Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-3529-8 Divanir Eulália Naréssi Munhoz Maria Cecília N. M. Affornalli Maria Fátima Balestrin Noêmia Lazzareschi Regina Célia Veiga da Fonseca Pe sq ui sa S o ci al Pesquisa Social Pesquisa Social Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Pesquisa Social Divanir Eulália Naréssi Munhoz Maria Cecília N. M. Affornalli Maria Fátima Balestrin Noêmia Lazzareschi Regina Célia Veiga da Fonseca IESDE Brasil S.A. Curitiba 2012 Edição revisada Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br © 2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. Capa: IESDE Brasil S.A. Imagem da capa: Shutterstock IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Todos os direitos reservados. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________________________ P564 Pesquisa social / Divanir Eulália Naréssi Munhoz ... [et al.]. - 1. ed., rev.. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2012. 152 p. : 28 cm Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-3529-8 1. Pesquisa social. I. Munhoz, Divanir Eulália Naréssi. 12-9302. CDD: 300.72 CDU: 316.77 19.12.12 27.12.12 041708 ________________________________________________________________________________ Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Sumário Diferentes expressões do conhecimento | 7 Ciência como expressão acadêmica de conhecimento | 7 Realidade das relações entre conhecimento científico e senso comum | 9 Um enfoque com sabedoria | 10 A responsabilidade do pesquisador | 12 A peculiaridade das ciências sociais no mundo científico | 21 Classificação das Ciências | 21 As Ciências Sociais: características básicas | 22 A questão da objetividade e a responsabilidade do estudioso | 24 A natureza qualitativa da pesquisa nas Ciências Sociais | 26 O método científico e a pesquisa | 33 Método experimental | 34 O caráter provisório da ciência | 34 Pesquisa | 35 Métodos quantitativos, qualitativos e coleta de dados | 39 Método quantitativo | 39 Método qualitativo | 39 Coleta de dados | 40 Metodologia nas ciências sociais | 47 Metodologia enquanto caminho do pensamento | 50 Metodologia enquanto conjunto de técnicas | 52 Metodologia e potencial criativo do investigador | 55 Funções do conhecimento na pesquisa | 56 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Os limites do positivismo nas pesquisas sociais | 65 Contexto histórico em que surge o Positivismo | 65 O pensamento de Augusto Comte | 66 O método do positivismo na pesquisa social | 68 Principais críticas aos postulados positivistas | 70 O método dialético, o holismo e a complexidade: enfrentamentos à lógica formal | 79 O método do abstrato ao concreto | 79 A realidade na visão holística e complexa | 85 Enfrentamentos à lógica formal | 87 A contribuição da fenomenologia e o método hermenêutico-dialético para a pesquisa social | 95 A fenomenologia | 95 O método hermenêutico-dialético | 101 O tema de uma pesquisa, problema, hipóteses e variáveis | 111 A escolha do tema | 111 Predicados de um bom tema | 112 Como formular um problema? | 113 Como construir hipóteses? | 114 Variáveis | 114 Estrutura de um projetoe técnicas de leitura | 119 Elementos geralmente usados em um projeto de pesquisa | 120 Técnicas de leitura | 123 Análise dos dados à luz da teoria | 129 O papel da teoria ou paradigma | 130 As anomalias do paradigma, a crise na ciência e as revoluções científicas | 132 Responsabilidade do pesquisador e aspectos éticos da pesquisa social | 139 Referências | 147 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Apresentação A presente obra, composta pela contribuição riquíssima das autoras Divanir Eulália Naréssi Munhoz, Maria Cecília Naréssi Munhoz Affornalli, Regina Célia Veiga da Fonseca, Maria Fátima Balestrin e Noêmia Lazzareschi, expressa com grande qualidade os desafios daqueles que se lançam a estudar as questões de pesquisa social. Trata, é claro, da metodologia da pesquisa social, informando aos leitores os meios e técnicas essenciais para formulação e execução dessa atividade, contemplando as dimensões da ciência e do espírito científico, as diversas formas de pesquisa, a estruturação do projeto, o estabelecimento do problema, hipóteses, variáveis, as formas de coleta de dados e a inserção do pesquisador no universo da pesquisa, e vai além. Isto pois os diversos textos contidos nesse volume realizam uma crítica à pretensa onipotência do conhecimento acadêmico, destacando as relações de antagonismo com o senso comum, as tensões entre as ciências sociais e as ciências naturais, questionando o mito da neutralidade científica, alertando para o caráter histórico e provisório de toda teoria e ciência, bem como os problemas inevitáveis em operar com os diversos paradigmas disponíveis. Tais questões são de importância essencial, uma vez que demonstram ao leitor a multiplicidade dos objetos com que irá se deparar, bem como a especificidade das Ciências Sociais no mundo científico. Nesse ponto, as discussões contidas neste livro desenvolvem a problemática da objetividade nas Ciências Humanas e Sociais, ou seja, a impossibilidade da neutralidade e precisão absoluta do pesquisador em relação ao contexto humano que tem como objeto de investigação. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A responsabilidade do pesquisador em seu ofício é condição fundamental para sua pesquisa, bem como sua formação teórica continuada, a permanente autocrítica e autovigilância de sua atuação, pois a atividade científica não ocorre de forma isolada do mundo social. Interligando, portanto, a pesquisa empírica e a teórica, criticando pretensões à “verdade absoluta”, percebendo que em seu ofício o sujeito pesquisador e o objeto humano investigado são necessariamente interligados (e ambos produtos históricos e sociais), o aluno, segundo as orientações deste volume, poderá ter a justa compreensão dos desafios éticos que sua atuação enfrenta diariamente, e por isso, dimensionar corretamente a importância de sua atividade, a necessidade de rigor em sua prática, a responsabilidade que subjaz em cada procedimento de interpretação, teorização e coleta de dados. Todas essas discussões são de evidente importância aos estudantes de Ciências Sociais que se lançam no desafio, tão necessário e essencial, de se constituírem sujeitos-agentes, críticos e transformadores. Boa leitura! Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Diferentes expressões do conhecimento Divanir Eulália Naréssi Munhoz* Maria Cecília Naréssi Munhoz Affornalli** Ciência como expressão acadêmica de conhecimento O homem, fazendo uso de suas potencialidades, busca conhecer o mundo que está à sua volta. O saber que vai se constituindo a partir desse seu exercício de curiosidade, vai lhe possibilitando, conforme observa Gil (1999, p.19-20), desenvolver sistemas com maior ou menor nível de elaboração e que lhe permitem penetrar na “natureza das coisas” e no “comportamento das pessoas”. Assim, conhecer é se aproximar da realidade, detendo alguma forma de informação sobre umaspecto dela. Nesse pro- cesso e diante da necessidade de conhecimentos cada vez mais precisos sobre a realidade, é que se de- senvolve a ciência. Mas... o que é ciência? De modo geral, por ciência entende-se todo conhecimento racional, rigoroso, da realidade, ge- ralmente em termos de suas causas; conhecimento metodicamente organizado e elaborado a partir da observação, do raciocínio, da experimentação, em contraposição ao conhecimento imediato e à opi- nião. A ciência “é um modo de conhecimento que procura formular, mediante linguagens rigorosas e apropriadas, leis por meio das quais se regem os fenômenos”(MORA, 1982, p. 61). * Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Graduada em Serviço Social pela Pontíficia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). ** Doutoranda em Direito pela Universidade Católica de Santa Fé. Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Especialista em Novas Tendências do Direito Contemporâneo pela UEPG. Graduada em Direito pela UEPG. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Por sua vez, espírito científico designa tradicionalmente a deontologia1 do cientista que, no exercício de sua profissão deve ter por um lado as qua- lidades morais (desinteresse, probidade) e, por outro, as qualidades intelectuais (curiosidade intelectual, espírito crí- tico, espírito de submissão aos fatos, sentido do problema e crença nos princípios diretores da ciência). (DUROZOI; ROUSSEL, 1993, p. 79) A ciência, segundo Gil (1999, p. 21), de modo geral, pode ser “caracterizada como uma forma de conhecimento objetivo, racional, sistemático, geral, verificável e falível”: objetivo porque descreve a realidade independentemente dos caprichos do pesquisador; racional porque se vale sobretudo da razão, e não de sensação ou impressões, para chegar a seus resultados; sistemático porque se preocupa em construir sistemas de ideias organizadas racionalmente e em incluir os conheci- mentos parciais em totalidades cada vez mais amplas; geral porque seu interesse se dirige fundamentalmente à elaboração de leis ou normas gerais para explicar os fenômenos; verificável porque, via de regra possibilita, em grande parte de seus domínios, demonstrar a veracidade das informações; falível porque, ao contrário de outros sistemas de conhecimento elaborados pelo homem, reconhece sua própria ca- pacidade de errar. Essas características possibilitam, até certo ponto, diferenciar o conhecimento científico do co- nhecimento/saber em geral, embora nem sempre essa distinção possa ser precisa. No entanto, é preciso observar que a epistemologia, cuja tarefa consiste em desenvolver