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METODOLOGIA DO ENSINO DA LINGUAGEM Aline Azeredo Bizello Os livros didático e paradidático e suas escolhas Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Diferenciar as características do livro didático e do paradidático. Identificar os objetivos pedagógicos do uso do livro didático e do livro paradidático no ensino de linguagem. Analisar os pontos a serem levados em conta no momento da escolha do livro didático para uso no ensino de linguagem. Introdução Há dois recursos tradicionais presentes na educação brasileira: o livro didático e o paradidático. O primeiro, voltado à instrução do aluno, é utilizado há mais tempo e costuma envolver mais polêmicas. O segundo, voltado a informações sobre um assunto específico, é mais recente, mas se revela uma exclusividade brasileira. Ambos podem ser aliados do cumprimento de objetivos pedagógicos do ensino de língua portuguesa, pois oportunizam, já inicialmente, a leitura. Entretanto, é necessário que o professor leve em conta pontos específicos no momento da escolha desses recursos. Neste capítulo, você vai conhecer as características do livro didático e do livro paradidático. Você também vai ver quais são os objetivos pe- dagógicos do uso do livro didático e do livro paradidático no ensino de linguagem. Além disso, vai verificar que pontos levar em conta no momento da escolha do livro didático para o ensino de linguagem. 1 Características dos livros didático e paradidático No trabalho docente, o professor pode escolher diversos recursos a fi m de colocar em prática as estratégias planejadas para suas aulas: quadro-negro, computador, recursos digitais, folhas, televisão, etc. Independentemente da escolha, a fi nalidade é a mesma: que o recurso escolhido seja uma ferramenta para o aprimoramento das aulas ou atividades aplicadas, de modo que o aluno construa sua aprendizagem. Entretanto, em uma lista muito grande de possibilidades, há um recurso que se destaca: o livro didático. Na educação brasileira, o livro didático é utilizado em quase todas as escolas. Seu uso foi disseminado a tal ponto que atualmente ele é considerado um recurso indispensável à educação. É evidente que não se pode negar sua contribuição ao ensino: o livro didático é um facilitador da aprendizagem e funciona como suporte à prática pedagógica. Provavelmente, os aspectos positivos do livro didático se inserem no mesmo espaço dos aspectos negativos, ou seja, na sua definição: ele é um material instrutivo educacional elaborado para o ensino. Essa função precisa torná-lo útil tanto para o professor quanto para o aluno na construção de conhecimentos. Entretanto, essa finalidade tão específica não abarca toda a dimensão que o livro didático alcança: ele mistura elementos da cultura, da pedagogia, da produção editorial e da sociedade. Na tarefa de contribuir com a construção de conhecimentos, pode-se dizer que o livro didático oportuniza a instrução, mas outros recursos podem (e devem) ser utilizados pelo professor para aprimorar a prática pedagógica. Um desses recursos é o livro paradidático. Ele costuma ser utilizado no aprofun- damento de conceitos e informações sobre determinado assunto para provocar a reflexão. Ao contrário do livro didático, o paradidático costuma auxiliar a prática pedagógica de forma indireta e não oferece suporte diário. Veja o que afirmam Pupo e Mello (2016, documento on-line): Este tipo de livro apresenta como características as temáticas, ou seja: um tema por livro, conteúdo de acordo com o currículo escolar abordado de maneira interdisciplinar, formatação diferenciada, conteúdos trabalhados na forma de narrativa, maior preocupação com as questões pedagógicas do que com estética ou questões literárias, poucas páginas com muitas ilustrações, e podem apresentar diferentes recursos linguísticos, além de contarem com cuidado gráfico e diagramação moderna. Os livros didático e paradidático e suas escolhas2 Na atualidade, a importância do recurso paradidático se intensifica, pois suas propostas costumam aproximar-se de