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..........'-' eau Martins Fontes - II 0 Contrato Social Poucas obras marcaram tanto a historia da literatura poHtica. Ninguem nega que o Contrato Social esta entre os principais textos neste campo. Todo empreendimento intelectual ou artistico importante nasce ao mesmo tem- po de uma insatisfa<;ao e de urn impulso de entusiasmo. Por mais que Rousseau seja diferente de seus predecessores, neste aspecto esta em situa<;ao semelhante. Em sua reflexao poHtica, junto com uma pro- funda insatisfa<;ao existe urn entusiasmo ardoroso. Insatisfa<;ao diante da socieda- de em que vive, cujas institui<;oes considera absurdas e perniciosas. Entusiasmo dian- te da ideia de uma ordem social radical- mente diferente, onde a obediencia a lei garantiria, pelo acordo de todos, a liber- dade de cada urn. Esses dois sentimentos guiam seu pensa- mento regendo a propria constru<;ao de sua doutrina e sua arquitetura secreta. Por outro lado, 0 sucesso do titulo leva-nos com freqiiencia a esquecer 0 subtitulo: Principios do Direito Politico. Rousseau coloca-se no plano daquilo que mais tarde se chamara 0 direito publico geral ou ainda a teoria geral do Estado. a pro- blema em torno do qual Rousseau ira ordenar a sua reflexao poHtica e precisa- mente 0 da justifica<;ao do poder, ou me- lhor, da autoridade suprema que se impoe a todos os membros da coletividade. CAPA Imagem Allan Rall1say. RO/lSJUlli Projeto gnifico Katia l brullliIt-rasab o CONTRATO SOCIAL PRINCIPIOS DO DlREITO POLITICO ].-]. Rousseau Traduc;ao ANTONIO DE pADUA DANESI Revisao EDISON DARCI HELDT Martins Fontes sao Paulo 1999 Titulo original: DU CONTRAT SOCIAL - Principes du droitpolitique. Copyright © Bordas, Paris, para 0 aparelho crftico em que se baseou est~ edifao. Copyright © Livraria Martins Fontes Editora Ltda., Sao Paulo, 1989, para a presente edi(ao. I' edi~ao junho de 1989 3' edi~ao dezembro de 1996 3'tiragem novembro de 1999 Tradu~io ANTONIO DE pADUA DANESI Revisio da tradu~jo Edison Darci Heldt Edi~io de texto Maria Ermantina Galvao Revisio gralica Celia Regina Rodrigues de Lima Produ~o gnilica Geraldo Alves Pagioa~olFotolilOS Studio 3 Desenvolvimento Editorial (6957-7653) Capa Katia Harumi Terasaka Dados Internacionais deCa~ na Publica~o (CIP) (Cimara Brasileira do Livro, SP, Brasil) lndtce Pre/acio.... IX Cronologia - Rousseau e seu tempo.................... XXV Nota desta edi~iio XXXV o CONTRATO SOCIAL.............................................. 1 Advertencia 3 Livro I I. Contrato social 2. Politiea - Filosofia I. Titulo. II. Serie. Rousseau, Jean-Jacques, 1712-177~. o contralo social / Jean-Jacques Rousseau; [traduflao Antonio de Padua Danesi]. - 3' ed. - Siio Paulo: Martins Fontes. 1996. - (Cllissieos) Titulo original: Du contral social : principes du droit politique. Bibliografia. ISBN 85-336-0552-8 Todos os direitos para a Ifngua portuguesa reservados a Livraria Martins Fontes EdUora Ltda. Rua Conselheiro Ramalho. 3301340 01325-000 Silo Paulo SP Brasil Tel. (11) 239-3677 Fax (ll) 3105-6867 e-mail: info@martinsfontes.com http://www.martinsfontes.com 96-5483 indices para call\logo sistematico: I. Contralo social: Ciencia polilica 320.11 CDD-320.11 I. II. III. IV. V. 'I VI. VII. \ VIII. IX. Objeto deste primeiro livro .. Das primeiras sociedades . Do direito do mais forte .. Da escravidao .. De como sempre e preciso remontar a uma primeira conven~ao . Do pacto social .. Do soberano .. Do estado civil .. Do dominio real . 9 10 12 13 ;;9 20 23 25 27 Livro II I. A soberania e inalienavel . II. A soberania e indivisivel... . III. Se a vontade geral pode errar. . IV. Dos limites do poder soberano . v. Do direito de vida e de motte . VI. Da leL . VII. Do legislador . VIII. Do povo . IX. Continua~ao . X. Continua~ao . XI. Dos diversas sistemas de legisla~ao . XII. Divisao das leis . .Livro III I. Do governo em geral.. .. II. Do principia que constitui as diversas for- mas de governo .. III. Divisao dos governos .. IV. Da democracia .. V. Da aristocracia .. VI. Da monarquia .. VII. Dos governos mistos . VIII. Nem toda forma de governo convem a to- dos as paises . IX. Dos indkios de urn born governo . X. Do abuso do governo e de sua tendencia a degenerar . XI. Da motte do corpo politico . XII. Como se mantem a autoridade soberana .. 33 34 37 38 43 45 49 54 ) 56 59 62 65 .£W 71 77 80 82 84 87 94 I 95 101 103 107 108 XIII. Continua~ao 109 XIV. Continua~ao................................................... 111 XV. Dos deputados au representantes 112 XVI. A institui~ao do governo nao e urn contrato 117 XVII. Da institui~ao do governo............................ 118 XVIII. Meio de prevenir as usurpar;6es do govemo 120 In Livro IV I. A vontade geral e indestrutivel 125 II. Dos sufragios 128 III. Das eleir;6es................................................... 131 IV. Dos comicios romanos 134 V. Do tribunato 146 VI. Da ditadura...................... 149 VII. Da censura..................................................... 152 VIII. Da religiao civil............................................. 155 IX. Conclusao 167 ! (.,"i, Notas................................................. ......................... 169 Prefdcio De Jean-Jacques crians;a, Rousseau escreve: "Ima- ginava-me grego ou romano." Entendamos que se entu- siasmava pelo heroismo e civismo dos herois de Plu- tarco. Genebra parecia-lhe uma cidade da Antiguidade. Logo deixa sua patria; tanto em Savoia como em Paris empenha-se numa busca incessante de si mesmo. Aos trinta e urn anos, urn acaso 0 envia a Veneza, como se- cretario do embaixador da Frans;a. Os venezianos nao sao espartanos. Diante dos costumes corrompidos e do mau governo, e provavelmente urn dos primeiros a ver, nos tempos modernos, que "tudo estava ligado a politica". Sim, mas ha urn drculo, pois 0 governo depende dos costumes que estimula. A primeira tarefa nao e formar bons cidadaos? A politica supoe uma boa educaS;ao. 0 pensamento de Rousseau esta esbos;ado. 0 espet:iculo da Frans;a confirma seu diagnostico. Logo sonha escrever Institutions politiques, Ie bons autores ao mesmo tempo em que compoe seu Discours sur l'inegalite, depois, para a Enciclopedia, 0 artigo Economiepolitique. . . Em 9 de abril de 1756, retira-se para Montmorency.e estabelece seu plano de trabalho. Primeiro resumir e co- mentar os trabalhos do abade de Saint-Pierre, cujos ma- IX _________ 0 Contrato Social _ nuscritos ele possui, sobre a Paix perpetuelle e a Po- lysynodie, govemo pelos conselhos. Em seguida realizar tres grandes projetos: terminar as Institutions politiques iniciadas em 1751, escrever a Morale sensitive, sobre a harmonia entre a felicidade e a virtude, reunir suas ideias sobre a educa~ao. Interrompido pela composi~ao impre- vista de La nouvelle Heloise, perde a coragem de traba- lhar em suas Institutions politiques. Estas deviam ter duas partes, uma sobre os prindpios .do direito politico e outra sobre as relapSes entre os povos. Conservou a pri- meira e queimou 0 resto. 0 conteudo dessas tres obras concretizou-se na reda~ao do tratado sobre a educa~ao, Emile, cujo quinto livro trata de politica. Mas publica simultaneamente seus prindpios do direito politico sob o titulo de 0 contrato_social~~E impossivel deixar de notar quese~mantema-Iiga~ao estreita entre a politi- ca e a educa~ao, que Rousseau ja encontrava em A Repu- blica de Platao. Para nos, a politica e a arte de administrar uma so- ciedade, de manter nela a paz social, de transformar a legisla~ao para adapta-Ia as modifica~6es acarretadas pela historia, de controlar as diversas atividades dos ho- mens de tal modo que as institui~6es sejam justas e efi- cazes, de regular as rela~6es entre 0 Estado e os outros Estados. Falamos de politica financeira, escolar, econo- mica, social. Mas a enfase e outra quando a palavra se aplica a arte de conquistar ou de conservar 0 governo. Rousseau certamente nao ignora esses problemas. Sabe, em particular, que a politica e, como se disse, a arte do possivel;ele 0 mostra quando raciocina sobre casos con- cretos: a Polonia, a Corsega, Genebra, ou quando escre- ve 0 artigo Economiepolitique. Tambem sabe que se po- x _ Pre/acio _ de conceber uma ciencia politica que busca as leis que "resultam da natureza das coisas": Montesquieu forneceu os prindpios em seu~_~spir;t? das l§f(i7~Rousseau nao ambiciona refazer esse-grande llvro, nem estudar a politica em si mesma, mas determinar seu fundamento, os "principios do direito politico".110ntesquieu e, em p.!ime~rQJuga(TuD§~~oqQlOg~.~~~e~!,_fil,?~fo" preocupa-se com a natureza e a felicidade d9 bomem; no trajeto encontra necessaifamente a politica. Naose definiu 0 homem como urn animal-'poHt~c:o? ·A se'Tlllodo,-reto~mas· -;utrora levantados por Hobbes, pelos teoricos do direito natural, Grotius, Pufendorf, Barbeyrac. Ma~_ ~~~e_s_Cl:utore.s,.segundo Ro~_s seau, estao mais preocupados em justificar 0 que e, em paftlr-dos·""fatos", do que em buscar a·que deve ser. Por exemplo, Hobb~§J2ensa que, £':l_Q.Cl.J1ill CI.ll~~!l~() sua s.e.: guran~a, tf"necessario um.podt:EJo!t~~ue imp.e~aQhQ- ,~em'deser urn lobo parao homem. Quanto aos teoricos do direito natural, eles nao estao suficientemente preo- cupados em analisar essa natureza; tambem partem dos fatos, e Grotius, do mesmo modo que Hobbes, justifica a ordem estabelecida. Ora, a questao e precisamente essa "ordem". Para Rousseau, a politica nao e justificada nem pela "nature- za", nem pelo interesse, nem pela for~a, nem pelo fato h consumado. AJ20litica ~_~m prim~ir.() luggr....llwa moral,!' ,realiz<i ohomem, qu~e vontade,_fazao, consctencia. sen-r ti~~fltO e nao sirnplesmente_necessidade.epaixii9. _.§1!: \ £6~~~~~C:!