reflexão acerca da lógica de pensamento que fundamenta os diferentes métodos de fazer ciência, bem como sobre os fundamentos da ciência em geral, não desconsidera que a própria razão científica é suscetível de sofrer influência da história e dos contextos culturais, porque não existe razão imutável. Admite-se, hoje, ainda com base em Durozoi e Roussel (1993, p. 79-80), que as “condições de inteligibilidade variam de uma época para outra” e que, assim sendo, “o espírito científico irá designar [...] o conjunto das cate- gorias mentais ou o corpo de conceitos – válidos numa determinada época histórica – que o cientista será levado a utilizar em sua prática de homem de ciência”. Ao lado dessa temporalidade conceitual, o cientista é convidado a jamais abandonar-se ao ab- soluto da certeza e a estar sempre na postura de dúvida em relação ao saber até então constituído, ao saber que está por constituir-se e ao saber que ele está ajudando a construir naquele seu momento de pesquisador/estudioso. E apesar do controle da própria subjetividade se apresentar como desafio maior para os pesquisadores no âmbito das ciências humanas e sociais, porque muitos dos fenômenos/problemas que constituem seu campo de estudo fazem parte igualmente do seu cotidiano como cidadão, pode- -se dizer que também nos demais domínios da ciência não se tem autorização para falar em verdade absoluta. Porque a construção do conhecimento é um processo, é movimento, entendendo-se com isso que sempre se pode avançar nos resultados. Compreender essa realidade não exime o estudioso de caminhar em busca do máximo de verdade possível; ao contrário, compromete-o a imprimir ao seu caminho na produção do conhecimento uma constante autocrítica, um autopoliciamento, em busca da maior objetividade dos resultados para “aquele” momento. 1 Deontologia: conjunto de princípios, regras e deveres que devem orientar a conduta de um estudioso, de um profissional. 8 | Diferentes expressões do conhecimento Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 9|Diferentes expressões do conhecimento Realidade das relações entre conhecimento científico e senso comum Um aspecto que precisa ser necessariamente considerado quando se ingressa na pesquisa – con- sequentemente no campo da produção do conhecimento – é a bipolarização com que é enfocada a questão do saber: de um lado, a teoria e, de outro, o senso comum. A teoria com foro de autoridade, porque considerada guardiã da verdade e produto da racionalidade, e o senso comum desautorizado como campo do simplesmente razoável, quando não da inconsequência e da irracionalidade. O entendimento do que seja senso comum é, via de regra, reduzido a qualidades negativas: conhe- cimento vulgar, comum; terreno das crenças, da razão grosseira que simplesmente se conforma às normas tradicionais e é complacente com o meio cultural; conhecimento que mascara a realidade, naturalizando as desigualdades e constituindo-se, assim, na instância do conformismo e da justificação; conhecimento que se fundamenta na confiança irrestrita nos sentidos, o que o coloca acima de toda a argumentação. Mas o senso comum – a que Augusto Santos Silva se refere como “o nível das representações mais ‘imediatas’, mais ‘espontâneas’, sobre a realidade”, sinônimo de “conhecimento prático”(1986, p. 31) – é, na verdade, não uma realidade negativa, mas uma realidade contraditória: abriga não só erros, precon- ceitos, ideologia, mas também um arsenal de conhecimento acumulado, apropriado pelo sujeito de tal forma que dele constitui parte integrante. O sujeito, assim, sabe sem saber que sabe, pois grande parte do seu conhecimento acumulado nem é por ele percebido como tal, em virtude da naturalidade com que acontece a apropriação dos resulta- dos das experiências que perpassam o seu cotidiano. O senso comum, então, é constituído de provas nem sempre derivadas de desafios acadêmicos; ao contrário, as mais das vezes, compõe-se de provas que já foram antecipadas por experiências anteriores, por práticas cotidianas – aparentemente sem fun- damentação científica2 – que atendem necessidades humanas de forma muitas vezes bastante satisfa- tória, o que faz esse nível do conhecimento constituir-se em campo repleto de possibilidades para a geração de hipóteses científicas. Mas, para fazer frente aos que reduzem o senso comum não somente a “bom” senso, mas a “simples”3 bom senso, é conveniente lembrar que etimologicamente a expressão denota um entendi- mento, um juízo (senso) que é partilhado por todos ou por muitos (comum)4. 2 É preciso considerar-se que as práticas aparentemente sem apoio na ciência e entendidas como alicerçadas apenas na intuição e no improviso, têm, muitas vezes, fundamentação científica sensocomunizada a tal ponto – por via individual ou da cultura do grupo – que o sujeito desconhece a origem e a natureza do seu saber, bem como, conforme já disse, o próprio saber: não sabe o que sabe, não sabe que sabe; apenas age, mas age com apoio num saber que não se dá conta que possui. 3 Quando “simples” é entendido em termos de julgamento nãoapenas simples, mas “simplista”. 4 Senso comum: “A primeira acepção da fórmula [senso comum], que deriva de Aristóteles [...] designa o órgão central (e a função correspon- dente) que, por um lado, supera a diversidade sensorial e combina as impressões para constituir a unidade do objeto percebido, e que, por outro, conservando as imagens, é capaz de reencontrar a partir de elementos parciais os dados sensoriais ausentes relativos ao objeto” perce- bido (DUROZOI; ROUSSEL, 1993, p. 430 – destaques nossos). “O senso comum, enquanto conceito filosófico, surge no século XVIII e representa o combate ideológico da burguesia emergente contra o irracionalismo do ancien régime. Trata-se, pois, de um senso que se pretende natural, razoável, prudente, um senso que é burguês e que, por uma dupla implicação, se converte em senso médio e em senso universal. A valorização filosófica do senso comum esteve, pois, ligada ao projeto político de ascensão ao poder da burguesia, pelo que não surpreende que, uma vez ganho o poder, o conceito filosófico de senso comum tenha sido correspondentemente desvalorizado como significando um conhecimento superficial e ilusório. É contra ele que as ciências sociais nascem no século XIX”. Assim, “é preciso ter presente que a caracterização do senso comum é usualmente feita a partir da ciência e que, por isso, não surpreende que esteja saturada de negatividade [...]”(SANTOS, 1990, p. 39-40 e 43, destaques nossos) Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Segundo Boaventura de Sousa Santos (1990, p. 40-41), ”se é certo que o senso comum é o modo como os grupos ou classes subordinadas vivem a sua subordinação” e que o “objetivismo”, o “realismo”, o “individualismo” e o “naturalismo”, “ingênuos”, que fazem parte da óptica pela qual o senso comum en- cara a sociedade, favorecem a reprodução do sistema vigente – também é verdade que – a exemplo de estudos sobre subculturas – essa vivência não é simplesmente “acomodatícia”, pois pode conter sen- tido de “resistência” capaz mesmo de “transformar-se em armas de luta”. Afinal, não se pode ter uma concepção única do senso comum; além disso, “viés conservador” também pode ser identificado em “teorias científicas”, sendo que a eficácia social destas, no que diz respeito ao conservadorismo, tende a ser maior, pelo suporte que confere o status de conhecimento científico (SANTOS, 1990, p. 52) que as embasa e legitima. Afinal, a informação, o conhecimento, com o rótulo de ciência, podem ser mais con- vincentes. Por sua vez, o saber científico – colocado num plano de superioridade e num hermetismo5 de linguagem que dificulta e até mesmo impede a comunicação entre as diferentes profissões e com as necessidades humanas concretas – tem dificuldade de estabelecer diálogo com o senso comum, decor- rendo daí a referida bipolaridade que compromete também a relação entre teoria e prática e, pior, en- tre ciência e realidade. Buzzi (1979, p. 63) diz que todo homem “nasce dentro de uma situação já interpretada”: encontra, ao nascer, “um mundo de coisas dotado de significação”, “mundo significativo que ele mesmo não criou mas herdou”. Um arsenal de conhecimentos que o homem possui e que lhe serve principalmente para proceder à interpretação das experiências que viveu e das que ele está vivenciando. Thompson (1981, p.17) alerta que, “fora dos recintos da universidade, outro tipo de produção de conhecimento se proces- sa o tempo todo” (embora esteja ciente de que ele “nem sempre é rigoroso”), conhecimento que está por trás das ações cotidianas dos homens – apesar de estes nem sempre terem consciência dessa rela- ção – o que os ajuda substancialmente a darem conta de grande parte das necessidades de sua existên- cia como pessoas e como profissionais. O senso comum, conforme Buzzi (1979, p. 71), “exprime [...] um saber de uso e um saber significati- vo da realidade. Se no nível de uso deve às vezes ser ultrapassado [...], no nível significativo ele aí está no povo, evocando uma sabedoria de vida de cuja tradição depende a beleza da convivência humana”. Ele não só capacita o homem para ações na realidade como também o faz sensível para o significado das situações – especialmente no campo das ciências sociais6 – embora contra ele a ciência tenha travado – e venha travando – batalha sem tréguas. Boaventura de Sousa Santos (1988, p. 32-33) observa que isso fez da ciência um conhecimento pouco sensível ao mundo, “um conhecimento desencantado e triste”, pautado num rigor que afirma a “personalidade do cientista”, mas “destrói a personalidade da natureza” e que, enganando-se pelo fascínio da tecnologia, perde de vista o homem. Um enfoque com sabedoria É necessário que o estudante que ingressa no mundo da pesquisa atente para as consequências da relação bipolar que se evidencia entre ciência e senso comum, em muitos contextos de produção do 5 Hermetismo de linguagem: refere-se aqui a uma linguagem de compreensão muito difícil. 