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CRIMINALIDADE, SOCIEDADE, VIOLÊNCIA E CONTROLE SOCIAL pdf 4

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CRIMINALIDADE, SOCIEDADE, 
VIOLÊNCIA E CONTROLE SOCIAL
CAPÍTULO 4 – IMPORTÂNCIA CIENTÍFICA: 
QUAIS SÃO AS CONTRIBUIÇÕES DAS 
CIÊNCIAS SOCIAIS PARA A CRIMINOLOGIA?
Ronaldo Félix Moreira Júnior
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Introdução
A presente disciplina aborda temas críticos no que diz respeito à violência e ao controle social atual, trazendo
exemplos e situações reais que são objeto tanto da Criminologia quanto do Direito Penal, além das várias
disciplinas que, de uma forma ou outra, estão relacionadas aos fenômenos estudados.
O capítulo atual se trata de um aprofundamento em questões de grande relevância para o tema como um todo,
no intuito de responder a indagações como: quais as principais influências do pensamento criminológico
brasileiro? A primeira parte do capítulo diz respeito justamente a essa indagação e tem como objetivo definir o
pensamento criminológico brasileiro apresentando suas raízes e estabelecendo a importância de uma
criminologia tipicamente sul-americana.
Em seguida, surge uma nova indagação no que diz respeito às Ciências Sociais: qual a importância de uma
sociologia ou antropologia tipicamente jurídicas?
Analisar a origem e os desdobramentos da Sociologia Jurídica, bem como da Antropologia Jurídica são pontos
centrais nos tópicos seguintes. Tenta-se, com essa análise, compreender os desdobramentos da Sociologia
Jurídica e Antropologia Jurídica na atuação das agências de persecução penal.
O tópico final diz respeito a uma análise aprofundada do tema “transdisciplinaridade”, com um foco especial nos
estudos relacionados à necessidade de um olhar conjunto nas áreas da Criminologia, Políticas Criminais e no
Direito Penal para que se possa, finalmente, ter uma maior compreensão sobre o tema criminalidade, sociedade,
violência e controle social. Acompanhe a seguir!
4.1 Pensamento Criminológico brasileiro e Criminologia 
crítica
Para que se possa compreender a existência de uma criminologia tipicamente brasileira é preciso ter em mente
que essa disciplina não diz respeito somente à etiologia do crime ou do delinquente. É mais do que isso. A
criminologia estuda os processos de criação das normas penais e das normas sociais que se relacionam com o
chamado comportamento desviante.
Nesse sentido, Lola Aniyar de Castro (1983) cita que a criminologia trata da reação social, formalizada ou não,
que as infrações ou as condutas desviantes tenham provocado, bem como seu processo de criação, sua forma e
conteúdo, além de seus efeitos.
Com esse pressuposto, pode-se começar a tecer algumas ideias em relação ao processo de criação e adequação
da criminologia no cenário brasileiro.
4.1.1 A dependência latino-americana e a criminologia latino-americana no 
século XIX
A história, não apenas do Brasil, mas da América Latina, sempre guardou semelhanças com aspectos da história
europeia, maior responsável pelas criações e invenções que alcançaram as regiões periféricas com grande atraso.
O mesmo ocorreu com o Direito e com a Criminologia – aspectos dessas ciências foram simplesmente copiados
da realidade estrangeira.
Sobre as questões peculiares que países como o Brasil possuem, Lima e Silva (2016) mencionam os problemas
sociais nunca resolvidos, como pobreza, desigualdade e injustiça massivas. É importante lembrar, portanto, que
na América Latina, tanto a cultura jurídica estabelecida pelas grandes metrópoles ao longo do período colonial,
quanto os institutos jurídicos que foram criados após o longo processo de independência, derivaram de uma
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quanto os institutos jurídicos que foram criados após o longo processo de independência, derivaram de uma
tradição legal europeia, ou seja, de um conjunto de normas baseados em uma cultura específica que nunca se
preocupou com os problemas particulares existentes em países como o Brasil.
De forma alguma se pode esquecer que o surgimento da Criminologia no continente latino-americano está
intrinsicamente ligado a essa dependência dos modelos jurídicos estrangeiros. Nesse cenário, o Brasil foi o
primeiro país da periferia global a adotar, de maneira copiosa, as noções criminológicas europeias ao fazer com
que fossem enviados a esse continente diversos indivíduos com o objetivo de participar de assembleias sobre
tais temas.
Para confirmar essa ideia, Lima e Silva (2016) mencionam que foi graças a esse processo que no Brasil,
Raimundo Nina Rodrigues, um dos introdutores da antropologia criminal brasileira publicou, ainda no ano de
1899, a obra “Mestiçagem, Degenerescência e Crime”, no intuito de provar suas teses sobre a existência de uma
degenerescência e as tendências às práticas desviantes de negros e mestiços.
Figura 1 - A América Latina foi a primeira região periférica a adotar as políticas criminais e o pensamento 
criminológico positivista predominante na Europa.
Fonte: MAR Photography, Shutterstock, 2018.
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Fonte: MAR Photography, Shutterstock, 2018.
Recorda-se ainda que uma das maiores preocupações no país, ainda no início do século XIX, foi a situação
penitenciária. Desse modo, buscou-se implantar na América Latina um modelo das prisões e de casas de
correção tipicamente europeu.
Com efeito, essa preocupação foi responsável por contribuir com uma manutenção do poder das classes
dominantes, e também para a exclusão social, problema de grande relevância em sociedades de capitalismo
periférico e dependente, como nos países latino-americanos (LIMA, SILVA, 2016).
Pode-se claramente afirmar que há uma ideia introjetada na sociedade sobre uma suposta desnecessidade de
criação do “novo” quando há, sobre aquele assunto, algo já funcional, mesmo que sua aplicação se dê em uma
realidade completamente diversa. É com essa perspectiva que no Brasil foi adotado o modelo prisional aplicado
na Europa e nos Estados Unidos, um modelo que jamais foi pensado para a realidade brasileira, o que acaba por
contribuir para os problemas que até hoje existem sobre a questão carcerária.
Além disso, no Brasil, no século XIX e no início do século XX, foi irradiada uma criminologia de cunho
eminentemente racista, que por sua vez criou uma “cultura da inferioridade” dos indivíduos não brancos. Esse
processo tornou o indígena e o negro os verdadeiros “infratores” latino-americanos.
Como uma resposta à essa “delinquência” natural dos nativos e cativos no Brasil, a principal tentativa de solução
do problema, trazida pelos ideais positivistas, foi a do fomento da imigração dos europeus no intuito de
substituir as raças delinquentes. Certamente essa ideia não obteve sucesso. O uso dos imigrantes europeus como
uma espécie de mão de obra barata acabou por criar ainda mais conflitos que, por sua vez, eram considerados
delitos. Desmistificou-se a ideia de que a delinquência derivava das raças não arianas, sendo que o foco do
estudo criminológico passou a residir na suposta “periculosidade do agente” (DEL OLMO, 2004).
4.1.2 A teoria criminológica propriamente latino-americana e a 
Criminologia Radical
No ano de 1974 foi realizado o 23º Curso Internacional de Criminologia, organizado pela Sociedade
Internacional de Criminologia e pelo Instituto de Criminologia da Universidade de Zulia, tendo “Violência” como
principal tema. Esse foi um importante ano para os estudos do Grupo Latino-americano de Criminologia
Comparada. O grupo em questão editou o Manifesto de Criminólogos Críticos Latino-americanos, capaz de reunir
os militantes da chamada Criminologia da Libertação (CASTRO, 2005).
É possível dizer que a autora compreende como Criminologia da Libertação um papel dado ao pensamento
criminológico, em criticar o controle social existente em toda a América Latina. Não somente isso, pode-se
afirmar também que essa crítica deve recair ao próprio pensamento criminológico dominante.
Para Lola Aniyar de Castro (2005), a criminologia recebe o caráter de crítica com a adoção de pautas
VOCÊ SABIA?
Em 1889 foi criada no Brasil a Associação Antropológica e de Assistência Criminal. Nessa
associação foram criadas diversas publicações responsáveis diretamente pela difusão de um
positivismocriminológico na América Latina, juntamente com os cursos universitários,
baseados nas ideias que surgiram na Europa, principalmente aquelas que vieram com autores
como Lombroso ou Garófalo (LIMA, SILVA, 2016).
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Para Lola Aniyar de Castro (2005), a criminologia recebe o caráter de crítica com a adoção de pautas
metodológicas determinadas e o método utilizado pela corrente que surgia deriva do método histórico-dialético,
composta por elementos como os apresentados nos itens a seguir. Clique para ver.
• 
A história constituinte e o histórico constituído.
• 
A busca da essência por trás da aparência, a dialética, as contradições.
• 
A análise do real, em vez da metafísica.
• 
A compreensão intuitiva um compromisso permanente com a emancipação e com a realização dos
planos de todos os homens.
• 
A necessidade de ser uma prática teórica transformadora.
À Criminologia da Libertação recairá o papel de realizar constantes estudos e também denúncias da realidade no
que diz respeito ao controle social nesses países periféricos. Deverá também estudar o papel até então realizado
pela Criminologia Institucional, para que se possa alterar a forma como ocorre o controle social. O termo
“Libertação” certamente diz respeito à possibilidade de se libertar o pensamento criminológico das ideias
estruturantes da Criminologia Positivista.
No Brasil, é importante destacar a vertente do pensamento criminológico chamado “Criminologia Radical”, cujo
principal expoente é o criminólogo Juarez Cirino dos Santos e que segue a linha de pensamento de importantes
autores como Taylor, Young, Foucault e Baratta. Clique na interação a seguir para ler mais sobre esta vertente.
 