<l do homem", e esta e praticamentc: ine- ,x!stente,poi~ os autores se contentam em olhar a sua; -l~olta e dizer: assim e 0 homem. Certamente, mas este e i l.o·hOmefiicorr()mpido por nossa civiliza~ao alienante, 0: XI _________ 0 Contrato Social _ ,et!rQPeu. c:Qsmopolita, 0 homem das cidades e das cortes perseguil1_Qo S~!Js_pr~tensos interesses:-Restam outros- ii- pas hlimanos, artesaos e lavrac:loresem lugares afasta- dos, povos selvagens, cidadaos antigos. Em suma, nao se buscou 0 que e 0 homem "em geral", nao houve a preo- cupaC;ao com tudo 0 que este podia se tomar. Nada com- preenderemos do "utopismo" de Rousseau, se esquecer- mos esse pano de fundo, essa preocupac;ao por uma politica que, para 0 homem, seja meio de se fazer, nao de se corromper. :E verdade que "por toda parte 0 ho- mem esti agrilhoado". A polltica e a arte de forjar esses grilhoes ou, pelo contrario, de libertar deles? Quem sabe o que significa a liberdade? Dessa ciencia, Rousseau empreendeu 0 esboc;o no Discours sur I'inegalite, que e uma das chaves de 0 con- trato social. Pondo entre parenteses a sociedade, para melhor visar ao que e natural e nao cultural, Rousseau imagina urn "estado de natureza" onde cada urn vive so- zinho. 0 homem original e uma especie de animal tranqUi- 10, movido por poucas necessidades, indiviso, sem coer- C;ao e, consequentemente, feliz, ligado apenas ao presen- teo Mas permanece "esrupido e limitado". Ora, segundo sua natureza, ele tambem e perfectivel, portanto chama- do a se desenvolver. Aqui intervem a sociedade: apenas ela permite que se adquira a palavra, a memoria, as ideias, os sentimentos, a consciencia moral, em suma, as luzes. Infelizmente, essa educac;ao dos homens foi feita ao aca- so, sem principios, sem reflexao, sem respeito pela or- dem natural. 0 resultado e urn estado em que as neces- sidades do homem se multiplicam, em que ele nao as pode satisfazer sem 0 outro: toma-se cada vez mais fra- co, cada vez mais dividido e preocupado, cada vez me- XII _ Pre/acio _ nos livre. Vive num estado de "agregaC;ao"', onde cada urn pensa em primeiro lugar em si mesmo, luta a fim de se fazer reconhecer e dominar. Para sobreviver e preciso fazer-se aceitar, submeter-se ou impor-se, portanto preo- cupar-se com a opiniao dos outros.~sta e ~pior ~§.f£'!Yi: dao: precisamos dis~.Jll!~_~2rn<::>~.lpa.r~£~!:J2_9.,~C:: "nao somos:-Ohomem natural se destr6i ~em "~e r~aliz~r, urn eu"ficticio vai formando-se aos poucos e substitui nosso verdadeiro eu. Todos ficam divididos e infelizes, e acabam se acomodando com seus grilhoes. Nesse estado instavel, perigoso, ate os poderosos podem temer a revolta ou a astucia dos fracos. Sua habi- lidade evita isso: seduzindo a opiniao ingenua dos fra- cos, eles os convencem a legalizar 0 estado de fato (nao a legitima-lo) par urn falso contrato social: nos lhes con- cedemos seguranc;a, dizem eles, contanto que voces nos concedam obediencia. Assim sao os homens que conhe- cemos, quando as leis fortalecem os fortes e enfraque- .cem os fracos. Dns penam, os outros governam. Dizem- 'oos agora: assim e a natureza. Os filosofos 0 justificam com uma moral do interesse que ve a felicidade na mul- tiplicac;ao dos prazeres, sem compreender que ela mer- gulha todo homem na escravidao de seus desejos, de suas ambic;oes, do luxo, da vaidade, das paixoes. Em nenhum lugar ha liberdade, nem felicidade. Rousseau distingue assim a rna socializac;ao, que resulta de urn certo peso sociologico do qual 0 Discours descreve as etapas necessarias; estabelecimento da pro- priedade, divisao das tarefas, enriquecimento, sujeiC;ao. o estrago e consideravel: ninguem ouve mais sua razao, e sim seus~o_fismas;)llem sua consciencia, e sim seus pre- conceitos. Sem:-vlrtude, os homens vivem na inseguran- XIII _________ 0 Contrato Social _ c;a, submetidos a pressao dos costumes, que presidem a toda educac;ao. ~aQ resulta dai, entretanto, que a sociali- , zac;ao seja rna por na.tureza, ela e_~!n..bi&4a: indispensavel para a realizac;ao do homem providQ de todas as faculga- ges que a natureza Ihe proporciona, poderia ajud4~Lc.>...ll encontrar sua felicidade, mas Q SQrroqipe. Bast;triaJ:Ql},,, teber uma boa socia~ao: -as .cida<:ies'aa 'antiguidade inostram que em certas cOll,dic;6es isso foi-possive!. ,;. ,'" Vma boa socializac;ao s6 pode~~rgi;-da von~..d~ra-"". ---_._._..__ .._--_., - -.- .. '-cional, consciente de seus finse:'de seus meios. Aqui ain- da estamos em urn drctiro','ja cllleo·Iiomem nac> tern von- tade e razao senao atraves de uma sociedade preexisten- teo Epreciso enta~ urn concurso excepcional de circuns- tancias para que se efetue 0 acontecimento. Mas isso nao nos deve impedir de meditar sobre os principios de uma sociedade justa, portanto fundada na vontade racional. 9ra,.ClgirJivremente com urn outro. signifi~a e§t:a.p.elecer ,com ele urn confiito em que ambos se comprometem. ~$i1!1_2.contr~.t2~Q~iaI(6 atQ_fii.ful)..Q:l~aOde uma cidade. Assinalemos a originalidade disso. Desde a Idade Media, foram muitos os autores que desenvolveram a ideia de urn pacto politico. Mas em gera! nao passava de urn pacto de govemo, 0 acordo estabelecido, por exem- plo, entre urn povo e uma dinastia, para the conferir a co- roa segundo certas leis fundamentais. Mas tais atos sem- pre sup6em urn corpo politico preexistente. 0 contrato social, segundo Rousseau, nao contem nada disso: ho- mens se reunem, como esses aventureiros que, diz-se, acom- panhavam Romulo. Ate entao viviam na anarquia, em que a luta pela vida faz a lei. Mas eles tern a ideia de justic;a que, segundo Rousseau, e inata ao homem: prop6em-se fundar uma sociedade justa, urn corpo politico. XIV _ Pro/acio _ Pouco importa, alias, a historia. No principio,S'.l.<.:la,. urn se dirige a todos e lhes oferece sua vida e seus beJ;1s '~'aliena~aQ ite!~Se se tratasse'-de uma escravidao, isso seria impensavel. Seu carater e de ser "total": cada urn compromete-se inteiramente a ser membro do carpo poli- tico; por outro lado, a alienac;ao e reciprqs;_a:...todQ~~ban donam tudojTudo significa sua p~ete~sa liberdad~ subsistir, ma~r, pilhar, coagir, mas tambem de ser morto, despojado, caagido pelos mais fortes. <.l.9.!!e.§ll~ge _~_e.s,se. , contra.-1Q e o@ ~~1)..1e_a-1lida,jana9 e 'lll).1 dom e:~<:ari2 c4tlla!Ur~z~.!!1~.~!ErecQnbe~imentoda socie: ~ade, os be~j~t1~Q..sao yma PQSs.~.tru!~llmal?.f9p!ie,Qa- de~'k sociedade inteira toma-se a fiadora. 0 homem perde uma liberdade, por certo ilimitada, mas afinal iluso- ria, e ganha uma liberdade'feglllada, mas'segura. _ ... .. Tudo se organiza, portanto, em tomoda nOc;ao de lei. Esta e a expressao da vontade geral. A vontade e geral quando racional, isto e, quando seu proprio objeto e geral, quando estabelece urn principio valida para toda razao. E infalivel no sentido precise em que tern a infali- bilidade da razao perante a evidencia dos principios. Ora, esta e uma caracteristica de todo homem esc1arecido. Logo, a vontade de cada urn pode ser geral: so posso querer a lei se ouc;o minhapr<?2ria raza2L no silencio das paiX6es~'Assiffi:-qua~~-~b~,d~c;oiki=~~~J!~iiyre,nao ob; de~oseiiiio a ffiim mesmo. Se"sou iusensato, e com fre- ~ncia sou~~~~~s:~.42 ge..,(), serl.,~erei ~'fQ~.8!~O ..~_s_e..!-!!: vre", a obedecer a razao. Assim fazem nossas sociedades quanci~,-p-or"exe~plC;',~;}os obrigam a higiene, nao para sujeitar, mas para libertar, nos e os outros. Devemos entao distinguir a vontade geral da vonta- de de todos, soma de vontades particulares subjetivas xv _________ 0 Contrato Social _ ou mesmo passionais. Por exemplo, a designa~ao por unanimidade de urn chefe nao e uma lei: 0 objeto disso e particular e a razao, saindo dos prindpios para partici- par na preferencia do melhor, pode errar. Desse modo, o voto e a decisao da maioria sao somente meios como- dos de presumir a vontade geral. Se a manobra, a propa- ganda insinuante, as paixoes intrometem-se, ja nao lida- mos senao com a vontade do numero. A lei apenas po- de dizer que nos casos duvidosos e mais racional que a minoria ceda diante da maioria. ~Entao_a lei e jm;ta, porqu~.~~.':l:plif~.-A.tQdQ~! N~ RQ.Qe oprimir, .poi~._~_()2~essa2 es.e!Jlpre ocasiona~~~lgyns. Nao pode ordenar nada contra a liberdade inalienavel dQ homemsensat~~-lliniia~ana--m~did;-em-quese trat~··da ordem dvica co~tra os interesses particulares de urn indi- viduo, de uma dasse, de urn partido. Mas a cidade, real- mente una em sua vontade, deve ignorar as fac~oes. o soberano e 0 povo. Aqui ainda a ideia e nova: nas antigas doutrinas do contrato, 0 povo s6 e soberano por urn instante para abdicar de sua liberdade e entrega-Ia nas maos daqueles que chamamos habitualmente de so- beranos. Essa soberania, mesmo escarnecida, permane- ce inalienavel. Cada homem, ao mesmo tempo membro do soberano e sudito, faz a lei e lha obedece. Quando os prindpios estao estabelecidos, a maqui- na deve funcionar, e cumpre localizar 0 poder que toma as decisoes em conformidade com a lei, em particular a designa~ao das fun~oes. Chama-se magistrado. Rouss~au nao se pronuncia com dareza sobre os regimes politicos. Ele assinala, ap6s Montesquieu, que sua forma depende das circunstancias. Pouco numerosa, a magistratura e mais eficaz, mas na medida em que cresce toma-se menos XVI _ Prefacio _ perigosa. Uma pequena Cidade (cite)· poderia ter mui- tos magistrados e, quando muito, na democracia direta, o corpo politico inteiro. Num grande Estado, as diver- gencias legitimas dos interesses sao grandes, a eficacia implica concentra~ao. Ha que se encontrar a justa medi- da. Contudo, a magistratura comporta urn risco: possui seu espirito de corpo, sua vontade geral e tende a con- fundir seus interesses com os do Estado, que Rousseau prefere pequeno. Vimos que a origem das Cidades e diflcil, por nao serem os homens ainda racionais. Extraimos da hist6ria o ensinamento_g~qu~ os pov"Q~sfo· institllld~s P9!"