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1 PLANEJAMENTO URBANO E MEIO AMBIENTE 2 PLANEJAMENTO URBANO E MEIO AMBIENTE DÚVIDAS E ORIENTAÇÕES Segunda a Sexta das 09:00 as 18:00 ATENDIMENTO AO ALUNO editorafamart@famart.edu.br mailto:editora 3 Sumário Os municípios e as cidades brasileiras ............................................................................................ 4 Evolução urbana no Brasil 1872/2000 .............................................................................................. 5 Lei Orgânica Municipal (LOM) ........................................................................................................... 8 Rede de cidades ................................................................................................................................ 11 Estatuto da cidade ............................................................................................................................. 15 Componentes do planejamento ....................................................................................................... 32 A questão ambiental ......................................................................................................................... 40 Zoneamento urbano .......................................................................................................................... 52 Acessibilidade e mobilidade urbana ............................................................................................... 61 Legislação de parcelamento do solo .............................................................................................. 80 Guetização da cidade ....................................................................................................................... 90 Incorporações imobiliárias .............................................................................................................. 98 Índices urbanísticos: ...................................................................................................................... 111 Referências ...................................................................................................................................... 125 4 Os municípios e as cidades brasileiras A Constituição do Império de 1854 introduziu no Brasil o conceito de município como organização territorial e com as suas diversas denominações. Anteriormente, o que existia eram as vilas e as cidades, com organização constituída pelos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário, eleitos pelo povo. A seguir, tabela com a situação das vilas e cidades criadas até o ano de 1720. “Os centros urbanos apresentavam, então, uma vida que pode ser caracterizada como intermitente. Cessado o movimento decorrente do afluxo de senhores de terra, tinham uma aparência de abandono e desolação [...]” (REIS, 1968, p. 97). Ao se iniciar o “desenvolvimento da produção com métodos científicos” (BENEVOLO, 1998, p. 443) surge uma nova conformação para as cidades, pois o negócio das trocas, das compras e das vendas especulativas, representado pelas operações dos excedentes produtivos do campo, realizava-se nas áreas urbanas que ofereciam um maior suporte para essas trocas. Vilas e cidades criadas até o ano de 1720 no Brasil Século XVI Século XVII Século XVIII até 1720 Alagoas – 3 – Bahia 4 5 1 Ceará – – 1 Espírito Santo 2 1 – Guanabara 1 – – Maranhão – 2 1 Minas Gerais – – 8 Pará – 4 – Paraíba 1 – – 5 Paraná – 2 – Pernambuco 2 1 1 Piauí – – 1 Rio De Janeiro – 6 – Rio Grande Do Norte 1 – – Santa Catarina – 1 1 São Paulo 6 10 1 Sergipe 1 2 – Total 18 37 15 Total Geral 70 O resultado desse ânimo sobre a estrutura das cidades foi dúplice. Os interesses do dinheiro progressivamente dominaram os interesses da terra, no traçar e construir os novos bairros da cidade. O que é talvez mais significativo ainda é que toda a terra tinha escapado à detenção feudal e estava sujeita à venda ilimitada, tornando-se cada vez mais um meio de fazer dinheiro. A terra feudal era concedida por um prazo de 99 ou 999 anos; pelo menos três gerações. Esse sistema favorecia a continuidade e reduzia o movimento ascensional dos preços. Quando a terra se tornou um produto, e não um bem permanente, fugiu a qualquer espécie de controle comunal (MUMFORD, 2001, p. 451). A partir daí os municípios e, consequentemente, as cidades, no Brasil, não pararam de se multiplicar e de se contrapor ao campo. No Brasil, em 1900, 9,4% da população total morava em cidades e 100 anos depois, em 2000, foi atingida a marca de 81,23% de residentes na área urbana. No quadro a seguir são apresentados os dados que comprovam essa inversão campo-cidade, e que é exatamente em decorrência dessa questão que enfrentamos, nos dias de hoje, dificuldades na formulação do conceito de cidade. Evolução urbana no Brasil 1872/2000 6 Crescimento da população urbana no Brasil Ano Percentual urbano (%) População total (em milhões) 1872 5,90 9,9 1890 6,80 14,3 1900 9,40 17,4 1920 10,70 30,6 1940 31,24 41,3 1950 36,16 51,9 1960 44,93 70,2 1970 55,92 93,1 1980 67,59 119,1 1990 75,59 146,8 1996 78,36 157,0 2000 81,23 169,8 O Brasil possui altas taxas de urbanização, superiores até mesmo do que em países como a Malásia, com 52,1%, a Nigéria, com 37,7% e a Índia, com 26,3% (Banco Mundial, 2000). A falta de controle pelas autoridades públicas, que é justamente quem deveria “zelar” pelo território, faz com que a velocidade da ocupação urbana produza em quase toda parte cidades indisciplinadas desprovidas de infraestrutura básica como serviços públicos, principalmente os que dizem respeito à saúde, à educação e à segurança, que não conseguem atender às demandas. As ruas, as praças, os parques estruturados servem apenas a uma parcela da população. Outra parcela se vê obrigada a produzir uma cidade “marginal, ilegal, irregular” e morar nas periferias das cidades, onde as áreas são mais baratas e também desprovidas de benfeitorias. Outra característica da urbanização desigual é o exagerado ritmo de crescimento das periferias pobres em relação aos centros urbanizados. Enquanto a taxa média de crescimento anual das cidades brasileiras é de 1,93%, o crescimento na periferia de São Paulo chega a taxas de 4,3% ao ano (MARICATO/ Projeto 7 Moradia, 2000). O Brasil, em 2007, está dividido administrativa e politicamente em 27 unidades federativas – 26 Estados e um Distrito Federal. Nelas estão localizados os 5 564 municípios brasileiros (IBGE/2007). A distribuição dos municípios no Brasil por unidades da Federação está expressa no quadro a seguir: Municípios por unidades da Federação Unidade da Federação Número de Municípios Acre 22 Alagoas 102 Amapá 16 Amazonas 62 Bahia 417 Ceará 184 Distrito Federal 1 Espírito Santo 78 Goiás 246 Maranhão 217 Mato Grosso 141 Mato Grosso do Sul 78 Minas Gerais 853 Pará 143 Paraíba 223 Paraná 399 Pernambuco 185 Piauí 223 Rio de Janeiro 92 Rio Grande do Norte 167 8 Rio Grande do Sul 496 Rondônia 52 Roraima 15 Santa Catarina 293 São Paulo 645 Sergipe 75 Tocantins 139 Total 5168 De acordo com dados do IBGE – Censo Demográfico de 2000, a distribuição populacional no Brasil apresenta muitas desigualdades, havendo concentração da população nas zonas litorâneas, especialmente no Sudeste e na Zona da Mata nordestina. Outro núcleo importante é a região Sul. As áreas menos povoadas situam-se no Centro-Oeste e no Norte. Lei Orgânica Municipal (LOM) É importante salientar que os municípios possuem autonomia constitucional para dispor sobre assuntos de carátermunicipal e regional, porém devem respeitar os estudos e proposições advindas dos organismos de abrangência nacional, inclusive os que tratam das regionalizações. Dessa forma a LOM, conceituada como um conjunto de normas elaboradas para dar diretriz e sustentação ao pleno funcionamento dos poderes governamentais, especificamente aos que abrangem as cidades, poderá prever também as questões relativas ao desenvolvimento da região na qual o município esteja inserido, pelos planos nacionais. Pela Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 18 de setembro de 1946, o sistema democrático foi restaurado colocando fim ao regime do chamado Estado Novo, que havia sido conduzido por Getúlio Vargas. Em seu artigo 28, fica assegurada a autonomia do município brasileiro, pela eleição dos prefeitos e vereadores e pelo estabelecimento de um poder local, capaz 9 de administrar o município de forma a atender os interesses da população. Na Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, está prevista uma inovação, em seu artigo 29: Art. 29. O município reger-se-á por lei orgânica votada em dois turnos com o interstício mínimo de 10 (dez) dias e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: [...] A primeira Lei Orgânica dos municípios brasileiros a partir da Constituição de 1988 representou até então um fato inédito para a democracia nacional. Cada um dos municípios, por força constitucional, teve que formular e aprovar a sua Lei Orgânica, que em pequena escala representa quase que uma Constituição municipal. “Os municípios, portanto, funcionaram como legítimas Assembleias Constituintes, fato que jamais ocorrera desde a Constituição Republicana de 1891” (CâMARA MUNICIPAL DE POçOS DE CALDAS, 2007). A Constituição de 1988, ao garantir a autonomia política do município pela eleição do prefeito, do vice-prefeito e dos vereadores, mediante pleito direto e simultâneo realizado em todo o país, passa a