6 A respeito da relação entre ciência e senso comum, diz Boaventura de Sousa Santos: “Ao contrário das ciências naturais, que sempre recusaram frontalmente o senso comum sobre a natureza, as ciências sociais têm tido com ele uma relação muito complexa e ambígua”(1990, p. 40, destaques nossos). 10 | Diferentes expressões do conhecimento Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 11|Diferentes expressões do conhecimento conhecimento. Diante disso, entende-se que para o conhecimento produzido no âmbito da ciência efe- tivamente contribuir para uma vida mais conforme a dignidade do homem, a chave é a modificação da natureza das relações entre conhecimento científico e senso comum. É preciso, então, romper com a crença por parte do conhecimento acadêmico de que, com sua (pre- tensa) onipotência, ao estender suas “redes conceituais” sobre o “mundo opaco e ininteligível” até então, a “transparência e a inteligibilidade” o perpassarão por inteiro, como diz Chauí (1989, p. 50); romper com essa pretensão – essa “arrogância erudita” de que fala Augusto Santos Silva (1986, p. 31) – arrogância que esquece que os cientistas são tão sujeitos a “pressupostos e operadores ideológicos” como quaisquer ou- tros atores sociais, e que a “oposição entre ciência e senso comum é uma oposição relativa”. E ao lado dessa mudança de óptica frente à relação entre ciência e senso comum, é preciso enfati- zar-se o entendimento de que não se trata apenas de maior sofisticação ou precisão de linguagem: Santos (1990, p.127) lembra Bourdieu, segundo o qual a “linguagem vulgar” portadora de “toda uma filosofia pe- trificada do social” pode “ressurgir nas palavras comuns ou complexas usadas pelo sociólogo”, o que faz com que a diferença entre saber científico e não científico vá mais além da natureza da linguagem. Isso tudo evidencia a ilusão de que a ciência seja poder absoluto – porque pretensamente onisciente7 – e não legitima a negação de toda leitura não científica sobre a realidade, nem justifica que o conhecimento científico se negue a dialogar com outros saberes, mesmo porque, conforme Silva (1986, p. 31), “aquilo a que chamamos senso comum forma um dos objetos centrais de qualquer ciência social”, ou seja, do universo do senso comum derivam muitos temas objeto de estudo pela comunidade científica. Além disso, se mesmo no âmbito das ciências naturais, não se pode colocar em extremos opostos o conhecimento do senso comum e o conhecimento científico, particularmente no terreno das ciências humanas e sociais, no campo do social, essa expressão diferencial é muito menos significativa. Mas para que a relação entre conhecimento científico e conhecimento do senso comum efeti- vamente aconteça, o profissional precisa dispor de um referencial teórico constantemente ampliado e submetido à crítica. Daí entende-se que o processo de valorização do saber do senso comum, para possibilitar a identificaçãode aspectos desse nível de conhecimento que encerrem sabedoria, impli- ca em sua leitura através do conhecimento científico efetivamente apropriado pelo pesquisador. Isso porque só o estudioso seguro da consistência do conhecimento científico de que dispõe – e que tenha claro para si a lógica de pensamento que constitui o eixo desse conhecimento – é que terá seguran- ça para dialogar com um saber de outra ordem – nesse caso, o saber do senso comum – sem se sentir ameaçado por ele. Se o estudioso admitir que, na sua condição de pesquisador, não pode proceder a um despoja- mento absoluto dos conteúdos de senso comum, que necessariamente compõem o arsenal de concei- tos orientadores de seu pensar como cidadão –”homem comum”– é já um passo significativo: ele não mascara sua própria realidade! Se, além desse “enxergar-se” objetivamente, ele também tiver claro que jamais poderá dicotomi- zar8 aquele arsenal de conceitos a ponto de proceder uma ruptura, e muito menos uma ruptura total, entre o que tem foro de teoria e o que é do senso comum – apesar de dar-se conta das características diferenciais entre essas duas instâncias – e se, por conseguinte, ele entender a necessidade de diálogo 7 Onisciente: que sabe tudo. 8 Dicotomizar: dividir em duas partes. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br entre saber do senso comum e saber teórico, para que os conteúdos deste último possam agir crítica, esclarecedora e transformadoramente sobre os conhecimentos que foram legados ao homem pela tra- dição, pela cultura, pela religião – e que compõem o senso comum – seu caminho é promissor! Mas, se, mais que isso, ele ainda se der conta que o conhecimento teórico, para tornar-se facil- mente ativável no cotidiano da prática, precisa ser incorporado pelo profissional, fazer parte dele, da mesma forma que o conhecimento ordinário, ele realmente terá conseguido expressivo alcance. Isso por ter aceito o desafio de “sensocomunizar” o conhecimento que vai além do senso comum (o científi- co). Entendendo-se por “sensocomunizar” o conhecimento científico como sua incorporação ao pensar do estudioso por processo semelhante ao que naturalmente utilizamos em relação à tradição, à cultu- ra, ou seja, ao senso comum. Por outro lado, enquanto a teoria transforma elementos do senso comum em hipóteses teóricas e os devolve àquele com maiores luzes de esclarecimento – até no sentido de justificar o significado des- ses elementos para o cidadão – ela, a teoria, também é cobrada, pelo conhecimento ordinário, quanto ao significado de seus produtos para a vida do homem. Quanto a essa relação entre saber e a qualidade da vida do homem em sociedade, há que se ava- liar o conhecimento tanto em termos de sua capacidade de leitura da realidade como de sua conse- quente contribuição para alicerçar ações nessa realidade. A responsabilidade do pesquisador Sempre preocupado com a vinculação entre conhecimento teórico e realidade, Boaventura de Sousa Santos (1990, p. 30-32) ousa dizer: “Nas atuais circunstâncias, o objetivo existencial da ciência está fora dela”; e tal objetivo consiste em “democratizar e aprofundar a sabedoria prática [...], o hábito de de- cidir bem”. Ela, a ciência, não pode ser “uma prática em si”; não pode marginalizar a reflexão acerca das condições sociais em que se produz e se distribui o conhecimento científico, ou seja, não pode ignorar a importância de suas consequências para a sociedade. Ainda Santos (1988, p. 35, 48-49), discutindo os limites da ciência moderna, vê que sua ultra- passagem demanda o alcance de um estágio onde a fidelidade seja menos relacionada com parâ- metros conceituais e mais com a qualidade de vida do homem, em fazer-se, pois, o conhecimento afim à realidade humana. Tendo em vista, então, que, na ação humana, senso comum e conhecimento científico se entrela- çam, é preciso romper com a compreensão deles como instâncias contrárias, e adotar postura que ad- mita o diálogo entre ambos, onde se reconheça a relativa provisoriedade da verdade científica, a não neutralidade e a falibilidade do cientista, características que diminuem a distância em relação ao senso comum; é um diálogo que pode trazer luzes de esclarecimento para este último, bem como a ciência para mais perto do homem. 12 | Diferentes expressões do conhecimento Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 13|Diferentes expressões do conhecimento Texto complementar Ciência e cientificidade (MINAYO, 1999) O campo científico, apesar de sua normatividade, é permeado por conflitos e contradições. E para nomear apenas uma das controvérsias que aqui nos interessa, citamos o grande embate sobre a cientificidade das ciências sociais, em comparação com as ciências da natureza. Há os que buscam a uniformidade dos procedimentos para compreender o natural e o social como condição para atri- buir o estatuto de “ciência” ao campo social. Há os que reivindicam a total diferença e especificidade do campo humano. Paul de Bruyne e colaboradores (1991) advogam que a ideia da cientificidade comporta, ao mesmo tempo, um polo de unidade e um polo de diversidade. Ou seja, existe possibilidade de en- contrarmos semelhanças relativamente profundas em todos os empreendimentos que se inspiram na ideia geral de um conhecimento por conceitos, seja de caráter sistemático, seja exploratório e di- nâmico. [...] Mas, por outro lado, a cientificidade não pode ser reduzida a uma forma determinada de conhecer; ela pré-contém, por assim dizer, diversas maneiras concretas e potenciais de realização. Tal reflexão se torna particularmente fundamental para nosso objeto de estudo [...] a pesquisa social. A interrogação enorme em torno da cientificidade das ciências sociais se desdobra em várias questões. A primeira diz respeito à possibilidade concreta de tratarmos de uma realidade da qual nós próprios, enquanto seres humanos, somos agentes. Essa ordem de conhecimento não escaparia radicalmente a toda possibilidade de objetivação? Em segundo lugar, será que, buscando a objetivação própria das ciências naturais, não estaría- mos descaracterizando o que há de essencial nos fenômenos e processos sociais, ou seja, o profun- do sentido dado pela subjetividade? Por fim e em terceiro lugar, que método geral poderíamos propor para explorar uma realidade tão marcada pela especificidade e pela diferenciação? Como garantir a possibilidade de um acordo fundado numa partilha de princípios e não de procedimentos? [...] Poderíamos dizer, nesse sentido, que o labor científico caminha sempre em duas direções: numa, elabora suas teorias, seus métodos, seus princípios e estabelece seus resultados; noutra, inventa, ratifica seu caminho, abandona certas vias e encaminha-se para certas direções privilegiadas. E ao fazer tal per- curso, os investigadores aceitam os critérios de historicidade, de colaboração e, sobretudo, imbuem-se da humildade de quem sabe que qualquer conhecimento é aproximado, é construído. [...] Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O objeto das Ciências Sociais é histórico. Isso significa que as sociedades humanas existem num determinado espaço cuja formação social e configuração são específicas. Vivem o presente marca- do pelo passado e projetado para o futuro, num embate constante entre o que está dado e o que está sendo construído. Portanto, a provisoriedade, o dinamismo e a especificidade são característi- cas fundamentais de qualquer questão social. Por isso, também, as crises têm reflexo tanto no de- senvolvimento como na decadência de teorias sociais. [...] Por fim, é necessário afirmar que o objeto das Ciências Sociais é essencialmente qualitativo. A re- alidade social é o próprio dinamismo da vida individual e coletiva com toda a riqueza de significados dela transbordante. [...] As Ciências Sociais, no entanto, possueminstrumentos e teorias capazes de fa- zer uma aproximação da suntuosidade que é a vida dos seres humanos em sociedades, ainda que de forma incompleta, imperfeita e insatisfatória. Para isso, ela aborda o conjunto de expressões humanas constantes nas estruturas, nos processos, nos sujeitos, nos significados e nas representações. Atividades 1. Como você diferenciaria, para alunos que ingressam no Ensino Superior, conhecimento científi- co de conhecimento do senso comum? 14 | Diferentes expressões do conhecimento Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 15|Diferentes expressões do conhecimento 2. Refletindo sobre o que expõe o texto a respeito da importância de incorporarmos o conhecimen- to científico pelo mesmo processo por meio do qual apreendemos o conhecimento do senso comum, registre um exemplo da importância desse processo de “sensocomunização” para o de- sempenho de algum tipo de profissional. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 3. Comente alguns aspectos diferenciadores da pesquisa em ciências naturais em relação à pesqui- sa com fenômenos humanos e sociais. 16 | Diferentes expressões do conhecimento Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 17|Diferentes expressões do conhecimento 4. Diante da evidência de que o conhecimento científico também é falível, ou seja, não encerra a verdade absoluta, pergunta-se: no seu entender, isso lhe retira a credibilidade? Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Gabarito 1. Senso comum. O senso comum, que compreende elementos da cultura e incorpora a tradi- ção e os resultados da experiência, é constituído de um saber não necessariamente derivado de desafios acadêmicos; entende-se, então, que ele até pode, em alguns/muitos casos, derivar de estudos científicos quando certos aspectos desses estudos, divulgados à sociedade, apre- sentam-se como tão convincentes e de tranquila apreensão – porque sem hermetismo de lin- guagem – que são facilmente apreendidos pelo “homem comum”. Também, ao contrário de derivar de estudos científicos, as mais das vezes, o senso comum compõe-se de provas que já foram antecipadas por experiências anteriores, por práticas cotidianas – aparentemente sem fundamentação científica – mas que atendem necessidades humanas de forma muitas vezes bastante satisfatória, o que faz esse nível do conhecimento constituir-se em campo repleto de possibilidades para a geração de hipóteses científicas. Para firmar essa compreensão de que conceitos científicos podem também estar presentes no senso comum, é importante recorrer à explicação etimológica da expressão: senso corresponde a “juízo” que é partilhado por muitos, portanto, que é “comum”; comum não por ser de qualidade inferior, mas por ser comungado, partilhado por muitos. Assim, no senso comum estão compreendidos juízos/entendimentos sobre aspectos da realidade que são conhecidos por grande parte da sociedade/população. É um conhecimento que não precisa necessariamente ser buscado nos livros; ele está presente na “cabeça” das pessoas que o acionam automaticamente quando dele precisam para seu vi- ver cotidiano. E quanto à sua qualidade, é importante registrar-se que consiste não necessa- riamente numa realidade negativa, mas numa realidade contraditória: ao mesmo tempo que pode abrigar erros, preconceitos, ideologia, é também sinônimo de conhecimento útil para a prática cotidiana. Como diz Augusto Santos Silva (1986, p. 31), o senso comum constitui “o nível das representações mais ‘imediatas’, mais ‘espontâneas’, sobre a realidade”; e é apropriado pelo sujeito de tal forma que dele constitui parte integrante. Ciência/Conhecimento científico. De modo geral, por ciência entende-se todo conhecimento ra- cional, rigoroso, da realidade, geralmente em termos de suas causas; conhecimento metodica- mente organizado e elaborado a partir da observação, do raciocínio, da experimentação, em contraposição ao conhecimento imediato e à opinião. A ciência “é um modo de conhecimento que procura formular mediante linguagens rigorosas e apropriadas, leis por meio das quais se regem os fenômenos”(MORA, 1982, p. 61). Gil (1999, p. 21) aponta a ciência como uma forma de conhecimento “objetivo, racional, sistemático, geral, verificável e falível”. Nessas características, a falibilidade denuncia que o conhecimento científico, mesmo com todos os cuidados por parte do pesquisador para garantia de seus enunciados, também está sujeito à necessidade de corrigir-se e complementar-se tanto pela evolução dos métodos, como pelo caminhar da própria história. 2. A “sensocomunização” consiste na incorporação do conhecimento científico ao pensar do estu- dioso, por processo semelhante ao que naturalmente utilizamos em relação à tradição, à cultura, ou seja, ao senso comum; processo que torna o conhecimento científico mais disponível como caminho de pensamento do profissional no seu cotidiano. Por exemplo, um médico já utilizou tantas vezes, na sua prática cotidiana de atendimento a pessoas com determinados sintomas, a 18 | Diferentes expressões do conhecimento Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 19|Diferentes expressões do conhecimento literatura médica, que não precisa mais, em muitos casos, recorrer a ela para solicitar exames que possam testar suas hipóteses de diagnóstico; consegue interpretar o que a pessoa expressa a par- tir do referencial teórico que já incorporou (de tanto que estudou), da mesma forma que sabe que precisa abrir o guarda-chuva quando está chovendo. 3. Conforme Minayo (1999, p.10-15), o “campo científico, apesar de sua normatividade, é perme- ado por conflitos e contradições”, onde se destaca a discussão sobre a natureza do que se en- tende por cientificidade nas ciências sociais, em relação com o entendido por científico nas ciências da natureza. Segundo a referida estudiosa, há tanto a busca pela uniformização dos procedimentos para estudar o natural e o social, pelo entendimento de que só pela utilização das mesmas técnicas das ciências naturais seria possível atribuir estatuto de ciência aos estudos no social; por outro lado, há estudiosos que defendem a necessidade de métodos específicos para pesquisa do humano-social. Sem dúvida, existem alguns métodos e alguns instrumentais que podem servir tanto a pesquisas em um como em outro âmbito, mas a necessidade de pes- quisadores de diferentes áreas disporem de métodos adequados à particularidade dos objetos que estudam é óbvia. Enquanto nas ciências da natureza a diferença entre a identidade do pes- quisador e a identidade do objeto de estudo é mais evidente, nas ciências sociais o pesquisador enfrenta necessariamente desafios, entre eles: como estudar com objetividade uma realidade na qual ele, pesquisador, também se encontra inserido como cidadão? A utilização dos mesmos métodos e procedimentos das ciências naturais, para garantir essa objetividade, não impediria o desvelamento do significado e do sentido particulares dessa realidade? O objeto nas ciências sociais está inserido num contexto histórico, social e qualitativo, sendo, portanto, um objeto em constante processo de construção, o que faz com que as informações que o pesquisador venha a colher sobre ele sejam provisórias e modificáveis, bem como eivadas de riqueza de sig- nificados e representações modificáveis com o percurso da história e as alterações do contex- to. E apesar de, pelo que foi visto, no âmbito das ciências humanas e sociais, especialmente, o controle da subjetividade do pesquisador se apresente como um desafio maior, porque muitos dos fenômenos/problemas que constituem seu campo de estudo fazem parte também do seu cotidiano como cidadão, pode-se dizer que também nos demais ramos da ciência – aqui,no caso, as ciências naturais – não se tem autorização para falar em verdade absoluta. Além disso, se, no âmbito das ciências naturais, não se pode colocar em extremos opostos o conhecimento do senso comum e o conhecimento científico, no terreno das ciências humano-sociais essa ex- pressão diferencial é muito menos significativa. 