temas do cotidiano do aluno. Ou seja, há uma sintonia entre os livros paradidáticos e a visão atual sobre práticas educacionais, que privilegia recursos e estratégias mais contextualizadas, principalmente na área de língua portuguesa. Considere o seguinte: Como o objetivo do livro paradidático (ou pelo menos deveria ser) é integrar as discussões em sala com assuntos do cotidiano a fim de ampliar o leque de conhecimento de mundo, não pode ser trabalhado apenas no dia da avaliação como algo frio e desconectado ao conteúdo que está atrelado ao planejamento (GOMES, 2009, documento on-line). Dessa forma, o uso do livro paradidático deve estar associado a um projeto para que se insira em um contexto. O importante é que o livro paradidático funcione como um instrumento para melhorar o processo de aprendizagem e que seja utilizado de maneira descomplicada. A partir dele, é possível criar de- bates, reflexões e questionamentos, pois as questões que apresenta geralmente são atuais e estão relacionadas à vida real, ao cotidiano dos estudantes. Assim, o professor pode criar situações de aprendizagem que incentivem o hábito da leitura e tornem o aluno um sujeito fundamental da sua aprendizagem. Veja: Diferentemente do livro didático, o paradidático informativo não segue obrigatoriamente a seriação e a sequência de conteúdos recomendadas nos currículos. Alguns estudiosos veem isso como um aspecto positivo, pois nos paradidáticos, diferentemente dos didáticos, os temas costumam ser apresen- tados de forma menos fragmentada, possibilitando a relação com outras áreas do conhecimento e o uso de acordo com o perfil das turmas com as quais este material será trabalhado (CAMPELLO; SILVA, 2018, documento on-line). Como você pode notar, o livro didático e o livro paradidático têm carac- terísticas que os diferenciam. No entanto, ambos lidam com uma questão essencial para a educação hoje: a leitura. A leitura permeia todas as ações pedagógicas, inclusive as ligadas às disciplinas que exigem raciocínio lógico e cálculos, como a matemática. Portanto, a leitura oportuniza a reflexão crítica. Contudo, para que a leitura contribua com a consciência crítica, levando os leitores à não alienação, é preciso que o professor seja o mediador do co- nhecimento metacognitivo. Isso significa ter consciência do que, para que e como o aluno aprende. Assim, o docente poderá planejar o que e como ensinar. Para Laguna (2001, documento on-line): 3Os livros didático e paradidático e suas escolhas As habilidades que favorecem a formação do leitor estão situadas no início da vida. A formação do leitor, portanto, deve começar bastante cedo, antes dos ciclos ou séries escolares. Tais habilidades precisam percorrer a vida no lar, na creche e na escola infantil. O trabalho com a leitura é um ato político. O professor, como mediador entre a obra e o aluno leitor, deve considerar o contexto em que se situam os elementos da comunicação literária: aluno, obra e ele próprio, professor. A partir daí, o professor buscará entender as necessidades e anseios dos alunos quanto aos próprios limites da obra que vai ser lida e a posição que pode assumir frente a ela. Daí a importância de o professor estar engajado na escolha tanto do livro didático quanto do paradidático. Essa escolha não deve ser aleatória nem desvinculada de uma visão social do papel da leitura. Para a eleição de ambos os recursos didáticos, portanto, é necessário que o docente esteja preparado e consciente dos critérios de escolha. As determinações do Ministério da Educação (MEC), por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), contribuem com a definição de critérios de exclusão de livros e com a orientação aos professores no processo de escolha. Mas, para que o livro didático se mostre como promotor da leitura no Brasil, é fundamental que a força cultural desse recursoseja percebida e valorizada. Dessa forma, o livro didático contribuirá com um elemento essencial da aprendizagem: a leitura. Ferreira e Melo (2006) alertam que o termo “paradidático” é típico do Brasil, pois na década