reconhecer que o governo local é constituído por esses agentes políticos. Dessa forma, a composição atual das câmaras de vereadores dos municípios brasileiros deve respeitar a proporcionalidade com a população do município, estar de acordo com a Lei Orgânica de cada um deles e com os limites estabelecidos pelo artigo 29, da Constituição Federal. O quadro a seguir demonstra como devem ser os limites atuais para a composição das câmaras municipais, sendo que o número de vereadores de cada uma delas deve observar a proporcionalidade com o número de habitantes, e não com o número de eleitores do município. Limites atuais para a composição das Câmaras Municipais População dos municípios Número de vereadores 10 Mínimo Máximo Até 1 milhão de habitantes 9 21 Até 5 milhões de habitantes 33 41 Acima de 5 milhões de habitantes 42 55 A Lei Orgânica Municipal deve fixar também a remuneração dos agentes públicos – prefeito e vereadores, observando o disposto nas emendas constitucionais pertinentes ao assunto. Outras questões importantes que devem estar incluídas são as que dizem respeito à eleição do prefeito e do vice-prefeito, a organização das funções legislativas e fiscalizadoras da Câmara Municipal, a cooperação das associações representativas no planejamento municipal. A Constituição de 1988, no artigo 30, fala da competência dos municípios como: Art. 30 I - legislar sobre assuntos de interesse local; [...] III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei; IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual; V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; VI - manter cooperação técnica e financeira com a União e o Estado, programas de interesse local [...]; [...] VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Outra questão fixada pela Constituição em seu artigo 31 e que deve constar 11 nas leis orgânicas municipais diz respeito à “fiscalização do município, que será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal”. E também prevê em seu parágrafo 1.º do mesmo artigo, que o “controle externo da Câmara Municipal, este deverá ser exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou dos Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver”, e ainda em seu parágrafo 2.º dispõe que “é vedada a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas Municipais.” Sendo o município uma entidade autônoma para decidir sobre os seus próprios rumos, cabe aqui ressaltar a importância de se incluir um capítulo, em sua Lei Orgânica, que faça menção ao estudo da sua localização regional, como também de que forma a rede de cidades na qual está inserido possa a vir influenciar o seu desenvolvimento. Rede de cidades O IBGE classifica a rede urbana brasileira em uma hierarquia de acordo com o tamanho e importância das cidades. Um centro urbano pode ser definido pelo território que funcionalmente se encontra dependente dele, para um determinado número de funções. É a função urbana que define o papel da cidade em sua região de influência: cidade-polo, cidade universitária, cidade portuária, cidade dormitório, entre outras. Essa função vem a ser o conjunto de atividades que a cidade oferece como comércio mais desenvolvido, uma maior oferta de serviços especializados, ou até mesmo o número de indústrias ou de escolas. As categorias de cidades mais importantes no Brasil estão demonstradas no quadro a seguir: Classificação das cidades brasileiras por população 12 Cidade População* Classificação IBGE** IDH*** São Paulo 11 016 703 Grande metrópole nacional 0,841 Rio de Janeiro 6 136 652 Metrópole nacional 0,842 Belo Horizonte 2 399 920 Centros metropolitanos regionais 0,839 Porto Alegre 1 440 939 0,865 Recife 1 515 052 0,797 Salvador 2 714 119 0,805 Belém 1 428 368 Grandes metrópoles regionais 0,806 Curitiba 1 788 559 0,856 Fortaleza 2 416 920 0,786 Goiânia 1 220 412 0,832 Manaus 1 644 690 0,774 * Dados obtidos junto ao IBGE – Censo 2000 ** Dados obtidos junto ao PNUD – Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. *** O IDH de uma localidade é composto de índices relativos à expectativa de vida (longevidade), grau de escolaridade (educação) e nível de renda da população daquela localidade. As funções desempenhadas pelas cidades, cada uma com as suas especificidades, e cujas funções passam a ser complementares, acabam por formar uma rede de cidades, com um grau de dependência mútua. A partir dessas relações entre os espaços urbanos, a busca para a satisfação das diversas necessidades se constitui numa hierarquia de cidades, onde cada uma delas adquire determinada função dentro da rede. Poderíamos definir uma rede de cidades como sendo um conjunto de espaços urbanos formando um sistema, que engloba pequenas, médias e grandes cidades, constituindo assim uma hierarquia Na década de 1933, Walter Christaller4 formulou a Teoria dos Lugares Centrais que diz que “a centralidade traduz a extensão das funções prestadas pelo lugar central, sendo que centros urbanos que possuam funções mais raras, mais13 especializadas, apresentam índices de centralidade mais elevados”. Mapa de centralidades de Christaller. O conceito de localidade central ou centralidade organiza-se segundo avaliação da concentração das atividades econômicas. Esse arranjo espacial resulta de um agregado de decisões: a localização de um aeroporto, de uma rodovia, de uma área industrial, por exemplo. São duas questões a serem analisadas: um aspecto diz respeito ao limiar da procura, ou seja, um mínimo de procura que justificaria a oferta de um bem em determinado local, garantindo a visibilidade da oferta. O outro aspecto seria quanto ao alcance do investimento, ou seja, a distância e o custo máximo que o consumidor está disposto a percorrer para utilizar determinado bem. Essas duas questões levam à variação do tipo e função do investimento, e assim, determinam a hierarquização das funções desempenhadas por cada um deles. Isso viria a justificar a implantação funcional dos bens e equipamentos num lugar central. As funções e graus de dependência que a partir disso vão se formando leva 14 ao estabelecimento da hierarquia de cidades e à relação centro-periferia. Essa relação (centro-periferia) tem produzido o cenário das grandes cidades subdesenvolvidas, no início do século XXI, que apresenta um alto grau de pobreza, oriundo da natureza estruturalmente desequilibrada da industrialização e da urbanização periféricas. Surge o conceito de planejamento estratégico, alicerçado em mudanças geopolíticas, econômicas, sociais e tecnológicas, que têm reflexo sobre o desenvolvimento urbano. As cidades sendo tratadas como polos de crescimento econômico, como catalisadoras da crise social e como difusoras da inovação. A ideia seria tratar a cidade com o enfoque mercadológico, lugar central dos investimentos públicos e privados, cooperativa dentro da sua área de influência, mas competitiva em relação às outras regiões, inclusive com atuação mais voltada à globalização. Os projetos urbanísticos atualmente, e que provocam um impacto em determinadas regiões, ganham força pela atuação mais ágil na mútua cooperação entre o poder público com os investimentos privados. As grandes celebrações mundiais – olimpíadas, feiras, campeonatos – partem atualmente para investimentos em cooperação com agentes externos, que adquirem responsabilidades nestes projetos, como a comercialização futura dessas áreas para que sejam incorporadas à malha urbana existente. O planejamento estratégico se pauta pela visão de que a única maneira de se pensar o futuro das cidades é inseri-las numa rede de cidades-globais, na qual a problemática central deve ser a competitividade urbana (VAINER, 2000). As agências multilaterais e seus ideólogos já desenharam a cidade ideal do limiar do século XXI: é a cidade produtiva e competitiva, globalizada, conectada a redes internacionais de cidades e de negócios. Concebida e pensada como empresa que se move num ambiente global competitivo, o governo desta cidade se espelha no “governo” da em presa: gestão empresarial, marketing agressivo, centralização das decisões, pragmatismo, flexibilidade, entre outras, seriam as virtudes das quais dependeria cada cidade para aproveitar as oportunidades e fazer valer suas vantagens competitivas no mercado de localização urbana. (MANIFESTO, 2001)5 15 Dentro dessa ótica de cidade-região, surgem como principais atores desse processo os empreendedores imobiliários, com funções muitíssimo importantes para o desenvolvimento das cidades. As parcerias entre estes, a comunidade e o poder público provocam a ocupação de determinadas áreas, indicando as diversas tendências de ocupação e valorizando todo um entorno agregado. [...] os investidores preferidos para cooptação dos promotores foram os fundos de pensão... Entre 1990 e 1998, os investimentos dos fundos de pensão no mercado imobiliário passaram de 2 para aproximadamente US$ 8 bilhões [...] A associação dos promotores imobiliários com esses investidores possibilitou a construção de uma grande quantidade de edifícios modernos [...] cujos locatários preferidos foram as grandes corporações multinacionais. (NOBRE, 2000, p. 144) Embora a estrutura das cidades possa vir a se modificar pela ação dos investimentos público-privado, os ganhos socioeconômicos são extremamente favoráveis. Contudo, não se pode esquecer de que a função da cidade e da região deve ser explicitada, e as ações futuras devem observar os efeitos sobre o meio ambiente. A apropriação da terra urbana