No Brasil, a Criminologia Radical foi influenciada por autores como Heleno Claudio Fragoso, Juarez Tavares e
Nilo Batista, além dos debates ocorridos no Instituto de Ciências Penais do Rio de Janeiro, cruciais para a
formação do pensamento das ciências criminais no Brasil.
 
A obra de Cirino faz uma crítica pontual às teorias tradicionais, de viés conservador, incapazes de realizar um
elaborado exame da estrutura social, ou das instituições jurídicas e políticas, preocupando-se, em regra, com o
estudo dos criminosos e seus aspectos pessoais e até biológicos (SANTOS, 2006).
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VOCÊ QUER LER?
O livro “Criminologia da libertação”, também uma das obras da coleção “Pensamento
criminológico”, publicado pela primeira vez em 2005 por Lola Aniyar de Castro, traz um relato
das experiências ocorridas pela criminologia na América Latina. Trata também do surgimento
de importantes grupos de estudo criminológico: o Grupo Latino-Americano de Criminologia
Comparada e o Grupo de Criminólogos Críticos Americanos. É uma obra de grande importância
para o entendimento dos conflitos sociais e políticos e sua explicação por meio de um
pensamento que tentava se distanciar das ideias positivistas.
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Nesse sentido, numa tentativa de ruptura com essa lógica de pensamento (até então predominante), Juarez traz
teorias sobre a ocorrência do crime e da forma de controle social exercida pelo Estado, relacionando esses
fatores às lutas políticas existentes na sociedade. Vale dizer que essa perspectiva de classe possui uma vital
importância na análise do crime e de suas eventuais consequências.
 
Tal como proposto pelas ideias do – pautado na ideia de que o crime e o próprio criminoso sãolabeling approach
construções feitas a partir de uma definição jurídica e das ações dos institutos legítimos de controle social –, o
processo existente de criminalização das condutas atua de forma aleatória ou mesmo imparcial, tendo em vista
que possui objetivos claros de segregação e penalização de uma camada específica da sociedade.
 
