgimento da política foram a razão e a fala. A razão é responsável por proporcionar a compreensão mútua dos indivíduos, a construção e a assimilação de leis e instituições, sendo a fala responsável pela comunicação e pela expressão da razão de cada indivíduo. Para ele, somente um deus ou um lunático poderiam viver fora da sociedade. Não só Aristóteles tinha essa visão entre os gregos, toda a literatura grega, bem como seus mitos e histórias, expressam a compreensão do viver político como sendo algo próprio da racionalidade humana, baseado em princípios universais bem defi nidos. Esta compreensão da política como sendo algo universal, próprio do ser humano, impulsionava uma percepção de que a história humana já começava com o homem e a mulher vivendo em uma sociedade política. A política se constituía como uma faculdade da essência humana, em muitos casos dada pelos próprios deuses, como relata o mito de Prometeu. 25 RESPONSABILIDADE SOCIAL E SOCIEDADE Capítulo 1 Então Prometeu, perplexo quanto ao meio de preservação que poderia inventar para o homem, roubou de Hefesto e Atena o saber das artes junto ao fogo - pois sem o fogo seria impossível aprender ou fazer uso desse saber - e os entregou ao homem como um presente. Todavia, embora tenha adquirido desse modo o saber acerca da vida, o homem fi cou sem o saber político, que se encontrava nas mãos de Zeus. Prometeu não tinha permissão para entrar na acrópole, a morada de Zeus e, além disso, seus sentinelas eram terríveis. Ele penetrou furtivamente no edifício que Atena e Hefesto compartilhavam para o exercício de suas artes, roubou a arte de trabalhar com o fogo de Hefesto, assim como a arte de Atena, e deu ambas ao homem. Por isso é que o homem encontra facilidade em seu modo de viver. Em primeiro lugar, uma vez que o homem passou a possuir uma porção divina, foi ele a única criatura a adorar os deuses, graças a sua afi nidade com eles; por isso se pôs a construir altares e imagens sagradas. Em seguida, logo se tornou capaz de articular os sons da fala e as palavras, graças a seus dons, e a inventar casas, roupas, calçados, camas, e a cultivar a terra para colher seus alimentos. Assim, providos de tudo, a princípio, os homens viviam dispersos, não havendo nenhuma cidade, de modo que estavam sendo dizimados pelas feras selvagens, que eram mais fortes do que eles em todos os sentidos. Embora suas habilidades no artesanato fossem um auxílio sufi ciente no que dizia respeito à comida, não bastavam para enfrentar os animais, pois até então os homens não possuíam a arte política, na qual se inclui a arte da guerra. Com isso, passaram a se agrupar e a assegurar suas vidas fundando cidades. Entretanto, toda vez que se juntavam, causavam danos uns aos outros, justamente pela falta de uma arte política, e assim começaram a se dispersar novamente e perecer. Então Zeus, receando que a nossa raça corresse perigo de desaparecer por completo, enviou Hermes para trazer o respeito e a justiça aos homens, a fi m de que houvesse organização nas cidades e laços de amizade entre os seus habitantes. Hermes perguntou a Zeus de que maneira devia dar aos homens respeito e justiça: “Devo distribuí-los como as artes foram distribuídas?” Essa partilha foi feita de modo que um só homem, possuindo o saber da arte médica, é capaz de tratar de muitos homens comuns, o mesmo acontecendo com os demais artífi ces. “Devoinserir o respeito e a justiça em meio aos homens desse modo, ou distribuí-los entre todos?”. “Entre todos”, respondeu Zeus. “Que todos tenham a sua parte, pois as cidades não podem ser formadas se apenas alguns poucos possuírem tais virtudes, como acontece com as outras artes (MARCONDES, 2011). 26 Responsabilidade social A política era para os gregos um traço da própria essência humana em vista de sua especial capacidade racional, porém, é preciso que seja trabalhada, exercitada e aprimorada pelas discussões públicas. Este aspecto fi losófi co da construção do conceito de política no Ocidente é importante para se ter uma noção de como a evolução do próprio conceito foi se tornando cada vez menos universalista, abstrato e simbólico. Durante a Idade Média, o conceito de política será tematizado dentro da própria discussão teológica, sendo entendido como fruto de uma natureza decaída do ser humano. Ainda com um viés universalista, abstrato e simbólico ao extremo, o