_~m I~illdocLicw;g.o J~z Espana,. Nwnac.riQu ROlll;a, c():- mo Moises, o~jud~. Ou desde 0 come~o, ou quando uTiii-crise grave destr6i as estruturas, 0 povo inexpe- riente aceita a li~ao de urn sabio. Uma unica pessoa po- de ser mais darividente que todas. Discerne os prind- pios do justo e do injusto, mas nao constr6i no ar: ana- lisa a situa~ao geografica, demografica, psicol6gica, com- preende 0 que os homens podem admitir e os meios de forma-los. Sobre esse saber, 0 Legislador estabelece urn sistema de leis, das quais muitas sao arbitrarias, ate mesmo surpreendentes, mas respondem a finalidade da Cidade. A evidencia de muitos preceitos de Moises nao se impoe: proibi~ao das imagens, saba, tabus alimenta- res, regras de casamento ou de partilha de bens. Seu papel e obrigar constantemente 0 povo a sentir-se uno, sob uma lei, em sua diferen~a de todos os outros. En- trega-se a habitos que the dao uma s6 alma. Num outro estilo, Licurgo 0 fez em Esparta, e Rousseau tentou • Ver nota 19, p 172. (N. do R.) XVII _________ 0 Contrato Social _ imita-Ios, quando seus amigos poloneses, transtomados pela iminencia do perigo, pediram-Ihe conselho. Mas e precise assinalar que 0 Legislador nao e nem soberano, nem magistrado. Permanece fora do povo, pode ser estrangeiro. Propoe urn sistema que 0 soberano adota. Depois se retira. Portanto e urn pedagogo, que busca a maneira de fazer homens, impondo as crianc;as uma disciplina que as molde para se tomarem cidadaos. E urn mediador entre a justic;a pura e os fatos, uma especie de genio universal, que se impoe pelo prestigio de sua inspiraC;ao e empreende a "desnaturac;ao'" dos homens, 0 que significa: faze-los sair do isolamento, de seu egoc~n: trismo~s12QntaneD.obriga-Ios a se verem como elementos de urn todo, como "unidades fracionarias", e nao absolu- tas, submetidos a lei, isto e, ao dever, capazes de vencer a si mesmos, logo, virtuosos. Acrescentemos que, para que as consciencias sejam bern esclarecidas e os habitos arrai- gados, 0 sistema das leis deveria ser intangivel. Essa especie de nacionalismo, espiritual e moral, e urn dos pontos delicados da doutrina. Entre 0 individua- •• ; L~h_\;~ ,-', lismo e 0 universalismo, Rousseau quer 0 C1Vlsmo. Para ele nao ha amor fraternal de toda a humanidade: amam-, se os tartaros que nao se veem para se dispensar de amar o proximo. A boa Cidade, realmente una, original, per- manece na medida de nossa experiencia, nao reune inte- resses demasiado divergentes, podemos pensa-Ia, quere- la e ama-Ia. Mais alem, outras Cidades existem. Rousseau _~_~_d.YeI~Ariosl() CbsIl19P~!~~.que_<}_<:~_l:!<?i as singulari: dadeS,<:lenuncia_a:·uiop)a._do born abade de Saint-Pi~rre sobre a .pa.:?_lJJl.ive!§~l. Para ele, as cidades tern poucos contatos com as outras e vivem na autarcia economica. Permanecem entre si no estado de natureza. Mesmo que XVIII __________ Pre/acio _ eXistam, a maneira antiga, leis de hospitalidade, nao ha contrato social universal. Em termos bergsonianos, diga- mos que a moral civica de Rousseau e fechada. o problema coloca-se quase da mesma maneira para a religiao, fermento da unidade espiritual. 0 vigario sa- boiano ensina que a verdadeira religiao e natural, isto e, sensata, mostrando urn Deus autor e guardiao de toda ordem, cosmica e moral, e a imortalidade da alma. A reli- giao assegura a consciencia moral e fortalece 0 homem em seu dever. A moral do ateu e sem fundamento, sua adesao ao contrato social, sem garantia: nao participa da alma da cidade, nao tern lugar ali. A religiao civil unifica os corac;oes sem forc;ar as consciencias, pois ela nao impoe nada que nao seja sensato, inclusive 0 reconheci- mento do carater sagrado do contrato. Nao e intolerante. As formas do culto nao concemem as consciencias, sao da alc;ada do govemo, "estatutarias", did Kant, e entram no sistema das leis. A liberdade das consciencias so teria sentido se coexistissem tradicionalmente varias religioes. Mas a vontade geral nao pode ir mais longe que a reli- giao natural. Talvez Rousseau tivesse nostalgia do tempo em que cada Cidade possuia seus deuses, mas e preciso que se coloque a questao do cristianismo, ao qual 0 vigario dava sua adesao. Enquanto exprime a religiao natural, nada a dizer, com a condi~ao de que nao se tome "fanatico", intolerante. Mas ele pretende ser uma religiao universal, que nao limita 0 proximo ao concidadao: nao poderia por- tanto aceitar 0 civismo como principio ultimo. Sob certos aspectos, 0 cristao nao pode ser totalmente cidadao. NaCidade fechada, vamos dizer, ele representa a moral aberta. Certamente Rousseau proclama a universalidade XIX _________ 0 Cantrata Sacial _ da consciencia moral e 0 vigario repelia expressamente as anomalias morais que tais viajantes descrevem aqui ou ali. E urn ponto em que 0 pensamento de Rousseau se embara~a por nao haver considerado, como Kant 0 cen- sura, urn estatuto do genero humano. E urn aspecto importante de sua atitude. Se e urn 1'"tant«Leticent6quanto a considerar a familia como 0 mo- delo da sociedade politica, as duas institui~oes sao no en- tanto pensadas em conexao. 0 casamento e uma decisao, urn contrato social particular entre duas pessoas, e a fa- milia, assim que os filhos tern uso da razao, deixa de ser natural para se tomar contratual. Nesse sentido, poderia- mos ver a Cidade como uma grande familia, onde a edu- ca~ao e publica, logo coletiva. Como toda familia, nao poderia ser ilimitada sem dissipar a for~a de sentimento que une seus membros. Temos duas versoes de 0 contrato social. A primei- ra, que s6 foi publicada no final do seculo XIX, parece ter sido redigida por volta de 1758. Nao oferecern dife- ren~as doutrinais importantes. Rousseau modificou a ordem das duas primeiras partes para toma-Ias mais coe- rentes. A primeira come~ava com a sociedade geral do genero humano (cap. 11), que fazia a liga~ao entre 0 Discurso e 0 contrato social. Esse capitulo suprimido cede lugar na versao definitiva a uma polemica contra as doutrinas adversas. A questao da soberania e passada para 0 segundo livro. Rousseau refaz 0 capitulo da reli- giiio civil que era demasiado polemico na primeira ver- sao. Termina 0 terceiro livro esbo~ado e, fiel a seus pri- meiros amores, introduz num quarto capitulos sobre a "policia" romana, para mostrar como funciona "urn Con- selho de duzentos mil homens". xx --------__ Pre/acia _ Q..livro-Z..-.2roibidoQ~_lran9-, .£<?E1<iel]-ado em Ge- nebra,clif1!llc!ill::~~Jentamem~. Foi jylgaq() dificil. A che- gada da Revolu~ao fez com que olessem: falaram muito dele, e as vezes nele se inspiraram, como, par exemplo, Robespierre e Saint-Just. Para homens as voltas com a a~ao politica urgente, ele estava urn pouco afastado dos fatos. E preciso sobretudo assinalar 0 cuho extraordina- rio prestado a Jean-Jacques ap6s sua morte. Transfor- maram 0 autor de 0 contrato social em mito e em sim- bolo estimulante da reconstru~ao politica. Sua estatua em Paris, sua transferencia para 0 Pantheon, 0 decreto de 7 de maio de 1794, instituindo os dogmas da religiao do vigario saboiano, sao os apices disso. Ligada assim a Revolu~ao, sua obra participa dos julgamentos e dos sentimentos contradit6rios suscitados por esse momenta decisivo de nossa hist6ria. Ate cerca de 1830, Rousseau perma.!l:~C:~__1!ty.a.!. Despert~""i-pafx6esH'at~--o il1iCIo'oe nosso seculo. Entrementes, na Alemanha, KanhJ'i~l).l~l tI.s~JJaziam.deJ.e...ullL~I~~§j£,:_Q_da filosofia.. Podia ser qualificado como utopista, porque se man- tern no nivel dos principios, no abstrato. Constr6i a maquina, diz ele, cabe aos outros faze-Ia funcionar. Es- \ I - \'tabeleceram:~e duas tradis:oes inversas: uns leem em 0 ~toa_apo~~~~democracia 5!~~~!~!-da~~nc!:i~~~C£o~ povo. Outros compreendem ali a antecipa~ao do gue thama~0~J~i1l!~~_~?~}it~_rio~·ls21a.m:~~_i~,_~xa.k'!ri~~~-;; facilmente os textos. No entanto, essas duas series de ~onse(rliencias que's~ extraem deles menosprezam, a nosso ver, 0 fato de que para Rousseau a autoridade nao enem 0 povo, em sua realidade, nem 0 poder politico, mas a ezao esclarecida pela c2.-l)§<::iegcia.)50berano em direito, 0 povo e digno dele se traz em si a vontade ge- _________ 0 Contrato Social _ ~t ral, nao suas paix6es ou seus preconceitos; mesmo sen-\' ~ o possivel admitir que as paix6es e os preconceitos s~ anulam ~o~ sua o~osi~ao, ha maior probabilidade de que rna malona expnma a vontade geral. Quanto ao gover- no, e1e se exerce legitimamente somente nos limites de uma lei que ele nao faz, e 0 Legislador inspirado perma- nece sem poder. ~iml 0 her<?! messiani~2-~~.~2. _!~~E?~?nheceu, com 0 aparelho de_>~~>~£-Q.li~iae a ~x: plora~aQ_ de sua propaganda cientifi~a...J!~Q..t~m rda~ao com a dou~n~_ humanista de QJ:Qturato Ele se chama ~--'~'-"_.~----'.-~"""-' . -. . .' _. ~"~~ propriamente 0 tirano. Certamente Rousseau sabe que os homens sao mal-educados, pouco esc1arecidos, com fre- qiiencia pervertidos a ponto de ignorar sua consciencia, batizada preconceito, -subordinando seu julgamento as paixoes. Nunca tern em vista, a maneira de Maquiavel, que se possa explora-los. Mas, sobretudo, voltamos ao es- sencial, ao tema que da sua verdadeira, e sempre atual, significa~ao politica a Rousseau. A politica implica antes de tudo a educa~aodo cida- dao. Apenas homens esc1arecidos nao se deixarao enga- nar por insidiosas propagandas, temo como (mica paixao o amor pela patria, so e1es poderao estabelecer uma so- ciedade justa. Enquanto nao formos capazes desse esfor- ~o, permaneceremos escravos. Como moralista e como filosofo, Rousseau anuncia que os homens sao responsa- veis pela sociedade que fazem, qualquer que seja a escusa sociologica que possam encontrar. 