de 1970 a editora Ática lançou a série Bom Livro, que reunia algumas obras literárias a serem trabalhadas nas aulas de língua portuguesa. Essas obras eram acompanhadas de suplementos de leitura com orientações sobre metodologia e didática. Não se pode negar que essa proposta pretendia aproximar o aluno da leitura, mas esse episódio deu início à produção e à expansão de livros menos rígidos que pudessem ser utilizados complemen- tarmente ao livro didático em diferentes momentos e níveis de ensino. Os livros paradidáticos, devido ao seu direcionamento a temas culturais específicos, contribuem diretamente para a disseminação da leitura. Porém, para que auxiliem no despertar do hábito da leitura e permitam a construção de questionamentos dos leitores, devem ser trabalhados de forma leve, ágil e contextualizada. Para Laguna (2001, documento on-line), as características dos paradidáticos incluem: “[...] preços populares; longa vida editorial; dire- cionamento a crianças e jovens, além do espaço escolar; temas literários e transversais; linguagem mais acessível”. Dessa forma, os livros paradidáticos abordam aspectos presentes nos conteú- dos das mais variadas disciplinas, são produzidos por autores engajados no âmbito cultural do País e informam sobre uma variedade de temas atuais. “Geralmente escritos por professores/autores conceituados, os livros informativos utilizam uma Os livros didático e paradidático e suas escolhas4 trama ficcional para introduzir, no decorrer da história, informações verídicas sobre o fato abordado” (LAGUNA, 2001, documento on-line). Aliás, embora o termo “paradidático” seja acompanhado por uma visão utilitarista, é inegável que o livro paradidático possibilita que os alunos sejam inseridos no mundo da leitura a partir de temas do cotidiano, independente- mente da área a que tais temas se vinculam. Segundo Campello e Silva (2018, documento on-line): A preocupação com a leitura continua a ser um fator preponderante para a produção de paradidáticos. A leitura é vista agora não como prática exclusiva à disciplina de Língua Portuguesa, mas como uma responsabilidade de todos os educadores da escola, que devem se preocupar com a formação de leitores competentes. Portanto, paradidáticos de diferentes disciplinas trazem possibilidades de inserção do estudante no ambiente de leitura e interpretação de textos e, ao mesmo tempo, de contextualizações que ampliam o entendimento daquela matéria. Em síntese, tanto os livros didáticos quanto os paradidáticos são recursos pedagógicos importantes para o suporte do desenvolvimento do conhecimento escolar. Os livros didáticos têm uma função mais instrucional, e os paradidáticos, uma função mais informativa. No entanto, ambos exigem um trabalho de leitura bem estruturado e planejado. Portanto, para que os dois instrumentos de aprendi- zagem sejam eficazes, é fundamental que o professor estabeleça critérios para sua escolha e trace ligações entre as obras escolhidas e seus objetivos pedagógicos. 2 Objetivos pedagógicos O processo de ensino e aprendizagem de língua portuguesa costuma ser pauta de discussão em todas as esferas da sociedade. Teóricos, especialistas, profes- sores e órgãos governamentais buscam defi nir os objetivos pedagógicos dessa disciplina. Porém, a indefi nição das concepções de linguagem e de gramática, por exemplo, interfere na percepção de tais objetivos. Essa indefi nição infl uencia também os problemas que permeiam o trabalho com a língua portuguesa no âmbito escolar, como evasão e repetência escolar, além de baixo desempenho dos alunos em habilidades básicas de leitura e produção de textos. Com esse panorama, evidencia-se que tanto os objetivos quanto os problemas do processo de ensino e aprendizagem de língua portuguesa fundamentam o uso do livro didático e do paradidático no ensino de linguagem. Aliás, não é exagero afirmar que, com relação ao livro didático, os questionamentos se intensificam, pois há muita resistência ao seu uso, já que alguns estudiosos e professores não 5Os livros didático e paradidático e suas escolhas