O sistema de justiça criminal brasileiro, portanto, acaba revelando a existência de uma prática social
determinada e também organizada, que coexiste em um conflito incessante entre uma ordem social “imaginária”,
que é desencadeada pelas classes detentoras do poder, e uma ordem social “real”, pautada em desigualdades e
violência (SANTOS, 2006).
 
A Criminologia Radical, muito embora tenha sido elaborado em um período anterior à consagração da
democracia, possui atual relevância, haja vista a maneira como ocorre a atuação do Estado nos dias de hoje.
Essas ideias embasam as teorias dos mais diversos criminólogos brasileiros na contemporaneidade. 
No próximo tópico, falaremos do pensamento sociológico brasileiro e Sociologia Jurídica. Acompanhe!
4.2 Pensamento sociológico brasileiro e Sociologia Jurídica
No momento em que as Ciências sociais foram apresentadas na presente disciplina como instrumentos capazes
de compreender fenômenos como criminalidade e violência, a Sociologia foi apresentada de forma sucinta, mas
um campo do saber tão complexo merece determinado aprofundamento, principalmente em relação à Sociologia
Jurídica, área específica que trata das instituições jurídicas e do estudo do papel do próprio Direito como uma
das instituições fundantes da estrutura social. Nesse sentido, o Direito é investigado como uma ferramenta de
organização e controle social.
Tendo em vista que a Sociologia é a ciência incumbida de estudar: as relações sociais; as instituições sociais; e a
sociedade em geral, pode ser considerada uma ciência social a partir do momento em que faz uso de um
conjunto acumulado de conhecimentos e que tenha como um de seus escopos fornecer respostas acerca da
vivência do ser humano.
Para Gil (2011), pode-se definir Sociologia como o estudo da sociedade, mas não de forma tão rasa. Tem-se como
objeto todo comportamento humano recorrente na sociedade ou que seja influenciado por fatores sociais. Nota-
se que não é por ocorrer dentro da sociedade que um fato se torna automaticamente um objeto de investigação.
Um fato só pode ser entendido efetivamente como sociológico a partir do momento em que se busca entende-lo
dentro do contexto das relações que se estabelecem entre os seres humanos e as circunstâncias sociais em seu
redor que os afetam.
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Figura 2 -
A Sociologia tem como objetivo o estudo da sociedade, englobando todo comportamento humano influenciado 
por fatores sociais.
Fonte: SCOTTCHAN, Shutterstock, 2018.
Em relação aos principais autores da Sociologia, não existe um consenso sobre qual seria o objeto, por
excelência, da Sociologia, de modo que a disciplina é tratada com diferentes focos. Vale mencionar, citando os
principais autores do campo, o estudo dos fatos sociais por Émile Durkheim (como As Regras do Método
Sociológico – 1895 e O suicídio – 1897), Max Weber (com A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo –
1905 e Economia e Sociedade – 1922) e Karl Marx (com o Manifesto Comunista – 1848 e O Capital – 1867).
Ressalta-se também a importância de Augusto Comte, desenvolvedor da Sociologia positivista que, ao conceber a
noção de que há certas regularidades nos fatos sociais, seria possível a utilização de métodos válidos nas ciências
naturais, como a Física.
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4.2.1 A gênese sociológica e a Sociologia no Brasil
É possível dizer que a Sociologia tem sua base estruturante no século XIX, momento no qual o modelo de
produção capitalista se tornou a dominante em diversos aspectos da sociedade ocidental. Vale dizer que a
disciplina não existe somente para a explicação da vida dentro desse contexto econômico, mas também para
compreendê-lo e até mesmo superá-lo. De forma geral, as circunstâncias históricas e também intelectuais
propícias ao surgimento da Sociologia, referem-se à superação completa do feudalismo e à consolidação do
capitalismo como sistema dominante. Em outras palavras, trata-se do surgimento da modernidade, que tem
como seus principais marcos históricos, conforme Martins (1985), são os apresentados a seguir. Clique para ver.
 
Revolução Inglesa (século XVII)
 
Revolução Francesa (século XVIII)
 
Independência Americana (século XVIII)
 