0 contrato social nao tern interesse historico, e a condi~ao implicita de todo jul- gamento politico. A Cidade so existe tendo em vista 0 bern do homem, isto e, sua realiza~ao como vontade es- c1arecida. Sendo as situa~6es demograficas, economicas ou outras que sao, nao nos devemos entregar a urn des- XXII --------__ Prefacio _ tina que transformaria os homens em simples objetos, mas nos referirmos aos objetivos da Cidade, determina- dos pe10 contrato. Nao nos deixaremos mais seduzir nem pe10s demagogos, os homens das paix6es, nem pelos tec- nocratas, os homens do destino. Platao ensinava que, no Estado bern instituido, os filosofos seriam reis e os reis fi- losofos, isto e, tambem educadores. De resto, basta lembrar aos homens que amar a si mesmo, essa indica~ao da na- tureza, e desejar-se verdadeiramente livres, isto e, sabios. Rousseau era suficientemente cetico acerca de seus contemporaneos, ate mesmo de seus compatriotas, para nao e?Xergar a decadencia das institui~6es e dos costu- mes. E por isso que se persuadiu de que a zona de a~ao do homem de boa vontade agora nao podia estender-se muito alem da familia e que seu tratado de educa~ao se limitou a esse dominio: talvez os pais ainda possam edu- car seus filhos de acordo com a natureza, 0 que significa sensatamente. Mas inscreveu 0 contrato social no Emile. Seu aluno nao ignora os reveses e os dissabores, a ambi- ~ao do mestre e que 0 verdadeiro homem terminara se impondo sobre aqueles que nao passam de escravos. Multipliquemos os Emiles e talvez chegue 0 dia em que a aventura da cidade antiga podera recome~ar sob uma forma nova. Pierre Burgelin XXIII Cronologia Rousseau e seu_tempo LA Preparafilo (1712-1742) 1712. 28 de junho. Nasce em GenebraJean-Jacques Rous- seau, segundo filho de Isaac Rousseau e de Su- zanne Bernard. Esta morre em 7 de juIho. Berkeley: Dialogos entre Hylas e Philonous. 1712-1722. Rousseau vive com seu pai, e sob sua influen- cia Ie fomanc~, sobretud(t~.h:lt<;lrf0'/ 1713. Nasclmentocle Dlderot. .. 1714. Leibniz: Monadologie. 1715. Morte de Luis XIV. 1721. Funda~ao da primeira Ioja ma~omca na Fran~a. Montesquieu: Lettres persanes. 1722-1724. Isaac Rousseau muda-se para Nyon em 1722. Jean-Jacques e seu primo Abraham Bernard sao mandados para Bossey, onde sao pensionistas do pastor Lambercier. 1722. J-S. Bach: Cravo bem temperado. 1724. Nascimento de Kant. 1725. Aprendizado com 0 gravador Ducommun. 1727. Morte de Newton. 1728. 14 de mar~o. Rousseau abandona Genebra e tor- xxv ________ a Contrato Social _ na-se cat6lico. No dia 21 encontra a Sra. de Warens em Annecy. Em 21 de abril abjura em Turim. Tra- balha como lacaio e secretario. 1729-1'731. Ap6s urn ana de servi~o na casa de particula- res na Imlia, Rousseau vai viver em casa da Sra. de Warens em Annecy, mais tarde em Chambery. Aprendera diversos oficios, especialmente musica.Viagens a Sui~a (1730-1731), a Paris (junho-agosto de 1731). Outubro de 1731-junho de 1732. Rousseau trabalha no cadastro de Sav6ia. 1734. Montesquieu: Considerations. , Voltaire: Lettres anglaises. 1735 ~u 1736. Primeira estada em Charmettes (Chambery), -u\. '. casa de campo da Sra. de Warens, onde come~a a escrever. 1738-1739. Em Charmettes, Rousseau prossegue sua edu- ca~ao cientffica, literaria, filos6fica e compoe seu magasin d'idees. 1739 Hume: Traite de la nature bumaine. Frederic II: Anti-Macbiavel. 1740-1741. Estada em Lyon como preceptor dos filhos de Mably, fun~ao em que nao se sai bern. Escreve 0 ProjetPour !'education de M. de Sainte-Marie. En- tra em contato com 0 fil6sofo Bordes e com 0 ci- rurgiao Parisot. II. Os Anos Parlsienses (1742-1756) 1742. Depois de sua chegada a Paris, Rousseau apresen- ta a Academia de Ciencias seu Projet concernant de nouveaux signes pour la musique. XXVI _________ Cronologia _ 1743-1744. Rela~6es com as Dupin e com as Francueil. Co- me~a a escrever uma 6pera: Les muses galantes. Rousseau passa uma temporada em Veneza como secremrio do embaixador da Fran~a. Descobre a im- portancia da politica. 1745. Amizade com Diderot. Primeira apresenta~ao de Les muses galantes. Inicio de sua liga~ao com Therese Levasseur. Deixara seus filhos no Enfants-Trouves (asilo de crian~as abandonadas). 1746. Secremrio da Sra. Dupin, Rousseau trabalha com ela em urn livro sobre as mulheres. Publica~ao do Essai sur l'origine des connaissances bumaines, de Con- ~ dillac. ll~Montesquieu publica 0 espirito das leis. 1749. Rousseau escreve os artigos sobre musica da Ency- clopedie. Em outubro, na estrada de Vincennes, indo visitar Diderot, que esta preso, Ie no Mercure de France 0 tema do concurso da Academia de Dijon: Se 0 restabelecimento das ciencias e das ar- tes contribuiu para purificar os costumes; tern uma inspira~ao repentina. Buffon come~a a publicar sua Hist6ria natural. .~ Nascimento de Goethe. r ' <1750,)9 de julho. 0 Discours de Rousseau sobre as cien- ,-- cias e as artes e laureado. Esse ataque contra a ci- viliza~ao parisiense tera grande repercussao e sera objeto de polemicas de 1750 a 1752. 1751. Voltaire: Le siecle de Louis XlV. Inicio da publica~ao da Encyclopedie. 1752, outubro. Le devin village, letra e musica de Rous- seau, e representada em presen~a de Luis XV. 0 autor se retira sem querer ser apresentado. Em de- XXVII --- 0 Contrato Social _ zembro, no Theatre-Fran~ais,representa~aode sua pe~a Narcisse ou I 'amant de lui-meme, para a qual escreve urn importante prefacio. 1753, novembro. Retiro em Saint-Germain para meditar sobre 0 tema proposto pela Academia de Dijon: Qual e a origem cia desigualdade entre os homens e se e autorizada pela lei natural. Seu discurso sobre esse tema sera 0 ponto de partida de sua obra politi- ca. Logo depois de sua Lettre sur la musiquefran~ai- ..--->-:.~, recusam-lhe 0 ingresso a6pera (dezembro). ~~75~viagem a Genebra. Rousseau e reintegrado na Igre- -- . ja Calvinista, recebe a comunhao e recupera seus -, direitos de cidadao. \ 1755./Publica~ao do segundo Discours com uma dedi- cat6ria aRepublica de Genebra, urn prefacio e notas. o tomo V da Encyclopedie contem 0 artigo Eco- nomie politique. Morte de Montesquieu. IlL A Solidiio de Montmorency (1756-1762) 1756, 9 de abril. Rousseau instala-se em Ermitage, casa de campo da Sra. D'Epinay. Come~a a meditar so- bre os amores de Saint-Preux e Julie. 18 de agosto. Carta a Voltaire sobre 0 tremor de ter- ra em Lisboa e a Providencia. 1756. Nascimento de Mozart. Voltaire: Essay Sur les moeurs. Marques de Mirabeau: l'ami des hommes. 1757. Idilio com a Sra. de Houdetot. Briga com Grimm, Sra. D'Epinay e Diderot. Em dezembro instala-se no Montlouis em Montmorency. XXVIII _________ Cronologia _ 1758. Rousseau responde ao artigo de Alembert sobre Genebra, publicado no tomo VII da Encyclopedie: a Lettre aM. d'Alembert sur les spectacles. Porque Rousseau nao quer 0 teatro que Voltaire e seus amigos queriam ver estabelecido em Genebra. Rous- seau termina a reda~ao de La nouvelle Heloise e come~a a preparar Emile. Abandona a ideia de escrever suas Institutions politiques. Trabalha so- bre os manuscritos do abade de Saint-Pierre 0658- 1743). Quesnay: Tableau economique. 1759. Voltaire publica Candide, que Rousseau nao Ie. Ami- zade com 0 marechal e Sra. de Luxembourg. Condena~ao da Encyclopedie. 1760. Franklin: inven~ao do para-raio. 1761, janeiro. Publica~ao e sucesso de La nouvelle He- ... _ loise. -" , 1762)janeiro. Rousseau escreve as quatro cartas autobio- ,; C7graficas a Malesherbes. 0 contrato social e' publi- cado em abril e Emile em maio. IV; Os Anos Errantes (1762-1770) 1762, 9 de junho. Condena~ao de Emilee processos con- tra 0 autor, que foge e se refugia em Yverdon 04 de junho), depois em M6tiers 00 de julho), no principado de Neuchatel, que pertence ao rei Fre- derico da prussia. Em 19 de junho Emile e 0 con- trato social sao queimados em Genebra. Em 28 de agosto pastoral contra Emile de Christophe de Beau- mont, arcebispo de Paris. Rousseau responde para XXIX ________ 0 Contrato Social _ se defender; e a Lettres a Christophe de Beaumont, que sera publicada em mar~o do ano seguinte. 1763. Rousseau renuncia a burguesia de Genebra. Seu compatriota Tronchin publica as Lettres ecrites de la campagne. 1764. Rousseau responde a Tronchin atraves das Lettres ecrites de la montagne, onde ataca 0 processo utili- zado contra ele e examina as institui~6es religiosas e civis de Genebra. Sao publicadas no fim de outubro. Empenha-se em redigir urn projeto de constitui~ao para a C6rsega. Trabalha em suas Confessions. /----:\Voltaire: Dictionnairephilosophique. .. 1765JRousseau, que pratica sua religiao, desentende-se ---' com 0 pastor e com os habitantes de M6tiers. Es- tadas na ilha de Saint-Pierre. Em outubro e expulso pelo Pequeno Conselho de Berna. E festejado em .__ Estrasburgo (novembro) e em Paris (dezembro). ~~:::~u~I;~;Te:'@H=~~ volta a ...:::-.: Fran~a e se instala no fim de junho em Trye, em Beauvaisis, em casa do principe de Conti. Seu Dic- tionnaire de musique e posto avenda em Paris no final de novembro. James Watt constr6i a maquina a vapor. 1768./1Deixa Trye em meados de junho, passa por Lyon, - Grenoble, Chambery e se instala em Bourgoin no Dauphine em agosto. No dia 30 casa-se com The- rese. :xxx _________ Cronologia _ v; Paris. Ulttmos Anos (1770-1778) .1770. Em abril, Rousseau deixa Monquin, onde tinha se estabelecido no fim de janeiro de 1769. Em junho instala-se em Paris, na rua Platriere. Come~a a fazer leituras privadas das Confessions. Nascimento deQI~~ 1771.Come~o de ~reIa~Oescom Bernardin de Saint- Pierre. Leituras publicas das Confessions. Conclui suas Considerations sur Ie gouvernement de Polog- ne, escritas a pedido de Wielhorsky. 1772. Nascimento de Ricardo, de Fourier, de Novalis e de Coleridge. Fim da publica~aoda Encyclopedie. 1773. Rousseau escreve seus Dialoguescome~dosno ano anterior: Rousseau juge de jean-jacques, para defen- der sua obra e sua pessoa perante a posteridade. 1774. Morte de Luis XV. 1775. Representa~ao de Pigmalit10na Comedie Fran~aise. 1776, 24 de fevereiro. Rousseau nao consegue depositar seu manuscrito dos Dialogues no altar-mor de Notre-Dame. Em abril distribui na rua sua circular A toutfranr;ais aimant encore la justice et la ven- te. Composi~ao dos dois primeiros Passeios de Reveries du promeneur solitaire. Declara~ao de independencia das col6nias ingle- sas na America. Thomas Paine: The Common Sen- se. Adam Smith: A riqueza das nar;6es. 1777. Composi~ao dos cinco Passeios seguintes. '(f778) Composi~ao dos uI~imos Passeios..Rou~seau dirige- se no dia 20 de malO a Ermenonvl1le, a casa do Sr. De Girardin. Therese vai ter com ele no dia 26. XXXI ________ 0 Contrato Social _ .Rousseau morre no dia 2 de julho e e enterrado no dia 4 na ilha dos Peupliers, que logo se tomara urn local de peregrinac;ao. Morte de Voltaire 00 de maio). Goethe: Iphigenie (primeira versao). VI.A GlOria Postuma 1782. Publicac;ao das obras de Rousseau em Genebra pelos cuidados de urn comite. Entre os ineditos: os textos sobre 0 abade de Saint-Pierre (apenas os ex- traits sur la paix perpetuelle haviam sido publica- dos em 1761), a primeira parte das Confessions, os Dialogues e as Reveries. 