vista pela ótica do mercado e as áreas urbanas cada vez mais escassas proporciona uma movimentação frenética para os espaços ainda não ocupados dentro do perímetro das cidades. Isso vem ocasionado a ocupação de áreas periféricas cuja infraestrutura acaba por ser financiada pelo capital privado, influenciando no aumento do valor da terra dessas áreas. Como consequência esses espaços estão sendo ocupados pela classe de maior poder aquisitivo, o que influencia o esvaziamento dos centros urbanos. As características atuais da conformação periférica urbana, denominada por alguns autores como urbanização dispersa, mostra-nos uma influência na formação das atuais redes de cidades. Essa rede vai reforçando cada vez mais o papel das especialidades urbanas, a partir dos interesses e da acessibilidade oferecidas. Estatuto da cidade Constituição de 1988 16 \ Em seu preâmbulo, a Constituição da República Federativa do Brasil, em texto promulgado em 5 de outubro de 1988, diz: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIçÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. A Constituição Brasileira já possui, até 12 de dezembro de 2006, 59 reformas em seu texto original, sendo 53 emendas constitucionais e seis emendas constitucionais de revisão. Em 5 de outubro de 1993, foi aprovada a única revisão constitucional prevista. A preocupação com as cidades fica evidente no texto constitucional pela primeira vez, numa Constituição Brasileira, num capítulo dedicado à Política Urbana – Capítulo II, nos artigos 182 e 183. Cabe lembrar aqui que o Brasil já possuiu seis textos constitucionais anteriormente à Constituição de 1988. São eles: Constituição de 1924, de 1891, de 1934, de 1937, de 1946 e de 1967. Porém, a Constituição de 1988 mostra um reconhecimento ao município brasileiro ao defini-lo como ente federativo, inclusive sendo (re)conhecida como a constituição municipalista. Assim, o município passou efetivamente a constituir uma das esferas de poder, ao qual foi dado autonomia e atribuições, até então inéditas em nossa história. A nova ordem constitucional de 1988, em seu artigo 18, diz que: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos [...]”. Essa autonomia produz municípios capazes de definir seus rumos e ações, reforçando o seu papel e a responsabilização na formulação da política urbana. A Constituição passa a definir a função social da propriedade privada urbana. 17 Com a regulamentação dos capítulos 182 e 183, a partir da promulgação da Lei 10.257 de 10 de julho de 2001 conhecida como Estatuto da Cidade, há a previsão de instrumentos urbanísticos nos quais, a partir da lógica da cidade democrática, os interesses coletivos devam ser priorizados em detrimentodos individuais. Há também a interferência no direito de propriedade privada com o objetivo de conter a especulação imobiliária. Estatuto da Cidade – Instrumentos Um dos avanços mais importantes da Constituição de 1988 foi, sem dúvida, a inclusão da população como corresponsável pela condução do planejamento das ações no município e na cidade. As dificuldades para a garantia do processo participativo são muitas, mesmo porque a população deve estar organizada em grupos de interesses e de representatividade, assim como estar apta a enfrentar discussões técnicas a cerca da cidade e do município, e com as quais não está muitas vezes familiarizada. Por outro lado, os agentes do desenvolvimento municipal necessitam empreender esforços no sentido de mudanças comportamentais para possibilitar a atuação dos mais diversificados interesses. A problemática urbana não é assunto recente. Atual é o enfrentamento dessas questões de forma democrática, discutida por todos e com todos os cidadãos. A comunidade, o Poder Público, empresários, entidades representativas de classes, devem consagrar esse processo e avaliar continuamente as mudanças, positivas e/ou negativas, para que seja consolidada a formulação de políticas, no sentido do equacionamento dos graves problemas da cidade. O Estatuto da Cidade aparece como lei inovadora para a consolidação de uma nova cidade, capaz de atender à diversidade de interesses e corrigir algumas distorções ora existentes nas cidades. Contudo, sabe-se que não se trata de algo que possua a mais sublime perfeição; muito embora funcione como aliado da administração pública, deve ser objeto de constante aprimoramento. O principal instrumento do Estatuto da Cidade vem a ser o Plano Diretor, que 18 além de ser construído a partir da participação popular, deve conter os princípios básicos da política urbana e municipal. Ele deve ser compatibilizado ao planejamento das finanças municipais e é obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes. Outras tipologias de cidades devem elaborar seus Planos Diretores, apesar de não possuírem 20 mil habitantes. Essa obrigatoriedade está contida no artigo 41, da Lei 10.257 de 10 de julho de 2001 – Estatuto da Cidade: Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades: I - com mais de vinte mil habitantes; II - integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; III -onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no §4.º do art. 182 da Constituição Federal; IV - integrantes de áreas de especial interesse turístico; V - inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional. §1.º No caso da realização de empreendimentos ou atividades enquadrados no inciso V do caput, os recursos técnicos e financeiros para a elaboração do Plano Diretor estarão inseridos entre as medidas de compensação adotadas. §2.º No caso de cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser elaborado um plano de transporte urbano integrado, compatível com o Plano Diretor ou nele inserido. É importante ressaltar que a participação da comunidade na elaboração do Plano Diretor é um princípio constitucional e, portanto, uma obrigatoriedade. Essa participação garante a gestão democrática da cidade e do município e a construção de um espaço democrático. O administrador público pode ser responsabilizado socialmente pela inobservância desse princípio. O Plano Diretor deve contemplar toda a área municipal, inclusive a área urbana da sede do município e de seus distritos, assim como a área rural. A sua aprovação deve se dar por meio de Lei, da Câmara Municipal, e a sua revisão deve 19 acontecer, no máximo, em 10 anos. Os municípios que já possuíam Planos Diretores na data da aprovação do Estatuto da Cidade, obrigatoriamente devem adequá-los aos novos instrumentos previstos, e se já tiverem sido elaborados há mais de 10 (dez) anos, devem ser objeto de revisão. Muitos estados brasileiros aprovaram leis tornando obrigatória a elaboração do Plano Diretor para todos os seus municípios. Essas ações reforçam a importância desse instrumento, pois com a organização municipal e urbana asseguradas, que se faz a partir da sua elaboração, os investimentos públicos passam a ter uma maior efetividade. Os princípios norteadores do Plano Diretor são: função social da propriedade, desenvolvimento sustentável, funções sociais da cidade, igualdade e justiça social e a participação popular. No Estatuto da Cidade também estão previstos outros instrumentos, que podemos caracterizar, segundo a sua natureza, em quatro grandes grupos: Instrumentos para a indução do desenvolvimento – parcelamento, edificação ou utilização compulsórios dos imóveis, Imposto predial ou territorial urbano progressivo no tempo, desapropriação com pagamentos em títulos da dívida pública, consórcio imobiliário, transferência do direito de construir, direito de preempção, outorga onerosa do direito de construir, operações urbanas consorciadas e direito de superfície. Instrumentos de financiamento da política urbana – imposto predial ou territorial urbano progressivo no tempo, desapropriação com pagamentos em títulos da dívida pública, direito de preempção, outorga onerosa do direito de construir, e operações urbanas consorciadas. Instrumentos de democratização da gestão urbana – órgãos colegiados de política urbana, debates, audiências e consultas públicas, conferências sobre assuntos de interesse urbano, estudo de impacto de vizinhança, gestão orçamentária participativa e gestão participativa metropolitana. Instrumentos de regularização fundiária – usucapião especial de imóvel urbano, concessão de direito real de uso, direito de preempção, outorga onerosa do 20 direito de construir, operações urbanas consorciadas e estudo de impacto de vizinhança. Podemos notar que alguns dos instrumentos estão dispostos em mais de um dos grupos, mostrando que a sua aplicação pode se tornar muito mais ampla, tendo em vista a sua aplicabilidade. Entre os instrumentos previstos, existem também os que possuem um caráter inovador e podem ser agrupados de acordo com os objetivos a que se propõem:::Induzir a ocupação de áreas já dotadas de infraestrutura e equipamentos, mais aptas à urbanização, evitando a pressão de expansão horizontal na direção de áreas não servidas de infraestrutura ou frágeis sob o ponto de vista ambiental– parcelamento, edificação ou utilização compulsórios dos imóveis, Imposto Predial ou Territorial Urbano progressivo no tempo e desapropriação com pagamentos em títulos da dívida pública. Facilitar a aquisição por parte do Poder Público de áreas de seu interesse, para a realização de projetos específicos – direito de preempção. Exemplo de vazio urbano. 