Revolução Industrial (século XVIII)
Esses momentos foram, portanto, encarregados da transformação das relações econômicas e sociaisem suas
respectivas épocas, o que concedeu os elementos necessários para a formação da Sociologia como disciplina,
haja vista a ocorrência de um aprofundamento das ideias sobre a organização da sociedade, tanto para explicar
quanto para criticar o modelo econômico emergente (GIL, 2011). É por isso que se pode afirmar que o
desenvolvimento científico naquele período (principalmente no que diz respeito às ciências humanas) não foi
capaz de explicar os novos patamares alcançados pela sociedade em formação. A Sociologia, portanto, surgiu
como uma nova disciplina que deveria analisar as novas estruturas da vida social e sua transformação dentro do
novo modelo capitalista.
No que diz respeito ao Brasil, algumas ideias básicas de Sociologia foram estudadas, ainda no final do Império,
tendo em vista que se tratava de um tema abordado pelas faculdades de Direito. A partir da década de 1930 a
Sociologia acabou por se consolidar, recebendo um tratamento autônomo como disciplina. Nesse período que
surgiram algumas das obras clássicas da Sociologia brasileira, como Casa-Grande e Senzala, de Gilberto Freyre
(escrita em 1933), e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda (escrita no ano de 1936).
Essas obras surgiram como forma de explicar as grandes mudanças na vida política e também social no país
naquele momento, tais como: a crise da economia cafeeira; o desenvolvimento industrial; o surgimento das
legislações sociais e a implementação do Estado Novo em 1937. Gil (2011) menciona as importantes instituições
desse período como a Escola Livre de Sociologia e Política (fundada em 1933) e a Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras da Universidade de São Paulo (em 1934).
Pode-se afirmar que a influência de professores europeus e norte-americanos foi fundamental para a formação
das primeiras gerações de sociólogos brasileiros. Renomados autores como Donald Pierson e Radcliff-Brown,
dos Estados Unidos, vieram para a Escola de Sociologia e política. Para a Faculdade de Filosofia vieram autores
franceses como: Lévi-Strauss, Roger Bastide, Paul Arbousse e Fernand Braudel (GIL, 2011).
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Nos anos que se passaram houve uma mudança radical na preocupação dos temas tidos como objeto do estudo
sociológico, nascendo aí uma noção mais crítica do pensamento da disciplina. Em 1950, foram realizados
importantes estudos sobre temas como: êxodo rural, desigualdade social, cultura popular, estratificação social,
industrialização entre outros. Florestan Fernandes foi, indubitavelmente, um dos principais autores desse
período, inclusive ao discordar de teses propostas por autores clássicos, como Gilberto Freyre. Florestan,
influenciado pelas ideias de Marx, encarregou-se de uma reflexão teórica em Sociologia e pelo estudo das
relações sociais e da estrutura de classes da sociedade brasileira. Foi considerado o principal mentor da
Sociologia crítica no Brasil, tendo muitos seguidores, como Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso (GIL,
2011).
VOCÊ QUER LER?
O livro: “O violão azul: Modernismo e Música Popular”, de Santuza Cambraia Naves, escrito em
1998, é de grande importância para se compreender a análise do Brasil no início do século e
busca na música popular brasileira das décadas de 1920 e 1930 a linguagem do canto do
homem comum. Há uma discussão sobre a relação entre modernismo e música popular. Tem
como uma de suas principais teses a ideia de que a chamada música popular pode concretizar
determinado ideal modernista que rompe com certas tradições associadas a determinadas
noções de erudição com a adoção de um tom mais coloquial nas canções e com uma estética
diferenciada muitas vezes ligada à paródia e ironia, como se pode ver nas músicas de autores
como Noel Rosa.
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Figura 3 - Desigualdade social foi um tema que entrou em pauta nos estudos sociológicos na década de 1950 com 
autores como Florestan Fernandes.
Fonte: Prazis Images, Shutterstock, 2018.
É importante mencionar que golpe militar de 1964 prejudicou bastante o andamento da disciplina no país.
Muitos professores de Sociologia, como Florestan Fernandes e Octavio Ianni tiveram que suspender suas
atividades. Outros, apesar das restrições impostas pelas autoridades, continuaram a trabalhar no Brasil,
constituindo núcleos de pesquisa independentes, como o Centro Brasileiro de Análise do Planejamento
(CEBRAP), fundado em 1969 (GIL, 2011).
4.2.1 A Sociologia jurídica e seu papel na análise da política criminal
O que se entende como o “Direito Dogmático” é, para a Sociologia Jurídica, conhecido como “fenômeno jurídico”.
O sistema jurídico, nesse contexto, é visto como um conjunto desses fenômenos.
Com efeito, pode-se dizer que existe uma clara ligação entre sistemas sociais e sistemas jurídicos. Essa ligação é
justamente o que a Sociologia do Direito se dispõe a estudar (com a metodologia correta, obviamente). O Direito,
enquanto dogmático, busca tratar de suas próprias normas e definição. A Sociologia do Direito, por sua vez, tenta
estudar o papel exercido por ele.
Nesse sentido, Rosa (2004) salienta que as normas jurídicas estão sempre acompanhando as modificações da
sociedade, em um processo no qual cada setor possui influência nos demais e no todo. Como exemplo, pode-se
dizer que os sistemas atuais do Direito mostram novas ramificações, especializações que derivaram de uma
crescente atividade social. Da mesma maneira, é possível afirmar que as ramificações já existentes do Direito
também sofreram grande alteração devido às mudanças ocorridas socialmente.
Alguns autores identificam ao menos cinco campos específicos para a atuação da Sociologia do Direito (DIAS,
2014). Veja quais são eles clicando a seguir.
O papel desempenhado pelas instituições do direito na administração de conflitos sociais.
O estudo da sociedade presente no Direito, sua compreensão a partir das normas positivas contidas no
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O estudo da sociedade presente no Direito, sua compreensão a partir das normas positivas contidas no
ordenamento legal e a que interesses os tipos de valores e regras sociais estão relacionados.
A relação existente entre o sistema judiciário e a sociedade, seja pela imprensa ou pela opinião pública.
Análise institucional (Polícia, Ministério Público, magistratura, cárcere), a maneira e estrutura de administração