1788. Mme. de Stael publica suas Lettres sur Ie caractere et les ecrits dej.-J. Rousseau. .1789-1791. Assembleia Constituinte. 1790, julho. 0 busto de Rousseau e carregado triunfal- mente em Paris. 1791, junho. A rna Platriere ganha 0 nome de].-]. Rous- seau. 21 de dezembro. A Assembleia Constituinte apro- va a realizac;ao de uma estatua de Rousseau e a concessao de uma pensao para sua viuva. 1792. 0 Conselho Geral de Genebra anula 0 decreto lan- c;ado contra Rousseau. Queda da monarquia. 1794, 7 de maio. Por decreto da Convenc;ao, 0 povo fran- ces reconhece a existencia de Deus, as sanc;oes da vida futura e a imortalidade da alma. XXXII -------__ Cronologia _ 26 de setembro. Therese Levasseur oferece aCon- venc;ao urn manuscrito das Confessions. 9-11 de outubro. Transferencia dos restos de Rous- seau para 0 Pantheon. A cerimonia e seguida de festas solenes em Lyon e em diversas cidades. 1795. Kant publica seu livro: Para a pazperpetua. 1801. Dia 12 de julho Therese Levasseur morre em Ples- sis-Belleville, perto de Ermenonville. XXXIII Nota Desta Edifilo A presente tradw;ao foi feita a partir do texto da edi- s;ao original de 1762. As notas indicadas por asteriscos e apresentadas no pe da pagina sao de J.-J. Rousseau. As notas indicadas por numeros e apresentadas no final do livro sao de J. M. Fateaud e M. C. Bartholy, pre- paradas para a edis;ao da obra publicada na serie Univers des Lettres Bordas, Ed. Bordas, Paris; se1ecionadas, tra- duzidas e adaptadas por Maria Ermantina Galvao G. Pe- reira. o Editor o CONTRATO SOCIAL ou Prindpios do Direito Politico por j. -]. Rousseau, cidadiio de Genebra - foederis aequas Dicamus leges. Eneida, XI Advertencia Este pequeno tratado fOi extraido de uma obra mais extensa, empreendida outrora sem nenbuma consulta as minbasforr;as e de ba muito abandonada. Dos diver- sos trecbos que se poderiam tirar do que estava pronto, este e 0 mais consideravel e pareceu-me 0 menos indig- no de ser oferecido aopublico. 0 resto ja nao existe mais. 3 Livro I Quera indagar se pode existir, na ordem civil, algu- rna regra de administra~aolegitima e segura, consideran- do os homens tais como sao e as leis tais como podem ser. Procurarei sempre, nesta investiga~ao, aliar 0 que 0 direito permite ao que 0 interesse prescreve, a fun de que a justi~a e a utilidade nao se encontrem divididas. Entro na materia sem pravar a impomncia de meu ssunto. Perguntar-me-ao se sou principe ou legislador ara escrever sabre polltica. Respondo que nao, e que por isso mesmo escrevo sobre polltica. Fosse eu principe IOU legislador, nao perderia meu tempo dizendo 0 qu 'deve ser feito: ou 0 faria, ou me calaria. Nascido cidadao de urn Estado livre e membra do Soberano1, por fragil que seja a influencia de minha opi- niao nos neg6cios publicos, 0 direito de votar basta para impor-me 0 dever de instruir-me a esse respeito. Todas as veZes que medito sobre os governos, sinto-me feliz por encontrar sempre, em minhas reflex6es, novos moti- vos para amar 0 do meu pais! 7 CAPITULO I Objeto Deste Prlmeiro Livro o homem naseeu livre e por toda parte ~ls: est;) agri- Ihoa~Q: Aquele que se ere senhor dos outros nao deixa de-ser mais eseravo que eles. Como se deu essa mudan- s;:a? Ignoro-o. 0 que pode legitima-Ia? Creio poder resolver esta questao. Se eu eonsiderasse apenas a fors;:a e 0 efeito que dela deriva, diria: enquanto urn povo e obrigado a obedeeer e 0 faz, age bern; assim que pode saeudir esse juga e 0 faz, age melhor ainda; porque, reeobrando a liberdade pelo mesmo direito que lha tinha arrebatado, ou ele tern razao em retoma-Ia ou nao tinham em lha tirar. Mas a~ ds::m social eurn c;!ireito sagrado, que serve de base para-todos os demais. Tal direito, entretant()L~!-qjlQY~nula._llil- tureza; funda-se.1 pois, s:m eonven\;Q~~.: Trata-se de saber quais sao essas eonvens;:oes. Antes de ehegar a esse ponto, devo estabeleeer 0 que aeabo de adiantar. 9 renata Highlight _________ 0 Contrato Social _ CAPiTULO II Das Prlmeiras Sociedatles A mais antiga de todas as sociedades, ,e «u~atu e1-t.a da familia, Ainda assim, os mhos s6 permanecem ligados ao pai enquanto necessitam dele para a pr6pria conserva~ao. Assim que essa necessidade cessa, dissolve- se 0 vinculo natural. Isentos os mhos da obediencia que deviam ao pai,isento 0 pai dos cuidados que devia aos fi- lhos, voltam todos a ser igualmente independentes. Se continuam unidos, ja nao e de maneira natural, mas volun- !:iria, e a pr6pria fw!lja s6 se rnan~m por c9.m:S~g(). Essa liberdade comum decorre da natureza do ho- memo Sua P.!'.!,meira lei consist~em ze~~U?ela.m:(>mtL92U:-- serv~a.9, seus primeiros cuidados sao aqueles que deve consagrar a si mesmo, e, tjQ lQgo alcarn;a a jdade ..ctua:- yo. sendo 0 (mico juiz dos meios ade QU!l9QS a§.llil con:-. §erva~o.. toma:s~p.QLissQ_se..u pr6prio senbor. , I J.y familia, pois~~2...ndmejw rnodel~.sgci~dadesr !.1?Qlill~as, 0 chefe e a imagem do pai, 0 povo a dos mhos, e ;todos, tendo nascido iguais e !iYr..e.§......SQ aIi~&ffi sua liberda-:-j [q~_ ~m.P£<:>.v:~Fopr6'prj9: .A. diferenca toda es!:i em ep le,_nai lfamil.@l.-Q.~J:I'lQ! do pai pe!os filbos.WIIl-Pe~Q~_.0:lidado~ (que lhes dedk~enquanto no Estado .9 praz~!'_cle. <:()man~n. ~u'p.!e esse am9.!'JLu.~Q..chef.en.3.oJ:e.m-PQI...seY§P9Y()s. i _. Grotfiisr'nega que todo poder humano seja estabele- cido em favor daqueles que sao govemados; como exem- plo, cita a escravidao. Sua maneira mais comum de ra- ciocinar consiste sempre em estabelecer 0 direito peio fato·. Poder-se-ia empregar urn metodo mais conseqiien- te, porem nao mais favoravel aos tiranos. • "As eruditas investigacOes sobre 0 direito publico nada mais sao, fre- qiientemente, que a hist6ria dos antigos abusos, e muita discussao inutil tern 10 _ LivroI _ E pais duvidoso, segundo Grotius, se a genera hu- mana pertence a uma centena de homens ou se essa cen- tena de homens pertence ao genero humano; e, ao lon- go de todo 0 seu livro, parece inclinar-se pela primeira hip6tese; esta e, tambem, a opiniao de Hobbes4• Eis, por- tanto, a especie humana dividida em rebanhos, cada qual com seu chefe, que 0 guarda para devora-lo. Assim como urn pastor e de natureza superior a de seu rebanho, tambem os pastores de homens, que sao os seus chefes, possuem natureza superior a de seus povos. Desse modo raciocinava, segundo Fl1onS, 0 imperador Ca- ligula, concluindo comodamente, dessa analogia, que os reis eram deuses, ou os povos eram animais. o raciodnio desse Caligula remete ao de Hobbes e: o de Grotius. Tambem Arist6teles, antes de todos eles, ,dissera que as homens Qao sao naturalmente iguais, mas"-------- ,). nascem uns para a escravidao e outros para 0 dominio.1 Tinha razao Arist6teles, porem tomava 0 efeito pela causa6• Todo homem nascido na escravidao nasce para a escravidao: nada mais certo. Os escravos tudo perdem sob seus grilhoes, ate 0 desejo de libertar-se deles; amam a ser- vidao como os companheiros de Ulisses amavam 0 pr6- prio embrutecimento·. Se ha, pois, escravos par nature- ~,_ ~.P~~ql)_~_hQ.\Jve escrayos contra a natureza. ~ for~a fez os primeiros escravos, sua covardia o~~etuou._........--.,----~-- ..... ,--~._ ...,_.,."---_."-- .~ --" sido travada quando alguem se da ao trabalho de estuda-Ias em demasia." Traite des interets de fa Fr. avec ses voisins; par M. L. M. d'A. [Na edicao de 1782, a referenda e dada da seguinte maneira: Traire des interets de fa Fr. avec ses voisins, par M. Ie Marquis d'Argenson' (impresso por Rey, em Amster- dam)".J Foi exatamente 0 que fez Grotius. • Ver urn pequeno tratado de Plutarco intitulado: De como os animais usam a raziio. 11 renata Highlight _____-'- 0 Contrato Social _ Nada disse do rei Adao, nemdo imperador Noe, pai de tres grandes monarcas que dividiram entre si 0 univer- so, como 0 fizeram os filhos de Saturno, nos quais mui- tos acreditaram reconhecer aqueles7• Espero que apre- ciem a minha modera~ao, pois, descendendo diretamen- te de urn desses principes, e talvez do ramo mais antigo, quem sabe se, pela verifica~ao dos titulos, eu nao chega- ria a conclusao de ser 0 legitime rei do genero humano? Seja como for, nao se pode discordar de que Adao tenha sido soberano do mundo como Robinson foi de sua ilha, enquanto permaneceu como 0 seu linico habitante; e 0 que havia de comodo nesse imperio era que 0 monarca, garantido em seu trono, nao tinha a temer nem rebeli6es, nem guerras, nem conspiradores. CAPITULO III Do Direito do Mais Forte' Q_.1ID!iUorte nllnca e bastante..fgnel?ll.@~~r semp.~e I. o se~£Ea~.2!!!!.<!~,§~.aJ2r~a e.ll1<:l!reito~aob~- ) diencia .em~_Dai 0 direito do mais forte, direito to-I ~~ -~ ~.~..•~,- - ) mado aparentemente com ironia e na realidade estabele- ! cido como principio. Mas sera que urn dja oas._eJ5:plica-i r;!g essa palavra? A for£a e urn pader fiS!CO.,i.n.a.a)lej.Ohq1J~\ ~<:>~aajIe1?.i~sultarde seus ~feitq§. Ceder aJor~a e~ P.La.!2_<:l£ l}~~ssida~e, .~?a~_d~ vontad<ie,.s.~ando mu~- ;' £t~l!!._a.~~.d~_.p~d~ncia: ..~_J.!l:.g~~ senti~o"'p_02:~,ra constj-I YU'".um clever? , Suponhamos por urn momenta e~~ retenso direi- , to. Digo que dele s6 resulta urn galimatia inexplicavel. ~.seja..aio~a que..gera.o.di1:e ita, Q.,efeito mu- 12 _ LivroI _ da_com a cau~t,oda for~a gue sobrepuja a primeira ha 4e sucede-Ia-Eess~JQ. Tao logo se possa desobede- ~!!!!E~nementeL1Qrna-se.Jegitimofaze-la, e, como 0 mais.fot:te..s~u:u?r~J~m ra.Z~o, ba,sta.'