4. Sabe-se que o controle da subjetividade do pesquisador se apresenta como um desafio tanto na pesquisa social como em outros ramos da ciência. Diante dessa evidência e também porque a construção do conhecimento é um processo, é movimento, entendendo-se com isso que sempre se pode avançar nos resultados, deduz-se que em nenhum âmbito da ciência tem-se autorização para falar em verdade absoluta; no entanto, compreender essa realidade não exime o estudioso de caminhar em busca do máximo de verdade possível; ao contrário, isso desafia o pesquisador a imprimir ao seu caminho na produção do conhecimento uma constante autocrítica, um auto- policiamento, em busca da maior objetividade possível dos resultados, para “aquele” momento. Concluindo, descartar a possibilidade de verdade absoluta por compreendê-la, especialmente no âmbito das ciências humanas e sociais, como um processo, como em constante (re)construção, não retira a credibilidade da ciência. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 20 | Diferentes expressões do conhecimento Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A peculiaridade das ciências sociais no mundo científico Divanir Eulália Naréssi Munhoz Maria Cecília Naréssi Munhoz Affornalli Classificação das Ciências A ciência, de modo geral, trabalha com uma “multiplicidade de objetos”; isso dá lugar à classifica- ção das ciências que, em primeira instância, podem ser divididas em “duas grandes categorias: formais e empíricas”. As ciências formais “tratam de entidades ideais e de suas relações, sendo a Matemática e a Lógica Formal as mais importantes”; as ciências empíricas “tratam de fatos e de processos”. Estas últimas, no entanto, “podem ser classificadas em naturais e sociais.” Como ciências empíricas naturais estão “a Física, a Química, a Astronomia e a Biologia”; e como ciências empíricas sociais têm-se a “Sociologia, a Antropologia, a Ciência Política, a Economia e a História”, bem como a Psicologia, sendo que esta última, apesar de “apresentar algumas características que a aproximam das ciências naturais, constitui também uma ciência social”, o que se justifica tendo em vista que, “ao tratar do estudo do comportamento hu- mano, trata-o sobretudo a partir da interação dos indivíduos” (GIL, 1999, p. 21). Falando a respeito da especificidade das ciências sociais, Schwartzman observa que a negação de uma necessária divisória entre ciências naturais e ciências sociais “não significa dizer que elas são idên- Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br ticas.” Observa ainda que uma expressiva diferença entre essas duas grandes áreas de ciência é “a na- tureza cambiante do campo em que estas se desenvolvem, ou seja, dos interlocutores com os quais os pesquisadores e cientistas normalmente dialogam” (1991, p. 84). Explica Schwartzman (1991, p. 84) que as “ciências naturais contemporâneas” conseguiram de- senvolver-se em “campos de diálogo relativamente fechados”, motivo pelo qual lhes foi possível criar seu próprio vocabulário, suas próprias regras, para cada um de seus diferentes campos. E que a socieda- de, por muito tempo, “se contentou em respeitar e admirar os cientistas, e esperar com paciência as be- nesses de suas descobertas”. No entanto, nas últimas décadas, controvérsias a respeito de temas discutidos pelas ciências exa- tas e biológicas (“efeitos do fumo, os índices de contaminação de alimentos, a segurança dos diferentes tipos de energia, ou a responsabilidade jurídica dos médicos pelos erros técnicos que possam cometer”) abalaram sua “autoproteção”. E isso vem concorrendo para a fragilização das fronteiras entre leigos e es- pecialistas (SCHWARTZMAN, 1991, p. 84), repercutindo sobre a representação de poder e pretensa oni- potência existente na sociedade a respeito das ciências exatas, biológicas, naturais. Isto, porém, não constitui surpresa para as ciências sociais e humanas1 que sempre tiveram um “público externo” mais invasivo, por um lado, e um “público interno” muito mais restrito e menos consolidado por outro. [...] Os cientistas sociais conseguem, no máximo lançar alguns conceitos que adquirem densi- dade por sua adoção por outros autores, mas que estão sempre em processo de reexame. Qualquer pessoa se sente no direito de discutir e mostrar seus conhecimentos sobre política, sociologia, educação e até mesmo economia, mas ten- de a respeitar a química e a geologia. (SCHWARTZMAN, 1991, p. 84-85) Essas considerações constituem ancoradouro para o que diz Minayo (2007, p. 39), quando obser- va que a cientificidade “não pode ser reduzida a uma só forma de conhecer” e que “ela pré-contém, por assim dizer, diversas maneiras concretas e potenciais de realização”, sendo que a distinção entre os mé- todos adequados à especificidade das ciências sociais e das ciências físicas, naturais e biológicas se dá em função da natureza de cada uma dessas áreas. As Ciências Sociais: características básicas Em 1990, numa análise do histórico das ciências sociais no Brasil, Gláucia Villas Boas registra que nos 60 anos que antecederam a referida análise, essa grande área das ciências havia conseguido insti- tucionalizar-se no país. E diz: se erros e acertos são apontados nesse percurso, não há dúvida de que os cientistas sociais impuseram suas regras e seus valores, fazendo reconhecer seu campo de trabalho intelectual como relevante para a compreensão e explicação dos fenômenos sociais, e expandindo-o acentuadamente após 1964, (mesmo) durante regime autoritário de governo (VILLAS BOAS, 1991, p. 21; parêntesis nossos). No entanto, ainda hoje, observa-se que no mundo acadêmico nem sempre se confere, às ciências sociais, a mesma dignidade das ciências físicas. E isso, conforme Gil (1999), por causas diversas e com- plementares, entre as quais: os fenômenos humanos seguem ordem menos previsível que a observada no “universo físico”; :::: 1 Neste texto as expressões ciências “humanas” e ciências “sociais” (e derivadas, como “humano-social”) serão usadas como complementares dentro da ampla temática dos fenômenos humanos que se expressam no meio social. 22 | A peculiaridade das ciências sociais no mundo científico Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 23|A peculiaridade das ciências sociais no mundo científico os fenômenos de que se ocupam as ciências humanas e sociais são menos passíveis de análi-:::: se quantitativa, sendo que a expressão estatística, no mundo acadêmico, ainda de modo geral é considerada importante forma de um estudo aparentar objetividade e de ser em princípio mais facilmente comunicável; os fenômenos sociais, pela multiplicidade de determinantes que envolvem – e por questões :::: éticas – também são menos passíveis de estudos experimentais. Diante disso, a melhor forma de defender o caráter científico das ciências sociais é procurar mos- trar que, a seu modo e com seus métodos, elas também podem fornecer explicações confiáveis. É impossível negar que o cientista social lida com variáveis de difícil quantificação. Também é difícil discordar da alega- ção de que o grande adiantamento de uma ciência pode ser determinado pela precisão de seus instrumentos de medi- da. Contudo, o problema da quantificação em ciências sociais, se analisado com a merecida profundidade, mostrar-se-á bem menos crítico do que aparenta. (GIL, 1999, p. 22) Sem dúvida, não se pode negar que os próprios estudiosos do humano-social muitas vezes esta- belecem uma quase dicotomiaentre análise qualitativa e análise quantitativa, como se apresentar o so- cial por estatísticas constituísse feri-lo de morte. Gil bem ilustra isso quando se refere a afirmações que ele qualifica de “emocionais”; afirmações como: “O homem não pode ser reduzido a um número”, “não se pode tratar o homem como um conjunto de traços quantificados” (1999, p. 23). Indo além, entendemos que essas afirmações poderiam ser classificadas também como compor- tamentos de defesa por resistirmos a trabalhar com o que não nos é familiar. É preciso considerar, então, que nenhum a priori2 pode valer nessa relação: nem as ciências sociais, para serem consideradas ciên- cias, precisam expressar-se estatisticamente, nem a estatística as revestirá necessariamente de cunho positivista e lhes usurpará a dignidade. Conforme Gil observa, o que acontece é que “os fenômenos hu- manos não podem ser quantificados com o mesmo grau de precisão das ciências naturais. Mas, em boa parte, podem ser mensurados com a aplicação de escalas menos sofisticadas” (1999, p. 23). Minayo (2007), com apoio em Pedro Demo (19813), destaca determinados aspectos que consti- tuem a distinção das Ciências Sociais no amplo campo do conhecimento científico. Primeiramente alerta para o “fato incontestável de que o objeto das Ciências Sociais é histórico”, pois as “sociedades humanas existem num determinado espaço cuja formação social e configurações culturais são específicas”. Nelas, o hoje é influenciado/determinado pelo ontem e influencia significati- vamente o amanhã, num processo de “re-construção constante do que está dado e do novo que surge” (MINAYO, 2007, p. 39). E essa historicidade é traço que indiscutivelmente não pode ser descartado na pesquisa e na consequente produção de conhecimento no campo do humano-social. Em relação à historicidade, Minayo (2007, p. 40) observa que “a sociedade e os indivíduos têm cons- ciência histórica”, o que significa que “não é apenas o investigador que dá sentido a seu trabalho intelec- tual, mas os seres humanos, os grupos e a sociedade dão significado e intencionalidade e interpretam suas ações e construções”, porque as “instituições” e as diferentes “estruturas” que constituem objeto de estudo do pesquisador, no campo do social, não são mais do que “ações humanas objetivadas”: De acordo com o desenvolvimento das forças produtivas e com a organização particular da sociedade e de sua dinâmica interna, criam-se visões de mundo, com nuanças e diferenciações relacionadas às condições de vida e às heranças culturais. Tal consciência se projeta no mundo da vida, assim como passa a ser registrada nos processos eruditos de construção do conhecimento. (MINAYO, 2007, p. 40) 2 A priori: “A condição de uma proposição que a torna verdadeira ou falsa sem precisar de qualquer referência à experiência [...] “ (GILES, 1993, p. 7). 