da justiça e seu funcionamento.
A questão da eficácia da aplicação das normas e preceitos jurídicos e o problema do acesso da justiça em
diferentes sociedades.
A ligação entre Sociologia e Direito, conforme Rosa (2004), parte de uma crescente imprecisão fronteiriça
existente entre as diversas áreas do conhecimento que se alia a uma necessária interpretação a todos os campos
científicos. Da mesma forma que a autora menciona a necessidade de um psicólogo em incorporar saberes da
Biologia e Antropologia (entre outros), o jurista não pode ignorar a contribuição sociologia durante sua atuação.
A necessidade do estudo sociológico, bem como sua ligação com a esfera jurídica, parte também do pressuposto
de que o Estado não é mais um mero espectador das atividades sociais, atuando em todas as manifestações que
possuem certa importância dentro da sociedade e nas quais ele deve planejar o desenvolvimento (ROSA, 2004).
Dentro desse contexto é possível citar o Direito que, como um fenômeno que está inserido em qualquer
sociedade complexa, estará sempre aliado de alguma forma aos diversos fenômenos sociais, sendo até mesmo
um aspecto inerente a eles.
Essa contribuição mútua também é de extrema importância para que se possa compreender a origem e os
motivos dos diversos conflitos que possuem repercussão jurídica. Rosa (2004), bem menciona que as
contradições internas existentes na sociedade atualmente se manifestam como explosões capazes de revelar a
verdadeira dimensão das forças sociais. Cita ainda que com o crescimento acelerado das populações, aumenta-se
também as tensões internas dos grupos sociais ou a tensão entre os diferentes grupos.
Certamente o desvio social criminalizado é um importante foco do estudo sociológico, assim como as formas queo Estado estabelece para enfrentá-lo, evitando-se que a reação social diante da criminalidade seja espontânea e
anárquica. Pode-se afirmar também que, conforme Dias (2014), uma política estatal de combate ao crime é fruto
de uma elaboração científica que é perfeitamente identificada com os valores de determinada sociedade.
Por essas razões que é importante mencionar a importância das Ciências Sociais na atuação das agências de
persecução penal. Ressalta-se também na existência de um deslocamento (ocorrido ao final do século XIX), no
contexto do estudo do crime, de um foco antes pertencente ao ser humano individualmente considerado para
um foco nos fatores sociais que podem incidir para a ocorrência de um fenômeno descrito como crime.
O que se considera como crime, tem sido objeto de estudo das ciências, principalmente no século XIX, como
mencionado, mas enquanto esse estudo era inicialmente concebido com uma preocupação em identificar e
analisar a origem do comportamento criminoso (seja com base em aspectos biológicos ou psicológicos), as
VOCÊ O CONHECE?
Jorge da Silva, ex-chefe do Estado-Maior Geral, Secretário de Direitos Humanos (RJ), é cientista
político e Doutor em Ciências Sociais pela UERJ. Tem como seus campos de estudo a violência,
criminalidade e o mito da democracia racial no Brasil. Também tem importantes estudos na
área da Criminologia Crítica. Conforme o próprio autor (2008), a criminalidade é um fenômeno
intimamente ligado à convivência dos indivíduos em sociedade, sendo crucial para as
autoridades e os operadores do sistema jurídico o dimensionamento das formas adequadas
para as possibilidades de atuação e dos limites da polícia.
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analisar a origem do comportamento criminoso (seja com base em aspectos biológicos ou psicológicos), as
Ciências Sociais reconfiguraram esse modelo de análise, rompendo com o pensamento do determinismo
criminológico.
Machado (2008) lembra que os estudos feitos pelas Ciências Sociais foram responsáveis por aumentar o número
de atores sociais que estão envolvidos na construção social do crime. Não há, portanto, apenas a figura do
criminoso, mas também os processos de seleção e estigmatização e a atuação das instâncias formais (e também
informais) do controle social.
Indaga a autora que a sociedade, diferente da visão criminológica tradicional, não possui os criminosos “que
merece”, mas os que ela mesmo cria.
A necessidade de se aliar a Sociologia com o direito pode ser também muito bem exemplificada com a análise do
próprio conceito básico de crime. Enquanto o Direito traz um conceito puramente legalista (baseada na máxima:
“adequação do fato à norma positiva”) que traz uma equivocada noção de que a atuação e aplicação da lei é
objetiva e neutra.
Com a contribuição sociológica, Machado (2008) menciona que três elementos básicos devem ser considerados
no processo de definição de um crime. Clique nos itens a seguir para ver.
• 
1) Os danos que são causados, o que remete aos prejuízos e vítimas atingidas.
• 
2) O consenso social a respeito dos impactos dessa conduta.
• 
3) As respostas oficiais que são dadas, o que se baseia na existência de uma legislação criminal
específica e também o processo de investigação.
Pode-se dizer, portanto, que no que diz respeito ao fenômeno da criminalidade, a abordagem sociológica busca
não apenas explicar as razões pelas quais um crime é cometido, mas também problematizar a ordem social e
compreender as diversas implicações político-criminais (MACHADO, 2008).
A análise dos objetivos das políticas criminais é, por consequência, de grande relevância, sendo que a política
criminal de um Estado possui forte conteúdo ideológico, constituindo-se na reação desse mesmo Estado no
enfrentamento concreto da criminalidade pelo controle social formal exercido e realizado de modo sistemático.
A política criminal é um importante aspecto da política estatal geral e depende das necessidades e da abordagem
da ordem social de interesse de determinados grupos que detém o domínio do aparelho estatal (DIAS, 2014).
4.3 Antropologia jurídica
A antropologia é mais que o estudo da cultura em si, é a ciência encarregada do estudo do homem e seu próprio
desenvolvimento, seja material ou cultural. A disciplina deve abordar todas as dimensões.
Pesquisas como as realizadas por Alba Zaluar e Teresa Caldeira são de extrema importância não apenas pelo fato
de estarem diretamente ligadas a temas que são de grande valor para a criminologia, mas porque fornecem uma
visão de dentro de áreas da sociedade com informações e detalhes que não seriam possíveis de serem analisados
de qualquer outra maneira.
•
•
•