conceito de política no período medieval será marcado pela busca de predominância dos aspectos éticos sobre os propriamente políticos. Segundo Costa (2004), Agostinho será o grande promulgador de um conceito de política como aspecto de degeneração da própria natureza humana. Ao fazer isso, ele instaura uma tradição que subjuga o político ao ético. Neste sentido, pode-se perceber que tanto para os pensadores e as culturas clássicas, quanto para os pensadores medievais, a política era algo mais conceitual, simbólico, do que algo fruto da história concreta do ser humano. A questão é identifi car, nesta perspectiva, uma compreensão que nos permita entender como eles viam a relação do ser humano com o meio natural e a própria relação entre os indivíduos no meio social. Tanto as instituições sociais, quanto as construções culturais, eram intrinsecamente ligadas às construções políticas, um emaranhado simbólico que determinava o arranjo da sociedade. Vejamos a opinião de Parsons (1969, p. 60): Assim, o simbolismo constitutivo dá sentido aos principais componentes da condição humana em sua preeminência para o grupo, integrando-os num sentido geral. Inclui simbolização da vida orgânica, limitada pelo nascimento e pela morte; do ambiente físico e das exigências da vida, onde se inclui o território; do status social dos homens e suas ligações com a reprodução e a descendência biológica; do modo de comunicação social, sobretudo através da linguagem. É possível entender que a construção política nos períodos clássico e medieval, que se pautavam fundamentalmente por um aporte simbólico-conceitual, representavam os aspectos concretos da vida natural como desdobramentos da vida social. Neste sentido, os processos políticos eram construídos em vista de uma manutenção da ordem social que, por sua vez, dava signifi cado à ordem natural. No entanto, quando nos voltamos para a Modernidade e a Contemporaneidade, deparamo-nos com construções teóricas que expressam uma percepção diferente das construções políticas. Esse movimento dará 27 RESPONSABILIDADE SOCIAL E SOCIEDADE Capítulo 1 início a uma nova abordagem acerca do problema da política, com autores se concentrando mais nos aspectos concretos das relações dos indivíduos do que nos aspectos simbólicos e conceituais, mesmo que não os negando. Todavia, este movimento surge como construção teórica, existe aí o problema da assimilação por parte da grande massa social, bem como da adequação das instituições da sociedade. Explicitemos melhor esta questão antes de tratarmos da nova abordagem concreta. Quando tratamos da relação entre teoria e prática, entre construções intelectuais e práticas sociais, é preciso entender que se demanda tempo e diversos movimentos de ruptura social para se modifi car práticas políticas e culturais. Discutir sobre aspectos fundantes da teoria política é algo que ocorre primeiro entre intelectuais, que na maioria das vezes estão distantes dos processos sociais. Mesmo entre as culturas antigas, os gregos, por exemplo, a discussão teórica sobre política, sociedade, cultura era algo restrito a poucos indivíduos de uma elite. O cidadão comum, ao contrário do que se pensa hoje sobre democracia, não tinha participação nestas discussões. Diante dessa constatação, podemos indicar que as práticas políticas precisam ser assimiladas pelos indivíduos no decorrer de um longo período de “incorporação sociocultural”. Seja por meio de novas leis, rupturas sociais profundas, confl itos armados ou revoluções completas, a mudança nos parâmetros sociais e políticos de uma sociedade precisa ocorrer de forma estrutural, não apenas decorrer de uma simples mudança nas perspectivas teóricas. Isso nos leva a pensar que a longa maturação de uma nova perspectiva teórica sobre a política levou ainda mais tempo para ser assimilada e incorporada socioculturalmente nas sociedades modernas. Ao apontarmos a Modernidade e a Contemporaneidade como períodos de transição, indicamos que houve nestes momentos históricos uma grande viragem em relação à maneira de se enxergar a relação simbólica e concreta entre sociedade, cultura e política. Quando pensamos, por exemplo, em autores como Nicolau Maquiavel, Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau, nos voltamos para aspectos que remetem a política a um nível de compreensão mais concreto e material da realidade. O