!ID!Qe modo a se.r. .s;-mt:\is.JQJ.te. Ora, 0 que e urn direito que perece quando cessa a for~a? Se e preciso obedecer pela for~a, nao ha necessidade de obedecer por dever, e, se ja nao se e for- ~ado a obedecer, tambem nao ja se e obrigado a faze-Io. ve-se, pois, que a palavra direito nada acrescenta a for- ~a; nao significa, aqui, absolutamente nada. Obedecei aos poderosos. Se isso quer dizer: "cedei a for~a", opreceito e born, mas superfluo; afirmo que ja- mais sera violado. Todo poder vern de DeusS, reconhe- ~o-o, mas tambem todas as doen~as. Significa isso que nao se deva chamar 0 medico? Quando urn bandido me ata- ca num canto do bosque, nao s6 precise for~osamente entregar-Ihe minha bolsa, mas tambem, caso pudesse sal- va-la, estaria obrigado, em sa consciencia, a entrega-Ia? MinaI, a pistola que ele empunha e tambem urn poder. Convenhamos, pois, que a for~a nao faz 0 direito, e que s6 se e obrigado a obedecer aos poderes legitimos. Assim, minha pergunta inicial permanece de pe. CAPITULO IV Da Escravidilo Ja que ne!?-.h~mhomem tern autoridade natural sobre ~.~~!!1elhan..!e, e uma vez que a19~a naa produz dirci- !2.algum,~m entao as convenc6es como base de toda autoridade legitima entre os homens. Se urn~~~lar'9i~~ti~Qde aUe.naL.SJla liber- dade e conY~!1:~1"...~e ~m.£§.c:rnYo cle..l,lms.eoo()r, porque 13 renata Highlight renata Highlight renata Highlight renata Highlight _________ 0 Contrato Social _ t090~lIlJ~g~() n..~<u2Qderia alienar a sua.~JQrnar:s..~ sudi~ J:o de Urn reil Ha aqui muitas palavras equivocas que exi- gem explica~ao, mas atenhamo-nQs ao...It:;~qIl~~alieY!a!:> Alienar e dar ou vender. Ora, urn homem .,gues~ faz ~s..: cravo de outro nao se d( vende-se, pelo menos em tro- -"-', .__.- - ..~- ~a~~~_.§~bsis!~!1cia; mas ul!1 P0.Y52,J2QLm!e se vend~? Longe de prover asubsistencia de seus suditos,~Q.r~~ !las tim a sua.rleles, e, segund~ u}]l..IeLpao vive f9!Il QOuco. Os suditos, por conseguinte, dao suas pr6- prias pessoas sob a condi~ao de que se tomem tambem os seus bens? Nao vejo 0 que lhes resta para conservar. 1 pir-s~-:aq~_~g despota asg~.gura.aQS suditos a tra,n1 qiiilida.de civi!: Seja. Mas que ganham eles com isso, se a~ ,guerras que sua ambi~ao lhes acarreta, se sua insaciave~ \avidez, se os vexames de seu ministerio os desolam9mai~ ique as pr6prias dissens6es? Que ganham eles, se essa, 'mesma tranqiiilidade e uma de suas miserias? Vive-se itranqiiilo tambem nas masmorras, e isto bastara para qu ·nos sintamos bern nelas? Os gregos encerrados no antr ;~o Ciclope vivia~ tranqiiilos ali, esperando a vez de f;erem devorado~ 9" Dizer que urn homem se da~t:~m~I}!e~ di~er.ugla . c()ls~-ilQ§.\.l!da ~ .in<;'Q..ll£.ebive!; este ato e ilegitimo e nulo, pelo simples fato de que quem 0 pratica nao esta em seu juizo perfeito. Dizer 0 mesmo de todo urn povo e supor urn povo de loucos: a loucura nao estabelece 0 clireit().. Mesmo que cada urn pudesse a~nar-se a si mesmo, nao poderia alienar os filhos; estes nascem homens e li- vres; sua liberdade lhes pertence e ninguem, senao eles, tern 0 direito de dispor dela. Antes de chegarem a idade da razao, 0 pai, em nome deles, pode estipular as condi- ~6es para a sua conserva~aoe bem-estar; mas nao os dar 14 _ Livrol _ irrevogavel e incondicionalmente, pois tal doa~ao e con- traria aos fins da natureza e ultrapassa os direitos da pa- ternidade. Seria necessario, portanto, para que urn go- verno arbitrario fosse legitimo, que em cada gera~ao 0 povo fosse senhor de admiti-Io ou rejeita-Io: mas enta~ esse governo ja nao seriaarbitrario. Renunciar a liberdade e renunciar a gyalidade de. i homemJ. aQs_<:l~~eito~_<:l'!. h':!..manidade! e 1l!~ .ao_~ 2r6.p~i()_~ ( ~everes. Nao ha nenhuma repara~ao possivel para quem renuncia a tudo. Tal renuncia e incompativel com a natu- reza do homem, e subtrair toda liberdade a sua vontade e subtrair toda moralidade a suas a~6es. Enftrn, e inutil e ~0_ntradit6ria a conven~ao que estipula, de urn lado, uma at!!o.rtc4lcle absQhJta._~ c!e_9ull.:9-,-l!.J!1a_()!?ediencia_sem li!ni-. ~e~. ~~o esta claro que nao se tern ob~~o~p~ com aquele de quemse tern 0 direito de_!l!<:l()exigir~ E esta simples condi~~O:-sem-eciui;al~ncG.~ .sem compensa~ao, nao acarreta a nulidade do ato? ~()is qlle51.k~!QJ~cta meu escravo contra mim, seJyQ.Qg_queel~~§st!i.me.perten~e., se,-~~o. seu-clirelto ~. weu, esse direito meu contra mim ine$mQ·~\.l~~pi:tlavra-·d~;nf.QYi~de mg!~~r sentido~ Grotius e outros encontram na guerra outra origem do pretenso direito de escravidao. Tendo 0 vencedor, segundo eles, 0 direito de matar 0 vencido, este pode resgatar sua vida :lc$-'fQ~!ls~1J de sua liberdade, conven- I ~ao tanto mais legitima quanto proveitosa a ambas as partes. Mas e evidente que esse pretenso direito de matar os vencidos nao resulta, de modo algum, do estado de guer- ra. Isto apenas porque os homens, vivendo em sua pri- mitiva independencia, nao tern entre si uma rela~ao(& ~.~.~constante para constituir nem 0 estado de paz nem 0 15 renata Highlight __________ 0 Contrato Social _ estado de guerra; nao sao naturalmente Immigos. E a rela~ao das coisas, e nao dos homens, que produz a guer- ra, e, como 0 estado de guerra nao pode nascer das sim- ples rela~6es pessoais, mas sorriente das rela~6es reais, a guerra particular, ou de homem para homem, nao pode existir nem no estado natural, em que nao ha proprieda- de constante, nem no estado social, em que tudo se acha sob a autoridade das leisS!J Os combates particulares, os duelos, os recontros sao atos que nao constituem urn estado; e, quanto as guerras privadas, autorizadas pelas ordena~6es de Luis IX, rei de Fran~a, e suspensas pela paz de Deus, sao abusos do .89vem..<Li~udg1si~~!ll~L~bsurdo.£Q!llo_j,!m~iLbmt.Y5: 9Utro,Contr~riO'!Q~P£~12iosds>_dire~(~U!:l!lJt:aLe!!JQd.L l b~a~2C ~:"'(\~;)j:';"" ,Q,ii ",; c) A guerra na~ e, pois, ~ma rehl~ao de homem para homem, mas uma rela~ao de Estado para Estado, na qual os particulares s6 sao inimigos acidentalmente, nao co- mo homens, nem mesmo como cidadaos*, mas como soldados; nao como membros da patria, mas como seus • Os romanos, que, mais que qualquer outra na~iio do mundo, [melbor] compreenderam e respeitaram 0 direito da guerra, levavam tiio longe os escrn- pulos com rela~iio a isso que niio sepermitia a um cidadiio servir como volun" tario semse ter alistado expressamente contra 0 inimigo eprincipalmente con- tra determinado inimigo. Tendo sido riformada uma legiiio em que Catiio, 0 jovem, iniciava-se na guerra sob 0 comando de Popilio, Catiio, 0 Velbo, escre- veu a Popilio que, se desejasse que seu filbo continuasse a servir sob seu comando, era misterfaze-lo prestar um novo juramento militar, ja que, estan- do 0 primeiro anulado, ele niio podia mais voltar as armas contra 0 inimigo. E 0 mesmo Catiio escreveu a seu filbo aconselbando-o a abster-se de se apre- sentar em combate enquanto niio tivesse prestado 0 novo juramento. Bem sei quepoderiio objetar-me com 0 sitio de Clusium e outrosfatos particulares, mas eu cito leis e costumes. Os romanos siio os que com menosfreqiiencia transgre- diram suas leis e foram os unicos ate-las tiio betas. [Nota acrescentada a edi- ~ao de 1782.] 16 -------- LivroI _ defensores. Enfim, cada Estado s6 pode ter por inimigos outros Estados, e nao homens, porquanto nao se pode estabelecer nenhuma verdadeira rela~ao entre coisas de diversa natureza. Esse principio se conforma inclusive as maximas es- tabelecidas em todos os tempos e a pratica constante de todos os povos civilizados. As declara~6es de guerra sao advertencias dirigidas menos as potencias que aos seus suditos. 0 estrangeiro, seja rei, particular ou povo, que rouba, mata ou detem os suditos sem declarar guerra ao principe, nao e urn inimigo, e urn bandido. Mesmo em ple- na guerra, urn principe justo se apodera de tudo 0 que pertence ao publico em pais inimigo, mas respeita a pes- soa e os bens dos particulares; respeita os direitos nos quais assentam os seus. Sendo 0 objetivo da guerra a de~, ~:~~<:>_~~_ES~:~~_i~~ig~l~m-§e 0 dlLe.!!9_<l~_m.~ta..~.r_~.. ~,us; ! e ensores enquanto estlverem de armas na ma0.i..ma~, [rIO momeiito·eiiiq\.l(ra~~~p~~m eS_~!~!l:~~~ ·~~~.sando.~~ fSer inimigos. ou .ins~~C::~!Q~.<:lo inimigo) tOfll:l!D:~C:_~~!::I fvez- sinipIesmeiiie"-homens e. ja @,<) se temdireilQ_§.9l?~. ~.... .. "_..__.,. 'su~_y-i~~~~.matlr~ E~ta~ se.,m 1Ila~!.u~ Is6 de.~s membroS; ora, a guerra nao cia nenhum direito' ~nao seja necessario ao seu objetivo. Esses principios nao sao os mesmos de Grotius; nao se fundam na autori- dade de poetas, mas derivam da natureza das coisas e baseiam-se na razao. Sobre 0 direito de conquista, nao tern ele outro fun- damento senao a lei do mais forte. §e a guerra nao eta ao vencedor 0 direito de niasS'l£mrQ~px9~.y.~!!<:i<:iQ~•.e~~ ..£ireito,.slld~~le l!aQj~~9 P2-<:i~.§~ryi!:..c:l~bas.e_.a,o_dir~i-> v to_Qe.e_S~(ilYiza::19~. S6 se tern 0 direito de matar 0 inimi- go quando nao se pode escraviza-Io; 0 direito de escra- renata Highlight renata Highlight renata Highlight renata Highlight renata Highlight renata Highlight _________ 0 Contrato Social _ viza-Io nao decorre, pois, do direito de mara-Io: portan- to, e uma troca iniqua faze-Io comprar, ao pre~o de sua liberdade, sua vida, sabre a qual nao se tern direito algum. Quando se funda a direito de vida e de morte no direito de escravidao, e a direito de escravidao no direito de vida e de marte, nao esra claro que se cai num drculo vicioso? Mesmo admitindo-se como possivel esse terrivel direito de tudo matar, digo que urn escravo feito na guer- ra au urn povo conquistado nao tern nenhuma obriga~ao para com seu senhor, salvo obedece-Io enquanto a isso e for~ado. Ao~ urn eqyivalente a sua vida, o..§enhor nao the concedeu graca algl1wa' em 'rez .cL~,mata-:l~ proveito, mat~ll_-o utilmeqJe. Longe, pais, de ter adquiri- aosobre'ele qualquer autoridade alem da for~a, a esta- do de guerra subsiste entre eles como antes, sua pr6pria rela~ao e urn efeito desse estado, e a usa do direito da guerra nao supoe nenhum tratado de paz. Fizeram uma conven~ao; seja: mas essa conven~ao, lange de destruir a estado de guerra, supoe sua continuidade. " Assim, seja qual for a lado par que se considereml as coisas, a direito de escravizar e nulo, nao somente! porque ilegitimo, mas porque absurdo e sem significa1 ~ao .....A..sp!!I~!y!,!