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Certamente a vivência jurídica não poderiam ficar de fora do campo do estudo antropológico, sendo o Direito
uma das muitas dimensões da ação humana e, para os fins desse capítulo, a dimensão de maior relevância.
4.3.1 A gênese da Antropologia
Assis e Kümpel (2011) lembram que no ano de 1917, o antropólogo Robert Lowie mencionou a cultura como
único objeto de estudo da Antropologia, da mesma forma que afirmou que consciência é o assunto por excelência
da Psicologia, a vida da Biologia e a eletricidade seria o campo da Física. Diversos antropólogos contestam essa
afirmação ao dizerem que o verdadeiro tema da Antropologia é a evolução humana em si, não apenas sua cultura.
A Antropologia é uma ciência complexa que se preocupa com diversas questões, tais como: ideias, valores,
símbolos, normas, costumes, crenças etc. Por esse motivo, a Antropologia está sempre vinculada a alguma outra
ciência (como o Direito, Sociologia ou Ciência Política).
Pode-se afirmar, portanto, que a maioria dos autores (como Assis e Kümpel, 2011) entende que a Antropologia
tem como escopo conhecer o homem em sua totalidade, ou seja, em todas suas dimensões, em todas suas as
sociedades e em todos os agrupamentos humanos.
VOCÊ QUER VER?
“Falcão – Meninos do Tráfico”, de MV Bill e Celso Athayde (2006) é um documentário que
retrata o cotidiano de diversos jovens envolvidos no tráfico de drogas nas favelas do país. A
produção, entre os anos de 1998 e 2006, visitou diversas comunidades brasileiras e registrou,
em uma linguagem coloquial, a realidade na qual esses indivíduos estavam inseridos. O termo
“falcão” diz respeito àquele responsável pela tarefa de vigiar a comunidade e trazer
informações sobre a polícia ou grupos rivais que se aproximam. O documentário é uma
importante obra de estudo antropológico, capaz de levar a compreensão de uma realidade por
uma análise interna dos envolvidos. O documentário está disponível em:
< >.https://www.youtube.com/watch?v=B-s2SDi3rkY
https://www.youtube.com/watch?v=B-s2SDi3rkY
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Figura 4 - Em seu início, a antropologia se preocupava com o estudo das chamadas “sociedades primitivas”. 
Atualmente sua preocupação é com a sociedade em geral.
Fonte: Sergey Uryadnikov, Shutterstock, 2018.
A Antropologia possui três aspectos principais (ASSIS, KÜMPEL, 2011). Clique na interação a seguir para
conhecê-los.
Ciência social
Uma vez que procura conhecer o homem como um indivíduo integrante das mais diversas sociedades,
comunidades e grupos organizados.
Ciência humana
A partir do momento em que busca conhecer o homem por meio de sua história, de suas crenças, sua arte, seus
usos e costumes.
Ciência natural
No momento em que tem como escopo conhecer o homem por meio de sua própria evolução, de seu patrimônio
genético e de suas características anatômicas e fisiológicas.
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Em seus momentos iniciais (por volta do século XIX), a antropologia era direcionada ao estudo das sociedades
primitivas. Essas sociedades distinguiam-se das sociedades europeias por uma série de razões. Entre elas, é
possível citar as listadas na interação a seguir (ASSIS, KÜMPEL, 2011). Clique para ver.
• 
1. São sociedades de dimensões estritas.
• 
2. Tiveram pouco ou nenhum contato com sociedades vizinhas.
• 
3. Possuem uma tecnologia pouco desenvolvida se comparadas com as sociedades dominantes.
• 
4. Há uma menor especialização dasatividades e funções sociais.
Em resumo, podem ser consideradas sociedades simples porque possuem um grau de complexidade menor.
Entretanto, nos dias atuais, o objeto teórico principal da antropologia consiste no estudo do homem de maneira
geral, o que significa que deve ser englobado também o estudo das sociedades contemporâneas (consideradas
complexas). Afirma-se, assim, que a antropologia considera todos os aspectos da existência humana em todos os
locais.
4.3.2 Antropologia jurídica e o estudo da justiça
É certo que o estudo do direito não poderia jamais ficar restrito à sua vertente dogmática pura. O sistema
jurídico não pode ser visto como uma mera sistematização ou classificações das normas jurídicas emanadas por
um determinado Estado, tendo em vista que o que se entende como “Direito” aborda não apenas uma disciplina
ou uma prática, baseada em normas positivas, mas em todo um aspecto humano que envolve cultura, hábitos e
tradições.
Nesse ponto, é possível apontar que há uma vinculação muito clara entre Direito e Antropologia, até porque o
homem figura como “protagonista” e objeto de estudo dessas duas searas do saber. As duas disciplinas abordam,
de maneiras diferentes, temas como igualdade e liberdade. Sem dizer que o Direito também constitui um dos
aspectos da cultura, objeto específico da chamada Antropologia cultural.
VOCÊ SABIA?
É curioso dizer que na Antropologia não há um acordo sobre a definição de conceito de Direito.
Essa discussão, conforme mencionado por Assis e Kümpel (2011), remonta às obras de
Malinowski e de Radcliffe-Brown, fundadores da Antropologia Jurídica. Malinowski propõe
uma estratégia conceitual na qual o objetivo da generalidade se sobrepõe ao da especificidade
(de modo que em qualquer grau de “primitivismo”, existe direito). Radcliffe-Brown, por sua
vez, segue uma ideia conceitual em que o objetivo da especificidade possui precedência sobre o
da generalidade, de forma que certas sociedades “primitivas” não teriam, portanto, direito.
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Figura 5 - O Direito pode ser visto como um instrumento utilizado contra a arbitrariedade do Estado, mas 
também como uma ferramenta de segregação em relação à certos grupos.
Fonte: Everett Collection, Shutterstock, 2018.
Vale dizer que a Antropologia também se interessa pela existência dos conflitos sociais, principalmente quando
se trata da intervenção normativa na decisão desses conflitos emanada por um órgão jurídico, assim como
também se interessa pelo desdobramento da ordem jurídica decorrente das inúmeras transformações sociais,
políticas, culturais e econômicas.
Pode-se afirmar que o Direito, do ponto de vista antropológico, de um lado possui a capacidade de proteger a
população (ou parte dela) do poder arbitrário exercido pelo Estado. Por outro lado, pode também ser visto como
um instrumento manipulável utilizado contra os menos privilegiados por meio de técnicas de controle e
dominação.
Muito embora as ideias lombrosianas não sejam mais vigentes, Lombroso foi o responsável por inaugurar o que