próprio período no qual emergem estes autores, a partir do século XVI, é um momento de extrema ruptura com o pensamento clássico e medieval. O pensamento científi co começa a tomar forma em pensadores como Copérnico e Galileu, disciplinas como a física, a química e a biologia tomam forma. Este simples movimento já rompe com a visão integralista entre a natureza e a sociedade humana, existente nos pensamentos clássico e medieval. Assim, a 28 Responsabilidade social política não é mais o centro aglutinador do simbolismo que une esfera natural e esfera social em uma mesma compreensão. Atrelado a esta revolução ocorrida na Modernidade com relação ao rompimento da visão integralista entre a natureza e a sociedade, ocorre um movimento de rompimento, primeiramente teórico, entre política e religião. Este movimento é essencial para se romper, pelo menos no Ocidente, com a submissão da política ao simbolismo religioso, nesse caso o cristianismo. Nessa relação de submissão da política à religião, os parâmetros regulatórios das interações sociais são traçados em vista de uma construção simbólica que ordena a sociedade de maneira restrita. Tomemos a indicação de Lipson (1976, p. 189): De maneira semelhante, se o agente integrador for a religião, sua teologia se estenderá a todas as atividades seculares. Se um credo proclamar a existência da alma, que sobrevive à morte do corpo, os homens serão doutrinados a se prepararem, neste mundo de coisas perecíveis, para a eternidade. As normas da conduta de cada dia serão interpretadas como consagração de uma vida inteira à Divindade. Os contatos sociais deverão limitar-se às fi leiras dos que pertençam à mesma religião. Os que não fi zerem parte da fé estabelecida, denominados pagãos, gentios, infi éis, hereges, ou o que quer que seja, constituirão a casta inferior, os marginais da sociedade. Por este viés, podemos compreender que o movimento intelectual de busca da explicação concreta da natureza propiciou a busca da explicação, também concreta, das relações políticas na Modernidade e na Contemporaneidade. Como salientado, não há dúvidas de que este movimento começa primeiro como teorização, para então, paulatinamente, ser incorporado às instituições sociais. Retornemos à questão da nova perspectiva trazida pelos autores citados anteriormente, tendo em vista o correlato movimento revolucionário de compreensão da realidade natural. Os pensadores políticos da Modernidade e da Contemporaneidade não buscaram mais coadunar esfera natural e esfera social em um mesmo‘cosmos político’, muito menos se valeram de simbolismos religiosos em suas fundamentações. Ainda no início do século XVI, temos o pensamento de um autor que é tido como o fundador do pensamento político realista, sua teorização sobre os meandros da política se chocava com o pensamento estabelecido da época. Este autor, Nicolau Maquiavel, em sua obra O Príncipe, desconstrói os fundamentos de uma política representada pelo simbolismo medieval e toda a sua carga de submissão da política à religião e à ética de princípios. Tomemos uma de suas mais emblemáticas afi rmações no livro O Príncipe: 29 RESPONSABILIDADE SOCIAL E SOCIEDADE Capítulo 1 Mas sendo minha intenção escrever coisa útil, destinada a quem por ela se interessar, pareceu-me mais conveniente ir diretamente à efetiva verdade do que comprazer-me em imaginá- la. Muita gente imaginou repúblicas e principados que jamais foram vistos ou de cuja real existência jamais se teve notícia. E é tão diferente o modo como se vive do como se deveria viver, que aquele que desatende ao que se faz e se atém ao que se deveria fazer aprende antes a maneira de arruinar-se do que a de preservar-se (MAQUIAVEL, 2010, p. 15). Esse trecho da obra maquiaveliana é tida como um dos fundamentos da política realista moderna, sua composição remete para uma percepção da política como um processo material, concreto, que deve ser efetiva e totalmente adequada à necessidade social. Sua condenação às repúblicas que foram apenas imaginadas, remete-nos para a tradição política clássica e medieval que se pautavam por princípios simbólicos, abstratos e universais como parâmetro. Dentro do mesmo tom de contestação e renovação do pensamento político, temos a obra de Thomas Hobbes, um autor inglês do século XVII. Sua obra principal, O Leviatã, traz uma concepção mecanicista da