21 Separar a propriedade dos terrenos urbanos do direito de edificação. De acordo com essa formulação, o proprietário pode conceder o direito de superfície do seu terreno (o direito de construir sobre ou sob ele) por tempo determinado ou indeterminado, de forma onerosa ou gratuita, reconhecendo-se que o direito de construir tem um valor em si mesmo, independente do valor de propriedade – direito de superfície. Estabelecer um coeficiente acima do aproveitamento básico para toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona urbana. O Plano Diretor deve definir os limites máximos para a outorga onerosa, no que se refere à alteração de índices construtivos, assim como a área onde se permitirá a superação dos índices existentes – outorga onerosa do direito de construir. Separar a propriedade dos terrenos urbanos do direito de edificação, condicionando o uso e edificação de um imóvel urbano às necessidades sociais e ambientais da cidade – transferência do direito de construir.Viabilizar intervenções de maior escala, em atuação concertada entre o Poder Público e os diversos atores da iniciativa privada – operações urbanas consorciadas. Cooperação entre o Poder Público e a iniciativa privada para urbanização em áreas que tenham carência de infraestrutura e serviços urbanos e contenham imóveis urbanos subutilizados e não utilizados. O proprietário transfere ao Poder Público Municipal seu imóvel e, após a realização das obras, recebe como pagamento unidades imobiliárias devidamente urbanizadas ou edificadas – consórcio imobiliário. O Estatuto da Cidade também prevê um instrumento para a regularização fundiária, com o objetivo de legalizar a permanência de populações moradoras de áreas urbanas ocupadas em desconformidade com a lei, resgatando sua cidadania: usucapião urbano, a ser aplicado em Zonas Especiais de Interesse Social. Outro instrumento previsto como de democratização da gestão urbana vem a ser o Estudo de Impacto de Vizinhança. Seu objetivo é contemplar a análise dos efeitos positivos e negativos de empreendimento ou atividade, na qualidade de vida da população residente na área ou em suas proximidades. Equipamentos como centros comerciais e de negócios, conjuntos habitacionais, parques urbanos e edificações para esportes, enfim qualquer tipo de 22 empreendimento que vá ocasionar geração de tráfego de veículos ou de pessoas deverá ser objeto de um estudo prévio dos impactos que essa atividade vai provocar em seu entorno. Esses impactos podem vir a ser na rede de infraestrutura, no sistema viário, nos transportes ou até mesmo no aumento da população que virá para a região. Para que um Estudo de Impacto de Vizinhança tenha a obrigatoriedade de elaboração, deve ser aprovada uma lei municipal, que definirá quais os empreendimentos e/ou atividades privados ou públicos a serem implantados em área urbana que dependerão de elaboração de um estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV). Após isso é que serão obtidas as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento. Em síntese, os investimentos públicos devem vir acompanhados de uma recuperação da valorização imobiliária. Os investimentos feitos em conjunto, entre a iniciativa privada, a comunidade e o Poder Público, previstos pelos diversos instrumentos do Estatuto da Cidade, os colocam como parceiros da gestão da cidade, cujos ônus e bônus devem ser de igual responsabilidade entre todos. Operação Urbana Carandiru – Vila Maria. Perspectiva eletrônica do conjunto de intervenção. 23 A prática e o papel das instituições democráticas devem buscar um constante aprimoramento, sob pena de que o trato da problemática urbana adquira contornos conservadores, o que não é o caso do que preconiza o Estatuto da Cidade. Com certeza uma das mais interessantes questões introduzidas pelo Estatuto da Cidade é o instrumento que permite as parcerias entre os diversos segmentos da sociedade e o Poder Público – Operações Urbanas Consorciadas – que é sem dúvida um avanço na gestão da cidade. Muitas cidades brasileiras vinham utilizando essa forma de parceria e com a aprovação do Estatuto essas parcerias puderam, efetivamente, acontecer. Por que esse instrumento é bastante importante para o município e para a cidade? Porque os recursos públicos estão cada vez mais escassos e a transformação da cidade em espaço com alto índice de qualidade de vida, justamente por conta do grande fluxo de pessoas que a cada dia a ela se dirigem, fica cada vez mais difícil. Dessa forma, a coparticipação de investimentos públicos e privados surge como uma solução para o desenvolvimento de áreas que possam vir a ser recuperadas do ponto de vista imobiliário. Algumas áreas das cidades em que os usos foram sendo substituídos por outros, como uma área industrial que mudou de local por força da expansão de suas atividades, as áreas liberadas pela transferência da linha férrea, ou ainda áreas de grandes equipamentos como prisões ou penitenciárias que se localizavam em meio à malha urbana, estes veem a ser espaços onde as parcerias podem ser viáveis. O Poder Público pode conceder índices urbanísticos maiores para a iniciativa privada na comercialização dessas áreas, a partir de investimentos que ela possa vir a fazer em benefício da comunidade pertencente ao entorno previamente definido pelo Poder Público. Como instrumento regulador e disciplinador da política municipal e urbana o Plano Diretor, deve indicar as áreas onde cada um dos instrumentos do Estatuto deve ser aplicado, porém, como a cidade é mutante e está em constante transformação, sempre que for de interesse da comunidade, incluído aí o Poder Público, poderão ser discutidas as melhores soluções. 24 Plano Diretor O Plano Diretor pode ser definido como um conjunto de preceitos e regras orientadoras da ação dos diversos agentes que além de construírem também utilizam o espaço urbano. Ele faz parte da leitura da cidade real, envolvendo tanto questões relativas aos aspectos urbanos quanto aos aspectos sociais, econômicos e ambientais. A finalidade do Plano Diretor não é somente resolver os problemas da cidade, mas também a de ser um instrumento com definições de estratégias para futuras intervenções, sendo estas a curto, médio e longo prazos, e servindo também como base para uma gestão democrática da cidade. O Plano Diretor é uma lei municipal a ser elaborada com a participação de toda a sociedade, por isso leva a denominação de Plano Diretor Participativo. Tem como função principal a organização do crescimento do município, planejando também o futuro de toda a cidade. O Plano engloba tanto as áreas urbanas como as rurais, definindo diretrizes a serem seguidas por cada uma das partes do município1. O Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257 de 10 de julho de 2001) regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, que tratam especificamente da política urbana. Tem o objetivo de garantir a todos o direito à cidade, trazendo regras para a organização de todo o território do município. O Estatuto tem como principal instrumento o Plano Diretor e diz como ele deverá ser aplicado em cada município, sendo um marco na aplicação de normas e programas para garantir o foco da sustentabilidade no desenvolvimento urbano e municipal. Segundo consta no Estatuto, o Plano Diretor deve conter objetivos e estratégias para os municípios, estabelecendo instrumentos para a implementação destes. O Estatuto estabelece também o conteúdo mínimo exigido para o Plano Diretor; a determinação de como será o acompanhamento desse Plano e o controle de sua aplicação; o caráter obrigatório para a formulação do Plano para todos os municípios: 25 que possuam mais de 20 mil habitantes; que sejam integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; que onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no parágrafo 4.º do artigo 182 da Constituição Federal; que integrem áreas de especial interesse turístico; que estejam inseridos na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional. Além disso, os municípios que já possuem Plano Diretor há mais de 10 anos deverão revisá-los ou elaborá-los novamente. O principal objetivo do Plano Diretor é estabelecer a função social da propriedade, de forma a garantir à população o acesso à terra urbanizada e regularizada, reconhecendo a todos o direito à moradia e também aos serviços urbanos. Dessa forma, não é apenas um instrumento para o controle do uso do solo, mas um instrumento para o desenvolvimento sustentável das cidades. Com isso, é indispensável que certos espaços sejam assegurados para a provisão de moradias sociais, atendendo à demanda da população de baixa renda, assim como sejam garantidasboas condições para as micro e pequenas empresas, pré-requisitos de valiosa importância para haver um crescimento urbano equilibrado e para que a ocupação urbana se dê de maneira regular em todo o território do município. Nesse aspecto, o Estatuto da Cidade proporciona vários instrumentos que favorecem a inclusão social, como a regularização urbanística e fundiária, a possibilidade de criar Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), a utilização compulsória de terrenos e imóveis considerados subutilizados, a destinação de patrimônios públicos para programas de moradia, entre outros. Cada município, por sua vez, deve estabelecer os instrumentos que melhor se apliquem em seu território, prevalecendo as condições favoráveis para proporcionar o desenvolvimento urbano como, por exemplo, a outorga onerosa do direito de construir, o IPTU progressivo no tempo, a transferência