acreditam que esse recurso contribui com as práticas de leitura, de produção de textos e de análise linguística. De qualquer maneira, os objetivos pedagógicos do uso de livros didáticos e paradidáticos são semelhantes aos objetivos da disciplina de português. Afinal, o uso do livro didático já é parte da cultura brasileira, no sentido de ter em comum uma linguagem, herança, valores compartilhados que intervém como o princípio de unidade social” (EAGLETON, 2011). Você pode partir da seguinte definição do papel do livro didático: ser “[...] instrumento que favoreça a aprendizagem do aluno, no sentido do domínio do conhecimento e no sentido da reflexão na direção do uso dos conhecimentos escolares para ampliar sua compreensão da realidade [...]” (ROJO; BATISTA, 2003, p. 44). É comum que se discuta a importância do livro didático e que se questione se ele é o vilão dos problemas de baixo desenvolvimento da capacidade de leitura e escrita dos alunos brasileiros. Contudo, não se pode esquecer de que ele é apenas um instrumento, um dos recursos didáticos que podem ser utilizados pelo professor. Seu objetivo pedagógico inicial é, portanto, servir de suporte para o desenvolvimento de situações de aprendizagem planejadas pelo professor. No ensino brasileiro, é comum que os docentes, em razão das condições impostas pelo sistema educacional, usem apenas o livro didático como recurso pedagógico. Dessa forma, os objetivos pedagógicos do livro se ampliam: ele se torna responsável pelo desenvolvimento das habilidades de leitura, escrita, oralidade e conhecimentos linguísticos. Para Pereira (2013), é comum que a sociedade contemporânea considere o letramento como elemento fundamental para o desenvolvimento da capaci- dade intelectual. Logo, o livro didático — instrumento ainda imprescindível e representativo dessa atividade —, assume importância crucial (PEREIRA, 2013). Dessa forma, a proposta pedagógica da escola e os objetivos pedagó- gicos estabelecidos para a disciplina e pelo professor revelam uma extrema dependência do livro didático. Nesse contexto, a finalidade de uso do livro didático transcende as paredes da escola: é disseminar o conhecimento para que o aluno, enquanto sujeito, construa uma reflexão e assuma um posicio- namento crítico para propor uma sociedade mais igualitária. Os livros didático e paradidático e suas escolhas6 Para tanto, um dos objetivos do livro didático deve ser viabilizar práticas de linguagem. Isso significa que ele deve oportunizar, por exemplo, produções textuais que considerem a leitura e a escrita como movimentos complementares. Além disso, deve descrever o funcionamento da língua para além da estrutura frasal. Dessa forma, um dos objetivos do livro didático é oportunizar a leitura e a escrita de textos que revelem as práticas da realidade social que cerca o indivíduo autor e o indivíduo leitor. Nesse sentido, sua finalidade pedagó- gica é oferecer atividades favoráveis ao desenvolvimento de potencialidades cognitivas: ler, escrever, revisar, analisar, avaliar. Veja o que afirma Tagliani (2011, documento on-line): O reflexo dessas concepções do trabalho com a produção de textos nos LDs [livros didáticos], como apontado na literatura sobre o assunto, nos remete para livros cujos autores demonstram preocupação em favorecer a realização do trabalho, no sentido de possibilitar ao aluno a leitura de diversos gêneros sobre um mesmo tema, além de dar orientações no sentido de organização prévia do texto e revisão individual do texto produzido. Por outro lado, a sensibilidade demonstrada em incluir textos representativos de diversos gêneros para leitura não necessariamentevem acompanhada de orientações metodológicas adequadas e suficientes para a produção desses textos — nor- malmente são instruções de caráter superficial. Além dos livros didáticos, como você viu, existem também os livros paradidáticos, que funcionam como um material complementar. Escolas e professores não têm a obrigação de adotar paradidáticos, mas seu uso é cada vez mais comum, pois eles cumprem alguns objetivos