política, como já apontado, muito próximo dos movimentos científi cos que surgiam neste período. No entanto, a principal inovação de sua obra foi demonstrar que o homem não era um ser político por natureza, assim, deveria haver uma explicação racional para o surgimento da sociedade, da organização política e do próprio Estado. Tanto Hobbes, quanto Maquiavel, são autores que teorizaram a política enquanto representação concreta das relações dos indivíduos com o meio natural e suas relações enquanto agentes sociais. Pode-se afi rmar que eles inverteram o processo que se vislumbrava no período clássico e medieval, no qual os autores partiam de conceitos e compreensões políticas universais, abstratas e as aplicavam no viver social dos indivíduos, projetando o que deveria ser uma relação política saudável. A obra Origens do republicanismo moderno aborda de maneira minuciosa e crítica as principais alterações teóricas dentro do campo da política, da cultura e do contexto social, emergidas na aurora da Modernidade. Autores como Nicolau Maquiavel, bem como os humanistas italianos, desenvolveram uma verdadeira revolução no pensamento político ocidental. FONTE: BIGNOTTO, N. Origens do republicanismo moderno. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. 30 Responsabilidade social Neste ponto, gostaríamos de chamar a atenção para um fato que infl uenciou o pensamento político na Modernidade e na Contemporaneidade e que na maioria das vezes é relegado ao esquecimento. Como apontado desde o início, as relações políticas podem ser entendidas como relações do ser humano com o meio natural e o meio social por ele criado. Neste sentido, o indivíduo é infl uenciado por acontecimentos que ocorrem nestas duas esferas, a natural e a social, algo que era tido como essencial para os pensadores clássicos. No entanto, como argumentado sobre a revolução teórica da política na Modernidade, a esfera natural passou a ser algo mais distante, sendo estudada por disciplinas específi cas, bem como a esfera social passou a ser entendida como um arranjo mecânico no qual a política dá o direcionamento para o seu funcionamento. Esta mudança de paradigma levou a uma paulatina mudança na forma de organização política, as instituições sociais passaram a expressar uma visão mais objetiva da relação dos indivíduos, os laços culturais se tornaram menos restritivos e mais abertos, explicitando uma visão mais objetiva da própria relação política. Pode-se afi rmar que esta mudança propiciou o surgimento de sociedades mais diversifi cadas, mais abertas e menos pautadas apenas no simbolismo cultural e nos dispositivos de reconhecimento social e aceitação. Novos traços foram incorporados e os dispositivos coercitivos e punitivos passaram a ter uma inserção maior nas relações dos indivíduos. Por este viés, podemos compreender que os processos políticos nas modernas sociedades estão pautados por dispositivos e objetivos de relação social, principalmente por meio de instituições sociais fortemente aparelhadas por recursos legais. A subjetividade dos símbolos culturais tornou-se menos restritiva no processo de organização social, principalmente em vista de pautar a aceitação social, e os processos objetivos dos dispositivos políticos assimilaram uma perspectiva mais pragmática. Este movimento não deve ser entendido como o fi m dos traços simbólicos culturais, muito menos das relações sociais pautadas no reconhecimento, na aceitação e na identifi cação social dos indivíduos. Pode ser compreendido como mais um processo de sofi sticação pelo qual deve passar a sociedade humana, no qual uma perspectiva política se torna predominante. O próprio contexto das tecnologias, como tratado anteriormente, impulsiona o processo de sofi sticação e infl uencia diretamente na evolução dos processos políticos. A Modernidade, bem como a Contemporaneidade, trouxe exponenciais evoluções tecnológicas, principalmente no campo produtivo e no campo das comunicações. Esse fato teve um imenso impacto na relação entre sociedades distintas, todas com 31 RESPONSABILIDADE SOCIAL E SOCIEDADE Capítulo 1 construções culturais próprias. No entanto, os aspectos de estruturação social, política e cultural não podem ser apagados, mesmo como uma realidade globalizada. Diante disso, é necessário pensar a responsabilidade de cada agente social. Neste tema, podemos vislumbrar a interação de todos os agentes políticos e sociais, indivíduos, instituições, organizações sociais e setor produtivo. A responsabilidade de todos estes agentes sociais para com a organização política e cultural é muito importante dentro da moderna concepção de sociedade. Partindo deste entendimento, tendo em vista ainda toda a discussão empreendida neste tópico sobre os processos políticos e sua função na organização da sociedade, no próximo tópico nos debruçaremos sobre o tema da responsabilidade social, seus principais conceitos e história. 