ficou conhecido como Antropologia criminal, bem como também teve um importante papel na fundação da
Escola Positiva do Direito Penal (BANDEIRA; PORTUGAL, 2017). Os estudos antropológicos realizados à época
foram determinantes para que fosse disseminada a ideia do criminoso nato.
Esse criminoso nato, na perspectiva da Antropologia criminal clássica, era aquele que sofria influência biológica,
além de possuir estigmas e um instinto criminoso, possuindo características como: fronte fugidia, sobrancelhas
salientes e orelhas malformadas.
É certo que esse pensamento não mais prevalece, mas foi, à época, a principal explicação do fenômeno da
criminalidade e do criminoso (que podia ser, na perspectiva lombrosiana, o criminoso nato, o criminoso louco –
o alienado mental – e o criminoso de ocasião).
Certamente, hoje o que se compreende como Antropologia criminal diz respeito às pesquisas dos fatores
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Certamente, hoje o que se compreende como Antropologia criminal diz respeito às pesquisas dos fatores
individuais do crime, mas que não tratam de ideias como “atavismo” ou “degeneração”, comuns ao momento da
Criminologia Positivista.
4.4 Transdisciplinaridade / Interdisciplinaridade / 
Multidisciplinaridade
O capítulo final retorna com um ponto crucial do estudo dos fenômenos da criminalidade, sociedade e violência:
a necessária análise de vários olhares para uma melhor compreensão desses eventos.
Transdisciplinaridade, interdisciplinaridade de multidisciplinaridade dizem respeito a esses diferentes olhares
pelos mais variados campos do saber. Ao analisar cada um dos termos, pode-se afirmar que a
multidisciplinaridade diz respeito à existência de mais de uma área do conhecimento em certo propósito, ao
passo que a interdisciplinaridade trata da união entre essas disciplinas para um projeto comum, sendo
necessariamente relacionadas. Transdisciplinaridade, por sua vez, é a própria ideia de um conhecimento sem
fronteiras disciplinares, o que é altamente necessário quando se estuda fenômenos tão complexos (BICALHO,
2011).
A interdisciplinaridade, como essa união entre as diversas áreas para um único propósito, deve ocorrer não
apenas em relação às áreas que englobam as Ciências jurídicas, mas deve ir além dela, abordando também
outros saberes científicos. O que se busca, por fim, é uma verdadeira transdisciplinaridade, a existência de um
conhecimento sem restrições, uma forma nova de ver e entender complexos fenômenos da natureza e da
humanidade. Santos (2005) menciona que se a Ciência Moderna contribuiu para uma ruptura no modo de
pensar no homem medieval, a transdisciplinaridade hoje sugere uma verdadeira superação da mentalidade
fragmentária, criando um incentivo a novas conexões, uma visão contextualizada do conhecimento.
O tópico em questão, contudo, aborda da multidisciplinaridade não apenas no que diz respeito às contribuições
realizadas por outros campos do saber. O que se pretende nesse momento é realizar uma análise sobre a
transdisciplinaridade obrigatória entre Direito Penal e Criminologia, abordando como o saber criminológico tem
sido marcado como uma ciência auxiliar e subalterna ao direito dogmático e como essa “relação” deve ser
alterada, uma vez que, em verdade, a relação necessária é de complementaridade.
4.4.1 O ensino das Ciências criminais: Direito Penal, Criminologia e Política 
Criminal
As disciplinas Direito Penal e Direito Processual Penal foram desenvolvidas no século XVIII com o fomento da
técnica realizado pela Escola da Exegese francesa. Nesse momento surgiu a ciência da dogmática da área
criminal com o escopo de sistematizar a intepretação das normas.
A chamada dogmática tinha o claro objetivo de estabelecer certas condições de aplicabilidade judicial do direito
e organizada a partir da seguinte divisão: 1) teoria da lei; 2) teoria do delito; 3) teoria da pena. Conforme
Carvalho (2008), ela era elaborada e conduzida por intérpretes renomados e seria capaz de tratar o material
legislativo de modo a propiciar critérios seguros de aplicabilidade ao jurista.
O autor mencionado entende, que a dogmática também era capaz de: 1) diagnosticar lacunas e antinomias e 2)
proporcionar critérios de integração e colmatação. Tudo com objetivo de gerar mais estabilidade jurídica.
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Figura 6 - O Direito Penal acabou por receber o título de disciplina principal das ciências criminais, o que acabou 
por dar a outros importantes saberes um caráter subsidiário.
Fonte: tlegend, Shutterstock, 2018.
Todas essas características foram responsáveis por dar ao direito dogmático a característica de “ciência penal
por excelência”, tendo em vista que a partir do momento em que eram apontadas as falhas do sistema jurídico
penal por essa disciplina, entraria em campo a política criminal, responsável melhora do material legislativo
penal.
Dentro desse contexto, a atuação da criminologia foi limitada à intervenção punitiva. Atuando quase que apenas
nos cárceres, era encarregada de fornecer elementos sobrea periculosidade dos indivíduos condenados.
Mais uma vez Carvalho (2008) menciona que a ciência penal, marcada por autores como Franz Von Liszt e
Arturo Rocco, privilegiou o saber dogmático e formal, tratando apenas como ciência auxiliar qualquer outro
saber que tivesse a criminalidade como fonte de estudo.
Dessa forma, a Criminologia, que até então era derivada do positivismo naturalista (com base no racionalismo
iluminista e um objetivo de identificar padrões absolutos de justiça) e etiológico (tendo Lombroso, Ferri e
Garófalo como seus maiores expoentes), passar a ser marcada como uma “ciência coadjuvante”, sendo seu local
de fala apenas ao lado da ciência principal que era o direito penal, seu objetivo era apenas legitimá-lo.
4.4.2 Uma nova criminologia e as fronteiras dos saberes penal e 
criminológico
Com “As Regras do Método Sociológico” (publicado em 1895), Durkheim permitiu que surgissem condições que
possibilitariam o “giro criminológico” ( ), com a noção de que o crime seria uma experiênciacriminological turn
normal no convívio social. Baratta (2002) compreende que, com a teoria estrutural-funcionalista de Durkheim,
ocorreu tal virada sociológica da criminologia contemporânea, sendo a primeira alternativa à concepção
existente do delinquente nato.
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Nasciam nesse momento as primeiras críticas à Criminologia positivista, que podem ser enumeradas conforme
apresenta a interação a seguir. (BARATTA, 2002). Clique para ver.
 