pedagógicos. Com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), o MEC determinou que questões sociais fossem apresentadas para a aprendizagem e a reflexão dos alunos. Veja: Os Parâmetros Curriculares Nacionais incorporam essa tendência e a incluem no currículo de forma a compor um conjunto articulado e aberto a novos temas, buscando um tratamento didático que contemple sua complexidade e sua dinâmica, dando-lhes a mesma importância das áreas convencionais. O currículo ganha em flexibilidade e abertura, uma vez que os temas podem ser priorizados e contextualizados de acordo com as diferentes realidades locais e regionais e outros temas podem ser incluídos (BRASIL, 1997, p. 25). A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) reforça essa necessidade de abordagens de temas transversais e acrescenta temas contemporâneos que devem ser incluídos nas propostas pedagógicas: 7Os livros didático e paradidático e suas escolhas Por fim, cabe aos sistemas e redes de ensino, assim como às escolas, em suas respectivas esferas de autonomia e competência, incorporar aos currículos e às propostas pedagógicas a abordagem de temas contemporâneos que afetam a vida humana em escala local, regional e global, preferencialmente de forma transversal e integradora. Entre esses temas, destacam-se: direitos da criança e do adolescente (Lei nº 8.069/1990), educação para o trânsito (Lei nº 9.503/1997), educação ambiental (Lei nº 9.795/1999, Parecer CNE/CP nº 14/2012 e Resolução CNE/CP nº 2/2012), educação alimentar e nutricional (Lei nº 11.947/2009), pro- cesso de envelhecimento, respeito e valorização do idoso (Lei nº 10.741/2003), educação em direitos humanos (Decreto nº 7.037/2009, Parecer CNE/CP nº 8/2012 e Resolução CNE/CP nº 1/2012), educação das relações étnico-raciais e ensino de história e cultura afro-brasileira, africana e indígena (Leis nº 10.639/2003 e 11.645/2008, Parecer CNE/CP nº 3/2004 e Resolução CNE/CP nº 1/2004), bem como saúde, vida familiar e social, educação para o consumo, educação financeira e fiscal, trabalho, ciência e tecnologia e diversidade cultural (Parecer CNE/CEB nº 11/2010 e Resolução CNE/CEB nº 7/2010) (BRASIL, 2017, p. 19). Assim, os temas transversais (ética, meio ambiente, pluralidade cultural, saúde e orientação sexual), muitas vezes não trabalhados nos livros didáticos, ganharam espaço significativo nos livros paradidáticos. Dessa possibilidade de uso, surge um objetivo pedagógico: enriquecer a sequência didática e o planejamento elaborados pelo professor. Entretanto, esse objetivo não se constrói sozinho: ele está atrelado à ideia de formação de leitores, um dos pilares do processo de ensino e aprendizagem da área de linguagem. A formação de leitores está associada à aprendizagem do pensar, pois quem lê se vê obrigado a lidar com conceitos, argumentos, resolução de problemas, etc. Isso contribui para o desenvolvimento da qualidade cognitiva das apren- dizagens, o que auxiliará os alunos não só no período escolar e nas atividades das aulas de português, mas também na busca por formas e instrumentos para lidar com dilemas e dificuldades da vida. O uso de paradidáticos, portanto, associa-se também à finalidade de formação humana. Entretanto, os livros paradidáticos não carregam exclusivamente uma finalidade em si. Eles dependem da elaboração de um projeto, do ensino de estratégias ade- quadas para a compreensão de textos. Para Pearson e Johnson (1978), os professores poderiam ensinar seus alunos a se tornarem leitores proficientes e autônomos. Isso inclui a formação de novos itinerários de leitura baseados no processo de meta- cognição, na interação do aluno/leitor com o texto por meio de seu conhecimento prévio, na construção de inferências e no estabelecimento de relações intertextuais. Dessa forma, constitui-se outro objetivo pedagógico no uso de paradidá- ticos: imprimir outra maneira de lidar com o ensino da leitura. Isto é, uma sequência didática que vise à leitura não pode basear-se apenas em atividades de perguntas sobre o texto. Os livros didático e paradidático e suas escolhas8 