4 RESPONSABILIDADE SOCIAL: CONCEITO E HISTÓRIA Partindo da compreensão de sociedade que buscamos estabelecer até o momento, com todos os seus aspectos culturais, sociais e políticos, podemos traçar um itinerário para a compreensão do tema da responsabilidade social, bem como sua importância para o próprio arranjo social. Primeiro, é preciso entender como a relação dos indivíduos infl uencia a própria sofi sticação da sociedade, tanto por meio de seus processos políticos, quanto por meio de seu avanço tecnológico, produtivo e social. Nesse sentido, a busca de um entendimento do que seja a própria ideia de ‘responsabilidade’ perpassa um longo caminho de análise de todos os aspectos estruturantes do contexto social. Esse movimento inicial pode nos dar a base para compreendermos a responsabilidade social como um aspecto de sofi sticação próprio das modernas sociedades, partindo de seus conceitos basilares, assim, podemos vislumbrar um entendimento de sociedade que se coaduna à realidade social dos grandes centros urbanos e das emergentes sociedades ao redor do mundo. O segundo passo será estabelecer de forma clara e abrangente osaspectos históricos, diretos e indiretos, que deram base para o surgimento do conceito de responsabilidade social. Neste momento será preciso compreender um pouco do próprio contexto político-social no qual emerge o conceito de responsabilidade social, seu desenvolvimento e suas principais modifi cações. Não se pode negligenciar o fato de que os aspectos culturais, éticos, morais, religiosos, de costumes e valores, são variáveis nas diversas sociedades, no entanto, é preciso entender a responsabilidade social, em sua base conceitual, 32 Responsabilidade social como um aspecto que pode ser empregado em todos os contextos sociais nos quais as principais instituições sociais estão estabelecidas. O que se propõe a partir destas colocações é ampliar a própria visão do que seja a responsabilidade social, sua abrangência e seu fator agregador dentro da sociedade. Não se pode incorrer no erro de limitar sua defi nição ao campo da esfera produtiva ou, ainda, restringi-lo ao campo econômico. A responsabilidade social envolve todos os agentes sociais e os diversos aspectos culturais, políticos e éticos. Se quisermos seguir um caminho mais curto, podemos lançar mão de uma defi nição direta do que seja o entendimento atual sobre responsabilidade social, como faz Perseguini (2015, p. 8): Podemos defi nir responsabilidade social como o conjunto de ideias e práticas que fazem parte da estratégia de uma organização (empresa), cujo objetivo é gerar benefícios para todas as partes envolvidas e interessadas na empresa (chamadas de stakeholders) e evitar prejuízos. No entanto, como já estabelecemos de antemão, nosso intuito é deslindar o assunto em termos que possam dar uma concepção social e política mais ampla destes meandros constitutivos do moderno conceito de responsabilidade social. Começando por compreender os aspectos que dão o caráter de responsabilidade à interação social existente, tanto entre indivíduos, quanto entre instituições, organizações sociais e a própria esfera produtiva. Ao pensarmos em como se deve mensurar o aspecto de responsabilidade dentro do contexto social, primeiro é necessário entender o modelo de sociedade que se estrutura nos dias atuais. Tendo como base todo o estudo que empreendemos até o momento sobre a organização da sociedade como um todo, seja nos aspectos culturais, sociais ou políticos, devemos ter em mente o fato de que as necessidades de segurança e sobrevivência são os motivos mais primitivos e basilares de aglutinação social. Todas as estruturas que se formam a partir destas bases estão assentadas em fi rmes alicerces de recíproca confi ança e acordo. Mesmo que se pense no tecido social como algo dinâmico, sujeito a mudanças e rupturas, é preciso aceitar que todos os indivíduos partilham de certo sentimento de confi ança e reciprocidade. Não só os indivíduos entre si, mas, principalmente, entre os indivíduos e as instituições públicas e privadas, bem como entre as instituições. Por este viés, é possível perceber que a ideia de responsabilidade, entendida no contexto da sociedade, abarca o próprio sentimento de segurança, seja no aspecto político, econômico ou cultural. 