1. Ocorrência do monopólio dos conhecimentos sanitaristas psiquiátricos e psicológicos.
 
2. Herança de um caráter meramente institucional.
 
3. A concepção patológica do crime e do criminoso.
 
4. A demonização do delinquente.
Pode-se afirmar, portanto, que o Direito Penal acabou criando um saber autônomo e supostamente
independente das demais áreas. A disciplina estabeleceu sozinha os critérios e requisitos de temas como
responsabilidade penal (o que foi feito a partir da noção de tipicidade). Já as teorias da pena desenvolvidas
forneceram a legitimidade necessária ao sistema justificando o funcionamento da intervenção penal. A execução
penal assim, seria o elo de ligação e confirmaria o caráter auxiliar da Criminologia.
Percebe-se, dessa maneira, que a dogmática penal acabou por se isolar do restante das demais ciências, criando
uma espécie de saber auto-referencial.
CASO
Conforme foi apontado em diversos momentos da presente disciplina, durante muito tempo
vigorou a ideia trazida pela Criminologia positivista e por autores como Lombroso e Garófalo
da existência da criminalidade nata. Conforme essa corrente de pensamento, um indivíduo
seria mais ou menos propenso à prática criminosa conforme suas características biológicas.
Certamente esses conceitos criminológicos foram utilizados para justificar a segregação racial
e a fomentar a ideia de uma raça branca superior e civilizada. Durkheim, por outro lado, em
seus estudos acabou trazendo uma nova explicação para o crime, o que fragilizou o
pensamento positivista até então dominante. O autor considera o Direito como um fato social e
o crime, portanto, seria um fenômeno normal na sociedade, o que, inclusive, teria sua utilidade
social em regular a evolução moral da sociedade, tendo em vista que a pena seria um elemento
de coesão social e útil à formação da consciência coletiva (BARATTA, 2002). As ideias que
nasceram com Durkheim são as bases fundantes das teorias funcionalistas atuais.
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Figura 7 - Para Durkheim não há uma distinção entre o “cidadão de bem” e o “criminoso nato”. Conforme o autor, 
a criminalidade seria um fenômeno natural na sociedade.
Fonte: Sam72, Shutterstock, 2018.
Nesse momento, a Criminologia se encontrava fragmentada em duas vertentes: 1) a Criminologia institucional e
2) a Criminologia da reação social ( ). Isso fez com que fossem desenvolvidas duas linguagenslabeling theory
distintas e adequadas ao estudo de fenômenos diferenciados. Enquanto a Criminologia positivista (atrelada ao
Direito Penal dogmático), era responsável por definir certos critérios de definição dos meios mais adequados à
correção do criminoso; a Criminologia da reação social estava em harmonia com as teorias sociológicas
mencionadas e se possibilitava o surgimento posterior da criminologia crítica (BARATTA, 2002).
4.4.3 Auxiliaridade e interdisciplinaridade nas Ciências criminais
É importante saber essas noções para que se possa compreender a importância da interdisciplinaridade no que
diz respeito às Ciências criminais. Conforme Carvalho (2008), a condição mínima para existam pesquisas
interdisciplinares é a igualdade de condições de fala dos diferentes sujeitos. Deve-se, portanto, negar a ideia de
que um saber se encontra a serviço de outro. Deve-se, em primeiro lugar, respeitar as diferenças inerentes aos
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que um saber se encontra a serviço de outro. Deve-se, em primeiro lugar, respeitar as diferenças inerentes aos
mais diversos saberes científicos.
No que diz respeito às Ciências Criminais, é certo que há (até hoje) uma espécie de relação de hierarquia entre o
Direito Penal e todas as outras disciplinas existentes que tratam de investigar o fenômeno da criminalidade, a
vítima, os processos de criminalização e a atuação das agências de controle social formal.
Assim, este modelo atual do conhecimento, em que o Direito Penal acaba por se posicionar em uma posição
privilegiada em relação aos demais saberes, torna impraticável a interdisciplinaridade que, para que possa ser
alcançada, requer que as disciplinas se abram às críticas externas, tornando possível seu desenvolvimento.
Síntese
O capítulo final da disciplina foi responsável por aprofundar importantes questões em relação ao tema central
(sociedade, violência e criminalidade), apresentando, inicialmente, o desenvolvimento do saber criminológico na
América Latina e no Brasil. Esse tópico tem grande relevância, pois demonstra como a Criminologia Positivista se
instaurou nas regiões periféricas como um saber dominante e também como a Criminologia Crítica tem tomado
cada vez mais espaço.
As contribuições da Sociologia e Antropologia, especificamente para o estudo do Direito, também é um tema de
grande importância e de necessária abordagem, tendo em vista que são instrumentos cruciais na análise da
atuação das agências de controle penal.
Por fim, o último tópico, além de ser de grande utilidade para explicar a forma como a dogmática penal se tornou
uma disciplina dominante em relação às demais, trata-se também de um apelo à interdisciplinaridade, pois é a
única forma possível de desenvolvimento pleno de um saber.
Neste capítulo, você teve a oportunidade de:
• compreender o desenvolvimento das ciências criminais no Brasil;
• identificar as contribuições da Sociologia e Antropologia para o estudo do Direito;
• definir conceitos como transdisciplinaridade, interdisciplinaridade e multidisciplinaridade;
• apontar a importância da harmonia entre os saberes científicos para que sejam devidamente 
desenvolvidos.
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	Introdução
	4.1 Pensamento Criminológico brasileiro e Criminologia crítica
	4.1.1 A dependência latino-americana e a criminologia latino-americana no século XIX
	4.1.2 A teoria criminológica propriamente latino-americana e a Criminologia Radical
	4.2 Pensamento sociológico brasileiro e Sociologia Jurídica
	4.2.1 A gênese sociológica e a Sociologia no Brasil
	4.2.1 A Sociologia jurídica e seu papel na análise da política criminal
	4.3 Antropologia jurídica
	4.3.1 A gênese da Antropologia
	4.3.2 Antropologia jurídica e o estudo da justiça
	4.4 Transdisciplinaridade / Interdisciplinaridade / Multidisciplinaridade
	4.4.1 O ensino das Ciências criminais: Direito Penal, Criminologia e Política Criminal
	4.4.2 Uma nova criminologia e as fronteiras dos saberes penal e criminológico
	4.4.3 Auxiliaridade e interdisciplinaridade nas Ciências criminais
	Síntese
	Bibliografia

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