3 Escolha do livro didático No Brasil, as orientações acerca do livro didático utilizado nas escolas públicas são organizadas e fornecidas pelo PNLD. Esse programa existe desde 1985, mas ao longo dos anos sofreu algumas transformações. Uma das alterações mais signifi cativas diz respeito ao processo de escolha do livro didático: desde 1996, há um processo de avaliação pedagógica das obras inscritas no programa. Essa avaliação, além de contribuir para que os editores forneçam materiais de melhor qualidade, favorece a renovação das práticas de ensino nas escolas. Dessa forma, uma das primeiras ações para escolher um livro didático é analisar as seções indicadas pelo Guia do Livro Didático, elaborado pelo PNLD (2019, p. 1): visão geral, descrição da obra, análise da obra, uso em sala de aula. Observe: Visão Geral: apresenta as características gerais da obra, os propósitos, os referenciais teórico-metodológicos, os conceitos centrais, a abordagem di- dático-pedagógica e a organização do Manual do Professor e do Manual do Professor Digital, para que você tenha a visão inicial dos livros da coleção e dos pressupostos presentes em todos os volumes que a formam. Descrição da Obra: descreve, de forma detalhada, a estrutura e a organização dos volumes (número de páginas, capítulos, temas, conteúdos), as relações entre estes e outras informações relevantes da coleção. Análise da Obra: aponta as qualidades, ressalvas, o arranjo das com- petências e habilidades da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a formação cidadã, o respeito à legislação, às diretrizes educacionais, a qualidade do projeto gráfico, ou seja, delineia a proposta pedagógica da obra em sua totalidade: Livro do Estudante, Manual do Professor e o Manual do Professor Digital. Em Sala de Aula: indica, de forma mais explícita, como a coleção se vincula ao cotidiano do espaço escolar. Aponta suas potencialidades pedagógicas e seus limites, onde você, professor(a), deve atuar mais intensamente, comple- mentando detalhes para além dos livros e das páginas escritas que chegam até os(as) estudantes. Essa análise não é aleatória, pois está atrelada não só às concepções do professor e da escola, mas também à legislação vigente. Nesse sentido, é fundamental que o professor esteja ciente das competências específicas da língua portuguesa indicadas pela BNCC (BRASIL, 2018, p. 8): 9Os livros didático e paradidático e suas escolhas 1. Compreender a língua como fenômeno cultural, histórico, social, variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso, reconhecendo-a como meio de construção de identidades de seus usuários e da comunidade a que pertencem. 2. Apropriar-se da linguagem escrita, reconhecendo-a como forma de inte- ração nos diferentes campos de atuação da vida social e utilizando-a para ampliar suas possibilidades de participar da cultura letrada, de construir conhecimentos (inclusive escolares) e de se envolver com maior autonomia e protagonismo na vida social. 3. Ler, escutar e produzir textos orais, escritos e multissemióticos que circulam em diferentes campos de atuação e mídias, com compreensão, autonomia, fluência e criticidade, de modo a se expressar e partilhar informações, expe- riências, ideias e sentimentos, e continuar aprendendo. 4. Compreender o fenômeno da variação linguística, demonstrando atitude res- peitosa diante de variedades linguísticas e rejeitando preconceitos linguísticos. 5. Empregar, nas interações sociais, a variedade e o estilode linguagem adequados à situação comunicativa, ao(s) interlocutor(es) e ao gênero do discurso/gênero textual. 6. Analisar informações, argumentos e opiniões manifestados em interações sociais e nos meios de comunicação, posicionando-se ética e criticamente em relação a conteúdos discriminatórios que ferem direitos humanos e ambientais. 7. Reconhecer o texto como lugar de manifestação e negociação de sentidos, valores e ideologias. 8. Selecionar textos e livros para leitura integral, de acordo com objetivos, interesses e projetos pessoais (estudo, formação pessoal, entretenimento, pesquisa, trabalho etc.). 