3 Minayo se refere a: DEMO, Pedro. Metodologia Científica em Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1981. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Assim, verifica-se que nas ciências humanas e sociais existe um compartilhamento de identida- de entre o pesquisador e o campo/universo/objeto-sujeito que ele pesquisa, o que implica em uma res- ponsabilidade maior do estudioso desse campo em relação à objetividade no processo de construção do conhecimento. E fazer frente a essa responsabilidade exige constante vigilância por parte do pesqui- sador – por meio de autocrítica, autopoliciamento – para evitar comprometer os resultados da pesquisa com seus valores pessoais como cidadão. A questão da objetividade e a responsabilidade do estudioso Minayo (2007, p. 41-42) registra que não se pode negar que nos “processos de produção do co- nhecimento se veiculam interesses e visões de mundo historicamente construídos”. No entanto, a mes- ma estudiosa observa que, embora as “ciências físicas e biológicas” também sofram essa influência, ela se faz muito mais presente na “investigação social”, onde “a relação entre o sujeito investigador e o su- jeito investigado é crucial”, pois a “visão de mundo de ambos está implicada em todo o processo de co- nhecimento, desde a concepção do objeto até o resultado do trabalho”. Diz Minayo, ainda apoiando-se em Pedro Demo (1981), que reconhecer isso é condição necessária para que o pesquisador/estudioso invista seriamente no “processo de objetivação”, o que reforça a importância/necessidade de, nessa área das ciências humanas e sociais, o estudioso/pesquisador exercer a referida autocrítica. Assim, “[...] cabe ao pesquisador usar um acurado instrumental teórico e metodológico que o municie na aproximação e na construção da realidade, ao mesmo tempo que mantém a crítica não só sobre as condições de com- preensão do objeto como de seus próprios procedimentos” (MINAYO, 2007, p. 42). Uma indagação que se coloca aos estudiosos do humano-social é: até que ponto é possível pre- tender/conseguir objetividade no estudo de fenômenos em que o pesquisador, pela sua condição de cidadão do mundo, vivencia, em maior ou menor grau de intensidade, direta ou indiretamente, causas e efeitos dos fenômenos que constituem seu objeto de estudo acadêmico/científico? No livro Para Abrir as Ciências Sociais, da Comissão Gulbenkian4, há significativos registros sobre essa questão da objetividade, com o cuidado de não absolutizar seu alcance. Por exemplo, quando diz que o significado de objetividade “sempre esteve muito ligado à noção de que o conhecimento não é apriorístico” – e que, portanto, não existe com segurança apenas abstratamente, antes de se estudar a realidade, porque a “investigação pode ensinar-nos coisas que desconhecíamos e brindar-nos com sur- presas inesperadas” (COMISSãO GULBENkIAN, 1996, p.128). Admite o referido texto que “todos os estudiosos, sem exceção, acham-se enraizados num meio social concreto, e que por isso é inevitável que utilizem pressupostos e preconceitos que interferem nas suas percepções e interpretações da realidade”, o que, em consequência, impede-lhes a pretensão de neutralidade. Isso leva necessariamente ao reconhecimento tanto da “impossibilidade de uma re- presentação quase fotográfica da realidade social”, como de que os “dados da investigação são sempre seleções da realidade”, baseadas nas visões de mundo dos sujeitos pesquisadores/estudiosos, ou seja, da(s) perspectiva(s) com que esses sujeitos enfocam a realidade objeto de seus estudos (COMISSãO GULBENkIAN, 1996, p.130). 4 Comissão Gulbenkian para Reestruturação das Ciências Sociais, composta por uma equipe de estudiosos. O texto é apresentado como pro- duzido por esses estudiosos, integrantes da Comissão, sem identificação particular da autoria de cada uma de suas partes. 24 | A peculiaridade das ciências sociais no mundo científico Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 25|A peculiaridade das ciências sociais no mundo científico A objetividade, sem dúvida, é uma busca, como propósito de um processo de objetivação sempre inacabado. Assim, o documento da Comissão Gulbenkian apresenta o que, no entender de seus elabo- radores, lhe é atribuído como um “outro significado”, ou seja, objetividade “como o fruto do saber huma- no acumulado, representando simultaneamente a meta para que aponta a investigação sistemática e a prova mesma de que ela é possível”. Segundo eles, os estudiosos esforçam-se por se convencer mutuamente da validade das suas descobertas e das suas interpretações. Fazem por realçar o fato de se servirem de métodos reproduzíveis por outros, disponibilizando-se para os divulgar abertamente e em pormenor. Fazem por realçar a coerência e a utilidade que as suas interpretações possam ter para a explicação do maior número possível de dados disponíveis [...]. Em suma, submetem-se ao juízo intersubjetivo de todos quantos investigam ou refletem sistematicamente sobre este ou aquele assunto. (COMISSãO GULBENkIAN, 1996,p.130-131) E Japiassu alerta que, no “processo de objetivação”, “juízos de valor” não são presença anormal/ex- cepcional, mas “elementos constitutivos do acesso ao saber objetivo”, saber objetivo esse que “continua sendo o ideal das ciências humanas” e sociais. Complementa seu chamado de atenção dizendo que o “fato puro não existe. Todo fato é construído” (1981, p. 63), o que faz entender que o foco de estudo de nossas pesquisas não se nos apresenta pronto, definido, independente de nosso olhar e de nossa visão de mundo; nós é que, por mais objetivos que queiramos ser, ao olhar a realidade, definimos sobre que parte(s) dela iremos construir/aprofundar o conhecimento. É nessa realidade – e sem a ilusão de que podemos nos fazer inodoros, insípidos, incolores para estudá-la – que temos o dever de empreender todos os esforços possíveis para que os resultados de nossos estudos alcancem o máximo de objetividade possível, entendendo que jamais poderemos conseguir “a” objetividade, reconhecimento difícil de ser enfrentado pelo estudioso/pesquisador porque, como observa Japiassu, “a objetividade sempre foi o ideal epistemológico5 de toda discipli- na com pretensões a passar do estádio pré-científico ao estádio propriamente científico [...]”(1981, p. 63). Analisando o panorama de construção do conhecimento em ciências sociais, a Comissão Gulbenkian admite algumas falhas dos cientistas sociais nesse processo, entre elas, o fato de “muitos se terem servido da máscara da objetividade para levar por diante a sua visão subjetiva”. No entanto, os representantes dessa Comissão, ao mesmo tempo em que enfatizam a importância de “reforçar os ali- cerces organizativos do esforço coletivo” nesse campo da ciência, para fazer frente às falhas identifica- das, são enfáticos também quando dizem: “O que não aceitamos é que, em face de tudo isso, as ciências sociais sejam reduzidas a uma miscelânea de perspectivas individuais [...]” (COMISSãO GULBENkIAN, 1996, p.131). Postulam, esses estudiosos, que “empurrar as ciências sociais para o combate à fragmentação do saber equivale a empurrá-las na direção de um significativo grau de objetividade”. Que as diferentes subáreas da grande área das ciências sociais não se isolem, mas que se empenhem num esforço coletivo de enfrentarem juntas a “multiplicidade de experiências culturais”, o “leque dos tópicos de estudo julgados legítimos” para pesquisa nesse campo; por entenderem que isso pode fazer crescer a “possibilidade de um conhecimento mais objetivo” (COMISSãO GULBENkIAN, 1996, p.131-132). Pelo até então exposto, pode-se identificar que uma característica das ciências sociais – e que também constitui uma das grandes dificuldades para seu estatuto acadêmico – consiste no fato de o es- tudioso participar, como cidadão, do mesmo campo, do mesmo ambiente, onde realiza suas pesquisas, 5 Epistemológico: relativo à epistemologia, que consiste no estudo “crítico dos princípios, hipóteses e resultados das ciências [...] e que visa a determinar os fundamentos lógicos, o valor e o alcance objetivo delas; teoria da ciência [...]” (FERREIRA, 1986, p. 673). Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br do que resulta que ele esteja, mais do que o pesquisador de outros domínios, envolvido com os fenô- menos que investiga. É uma realidade que não pode ser negada, e que precisa ser enfrentada: antes de o pesquisador questionar a presença de valores em seus estudos, por uma pretensa neutralidade, deve admitir essa presença para, identificando seus valores e o “risco” de sua influência alterar os resultados dos estudos, “policiar-se” em relação essa neutralidade. Fazer da discussão entre realidade e valores um campo fértil no caminho da objetivação, rumo à máxima objetividade possível dos resultados, objetivi- dade que ele já sabe, de antemão, nunca será absoluta em nenhum ramo da ciência. Enfrentando, então, a antiga e pouco discutida pretensão inalcançável de neutralidade científica, é preciso evidenciar que as ciências sociais nem podem e nem devem desconsiderar as questões de va- lor. E isso até para que o conhecimento científico possa cumprir uma de suas mais relevantes funções, que é a de contribuir para promover melhores condições de vida para o homem. A esse respeito, lem- bre-se Pedro Demo quando diz que [...] a metodologia não deve apenas propor instrumentais de captação da realidade, mas sobretudo de transformação (dessa realidade). [...] Antes, trata-se de ver na captação (da realidade) uma finalidade prática imediata. Esta é a situação de alguém, por exemplo, que enfoca uma teoria da democracia com a finalidade de salvá-la ou de provar sua necessi- dade. O juízo de valor é a própria razão de ser do conhecimento. Esta posição está na base de todos os cientistas sociais que acham ser dever das ciências estar a serviço do homem. (DEMO, 1980, p. 99-100, destaques e parêntesis nossos) Voltando ao texto da Comissão Gulbenkian, vale registrar sua conclusão sobre a questão da ob- jetividade: “O fato de o conhecimento ser socialmente construído significa também que é socialmen- te possível haver um conhecimento mais válido. O reconhecer-se as bases sociais do conhecimento em nada contradiz o conceito de objetividade” (COMISSãO GULBENkIAN, 1996, p.132). Objetividade enten- dida aqui em termos do máximo possível enquanto aproximação à essência da realidade objeto de es- tudo; nunca como objetividade absoluta, tendo-se claro que também – e em consequência – a verdade sobre os fatos, tão almejada nos estudos científicos, por meio do máximo cuidado em relação à objeti- vidade dos resultados desses estudos, igualmente não tem espaço na ciência como verdade absoluta, mas sim como o máximo possível de aproximação à verdade. A natureza qualitativa da pesquisa nas Ciências Sociais Outro aspecto importante que Minayo registra em relação às Ciências Sociais diz respeito à na- tureza basicamente qualitativa de seu(s) objeto(s), porque a “realidade social é o próprio dinamismo da vida individual e coletiva com toda a riqueza de significados dela transbordante” (1999, p.15). E essa ri- queza de significados não se pode medir em números absolutos ou percentuais, sem desconsiderar-se a validade de estudos quantitativos, em muitos estudos, como base primeira para uma posterior análi- se compreensiva dos significados. Diante dessa natureza dos fenômenos sociais, que se expressam de formas particulares a par- tir da singularidade dos sujeitos que compõem a realidade social nos seus mais diversos aspectos, fica evidente que no âmbito das ciências humanas e sociais também não se pode generalizar conceitos e muito menos classificar diferentes procedimentos, de distintos sujeitos, sobre um mesmo aspecto da realidade, a partir desses conceitos. 26 | A peculiaridade das ciências sociais no mundo científico Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 27|A peculiaridade das ciências sociais no mundo científico Disso se conclui que no campo dessas ciências precisa-se de uma metodologia adequada, com procedimentos capazes de investigar os fenômenos na sua riqueza de significados e de analisar esses significados com base em teorias que possam contribuir para sua compreensão, interpretação e expli- cação, sem desconsiderar a especificidade de cada situação pesquisada/estudada. E essa metodologia precisa ser adequada à investigação e à análise dos fenômenos que serão es- tudados, tanto em termos de “caminho do pensamento”, como da “prática (a ser) exercida na aborda- gem da realidade” (MINAYO, 1999, p.16, parêntesis nossos). No que se refere ao primeiro aspecto – caminho do pensamento – o estudioso precisa ter claro para si qual o olhar que está lançando sobre a realidade e a partir do qual ele está formulando o pro- blema, elaborando as questões que nortearão a sua investigação e consequentemente definindo os as- pectos que constituirão fundamentalmenteseu foco de estudo. Quanto ao segundo aspecto – prática a ser exercida na abordagem da realidade – ele deve definir/eleger procedimentos, instrumentos téc- nicos, compatíveis com o que deseja conhecer sobre a realidade, a partir da perspectiva com que enfo- ca essa realidade. Texto complementar As ciências sociais e o processo histórico (LEMOS FILHO, 2000) [...] A preocupação em conhecer e explicar os fenômenos sociais sempre se fez presente na his- tória da humanidade. Mas a tentativa de se dar uma explicação científica ao comportamento social e às condições sociais de existência dos seres humanos é um produto recente do pensamento. Foi somente na Idade Moderna, com a emergência da sociedade capitalista, que alguns pensadores se esforçaram em aplicar o método científico ao conhecimento dos fenômenos que acontecem na vida social, tendo em vista as crises e desordens sociais provocadas pelas transformações que ocorreram na sociedade. [...] A preocupação dos pensadores em relação aos fenômenos sociais, no período anterior à for- mação da sociedade industrial, era mais filosófica do que científica. Embora sua atenção fosse des- pertada pelas causas econômicas e políticas que abalavam continuamente as estruturas sociais do seu tempo, em lugar de tomarem uma atitude objetiva diante dos problemas que se lhes apresen- tavam, levados por razão de ordem prática, preocupavam-se mais em descobrir os remédios que trouxessem uma solução para as crises sociais. Os estudos a respeito da vida social tinham sempre por objetivo propor formas ideais de organização da sociedade, mais do que compreender-lhe a or- ganização real. [...] Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Na Antiguidade, por exemplo, esses estudos eram fragmentários. Limitavam-se a reflexões espar- sas a respeito de algumas questões sociais, nunca reunidas, entretanto, num sistema coerente. [...] O longo período da Idade Média foi pouco propício ao progresso científico e, consequente- mente, ao estudo científico dos fatos sociais. Os pensadores medievais prendiam-se a discussões metafísicas1 que conduziam à justificação da fé cristã. Tudo girava em torno dos interesses da Igreja, que monopolizava todo o pensamento da época. A preocupação com julgamentos de valor aprio- rísticos2 , o apelo constante à autoridade e ao dogmatismo religioso impediam o desenvolvimento da investigação científica. [...] Já no final da Idade Média despontou um movimento de reação à escolástica3 [...] quando se abriram novas perspectivas ao saber humano. A influência teológica que não permitia ver as coisas senão à luz dominante da salvação eterna, deu lugar a uma perspectiva muito mais independente que favorecia a livre discussão de questões do ponto de vista racional. Foi sendo elaborado um novo tipo de conhecimento, caracterizado por uma objetividade e realismo que marcaram a separação nítida do pensamento do passado, modificação tão claramente definida que se poderia dizer que um novo estágio se iniciava na explicação dos fenômenos da natureza e, consequentemente, dos problemas sociais e humanos. [...] As mesmas condições que propiciaram a especificação das “ciências naturais” favoreceram as cha- madas “Ciências Sociais” [...] Por outro lado, é necessário procurar os fatores específicos da formação das Ciências Sociais. Eles se encontram nas condições materiais e intelectuais do desenvolvimento do mun- do moderno. As Ciências Sociais não são somente produto da reflexão de alguns pensadores, mas o re- sultado de certas circunstâncias históricas e de algumas necessidades materiais e sociais4. Para Florestan Fernandes, três séries de convergências parecem responsáveis pela lenta mas progressiva substituição da concepção normativa e especulativa por uma representação positiva da vida social: fatores de natureza sociocultural, fatores de natureza intelectual e fatores decorrentes da própria dinâmica do chamado “sistema de ciências”5. [...] Antes, as formas estabelecidas da vida social se revestiam de caráter sagrado: era como se o próprio Deus tivesse estabelecido as normas que deveriam reger as ações humanas, o que tornava essas normas, de certo modo, intocáveis. No mundo moderno, uma exigência geral de eficiência, no sentido de encontrar solução para as crises e problemas provocados pelos novos acontecimentos, fez com que muitas formas de organização social, até então sagradas, passas- sem a ser vistas como produto histórico e sujeitas a transformações. [...] Tal atitude secularizada, isto é, alheia às coisas sagradas, favoreceu a difusão de um espírito crítico e de objetividade dian- te dos fenômenos sociais. [...] 1 Metafísica: “[...] saber que pretende penetrar no que está situado para além ou detrás do ser físico enquanto tal” (MORA, 1982, p. 260). “O estudo do ser enquanto ser, do ser em si em contraposição ao estudo dos seres particulares. Estuda também as propriedades que todos os seres têm em comum. Portanto, pergunta: ‘O que é o Ser?’; ‘O que é a substância’? etc.” (GILES, 1993, p.102). 2 Apriorístico: referente ao raciocínio a priori. E a priori (latim), como já visto, significa “a condição de uma proposição que a torna verda- deira ou falsa sem precisar de qualquer referência à experiência [...] “ (GILES, 1993, p. 7). 3 Escolástica: referente a “doutrinas teológico-filosóficas dominantes na Idade Média, dos sécs. IX ao XVII, caracterizadas sobretudo pelo problema da relação entre a fé e a razão [...] dependência do pensamento filosófico [...] da teologia cristã” (FERREIRA, 1986, p. 688). 4 MARTINS, Carlos B. O que É Sociologia. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 10. 5 FERNANDES, Florestan, obra citada, p. 31. (FERNANDES, Florestan. A Sociologia: objeto e principais problemas. In: Ensaios de Sociolo- gia Geral e Aplicada. São Paulo: Pioneira, 1960.) 