33 RESPONSABILIDADE SOCIAL E SOCIEDADE Capítulo 1 De acordo com Boschi (1979), as próprias relações de poder dentro da sociedade não podem estar alheias aos processos políticos, mesmo quanto tais relações se dão em outras esferas, como a econômica e a social. Assim, não se pode pensar em uma mão única na qual as relações de poder emergem e se diluem, é preciso entender que o tecido social é um emaranhado no qual cada parte é dependente das demais. Esta perspectiva não pode obliterar a necessidade de se pesar as possibilidades de cada parte dentro do arranjo social, parece ser claro que os indivíduos, se entendidos isoladamente, possuem menos condições de lograrem maiores recursos na disputa social de poder. Esse é um fato importante, pois nos recorda os movimentos naturais de agrupamento social, sendo a principal base de tais agrupamentos a necessidade de fortalecimento social. Os grupos sociais, constituídos por indivíduos identifi cados por um mesmo objetivo ou necessidade, estabelecem-se como organizações sociais. No entanto, buscaremos aprofundar esta concepção mais à frente, por ora, nos vale perceber que dentro do arranjo político-social, mesmo que em cenários de disputa de poder, as relações sociais, políticas e econômicas se desenrolam em um razoável espírito de confi ança mútua e respeito. As estruturas simbólico-culturais, estabelecidas na base de qualquer sociedade, não são anuladas no cenário de disputa social de poder, ou mesmo no cenário de ruptura social, porém, tais estruturas são aglutinadas por dispositivos mais objetivos de relação política. Este tema foi bastante trabalhado em nossas análises anteriores, mas é preciso coaduná-lo aos aspectos que dão sentido ao conceito de responsabilidade. Quando tratamos dos aspectos simbólicos que constituem os traços culturais, indicamos que eles dão uma base de identifi cação dos indivíduos e que suas construções são margeadas pelas interações políticas. Esta compreensão é importante quando nos voltamos para a análise do conceito de responsabilidade, ainda em um sentido amplo dentro do contexto social, pois os próprios mecanismos políticos, objetivos, de relação social, sofrem as infl uências das estruturas simbólicas. Tomemos como exemplo uma cultura asiática, na qual as relações econômicas são fi rmadas depois de estabelecidas as relações de proximidade, confi ança e respeito. Para demonstrar seriedade, é preciso ter respeito com o tempo do outro, por isso, é improvável que um japonês tenha confi ança em alguém que se atrasa para uma reunião ou não demonstre respeito com o tempo gasto por ele para estar ali (SECOM, 2002). Pode parecer um exemplo trivial, mas é importante entender que as relações de confi ança mútua, de segurança, não são estabelecidas apenas por dispositivos objetivos, seja político ou jurídico. É verdade que tais dispositivos são imprescindíveis 34 Responsabilidade social para se garantir os direitos que cabem a cada uma das partes que estão envolvidas em uma relação social. No entanto, as relações de confi ança e segurança estão estabelecidas por bases sociais que remontam às bases simbólico-culturais. Esta perspectiva de análise nos direciona para o fato de que a responsabilidade é um conceito que está ainda atrelado ao próprio princípio de punição, ou seja, ser responsável por algo é responder por todas as consequências daquilo que se empreende no meio social. Esse aspecto é próprio do âmbito político-jurídico da organização da sociedade, cada indivíduo, instituição, organização ou qualquer outro agente social é responsável por seus atos, tem uma responsabilidade. No entanto, este é um aspecto que tange mais aos dispositivos de coerção e punição. O que tencionamos ressaltar é o caráter aglutinador, socialmente consciente, se assim podemos defi nir, do conceito de responsabilidade. Esse entendimento deve ser buscado na compreensão das principais