9. Envolver-se em práticas de leitura literária que possibilitem o desenvolvi- mento do senso estético para fruição, valorizando a literatura e outras ma- nifestações artístico-culturais como formas de acesso às dimensões lúdicas, de imaginário e encantamento, reconhecendo o potencial transformador e humanizador da experiência com a literatura. 10. Mobilizar práticas da cultura digital, diferentes linguagens, mídias e fer- ramentas digitais para expandir as formas de produzir sentidos (nos processos de compreensão e produção), aprender e refletir sobre o mundo e realizar diferentes projetos autorais. A BNCC é um documento orientador não apenas na indicação das competên- cias, mas também na estruturação da reflexão sobre a escolha do livro didático e do planejamento das aulas de língua portuguesa. Isso significa que a análise deve contemplar todos os eixos de integração da disciplina, correspondentes às práticas de linguagem. São eles: leitura, produção de textos, oralidade, análise linguística/semiótica. Para cada eixo, há dimensões relacionadas a cada prática de linguagem. É o que você pode ver no Quadro 1, a seguir. Os livros didático e paradidático e suas escolhas10 Fonte: Adaptado de Brasil (2017). Práticas de linguagem Dimensões Leitura Condições de produção e recepção dos textos; dialogia e relação entre textos; reconstrução da tex- tualidade; reflexão crítica sobre as temáticas; efeitos de sentido provocados pelos recursos linguísticos e multissemióticos; estratégias de procedimentos de leitura; adesão às práticas de leitura. Produção de texto Condições de produção dos textos; dialogia e relação entre textos; alimentação temática; construção da textualidade; aspectos notacionais e gramaticais; estratégias de produção. Oralidade Condições de produção dos textos orais; compre- ensão dos textos orais; produção de textos orais; compreensão dos efeitos de sentidos provocados pelos usos de recursos linguísticos e multissemióti- cos; relação entre fala e escrita. Análise linguística Fono-ortografia; morfossintaxe; sintaxe; semântica; variação linguística; elementos notacionais da escrita. Quadro 1. Práticas de linguagem em língua portuguesa e suas dimensões Para que esses pontos sejam analisados, o professor deve ter em mente as concepções que os fundamentam. Dessa forma, no eixo leitura, é imprescin- dível o acesso a textos de diferentes gêneros e a imagens, que se constituem em textos com linguagem não verbal. Os textos multissemióticos são espaço privilegiado de leitura na atualidade, pois lidam com a estrutura digital, que acompanha o cotidiano dos alunos fora da escola. Aliás, a realidade do aluno deve ser contemplada também pelas temáticas dos textos, pois as experiên- cias significativas de leitura geram interesse e contribuem para a formação cidadã. Portanto, os livros que apresentam textos com temáticas associadas a diversidades e desigualdades sociais tendem a ser bem avaliados. Como indica o Guia do PNLD (BRASIL, 2019, p. 22), 11Os livros didático e paradidático e suas escolhas Considerar os interesses e as preferências dos(as) estudantes e sua realidade local é uma prática pedagógica desejável para ampliar as estratégias de compre- ensão leitora, sobretudo aquelas que exigem a mobilização de conhecimentos prévios, a produção de inferências, a identificação de intertextualidades e a articulação entre as partes do texto e inferências mais profundas. As propostas de produção de textos também devem estar em sintonia com a reflexão e o estímulo ao convívio social ético e com experiências significativas e articuladas à realidade dos alunos. Além disso, é fundamental que as etapas de produção de texto sejam oportunizadas e orientadas: planejamento, escrita, revisão, reescrita e avaliação. Veja: As atividades de produção textual possibilitam experiências variadas como escrita coletiva; escritas individuais; escritas em duplas; composição ou con- tinuidade de um texto ou fragmento dele; e elaboração de textos pessoais, da esfera de atuação da vida pública, literária ou