do direito de construir, as operações consorciadas, 26 instrumentos que serão melhor explicados a seguir. No Plano são indicados os objetivos a serem alcançados, com suas respectivas estratégias, apresentando todos os instrumentos necessários assim como ações estratégicas a serem implementadas. Norteia também os diversos investimentos a serem feitos no município tanto pelos agentes públicos como privados, definindo um modelo de atuação com critérios e formas pelos quais devem ser aplicados os instrumentos urbanísticos e tributários. Um componente importante do Plano Diretor para a organização territorial se baseia na definição de princípios, diretrizes e metas. Isso se torna importante para, além de reconhecer as aptidões dos municípios, garantirem direitos aos cidadãos como direito à moradia e à terra, e o direito à cidade. Esses princípios devem ser exigidos pela população, que irá orientar a formulação e a gestão do Plano, que será posteriormente fiscalizado pelos órgãos competentes. Os instrumentos urbanísticos, que são ferramentas para auxiliar no cumprimento dos objetivos dos Planos Diretores, devem ser pensados a partir dos princípios do Plano. De acordo com as diretrizes presentes no Estatuto da Cidade, os Planos Diretores devem, obrigatoriamente, contar com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos econômicos e sociais. Isso deve ocorrer não somente durante o processo elaborativo, mas especialmente na implementação e na gestão das disposições previstas nele. Dessa forma, o resultado esperado vai além de um documento técnico, podendo ficar muitas vezes longe dos reais conflitos da cidade. Ele passa a ser um documento de expressão e contestação dos próprios cidadãos, com formas de intervenção no território previstas por quem mais entende dele, por quem vivencia diariamente aquele espaço, como um processo de mudança e construção coletiva da cidade. Antes do Estatuto da Cidade, as cidades eram planejadas sem a participação da comunidade e, muitas vezes, quem a planejava não chegava a conhecê-la profundamente, como acontece atualmente. O Plano Diretor instituiu, ao mesmo tempo, resultado e fato gerador dessa nova instituição da participação popular no município, o que permitiu aos moradores de bairros mais pobres e afastados um maior poder de participação e de acompanhamento dos processos, retirando o 27 monopólio das classes médias e mais influentes, que moram no distrito sede da cidade, as relações políticas institucionalizadas. Anteriormente à criação das associações de bairro, a representação da sociedade civil ficava a cargo das regiões centrais e mais tradicionais. Essa maior gama de participação provocou também uma série de atritos com os segmentos anteriormente privilegiados, mas ficou a contento do resto da população municipal. O planejamento dos municípios deve estar de acordo com o desenvolvimento sustentável, não apenas ligado às questões ambientais, mas também com o lado social, sabendo que normalmente essas duas questões estão diretamente ligadas. Por isso deve-se procurar gerar mais emprego e renda para a população, diminuindo as desigualdades sociais e buscando, principalmente, mudanças nos padrões de consumo, com um novo modelo de gestão democrática do espaço urbano. As formas de participação no Plano envolvem a equipe técnica, definida pelo município, a consultoria externa, normalmente sendo uma empresa contratada pela prefeitura, a população, nas formas de associações de bairro, e o poder local, exercido pelo prefeito, vereadores e demais autoridades. A participação deve se dar ao longo do processo de elaboração do Plano, especificamente nas audiências públicas específicas. Etapas para a elaboração do Plano Diretor Identificação da realidade municipal e urbana O processo participativo para a elaboração do Plano Diretor deve se dar pelo envolvimento de representantes dos diversos segmentos da sociedade, como pede o Estatuto da Cidade. Deve ser realizado um diagnóstico sociopolítico, buscando identificar os pontos de maior conflito no município e averiguando quem são os detentores de controle e autonomia sobre determinado setor, assim como também os grupos que estão excluídos desse processo, buscando incluí-los. O diagnóstico sociopolítico é parte do processo participativo, buscando a interpretação de como se dá a dinâmica do município entre os diversos segmentos 28 sociais, ou seja, a identificação das lideranças populares e os grupos que possuem capacidade organizativa para maior participação nas políticas e ações governamentais. Isso se mostra importante, pois a administração municipal nem sempre consegue representar todos esses segmentos integralmente, visto que cada classe possui diferentes objetivos e interesses perante o município. Esse diagnóstico pode ser utilizado também como estratégia para o maior processo participativo ao longo da elaboração do Plano Diretor. Definição da temática a ser desenvolvida A visão da população sobre os problemas e potencialidades do município, com sua exata localização, vem a ser um importante orientador dos eixos de atuação do Plano Diretor. Durante sua elaboração, devem ser organizadas diversas reuniões – audiências públicas – nas mais diversas regiões e comunidades que agregam certo número de moradores, para que todos expressem seus anseios, procurando levantar dessa forma as questões que agradam e desagradam a população. Essas reuniões devem contemplar debates com alguns setores importantes da sociedade como empresas, associação comercial, profissionais da área e outros corpos técnicos, tendo-se assim várias visões do mesmo espaço e definindo a vocação do município e da cidade. Aprovação das propostas pela Câmara de Vereadores A consolidação das propostas e a formatação do projeto de lei são feitas pelo encaminhamento destes à Câmara Municipal. Quanto maior for a participação do Poder Legislativo em todo o processo, maior será a facilidade de aprovação do Plano, resguardando todas as questões debatidas e pactuadas pela sociedade durante a elaboração deste. O resultado, formalizado como Lei Municipal, é a expressão do pacto firmado entre a sociedade e os Poderes Executivo e Legislativo. Estabelecimento de prazos para a prática do Plano 29 Na lei do Plano Diretor devem ser estabelecidas as formas de implementação e monitoramento das diversas questões abordadas, etapa chamada de Plano de Ação. Nessa etapa devem ser realizadas constantes avaliações e atualizações, todas fixadas em lei. Devem ser definidas também as instâncias de discussão e decisão, como os diversos Conselhos Municipais, com suas específicas composições e atribuições. Revisão do Plano A conclusão do Plano Diretor não deve encerrar o processo de planejamento do município. Segundo o Estatuto da Cidade, a lei que institui o Plano Diretor deverá ser revista pelo menos a cada 10 anos, comrevisões e ajustes sempre acordados em fóruns de discussão atuantes no município, consolidados na elaboração do Plano, em reuniões municipais articuladas com os diferentes níveis de governo. Metodologia para o desenvolvimento do Plano Diretor O planejamento municipal e urbano requer um disciplinamento para o seu desenvolvimento, além de ser levado em conta o processo de planejamento que deve ser instalado na Prefeitura Municipal a partir da Elaboração do Plano Diretor. Esse planejamento é de fundamental importância para a implementação do Plano. Uma metodologia básica, adequada para o desenvolvimento da parte técnica do Plano, pressupõe: o levantamento de informações, a análise dos dados obtidos, um diagnóstico da situação atual, o estabelecimento de cenários futuros por meio de um prognóstico e a elaboração de proposições. Deve-se também levar em consideração as especificidades de cada município, os aspectos da sua localização regional, sua realidade ambiental e socioeconômica, as condições da infraestrutura do sistema rodoviário municipal e do sistema viário urbano, a situação dos transportes e dos serviços públicos. Uma das primeiras ações para o início do processo de elaboração do Plano 30 Diretor vem a ser a definição da equipe de acompanhamento, formada por técnicos do Poder Executivo, consultores especialistas, outros técnicos e profissionais do município e representantes do Poder Legislativo. O Plano Diretor deverá ser desenvolvido de acordo com um Termo de Referência, o qual tem como objetivo apresentar as informações necessárias à completa compreensão deste documento, assim como listar o conteúdo mínimo a ser elaborado e também os produtos finais a serem atingidos pelo Plano. Conteúdo do Termo de Referência 1. ª fase – Metodologia e plano de trabalho Onde deve constar definição dos objetivos e atividades a serem desenvolvidas em cada uma das fases seguintes. Deve conter também os métodos e técnicas a serem utilizados com seu cronograma físico definido. A metodologia a ser utilizada deverá prever a viabilização da participação dos técnicos da prefeitura, chamada de equipe técnica, e também de representantes de vários segmentos da sociedade civil. 2. ª fase – Leitura, diagnóstico e prognóstico Essa fase compreende uma leitura técnica da realidade do município, tendo como produto final o diagnóstico municipal e as tendências do cenário atual, definindo os principais eixos estratégicos que nortearão a elaboração do Plano. 