sofi sticações tecnológicas e produtivas ocorridas nas modernas sociedades. O caráter de abrangência das ações empreendidas dentro do contexto social, seja na esfera produtiva, nas comunicações ou na interação entre meio social e meio natural, tornou-se exponencialmente preocupante a partir das novas tecnologias. Dentro deste espectro, temos ainda o grau de distanciamento que se instaurou entre os indivíduos em vista das relações propiciadas por estas tecnologias. Comparemos a relação entre o produtor de leite e o consumidor, que trazia seu produto de sua fazenda diretamente para o consumidor na cidade, ele o conhecia e o encontrava todas as manhãs para lhe entregar o leite, bem diferente ao que se vivencia nos grandes centros urbanos modernos, nos quais os indivíduos da cidade perderam quase que totalmente os vínculos derelação social com as áreas rurais. A percepção de uma comunidade social integrada, coesa, dependente de todas as partes que a compõe, fortalece um sentimento de responsabilidade que liga o indivíduo ao seu meio social e ao seu meio natural. Esses apontamentos são capazes de nos mostrar que o conceito de responsabilidade social, dentro de uma perspectiva econômica e política, deve abarcar este sentido aglutinador, como dito, socialmente consciente, e não apenas o sentido objetivo, pautado em aspectos mais coercitivos e punitivos. Se problematizarmos ainda mais esta questão, podemos evocar os parâmetros de relações éticas e morais, mesmo que para se pensar em um conceito de responsabilidade social atrelado às instituições fi nanceiras, as empresas. Tomando a opinião de Corrêa e Medeiros (2003), a postura vista na atuação de uma empresa ética é a de ajustamento de sua conduta aos parâmetros de valores morais, sociais e éticos da sociedade na qual se insere, criando uma identifi cação com a realidade do seu meio de atuação. 35 RESPONSABILIDADE SOCIAL E SOCIEDADE Capítulo 1 A partir deste ponto, parece necessário estabelecer o que seja uma instituição fi nanceira, ou propriamente uma empresa, sua inserção no meio social e suas diretrizes enquanto participante de uma ‘responsabilidade’ que se estabelece como social. Neste sentido, entender a responsabilidade social dentro de um espectro empresarial é antes de mais nada delimitar qual o nível de confi ança que deve ser construído entre instituição e sociedade, bem como suas ações refl etem os valores éticos, morais e culturais do corpo social. De forma mais sucinta e direta, podemos identifi car uma empresa como sendo uma ‘pessoa juridicamente constituída’, possuindo direitos, deveres e prerrogativas, resguardados pelo Estado e a Constituição política. Nessa perspectiva, toda pessoa, mesmo que jurídica, deve participar da vida social e política da sociedade. Torna-se necessário compreender o que seja a responsabilidade social, partindo do próprio papel das empresas em vista da questão social. No âmbito econômico, as empresas são os canais pelos quais os indivíduos têm a possibilidade de desenvolver suas atividades produtivas, estabelecer suas fontes de renda e sobrevivência, além dos laços de relação profi ssional e social. Em contrapartida, as empresas recebem da sociedade os recursos necessários e indispensáveis para o desenvolvimento de suas atividades. Por este prisma, seria extremamente obtuso pensar que a responsabilidade social devida pelas empresas pode ser caracterizada como simples ação fi lantrópica ou assistencialista. Como já ressaltado, as relações sociais baseadas na mútua confi ança e segurança, bem como nos laços culturais, políticos e éticos, pressupõem a conscientização de uma troca recíproca dentro do contexto social. Pode-se asseverar que um dos principais pontos que justifi cam a existência da responsabilidade social por parte das empresas e instituições privadas, fi nanceiras ou não, é a necessidade de se contribuir para o bem-estar social e a diminuição das mazelas sociais. Dentro do arranjo político-econômico da sociedade, o Estado, ente político estabelecido em bases jurídicas, sociais e culturais, não é capaz de prover todos os recursos para a garantia do bem-estar de toda a população. Nesse sentido, a ação das instituições privadas, fi nanceiras ou não, é de extrema valia para o arrefecimento deste quadro. Vejamos a opinião de Cesar (2008, p. 28): Na esteira dessa mobilização, várias entidades