§" escravidiio e direjto sao cOntradit6~ias;\ excluem-se mutuamente. Seja de homem para homem,' seja de urn homem para urn povo, este discurso hi de~ sempre igualmente insensato13: .f-ar;9-.(?2!J1./gfJ,JJma._fP - Eet!fiio em que fica lJgJ.Q. a feu encargo e t.udQ_W meu . .p~C!.~iiio:~qi!:~·obserJ!J1:r:gi et1(juanfo me aprouuer, e qUeJJJ, \ obseroaras enquan~o~Qt1'l~.(1,g!fl:g.p'. 18 _ LivroI _ CAPITULO V C')\1 De Como Sempre ePreciso Remontar a uma Prlmeira Convetlfilo Mesmo que eu concordasse com tudo a que refutei ate aqui, as fautores do despotismo nao estariam em me- lhor situa~ao. Sempre havera grande diferen~a entre sub- meter uma multidao e reger uma sociedade. Que homens isolados sejam subjugados sucessivamente a urn s6, qual- quer que seja a seu mlmero, nao vejo nisso senao urn senhor e escravos, e de modo algum hei de considera-Ios urn povo e seu chefe. E, talvez, uma agrega~ao, mas nao uma associa~ao; nao ha nela nem bern publico nem corpo politico. Ainda que esse homem houvesse sUbjuga- do metade do mundo, sempre seria urn particular; seu interesse, separado do interesse dos outros, sera sempre urn interesse privado. Se esse mesmo homem vern a . perecer, seu imperio, depois dele, fica disperso e sem liga~ao, como urn carvalho, depois de consumido pelo fogo, se desfaz e se converte num monte de cinzas. Urn povo, diz Grotius, pode entregar-se a urn rei. Segundo Grotius, portanto, urn povo e urn povo antes de entregar-se a urn rei. Mesmo esse dam e urn ato civil, supoe uma delibera~ao publica. Portanto, antes de exa- minar a ato pelo qual urn povo elege urn rei, seria born examinar a ato pelo qual urn povo e urn povo. Porque esse ato, sendo necessariamente anterior ao outro, cons- titui 0 verdadeiro fundamento da sociedade. Com efeito, se nao houvesse conven~ao anterior, a menos que a elei~ao fosse unanime, onde estaria a obri- ga~ao de as menos numerosos se submeterem aescolha dos mais numerosos, e de onde vern a direito de cern 19 _________ 0 Contrato Social _ individuos, que querem urn senhor, votar por dez que nao 0 querem? A lei da pluralidade dos sufragios e por si so urn estabelecimento14 de conven~aoe supoe, pe10 me- nos lima vez, a unanimidade. CAPITULO VI Do Pacto Social Suponho que os homens tenham chegado aquele ponto em que os obstaculos prejudiciais a sua conserva- ~ao no estado de natureza sobrepujam, por sua resisten- cia, as for~as que cada individuo pode empregar para se manter nesse estado. Entao, esse estado primitivo ja nao pode subsistir, eo genero humano pereceria se nao mu- dasse seu modo de ser. Ora, como os homens nao podem engendrar novas for~as, mas apenas unir e dirigir as existentes, nao tern meio de conservar-se senao formando, por agrega~ao, urn conjunto de for~as que possa sobrepujar a resisten- cia, aplicando-as a urn so movel e fazendo-as agir em comum acordo15. Essa soma de for~as so pode nascer do concurso de muitos; mas, sendo a for~a e a liberdade de cada homem os primeiros instrumentos de sua conserva~ao, como as empregara sem prejudicar e sem negligenciar os cuida- dos que deve a si mesmo? Essa dificuldade, reconduzin- do ao meu assunto, pode enunciar-se nestes termos: "Encontrar uma forma de associa~ao que defenda e proteja com toda a for~a comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada urn, unindo-se a todos, so obede~a, contudo, a si mesmo e permane~a tao livre 20 _ Hvrol _ quanto antes."16 Este e 0 problema fundamental cuja so- lu~ao e fornecida pelo contrato social. As chiusulas desse contrato sao de tal modo determi- nadas pela natureza do ato que a menor modifica~ao as tornaria inuteis e sem efeito, de sorte que, embora talvez jamais tenham sido formalmente enunciadas, sao em toda parte as mesmas17, em toda parte tacitamente admitidas e reconhecidas; ate que, violado 0 pacto social, cada qual retorna aos seus primeiros direitos e retoma a liberdade natural, perdendo a liberdade convencional pela qual renunciara aque1a. . Bern compreendidas, essasdiusulas se reduzem todas a uma so, a saber, a aliena~ao total de cada associado, com todos os seus direitos, a toda a comunidade. Pois, em pri- meiro lugar, cada qual dando-se par inteiro, a condi~ao e igual para todos, e, sendo a condi~ao igual para todos, ninJ guem tern interesse em torna-la onerosa para os demais. Alem disso, como a aliena~ao se faz sem reservas, a uniao e tao perfeita quanto possive1, e nenhum associa- do tern algo a reclamar, pois, se restassem alguns direitos aos particulares, comonao haveria nenhum superior co- mum capaz de decidir entre e1es e 0 publico, cada qual sendo em algum ponto seu proprio juiz, logo pretenderia se-Io em todos; 0 estado de natureza subsistiria e a asso- cia~ao se tornaria necessariamente tiranica ou va. Enfim, cada urn, dando-se a todos, nao se da a nin- guem, e, como nao existe urn associado sobre 0 qual nao se adquira 0 mesmo direito que se the ceqe sobre si mesmo, ganha-se 0 equivalente de tudo 0 que se perde e mais for~a para conservar 0 que se tern. Se, pois, retirarmos do pacto social 0 que nao e de sua essencia, veremos que ele se reduz aos seguintes ter- 21 renata Highlight __________ 0 Contrato Social _ mos: Cada um de nos pOe em comum sua Pessoa e todo 0 seu poder sob a suprema dire~iio da vontade geral; e re- cebemos, coletivamente, cada membro como parte indi- visivel do todo. Imediatamente, em vez da pessoa particular de cada contratante, esse ato de associa~aoproduz urn corpo mo- ral e coletivo composto de tantos membros quantos sao os votos da assembleia, 0 qual recebe, por esse mesmo ato, sua unidade, seu eu comum1S, sua vida e sua vonta- de. Essa pessoa publica, assim formada pela uniao de to- das as demais, tomava outrora 0 nome de Cidade*, e hoje o de Republica ou de corpo politico, 0 qual e chamado por seus membros de Estado quando passivo, soberano quando ativo e Potencia quando comparado aos seus semelhantes. Quanto aos associados, eles recebem cole- tivamente 0 nome de povo e se chamam, em particular, cidadiios, enquanto participantes da autoridade sobera- • 0 verdadeiro sentido dessa palavra perde-se quase por completo entre os modernos; a maioria considera urn burgo [ville] como uma Cidade19 [cite], e urn burgues como urn cidadao. Nao sabem que as casas formam 0 burgo, mas que sao os cidadiios que formam a Cidade. Esse mesmo erro custou caro, outrora, aos cartagineses. Nao me consta que 0 titulo cives tenha sido dado alguma vez aos suditos de algum principe, nem mesmo antigamente aos maced6nios, nem, em nossos dias, aos ingleses, embora estes se encontrem mais perto da liberdade que todos os demais. S6 os franceses tomam familiar- mente esse nome de cidadiios, porque nao tern uma n~ao verdadeira do termo, como se pode ver em seus dicionarios, sem 0 que incorreriam, por usurpa-lo, no crime de lesa-majestade. Para eles, essa palavra exprime uma virtude e nao urn direito. Quando Bodin quis falar de nossos cidadiios e bur- gueses, cometeu grave equivoco, tomando uns pelos outros. 0 Sr. d'Alembert nao se enganou neste particular e, em seu artigo intitulado "Genebra", distin- guiu muito bern as quatro ordens de homens (ou mesmo cinco, se nelas se incluirem os simples estrangeiros) que existem na nossa cidade e das quais somente duas comp6em a Republica. Que eu saiba, nenhum outro autor fran- ces compreendeu 0 verdadeiro sentido da palavra cidadiio. 22 ___________ LivroI _ na, e suditos, enquanto submetidos as leis do Estado. Es- ses termos, porem, confundem-se amiude e sao tornados urn pelo outro; basta saber distingui-Ios quando empre- gados em toda a sua precisao. CAPITULO VII DoSoberano Ve-se, por essa f6rmula, que 0 ato de associa~aoen- cerra urn compromisso redproco do publico com os par- ticulares, que cada individuo, contratando, por assim dizer, consigo mesm020, acha-se comprometido numa dupla rela~ao, a saber: como membro do soberano em face dos particulares e como membro do Estado em face do soberano. Mas nao se pode aplicar aqui a maxima do Direito Civil, segundo a qual ninguem esta obrigado aos compromissos assumidos consigo mesm021; pois ha uma grande diferen~a entre obrigar-se perante si mesmo e perante urn todo do qual se faz parte. Cabe notar ainda que a delibera~ao publica, que pode obrigar todos os suditos em face do soberano, em virtude das duas rela~5es diferentes sob as quais cada urn deles e encarado, nao pode, pela razao contciria, obrigar 0 sobera- no em face de si mesmo e que, por conseguinte, e contra a natureza do corpo politico impor-se 0 soberano uma lei que nao possa infringir. Nao podendo considerar-se senao sob uma unica e mesrna rela~ao, encontra-se enta~ no caso de urn particular contratando consigo mesmo, por onde se ve que nao ha, nem pode haver, nenhurna espe- cie de lei fundamental obrigat6ria para 0 corpo do povo, nem mesmo 0 contrato social. Isto nao significa que esse 23 ---- 0 Contrato Social _ corpo nao possa comprometer-se com outrem no que nao derrogue esse contrato; pois, em rela~ao ao estran- geiro, ele se torna urn ser simples, urn individuo. Mas 0 corpo politico ou 0 soberano, tirando seu ser unicamente da santidade do cohtrato, jamais pode obri- gar-se, mesmo em rela~ao a outrem, a nada que derrogue esse ato primitivo, como alienar uma parte de si mesmo ou submeter-se a outro soberano. Violar 0 ato pelo qual ele existe seria aniquilar-se, e 0 que nada e nada produz. Tao logo essa multidao se encontre assim reunida num corpo, nao se pode ofender urn dos membros sem atacar 0 corpo, nem, muito menos, ofender 0 corpo sem que os membros disso se ressintam. Assim, 0 dever e 0 interesse obrigam igualmente as duas partes contratantes a se ajudarem mutuamente, e os mesmos homens devem buscar reunir, sob essa dupla rela~ao, todas as vantagens que dela emanam. Ora, 0 soberano, sendo formado apenas pelos parti- culares que 0 comp5em, nao tern nem pode ter interesse contrario ao deles; consequentemente, 0 poder soberano nao tern nenhuma necessidade de garantia em face dos suditos, porque e impossivel que 0 corpo queira prejudi- car todos os seus membros e veremos a seguir que nao pode prejudicar ninguem22 em particular. 