3. ª fase – Diretrizes e propostas Tendo como base a fase anterior, serão então definidas diretrizes para o desenvolvimento integrado do município, com curto, médio e longo prazos. Devem ser definidas proposições para as diversas ações municipais, como institucionais, socioeconômicas, ambientais, físico-territoriais, de infraestrutura e serviços públicos. É também nessa fase que deve ser definido o macrozoneamento municipal, embasando o futuro zoneamento urbano, onde cada zona dará origem a distintos usos e ocupações definidos, subsidiando então a ocupação ordenada do município e da cidade. 31 4. ª fase – Legislação básica O Plano Diretor deve ser apresentado ao Poder Legislativo – Câmara Municipal, sob a forma de projeto de lei, incluindo os objetivos, a política de desenvolvimento municipal e urbana, a gestão participativa e o sistema de acompanhamento e controle do Plano. A legislação básica do Plano deve incluir: a Lei do Plano Diretor, a Lei do Perímetro Urbano, a Lei de Parcelamento do Solo, a Lei de Zoneamento de Uso e Ocupação do Solo, a Lei do Sistema Viário, o Código de Obras e o Código de Posturas do Município. Todos esses aspectos visam auxiliar a implantação dos equipamentos e serviços urbanos assim como as áreas onde o município irá exercer seus direitos legais como seu poder de polícia e da tributação municipal. 5. ª fase – Priorização para investimentos O Plano de Ação contido no Plano Diretor indica os investimentos a serem realizados pelo município, com a hierarquização definida destes. São estimados os custos dos diversos investimentos como infraestrutura e serviços urbanos, normalmente durante os próximos cinco anos, incluindo a capacidade de endividamento municipal, de acordo com sua arrecadação de tributos e as principais fontes de arrecadação de recursos. Além dessas etapas, os municípios brasileiros estão realizando um encontro chamado de Conferência das Cidades, que tem como objetivo principal auxiliar, envolvendo diversos setores da sociedade, em várias definições para a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, instrumento este que ajudará o Poder Público a determinar ações para a redução das desigualdades sociais tanto no âmbito local como no regional. Essa Conferência é realizada em municípios com mais de 20 mil habitantes, podendo os municípios menores participarem também. Apresenta-se como um importante momento de diálogo entre o governo e a sociedade para a construção de cidades mais justas, sustentáveis, além de ajudar na inserção da população como 32 um importante agente nas decisões municipais, gerando maior qualidade na gestão democrática das cidades. A figura a seguir contém o macrozoneamento municipal de Campinas/SP, constante do Plano Diretor de 20062. Como o Plano Diretor deve abranger toda a área municipal, na figura aparece toda a área do município. Este macrozoneamento sintetiza o que foi relatado anteriormente e mostra a divisão da área municipal de acordo com suas características. Componentes do planejamento 33 Planejamento municipal De todos os cenários, o da globalização é o que mais vem influenciando os municípios e as cidades quanto ao desenvolvimento de suas atividades socioeconômicas. As consequências conduzem a uma assimetria social e a inúmeras desigualdades. O que mais tem desafiado os planejadores são as chamadas competitividades entre as cidades. Ora, quando estas pertencem a um aglomerado como os de áreas metropolitanas, onde a cidade-polo já possui todos ou a maioria dos benefícios da aglomeração, não há por que pensar em competir com os municípios vizinhos. A cidade-polo deverá adotar uma postura de cooperação entre elas, pois do contrário ficará com o ônus das periferias desestruturadas e com todas as mazelas urbanas. A decisão de cooperar com as cidades de seu entorno descentralizando atividades, principalmente as dos setores secundário e terciário, pode levar a uma quase simetria econômica, conduzindo a população a procurar postos de empregabilidade fora da cidade-polo. O poder local vê-se num dilema: de um lado, a concentração de pessoas e atividades resultando um desenvolvimento e maior nível de atividades econômicas, e de outro as desigualdades sociais, provocando inúmeras contradições em relação ao acesso aos serviços e a busca das vantagens da aglomeração. Os cenários que foram formados apresentam, além das desigualdades em todos os sentidos, as graves respostas da natureza para a apropriação descontrolada do solo. A falta de respeito pelos componentes do meio natural causa os desequilíbrios ambientais. Isso resulta em uma má qualidade da vida urbana, sendo necessário conservar a natureza, por meio de ações que determinem um padrão cultural para as comunidades. Os princípios do manejo consciente dos recursos naturais podem e devem ser as premissas para o desenvolvimento sustentável. Isso implica em mudanças comportamentais em relação à apropriação do espaço urbano e aos bens e serviços. A economia de energia, por exemplo, a reciclagem dos materiais utilizados e do lixo produzido, a conservação dos recursos hídricos, a utilização e reutilização da água 34 e o aproveitamento das espécies vegetais como forma de amenizar os efeitos da poluição do ar e do solo, podem ser comportamentos éticos em relação aosprincípios da sustentabilidade. De qualquer forma, nada pode ser feito sem a participação ativa da população nesse processo. Os programas educativos de caráter ecológico-cultural podem instrumentalizar o cidadão para a escolha das áreas a serem ocupadas na cidade. A visão ecológica estendida à população por meio de um vasto programa de educação ambiental, em vários níveis, daria ao cidadão e às comunidades de bairro uma visão mais crítica na escolha de seus lugares de alta permanência, tendo como ponto focal a qualidade de vida. Dessa forma a demanda por habitações, a começar pelas classes mais privilegiadas, partiria de uma gama de valores ambientais que levaria tanto os órgãos governamentais quanto o setor imobiliário a mudarem suas atitudes imediatistas quanto à ocupação e exploração do solo urbano. (FRANCO, 1997, p. 204) O sistema de planejamento municipal, contudo, ainda carece de sistema de informações de todos os gêneros, sejam dados econômicos, financeiros, do perfil populacional ou até mesmo ambiental. Somente por meio de dados precisos e organizados é que a ideia de planejamento pode ser disseminada. Também os princípios de desenvolvimento sustentável no contexto das políticas, programas e projetos municipais podem reverter as perdas dos recursos ambientais. A comunidade deve identificar as lideranças, que possam compor com o poder público o processo de definição das estratégias para o desenvolvimento municipal. Essa dinâmica, além de ser um princípio constitucional, agrega valores locais ao planejamento, conferindo, sem dúvida alguma, uma maior legitimilidade ao processo. É possível pensar um sistema permanente de planejamento a partir de uma lógica que defina as vocações locais de desenvolvimento. A questão mais polêmica diz respeito às dimensões do planejamento, pois aliar a técnica à política é uma arte, o que vem desafiando ao longo dos tempos as duas partes. Tudo isso deve ser aliado à informação sobre os recursos públicos, disponíveis para cada segmento municipal e programados na gestão orçamentária. O gestor público deve partir dos princípios básicos da economicidade, da 35 eficiência e da efetividade na aplicação dos recursos públicos. Ser econômico é partir do princípio de que os recursos são escassos e que devem ser gastos com toda a cautela possível. Ter eficiência é poder atender de maneira racional às reivindicações comunitárias. E ter efetividade em suas ações é poder atender a comunidade em determinado setor num maior espaço de tempo. Dessa forma, a hierarquização da aplicação dos recursos públicos é imprescindível nas ações de planejamento para que o Poder Público atenda uma maior parcela da população. Planejamento urbano Para que se possa falar em “urbano”, primeiramente devemos caracterizar esse espaço. O território municipal é constituído de porções distintas, denominadas de urbanas e de rurais. As áreas urbanas são formadas a partir das sedes dos distritos administrativos, sendo que o principal distrito é denominado de distrito-sede e abriga o Poder local (Executivo e Legislativo). Essas áreas se caracterizam por apresentar maior densidade1 demográfica ou populacional e maior densidade construída do que na área rural, e são conhecidas como “cidades”. As áreas rurais se diferenciam das áreas urbanas, principalmente pelo tipo de atividade, que é mais voltada ao setor primário da economia (agricultura, pecuária), e onde as propriedades possuem uma maior dimensão. Outra questão a ser conceituada diz respeito ao planejamento, principalmente, no caso, ao planejamento urbano. Ora, se estamos nos referindo ao urbano, já podemos saber de antemão que estamos falando sobre cidades. “[...] começaria pela noção de planejamento que creio ser a mais simples e comum: o contrário da improvisação. Uma ação planejada é uma ação não improvisada. Uma ação improvisada é uma ação não planejada” (FERREIRA, 1992, p. 15). O estudo para a modificação de um ambiente urbano, suas especificidades e o conhecimento da situação em que a cidade se encontra podemos denominar de planejamento urbano. 