jornalístico-midiática, sem se esquecer do campo de estudo e pesquisa, como textos de divulgação cientí- fica ou de apoio a apresentações de estudos e pesquisas realizados pelos(as) estudantes. Por fim, destaca-se a seleção de temas para produções escritas pertinentes à faixa etária, e que contribuem para a sua formação social e cultural (BRASIL, 2019, p. 22). Quanto à oralidade, é importante analisar se há espaço para as práticas de linguagem desenvolvidas oralmente. A BNCC (BRASIL, 2017, p. 78) indica alguns exemplos: aula dialogada, webconferência, mensagem gravada, spot de campanha, jingle, seminário, debate, programa de rádio, entrevista, declamação de po- emas (com ou sem efeitos sonoros), peça teatral, apresentação de cantigas e canções, playlist comentada de músicas, vlog de game, contação de histórias, diferentes tipos de podcasts e vídeos [...]. O eixo análise linguística talvez seja o maior desafio para os autores de livros didáticos, pois é a seção que alguns deles tendem a tratar como uma lista de conteúdos. No entanto, a base para um trabalho fundamentado na concepção de linguagem como interação é que os conhecimentos linguísticos propiciem a reflexão sobre o funcionamento da língua de forma contextualizada. Nesse eixo, como indica o Guia do PNLD (BRASIL, 2019, p. 23), Os livros didático e paradidático e suas escolhas12 as propostas de atividades deveriam ser totalmente contextualizadas e voltadas para despertar no(as) estudantes a reflexão sobre como tais recursos ajudam no funcionamento da língua, isto é, fazê-lo(as) pensarem sobre quais efeitos de sentido o emprego de determinados recursos linguísticos e semióticos provoca. No entanto, na maioria das coleções aprovadas, as propostas ainda se valem de textos a partir dos quais são apresentados exercícios de identificação e de classificação de elementos ou termos gramaticais de forma conceitual, nor- mativista e tradicional. Por essa razão, tais propostas recebem a classificação mais baixa de grau de contemplabilidade das habilidades. Em suma, escolher o livro didático de língua portuguesa envolve uma análise minuciosa de pontos associados às práticas de leitura. Essa análise deve provocar a reflexão docente e debates em todas as esferas educacionais. A ideia é que se construam, planejem e privilegiem práticas de ensino que concebam, de fato, a linguagem como interação, envolvendo situações contextualizadas. BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: MEC, 2017. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC, 1997. BRASIL. Ministério da Educação. Plano nacional do livro didático. Brasília: MEC, 2019. CAMPELLO, B. S.; SILVA, E. V. Subsídios para esclarecimento do conceito de livro paradi- dático. Bibliotecas Escolar em Revista, v. 6, n. 1, 2018. Disponível em: http://www.revistas. usp.br/berev/article/view/143430. Acesso em: 9 fev. 2020. EAGLETON, T. A ideia de cultura. São Paulo: UNESP, 2011. FERREIRA, N. S. A.; MELO, E. A. A. Livros paradidáticos de língua portuguesa: a nova fórmula do velho. Pro-Posições, v. 17, n. 2, maio/ago. 2016. 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Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. PEREIRA, A. L. Representações de gênero em livros didáticos de língua estrangeira: discursos gendrados e suas implicações para o ensino. In: PEREIRA, A. L.; PEREIRA, A. L.; GOTTHEIM, L. (org.). Materiais didáticos para o ensino de língua estrangeira processos de criação e contextos de uso. Campinas: Mercado de Letras, 2013. PUPO, D. D.; MELLO, I. C. Contribuições do livro paradidático “SUA NOVA MAJESTADE: A SOJA” para o ensino de química em Mato Grosso. In: ENCONTRO NACIONAL DE EN- SINO DE QUÍMICA, 18., 2016. Anais [...]. Florianópolis, 2016. Disponível em: http://www. eneq2016.ufsc.br/anais/resumos/R1484-2.pdf. Acesso em: 9 fev. 2020. ROJO, R. O perfil do livro didático de língua portuguesa para o ensino fundamental (5ª a 8ª séries). In: ROJO, R.; BATISTA, A. Livro didático de língua portuguesa, letramento e cultura da escrita. 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