0 soberano, s6 pelo fato de se-Io, e sempre tudo aquilo que deve ser. o mesmo, porem, nao ocorre com os suditos em rela~ao ao soberano, por cujos compromissos, apesar do interesse comum, ninguem responderia se nao encon- trasse meios de assegurar-se de sua fidelidade. Com efeito, cada individuo pode, como homem, ter uma vontade particular oposta ou diversa da vontade geral que tern como cidadao. Seu interesse particular po- 24 ___________ Liuro 1 _ de ser muito diferente do interesse comum; sua existen- cia absoluta e naturalmente independente pode leva-Io a considerar 0 que deve a causa comum como uma contri- bui~ao gratuita, cuja perda sera menos prejudicial aos de- mais do que sera 0 pagamento oneroso para ele; e, con- siderando a pessoa moral que constitui 0 Estado como urn ente de razao, pois que nao e urn homem, gozara dos direitos do cidadao sem querer cumprir os deveres do sudito - injusti~a cujo progresso redundaria na ruina do corpo politico. A fim de que 0 pacto social nao venha a constituir, pois, urn formulario vao, compreende ele tacitamente esse compromisso, 0 unico que pode dar for~a aos outros: aquele que se recusar a obedecer a vontade geral a isso sera constrangido por todo 0 corpo - 0 que significa apenas que sera for~ado a ser livre23, pois e esta a condi- ~ao que, entregando a patria cada cidadao, 0 garante contra toda dependencia pessoal, condi~ao que configu- ra 0 artificio e 0 jogo da maquina politica, a unica a legi- timar os compromissos civis, que sem isso seriam absur- dos, tiranicos e sujeitos aos majores abusos. CAPITULO VIII Do Estado Civil 24 A passagem do estado de natureza ao estado civil produz no homem uma mudan~a consideravel, substi- tuindo em sua conduta 0 instinto pela justi~a e conferin- do as suas a~5es a moralidade que antes lhes faltava. S6 entao, assumindo a voz do dever 0 lugar do impulso fi- sico,e 0 direito 0 do apetite, 0 homem, que ate entao 25 ------__ 0 Contrato Social _ nao levara em conta senao a si mesmo, se viu obrigado a agir com base em outros principios e a consultar sua razao antes de ouvir seus pendores., Conquanto nesse estado se prive de muitas vantagens concedidas pela natureza, ganha outras de igual importancia: suas faculdades se exercem e se desenvolvem, suas ideias se alargam, seus sentimentos se enobrecem, tada a sua alma se eleva a tal ponto que, se os abusos dessa nova condi~ao nao 0 degra- dassem amiude a uma condi~ao inferior aquela de que saiu, deveria bendizer sem cessar 0 ditoso instante que dela 0 arrancou para sempre, transformando-o de urn ani- mal esrupido e limitado num ser inteligente, num homem. Reduzamos todo esse balan~025 a termos de f:kil compara~ao. 0 que 0 homem perde pelo contrato social e a liberdade natural e urn direito ilimitado a tudo quan- to deseja e pode alcan~ar; 0 que com ele ganha e a liber- dade civil e a propriedade de tudo 0 que possui. Para que nao haja engano a respeito dessas compensa~6es, importa distinguir entre a liberdade natural, que tern por limites apenas as for~as do individuo, e a liberdade civil, que e limitada pela vontade geral, e ainda entre a posse, que nao passa do efeito da for~a ou do direito do primei- ro ocupante, e a propriedade, que s6 pode fundar-se num titulo positivo. Sobre 0 que precede, poder-se-ia acrescentar aaqui- si~ao do estado civil a liberdade moral, a unica que toma o homem verdadeiramente senhor de si, porquanto 0 impulso do mero apetite e escravidao, e a obediencia a lei que se prescreveu a si mesmo e liberdade. Mas ja falei muito sobre essa materia, eo sentido filos6fico da pala- vra liberdade nao e aqui do ambito do meu assunto. 26 _ LivroI _ CAPiTULO IX Do Dom{nio Real26 Cada membro da comunidade entrega-se a ela no momenta de sua forma~ao, tal como se encontra naque- Ie instante - ele e todas as suas for~as, das quais fazem parte os bens que possui. Nao que, por esse ato, a posse mude de natureza ao mudar de maos e se tome proprie- dade nas do soberano, mas sim que, sendo as forc;as da Cidade incomparavelmente maiores que as de urn parti- cular, a posse publica e tambem, na verdade, mais forte e mais irrevogavel, sem ser mais legitima, pelo menos para os estrangeiros. Porque 0 Estado, perante seus membros, e senhor de todos os seus bens pelo contrato social, que no Estado serve de base a todos os direitos; mas nao 0 e perante as outras potencias senao pelo direito de primei- ro ocupante que recebeu dos particulares. o direito de primeiro ocupante, embora mais real que o do mais forte, s6 se toma urn verdadeiro direito ap6s 0 estabelecimento do direito de propriedade. Todo homem tern naturalmente direito a tudo 0 que the e necessario; mas 0 ato positivo, que 0 toma proprietario de qualquer bern, 0 exclui de tudo 0 mais. Tomada a sua parte, deve limitar-se a ela, e ja nao goza de nenhum direito a comu- nidade. Eis por que 0 direito de primeiro ocupante, tao fragil no estado de natureza, e respeitavel para todos os homens civis. Respeita-se menos, nesse direito, aquilo que pertence a outrem do que aquilo que nao se possui. Em geral, para autorizar 0 direito do primeiro ocupan~ te sobre urn terreno qualquer,. sao necessarias as seguin- tes condi~6es: primeiro, que esse terreno nao esteja ainda habitado por ninguem; segundo, que dele s6 se ocupe a 27 renata Highlight renata Highlight renata Highlight renata Highlight renata Highlight _________ 0 Contrato Social _ por~ao de que se tern necessidade para subsistir; terceiro, que dele se tome posse, nao por uma cerimania va, mas pelo trabalho e 0 cultivo, unicos sinais de propriedade que, na ausencia de titulos juridicos, devem ser respeita- dos pelos outros27 • Com efeito, atribuir anecessidade e ao trabalho 0 di- reito de primeiro ocupante nao sera leva-Io tao longe quanto possivel? Poder-se-a nao estabelecer limites para esse direito? Bastara par os pes num terreno comum para logo pretender ser 0 seu dono? Bastara a for~a, capaz de afastar dele por urn momenta os outros homens, para tirar-Ihes 0 direito de ali voltar? Como pode urn homem ou urn povo apossar-se de urn territ6rio imenso e privar dele todo 0 genero humano, a nao ser por uma usurpa- ~ao punivel, pois que tira ao resto dos homens 0 abrigo e os alimentos que a natureza lhes deu em comum? Quan- do Nunez Balboa28 tomou posse, no litoral, do mar do SuI e de toda a America meridional em nome da coroa de Castela, sera que isso 0 autorizava a despojar todos os habitantes e excluir dali todos os principes do mundo? Em tais bases, tais cerimanias se multiplicavam inutil- mente, e ao Rei Cat6lico bastaria, de seu gabinete, tomar posse de uma s6 vez de todo 0 universo, mesmo que tivesse de excluir em seguida de seu imperio 0 que antes pertencia a outros principes. Concebe-se como as terras dos particulares, reuni- das e contiguas, se tornam territ6rio publico, e como 0 direito de soberania, estendendo-se dos suditos ao terre- no por eles ocupado, se torna ao mesmo tempo real e pessoal, 0 que coloca os possuidores numa dependencia ainda maior e faz de suas pr6prias for~as a garantia de sua fidelidade. Essa vantagem nao parece ter sido bern 28 _ LivroI _ compreendida pelos antigos monarcas que, intitulando- se simplesmente rei dos persas, dos citas, dos maced6- nios, pareciam considerar-se mais como chefes dos ho- mens que como senhores do pais. Os monarcas de hoje, mais habeis, chamam-se a si mesmos reis da Fran~a, da Espanha, da Inglaterra, etc. Dominando assim 0 territ6rio, sentem-se mais seguros de dominar os habitantes. o que ha de singular nessa aliena~ao e que, aceitan- do os bens dos particulares, a comunidade, longe de des- poja-Ios, s6 faz assegurar-Ihes a posse legitima, transfor- mando a usurpa~ao num verdadeiro direito e a frui~ao em propriedade29 • Passando os possuidores, enta~, a serem considerados como depositarios do bern publico, com seus direitos respeitados por todos os membros do Estado e sustentados por todas as suas for~as contra 0 estrangeiro, em virtude de uma cessao vantajosa ao publico e mais ainda a si mesmos, adquirem, por assim dizer, tudo quan- to deram. Esse paradoxo se explica facilmente pela distin- ~ao entre os direitos que 0 soberano e 0 proprietario tern sobre os mesmos bens, como se vera adiante. Pode suceder tambem que os homens comecem a unir-se antes de possuir qualquer coisa e que, apossando- se em seguida de urn terreno suficiente para todos, 0 des- frutem em comum ou 0 partilhem entre si, seja em partes iguais, seja em propor~5es estabelecidas pelo soberano. De qualquer forma que se fa~a essa aquisi~ao, 0 direito de cada particular sobre seus pr6prios bens esta sempre subordinado ao direito da comunidade sobre todos, sem o que nao teria solidez 0 vinculo social, nem for~a real 0 exerdcio da soberania. Encerrarei este capitulo e este livro por uma obser- va~ao que deve servir de base a todo 0 sistema social: 29 renata Highlight renata Highlight renata Highlight __________ a Contrato Soctal _ em vez de destruir a igualdade natural, a pacta funda- mental substitui, ao contrario, por uma igualdade moral e legitima aquila que a natureza poderia trazer de desi- gualdade fisica entre os hamens, e, podendo ser desiguais em for~a ou em talento, tadas se tornam iguais par con- ven~ao e de direito·. • Sob os maus governos, essa iqualdade e apenas aparente e ilus6ria: serve somente para manter 0 pobre em sua miseria e 0 rico em sua usurpa- ~ao. Na realidade, as leis sao sempre (iteis aos que possuem e prejudiciais aos que nada tern. Donde se segue que 0 estado social s6 e vantajoso aos homens na medida em que tOOos eles tern alguma coisa e nenhum tern demais. 30 Livro II renata Highlight renata Sticky Note CAPITULO I A Soberania e lnaltendvel A primeira e mais importante consequencia dos prin- dpios acima estabelecidos e que s6 a vontade geral pode dirigir as for~as do Estado em conformidade com 0 obje- tivo de sua
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