36 Planejamento, assim como o inglês planning, o alemão planung, o francês planification e o espanhol planeamiento, tem raízes muito antigas, que remetem ao latim planus. O estabelecimento de um plano inicial e a ação em conformidade com esse plano, que é uma definição aproximativa do que seja o planejamento (urbano ou qualquer outro), tinha a ver, originalmente, com a representação bidimensional de uma construção – o plano dessa construção. Como se percebe até intuitivamente, a palavra planejamento sempre remete ao futuro. Esse conteúdo essencial permanece se se transfere a discussão para a seara do planejamento urbano, coisa muito diversa e infinitamente mais complexa que o planejamento de uma construção, por envolver todo um coletivo social prenhe de conflitos e contradições e uma ponderável dimensão de imprevisibilidade. (SOUZA, 2006, p. 149, grifo do autor) A coordenação das ações, de certa forma, precisa ser organizada para que os habitantes, as atividades, os edifícios, os equipamentos sejam dispostos no território da cidade de forma harmônica. Isso pode disseminar os conflitos na cidade, justamente pela previsão das localizações urbanas. Um viés importante do planejamento, nesse caso, vem a ser o “ecourbanismo”, vertente do planejamento preocupada com o meio ambiente. O planejamento estratégico vem sendo adotado gradativamente para as áreas urbanas, com a preocupação de mercado, sendo que muitos autores se referem à cidade como mercadoria, locais onde se pode investir. Inspirado em conceitos e técnicas oriundos do planejamento empresarial, originalmente sistematizados na Harvard Business School, o planejamento estratégico, segundo seus defensores, deve ser adotado pelos governos locais em razão de estarem as cidades submetidas às mesmas condições e desafios que as empresas. (MARICATO; ARANTES; VAINER, 2004, p. 76) Enquanto o planejamento estratégico tem a preocupação com o mercado e o ecourbanismo com o meio ambiente, surge o Estatuto da Cidade, cuja preocupação é a participação popular. Todas essas abordagens vão ocasionar o planejamento de gestão, voltado à administração de determinada situação a partir dos recursos disponíveis, principalmente os financeiros. 37 Tendo como principal prática a noção de equilíbrio, o planejamento urbano e o sistema de planejamento devem ter como objetivo principal o estabelecimento de um padrão superior da qualidade de vida da população. Uma ocupação ordenada do solo, a localização adequada das moradias e das diversas atividades que proporcionam empregabilidade à população, áreas de lazer com a devida conservação do meio ambiente, acessibilidade aos serviços de saúde, educação e cultura devem ser determinados por dispositivos que orientem o crescimento da cidade e proporcionem um bem-estar geral. Na verdade, o planejamento urbano deve ser encarado como um olhar futuro sobre o território da cidade, prevendo os compartimentos que devem ser mais bem aproveitados e aqueles que possam vir a ser ocupados de forma sustentável. Tudo isso aliado aos aspectos que dão suporte legal às ações de planejamento – a legislação urbanística. O futuro das cidades depende somente de um planejamento que apresente objetivos claros e consistentes, políticas públicas eficientes, uma participação popular ativa e disponibilidade de recursos financeiros. Tamanho das cidades/densidade urbana A noção do espaço urbano, que diz respeito à cidade, é concebida a partir de um perímetro, uma poligonal fechada, denominada de perímetro urbano. Ela deve ser objeto de lei municipal, onde devem constar todos os pontos para a sua definição como também a área total da cidade. Mas a pergunta que fica é quanto ao tamanho desse perímetro,ou seja, qual o tamanho ideal de cidade. Ao atingir determinadas dimensões, ou seja, a partir de determinado tamanho, a cidade passa a apresentar cada vez mais complexidades, justamente por conta do atendimento às necessidades da população. O abastecimento d’água, a coleta e disposição final dos resíduos sólidos, a conservação do meio ambiente natural em contraposição à ocupação do território, e outros temas, devem ser dimensionados a partir do tamanho da cidade. Em contrapartida a isso aparece também a lógica do mercado de terras, cuja 38 argumentação é a do capital imobiliário. Para salvaguardar a apropriação do território e dar suporte a todas as atividades urbanas, assim como regulamentar essas atividades, o zoneamento de uso e ocupação do solo urbano vem definir, inclusive, o mercado de terras. A administração desse espaço urbanizado conduz a um grande desafio. Por um lado, a definição de políticas públicas para atender as demandas crescentes da população, e de outro, a capacidade de definir fluxos de investimentos pelo capital imobiliário por meio de locais que produzam uma ocupação produtiva em termos de mercado. O tamanho da cidade pode comprometer esses investimentos. Para além das medidas caracterizadas como genéricas urbanas, coloca-se em debate o tema das medidas intraurbanas, estabelecendo de saída uma diferença entre a noção administrativa do território como área de abrangência de dados e a construção de medidas ambientais coletivas e territoriais. (KOGA, 2003, p. 104) A referência para o tamanho e a medida da cidade tem como principal componente a densidade. Através dela é possível dimensionar as possibilidades de infraestrutura e serviços, assim como a acessibilidade à terra urbana. A densidade é um dos mais importantes indicadores e parâmetros de desenho urbano a ser utilizado no processo de planejamento e gestão dos assentamentos humanos. Ela representa o número total da população de uma área urbana específica, expressa em habitantes por uma unidade de terra ou solo urbano, ou o total de habitações de uma determinada área urbana, expressa em habitações por uma unidade de terra. Geralmente utiliza-se o hectare como unidade de referência quando se trabalha com áreas urbanas. A densidade serve como um instrumento de apoio à formulação e tomada de decisão por parte dos planejadores urbanos, urbanistas, arquitetos e engenheiros no momento de formalizar e decidir sobre a forma e extensão de uma determinada área da cidade. Serve também como um instrumento para avaliarem-se a eficiência e a performance das propostas e/ou projetos de parcelamento do solo. (ACIOLY; DAVIDSON, 1998, p. 16) O significado da densidade urbana vai depender do conceito que se quer atribuir. Como ela traduz uma relação com o território, ao se pensar como a população está distribuída nesse território, podemos ter: a densidade populacional ou demográfica – habitante por hectare, a densidade construída ou edificada – 39 metros quadrados por hectare, ou a densidade habitacional – habitações por hectare. Também, a partir da observação da Lei Federal 6766/ 792, que estabelece que 35% do território da cidade seja dotado de áreas públicas – praças, ruas, locais para implantação de equipamentos públicos – podemos considerar as densidades: líquida e bruta. A densidade líquida é calculada a partir da subtração das áreas públicas, e no cálculo da densidade bruta o que vale é a área total da cidade. Para se ter uma ideia da densidade urbana, podemos ter como base um hectare, que vem a ser igual a 10 mil metros quadrados. Uma quadra na cidade normalmente possui essas dimensões. Se pensarmos que teremos que subtrair 35% para as áreas públicas, restará uma área líquida de 6,5 mil metros quadrados a ser loteada. Dividindo-se essa área pela área do lote mínimo previsto para o local, teremos o número de lotes na quadra (para efeito de exemplo vamos utilizar um lote mínimo de 250 metros quadrados, então teremos na quadra 26 lotes). Se para cada lote tivermos uma habitação unifamiliar3 (utilizamos atualmente 3,3 pessoas por família, de acordo com o IBGE – Síntese de Indicadores Sociais 2003), teremos em cada lote 3,3 pessoas e na quadra 85,8 pessoas, o que resultaria em 85,8 habitantes por hectare (85,8hab/ha), como densidade líquida. O cálculo para a densidade bruta resultaria em 55,77hab/ha. A seguir um quadro explicativo sobre os cálculos de densidades anteriormente elaborados: Densidade (hab) Área Densidade (hab/ha) Líquida 6 500m² ou 0,65ha 85,8 Bruta 10 000m² ou 1ha 55,77 Ao se propor outras tipologias de ocupação para a cidade, a densidade poderá aumentar ou diminuir. De acordo com isso podemos supor que a terra urbana pode ter seu valor influenciado na medida em que as possibilidades de uso de determinado lote se estabeleça. A lógica do mercado imobiliário se baliza nessas questões. 