28 | A peculiaridade das ciências sociais no mundo científico Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 29|A peculiaridade das ciências sociais no mundo científico Simultaneamente às mudanças ocorridas na vida econômica e social, modificações surgiram nas formas de pensamento, nos modos de conhecer a natureza e a sociedade. [...] O emprego sistemático da razão, como consequência de sua autonomia diante da teologia, possibilitou a formulação de uma nova atitude intelectual, o racionalismo, não só em relação aos fe- nômenos da natureza, mas também em relação aos fenômenos humanos e sociais. [...] A terceira série de fatores, também decisiva para a formação das Ciências Sociais, está na pró- pria dinâmica do “sistema de ciências”. [...] É evidente que não se pode dizer que essa dinâmica seja a causa do surgimento das Ciências Sociais, porque, na verdade, as leis científicas não passaram a ser aplicadas à realidade social simplesmente porque eram aplicadas com sucesso no conhecimen- to dos fenômenos da natureza. Mas, sem dúvida, principalmente a partir do século XVIII, a necessi- dade de se desenvolver técnicas racionais para controlar os conflitos criados pelas crises da época, acabaria levando à formação das Ciências Sociais. Atividades 1. Entre as causas diversas responsáveis por um menor reconhecimento das ciências sociais em relação às ciências físicas, quais delas o texto aponta? E qual a melhor forma de as ciências so- ciais defenderem seu caráter científico? Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 2. Entre os aspectos apontados por Minayo como expressões diferenciadoras das ciências sociais no amplo campo do conhecimento científico, estão: o fato de que nas ciências o objeto é his- tórico, e o compartilhamento de identidade entre o pesquisador e o objeto que ele pesquisa. Explique isso. 3. Como foi a postura da Idade Média em relação à ciência, com base no que o texto complementar apresenta? 30 | A peculiaridade das ciências sociais no mundo científico Este materialé parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 31|A peculiaridade das ciências sociais no mundo científico Gabarito 1. O texto aponta como principais causas desse menor reconhecimento das ciências sociais o fato de que: os fenômenos humanos seguem ordem menos previsível que a observada no “universo físico”; :::: os fenômenos de que se ocupam as ciências humanas e sociais são menos passíveis de análi-:::: se quantitativa, sendo que a expressão estatística, no mundo acadêmico, ainda de modo geral é considerada importante forma de um estudo aparentar objetividade e de ser em princípio mais facilmente comunicável; os fenômenos sociais, pela multiplicidade de determinantes que envolvem – e por questões :::: éticas – também são menos passíveis de estudos experimentais. A respeito da especificidade das ciências sociais, Minayo (2007, p. 39) diz que a “diferenciação en- tre métodos específicos das ciências sociais e das ciências físico-naturais e biológicas refere-se à natureza de cada uma das áreas”. Diante disso, a melhor forma de defender o caráter científico das ciências sociais é procurar mos- trar que, a seu modo e com seus métodos, elas também podem fornecer explicações confiáveis. 2. a) O objeto das Ciências Sociais é histórico: “As sociedades humanas existem num determina- do espaço cuja formação social e configurações culturais são específicas”. Nelas, o hoje é in- fluenciado/determinado pelo ontem e influencia significativamente o amanhã, num processo de “reconstrução constante do que está dado e do novo que surge”. E essa historicidade é traço Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br que indiscutivelmente não pode ser descartado na pesquisa e na consequente produção de conhecimento no campo do humano-social (MINAYO, 2007, p. 39). b) Compartilhamento de identidade entre pesquisador e objeto da pesquisa: verifica-se que, nas ciências humanas e sociais, existe um compartilhamento de identidade entre o pesquisa- dor e o campo/universo/objeto-sujeito que ele pesquisa, o que implica em uma responsabili- dade maior do estudioso desse campo em relação à objetividade no processo de construção do conhecimento. E fazer frente a essa responsabilidade exige constante vigilância por parte do pesquisador – através de autocrítica, autopoliciamento – para evitar comprometer os resul- tados da pesquisa com seus valores pessoais como cidadão. 3. O texto complementar “As Ciências Sociais e o Processo Histórico”, de Arnaldo Lemos Filho, regis- tra que: “O longo período da Idade Média foi pouco propício ao progresso científico e, consequentemente, ao estudo científico dos fatos sociais. Os pensadores medievais prendiam-se a discussões metafí- sicas que conduziam à justificação da fé cristã. Tudo girava em torno dos interesses da Igreja que monopolizava todo o pensamento da época. A preocupação com julgamentos de valor apriorísti- cos (não testados na experiência), o apelo constante à autoridade e ao dogmatismo religioso im- pediam o desenvolvimento da investigação científica. [...] Já no final da Idade Média despontou um movimento de reação à escolástica (isto é, à subor- dinação do pensamento filosófico e da razão à fé cristã), [...] quando se abriram novas pers- pectivas ao saber humano. A influência teológica que não permitia ver as coisas senão à luz dominante da salvação eterna, deu lugar a uma perspectiva muito mais independente que fa- vorecia a livre discussão de questões do ponto de vista racional. Foi sendo elaborado um novo tipo de conhecimento, caracterizado por uma objetividade e realismo que marcaram a sepa- ração nítida do pensamento do passado, modificação tão claramente definida que se poderia dizer que um novo estágio se iniciava na explicação dos fenômenos da natureza e, consequen- temente, dos problemas sociais e humanos. [...]”(LEMOS FILHO, Arnaldo. As Ciências Sociais e o Processo Histórico. In: MARCELLINO, Nelson (Org.). Introdução às Ciências Sociais. Campinas: Papirus, 2000, p. 21-22. Parêntesis nossos). 32 | A peculiaridade das ciências sociais no mundo científico Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br O método científico e a pesquisa Regina Célia Veiga da Fonseca* Na Grécia antiga, a palavra methodos significava “caminho para se chegar a um fim”. Hoje, depois de tantos anos, o seu significado estendeu-se um pouco mais e vários autores apresentaram diferentes definições para essa palavra. No entanto, o conceito de método continua tendo uma ligação muito for- te com o sentido grego original, e é precisamente esse ponto que nos interessa: falar do método como um caminho para se chegar a um fim. Todos nós conhecemos muitos métodos. Eles fazem parte da nossa vida. Galliano (1986, p. 4) diz que “qualquer pessoa civilizada é uma espécie de ilha cercada de métodos por todos o lados, ainda que nem sempre tenha consciência disso”. Do momento em que acordamos pela manhã, todas as nossas ações seguem métodos para que possam ser realizadas adequadamente. Desde preparar uma refeição, dirigir um carro, até estudar ou trabalhar, o método está sempre presente em nossas vidas. O método, portanto, constitui um dos pontos centrais nas formas de conhecimento do ser hu- mano. Ao levarmos esse conceito para a aquisição do conhecimento em ciência, teremos um método chamado científico. Este, por sua vez, caracteriza-se por um conjunto de procedimentos racionais e pre- estipulados de que o pesquisador se utiliza para atingir uma determinada meta. Em linhas gerais, o método científico é um instrumento utilizado pela ciên cia na sondagem da re- alidade, e para tanto, os cientistas adotam os seguin tes passos: proposição de uma pergunta;:::: formulação de uma hipótese (por indução);:::: testes por meio de experimentos ou de novas observações;:::: conclusões sobre a validade ou não da hipótese.:::: Existem vários tipos de métodos científicos, mas vamos analisar apenas um deles, o método ex- perimental. * Mestre em Engenharia de Produção com concentração em Mídia e Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Gradu- ada em Letras Português-Inglês pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Graduada em Psicologia pela UTP. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Método experimental Em tese, o método experimental se caracteriza pelas seguintes etapas: observação, hipótese, ex- perimentação, generalização (lei e teoria). Na prática, porém, o processo não se realiza necessariamente nessa ordem, podendo variar conforme as circunstâncias. Observação e hipótese:::: : nem sempre o pesquisador começa o seu trabalho pela observação dos fatos, para depois realizar a seleção de dados. Entre os tantos fatos com os quais o pesquisador se depara, a questão mais importante é sa- ber selecionar os mais relevantes. Ora, como considerar a relevância de um fato, a não ser que já tenha algumas hipóteses preliminares orientando o seu olhar? Portanto, observação e hipótese se acham sempre relacionadas de maneira recíproca. Se de início a hipótese orienta a seleção dos fatos, em outro momento da pesquisa ela tem o papel de reorganizar esses fatos, dando-lhes uma interpretação provisória como proposta antecipa- da de solução do problema. A intuição e a “iluminação súbita” (insight) nas descobertas científicas são precedidas por lon- go trabalho e rigorosa elaboração conceitual. Além disso, para ser científica, a hipótese preci- sa ser verificada e confirmada pelos fatos e validada pela comunidade intelectual (ARANHA; MARTINS, 1999). Confirmação da hipótese:::: : a verificação da hipótese é feita de inúmeras maneiras, depen- dendo das técnicas disponíveis e também do tipo de ciência considerado. Por exemplo, em Astronomia, a confirmação só se faz mediante nova observação. Assim, outros tipos de ciência também terão suas
Compartilhar