empresariais passaram a mobilizar, sensibilizar e ajudar as corporações a gerirem seus negócios, de modo sustentável e “politicamente correto”. Com isso, as empresas intensifi cam suas críticas à inefi ciência do Estado na administração da crise econômica-social, mas, ao mesmo tempo, reconhecem a sua incapacidade de responder sozinhas aos graves problemas sociais que assolam o país. 36 Responsabilidade social Como bem aponta o autor, as empresas nutrem, em diversos momentos, embates econômicos e políticos com o poder público estatal, no entanto, como já salientado diversas vezes, estes embates devem refl etir apenas o caráter aberto que deve margear a sociedade. O processo de atuação das empresas por meio da responsabilidade social passou a ser uma forma de combate à questão social, não apenas no âmbito de promoção da própria instituição, mas como ação consciente. Assim, é necessário fazer uma distinção, pois não há dúvidas de que algumas instituições fi nanceiras podem não assimilar a reciprocidade que deve pautar as relações de confi ança no contexto social, no entanto, a ação consciente, pautada no respeito à sociedade e no bem-estar da população, é o grande diferencial das empresas que mais se destacam. Ao traçarmos todos estes aspectos que circundam o conceito de responsabilidade, de forma abrangente, e de responsabilidade social, no caso da atuação das empresas e instituições fi nanceiras, temos o vislumbre de que o tema pode se estender por um longo período de tempo e por praticamente todas as sociedades modernas. Podemos, então, pensar a responsabilidade social como um aspecto constante na natureza própria de atuação de uma instituição fi nanceira, empresa ou não, consciente de seu papel e de sua integração social, política e econômica com a comunidade na qual está inserida. Complementarmente, podemos ainda compreender que esta atuação, que se coloca como própria da natureza social das empresas, representa um aspecto de fortalecimento, valorização e comprometimento. Partindo desta base conceitual, mesmo que ainda mais ampla, podemos buscar a compreensão do aspecto histórico da responsabilidade social e do quadro geral no qual se desenrolou seu processo evolutivo. Podemos, então, pensar a responsabilidade social como um aspecto constante na natureza própria de atuação de uma instituição fi nanceira, empresa ou não, consciente de seu papel e de sua integração social, política e econômica com a comunidade na qual está inserida. No cenário brasileiro, as empresas começaram a fortalecer suas atividades sociais a partir da década de 1990, partindo da ideia de “responsabilidade social corporativa”, tendo como objetivo inicial suprir as carências de seus empregados e contribuir para a solução de demandas sociais surgidas nas comunidades onde estavam inseridas. Algumas áreas eram estabelecidas como foco de atuação, recebendo as principais atividades, principalmente a educação, a preservação do meio ambiente e a área da saúde (CESAR, 2008). 37 RESPONSABILIDADE SOCIAL E SOCIEDADE Capítulo 1 O século XX é marcado pelo incremento das principais tecnologias produtivas, bem como o surgimento de novas formas de energia, como a nuclear, e a ampla exploração de novas formas de comunicação cada vez mais efi cazes e rápidas. Esses fatos não podem ser destacados do complexo quadro político-social que se instaurou em todo o globo, a formação de uma verdadeira comunidade mundial, mesmo que mais próxima por meios de comunicação mais amplos, também mais dividida em extremos políticos, culturais e sociais. As instituições fi nanceiras na primeira metade do século XX não estão tão direcionadas para as expressões da questão social, pode-se afi rmar que a própria prática econômica, em todos os seus estágios, da produção à comercialização, era entendida como operação distinta dos problemas sociais e políticos. Assim, é possível entender que a própria percepção de sociedade era pautada em uma perspectiva fragmentada, na qual os aspectos constitutivos da sociedade eram entendidos como independentes entre si. O foco na produtividade, bem como a necessidade de expansão econômica em um cenário adverso, levava as grandes indústrias e as empresas multinacionais a incrementarem práticas massivas na busca por lucros, diminuição de gastos e aproveitamento da mão de obra.
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