40 Quanto maior a densidade que determinada área da cidade possa vir a ter, maior o valor da terra. Isso também influencia a apropriação da infraestrutura urbana, pois se tivermos uma densidade maior, teremos um melhor aproveitamento e até mesmo uma racionalização dessa infraestrutura. A questão ambiental A questão ambiental no planejamento urbano No processo de urbanização, o homem realiza mudanças no ambiente a fim de possibilitar sua utilização para um melhor desempenho das diversas atividades humanas. Algumas dessas mudanças vêm acontecendo de forma desenfreada e sem a devida preocupação com o meio natural, que é finito e frágil. Como exemplo, podemos citar os desmatamentos, as modificações nos diversos ecossistemas, a impermeabilização e a erosão do solo, a poluição e posterior canalização dos rios, tendo como consequências as diversas catástrofes naturais ocorridas atualmente e as alterações climáticas num nível global. A melhora na qualidade de vida da população está diretamente ligada ao desenvolvimento econômico e à transformação da natureza em bens materiais e de consumo. A urbanização implica em transformar o ambiente natural em ambiente construído; por isso, muitas vezes, a defesa do meio ambiente é vista como antidesenvolvimentista. Bens são projetados e construídos, e seus resíduos são depositados no meio, com a visão de que os recursos naturais são infinitos e que a natureza é capaz de absorver quantidades ilimitadas de entulhos. O processo de urbanização acelerado pelo qual passa a sociedade nas últimas décadas e a maior estabilização da degradação intensa da natureza. As consequências ambientais dessas ações passaram a ser objeto de maior atenção por parte dos governos e das organizações como um todo, elevando o grau de consciência da sociedade sobre tal tema. O rápido adensamento das cidades brasileiras de médio e grande porte e a concentração de pessoas nos centros urbanos têm provocado inúmeros problemas 41 para a destinação do grande volume de resíduos gerados em atividades de construção e demolição de edificações e infraestrutura urbanas, condicionando os gestores públicos a adotarem soluções mais eficazes na gestão das cidades. A Conferência sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente das Nações Unidas (Rio 92) contribuiu, por meio da Agenda 21, para consolidar a ideia de que o desenvolvimento sustentável não demanda apenas a preservação dos recursos naturais a fim de garantir às gerações futuras condições de desenvolvimento condizentes com as atuais, mas também a garantia de equidade no que diz respeito ao acesso aos benefícios do desenvolvimento. Para que isso fosse possível, alguns acontecimentos foram fundamentais: a) a Declaração de Estocolmo (1972), instituída durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano; b) o documento “A Estratégia Mundial para a Conservação” (Nova Iorque, 1980), elaborado pelo Programa das NaçõesUnidas para o Meio Ambiente (PNUMA), pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) e pelo Fundo Mundial para a Vida Selvagem (WWF); c) o documento “Nosso Futuro Comum”, (1982) conhecido como “Relatório Brundtland”, desenvolvido pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, criada pelas Nações Unidas e presidida pela primeira-ministra da Noruega, Gro Brundtland; e d) a resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas (dezembro de 1989), onde houve a solicitação para a organização de reunião mundial (CNUMAD – Rio 92) para desenvolver estratégias com o objetivo de conter e reverter os processos de degradação ambiental, promovendo o desenvolvimento sustentável e ambientalmente racional. Existem diferentes interpretações para o termo desenvolvimento sustentável. No entanto, o governo brasileiro adota a definição apresentada no documento “Nosso Futuro Comum”, ou Relatório Brundtland, no qual desenvolvimento sustentável é concebido como “o desenvolvimento que satisfaz às necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias 42 necessidades”. Esse conceito parece, em termos práticos, um tanto contraditório, visto que para ser sustentável o conceito implica em algo que possa ser mantido indefinidamente, e desenvolvimento está ligado a transformações. Porém, independente de significados precisos, o desenvolvimento sustentável certamente implica em produções de grandes quantidades de bens com cada vez menor quantidade de recursos naturais e poluição, exigindo a desvinculação entre crescimento, consumo de materiais naturais e geração de impactos ambientais. Isso pode ser atingido com a redução e a reciclagem dos resíduos, emprego de novas tecnologias industriais, substituição de certos materiais tradicionais por outros com uma maior eficiência e também com o aumento da durabilidade dos produtos; tudo isso aliado a uma distribuição mais igualitária das benfeitorias do desenvolvimento. Vale salientar que a sustentabilidade do desenvolvimento requer que se contemple a sustentabilidade da sociedade. Atualmente, o planejamento urbano está procurando curar a marca do crescimento desordenado das grandes cidades, com suas ocupações irregulares em locais de preservação ambiental e próximas a mananciais de abastecimento. Esses foram os locais encontrados pela grande parcela da população que veio para os grandes centros em busca de trabalho e de uma vida melhor, não conseguindo, porém, se estabelecer de maneira digna. As ações baseiam-se então em formas corretivas com o provimento de infraestrutura básica como abastecimento de água, tratamento de esgoto e coleta de resíduos sólidos. O futuro de nossas cidades depende dessas ações e de uma maior conscientização de toda a população para os cuidados com o ambiente natural que nos cerca, podendo, dessa forma, garantir o mínimo de recursos necessários para as gerações futuras. Quem pensa que construção sustentável é uma casa de pau a pique no meio do mato está redondamente enganado. A China está levantando a primeira cidade ecológica do mundo. Dongtan irá ocupar uma área equivalente a três quartos da ilha de Manhattan ao lado do aeroporto da moderna Xangai. A primeira fase da empreitada deve ficar pronta em 2010 para abrigar, inicialmente, 50 mil pessoas, e 43 em 2040 deverão ser 500 mil. E nem pense numa vila povoada por hippies, mas sim em casas, hospitais, escolas e indústrias high-tech erguidas de forma sustentável. Até 80% do lixo sólido será reciclado, os ônibus serão alimentados por baterias elétricas, a água será reaproveitada e a energia elétrica, gerada por fontes alternativas. A comida virá quase toda das fazendas vizinhas. Casas e prédios terão suas telhas cobertas por gramados ou hortas para manter os lares frescos e absorver a água da chuva. Dongtan está na ponta de lança de uma tendência que ganha coro por todos os cantos do planeta, inclusive no Brasil. Em São Paulo, acaba de ser inaugurado o primeiro prédio sustentável do país para abrigar uma agência bancária. Mais dez edifícios no modelo já foram encomendados. É a preocupação ecológica batendo à porta dos cidadãos. (SANTOS, 2007) Dongtan – China. Legislação ambiental No início do século XX, iniciou-se no Brasil uma maior preocupação com o meio natural. O Código Civil de 1916 sugeria a proteção legal do meio ambiente, previsto em seus artigos 554 e 584. O Regulamento de Saúde Pública (Decreto 16.300, de 31 de dezembro de 1923) criou uma inspetoria de higiene industrial e profissional que tinha, entre suas finalidades, impedir que as fábricas e oficinas prejudicassem a saúde dos moradores 44 de sua vizinhança, possibilitando o isolamento e o afastamento de indústrias nocivas ou incômodas. Na década de 1920, por meio do Decreto 23.793, de 23 de dezembro de 1923, foi aprovado o Código Florestal Brasileiro com a preocupação a respeito do desmatamento e o Decreto 24.643, de 10 de julho de 1934 instituiu o Código de Águas para o disciplinamento das águas. Nas décadas de 1950 e 1960, sob influência dos grandes movimentos mundiais ambientalistas, ocorreu uma maior percepção sobre os efeitos da industrialização acelerada e da exploração dos recursos hídricos. Em 30 de novembro de 1964 foi aprovado o Estatuto da Terra – Lei 4.504, dispondo sobre as questões da política agrícola no país. Na década de 1960, com a intensa urbanização chegando ao patamar de 45% (população morando em cidades) a necessidade de legislar a respeito das áreas de preservação permanente ao longo de rios, córregos, lagos e nascentes, o Código Florestal foi revisto e um novo foi aprovado em 15 de setembro de 1965, por meio da Lei 4.771. Algumas leis e decretos foram aprovados para a proteção da fauna e para o controle ambiental. Mas foi em 1979, com a aprovação de uma das mais importantes leis para a questão urbana – a Lei 6.766 – que, ao regulamentar o parcelamento do solo urbano, também definiu as formas de preservação e conservação ao longo dos cursos d’água para o restabelecimento da mata ciliar, assim como a restrição à ocupação das encostas dos morros. A década de 1980 foi marcada pela busca de uma regulamentação unitária, criando a visão global do meio ambiente. Nesse sentido, o Decreto 86.028 de 1981 instituiu em todo o território nacional a Semana Nacional do Meio Ambiente e a Lei 6.938, de 31 de agosto do mesmo ano, definiu o conceito de meio ambiente e aprovou a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação. O artigo 7.º cria o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que foi considerado um grande marco para e Legislação Ambiental Brasileira, sendo baseado nos princípios da Declaração de Estocolmo e nos objetivos do desenvolvimento sustentável. 45 Em 1988, como pioneira na história, a Constituição Brasileira aborda o tema meio ambiente, contemplando não somente seu conceito normativo, mas também reconhecendo outras faces: meio ambiente artificial, meio ambiente do trabalho, meio ambiente cultural e do patrimônio genético. O seu artigo 225 exerce função de norteador do meio ambiente, determinando ao Estado e à sociedade a garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, tratando-se de um bem de uso comum, devendo, dessa forma, ser preservado e mantido para as atuais e futuras gerações. A Constituição de 1988, ao definir competências aos entes da federação, disciplinando a competência para legislar e para administrar, objetivou promover a descentralização da proteção ambiental, ficando assim a União, os estados e os municípios com ampla competência para legislar. Para orientar a ocupação e a utilização racional dos recursos nas zonas costeiras foi aprovado o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, Lei 7.661, de 16 de maio de 1988, de
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