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A organização criada pelo ser humano para o mundo biológico é objeto de es- tudo desde a Pré-História. Na Grécia Antiga, quatro séculos antes de Cristo, Platão e Aristóteles já descreviam a natureza de forma mais organizada e gra- dual. Inicialmente, todos os seres vivos eram classificados como plantas ou animais. Somente depois da invenção do microscópio, no fim do séc. XVI, e de seu uso para fins científicos por Antonie von Leeuwenhoek, quando o "mundo unicelu- lar" foi descoberto, que começaram a surgir propostas para aumentar o número de classificações. A tarefa de incluir os seres unicelulares nesses dois grandes grupos de classifi- cação foi bastante difícil. E, entre os séculos IXX e XX, a criação do terceiro e do quarto reinos foi proposta várias vezes, para acomodar esses micro-organis- mos. No século XVIII, ainda se usava a organização dos organismos em três reinos (mineral, animal e vegetal). O botânico, zoólogo e médico sueco Carolus Linnaeus (Lineu), porém, impulsionou a ciência biológica, com a criação do sis- tema de organização taxonômica das espécies, tal qual conhecemos hoje. Lineu tornou permanente o sistema binomial de classificação taxonômica (composto pelo nome genérico e epíteto específico), inventado por Caspar Bauhin (1560-1624). O botânico dividiu primeiramente o Reino Vegetal em 24 classes, incluindo Cryptogamia, grupo que abrigava todas as espécies de plantas com órgãos reprodutivos não evidentes. Posteriormente, subdividiu esta classe em quatro ordens: • Musci: Englobando as briófitas (musgos, vegetais avasculares). • Filices: Compreendendo todas as pteridófitas (plantas vasculares sem sementes). • Fungi: Compreendendo os fungos. • Algae Interessante analisar que, na última ordem, eram incluídos seres diversos, sendo: as algas propriamente ditas (que também é um grupo genérico, e portanto, sem valor taxonômico, conforme veremos adiante); líquens ou fungos liquênicos (associações de fungos com cianofíceas ou microalgas), e hepáticas talosas (que são plantas avasculares primitivas). Breve histórico da botânica, e de como surgiu o termo ‘criptógamas’ O sistema binominal de classificação taxinômica Este sistema de classificação, apesar de ser empírico e de basear-se nas características morfológicas das espécies estudadas, já apresentava uma interessante configuração, próxima à configuração evolutiva desses grupos de organismos. Mais tarde o cientista alemão Ernst Haeckel (1834-1919) revolucionou a orga- nização dos organismos em seus reinos, propondo a criação dos reinos Protis- ta e Monera, inseridos em sua árvore filogenética. No século XIX, as descobertas realizadas por Charles Darwin e outros cientis- tas contemporâneos revelaram que o mundo biológico é fruto de um processo de evolução, e o sistema taxonômico aderiu a este novo contexto, de refletir a história da vida. A criação dos reinos Protista e Monera Já no séc. XX, os avanços na bioquímica forneceram aos taxonomistas novas ferramentas, baseadas na sequência linear dos aminoácidos que compõem as proteínas, ou nas sequências de genes das diferentes espécies de organismos. Os organismos criptogâmicos foram reorganizados em um novo sistema de clas-sificação, mas próximo de seu histórico evolutivo. A partir da década de 1960, a visão clássica de Haeckel foi de fato compreendida e assimilada, servindo de base para a elaboração do esquema dos cinco reinos proposto por Robert Whittaker (1969). Isso aconteceu graças ao desenvolvimento dos conhecimentos obtidos por meio das técnicas bioquímicas e da microscopia mais avançada, que revelaram afini-dades e diferenças fundamentais entre organismos no nível subcelular, o que le-vou a criação de várias propostas de sistemas de múltiplos reinos biológicos. O sistema proposto por Whittaker, por exemplo, é composto de cinco reinos bio-lógicos: Os avanços da bioquímica e a taxonomia Bacteria (subdividido em dois grandes sub-reinos: Archea e Eubactéria) Protista (algas, protozoários e outros organi- smos aquáticos pouco conhecidos). Animalia Fungi Plantae O reino das plantas ainda foi subdividido em dois grandes grupos: Bryata (com- posto por todas as plantas avasculares, como os musgos, hepatófitas e antoce- rófitas) e Tracheata, incluindo todas as outras plantas. O modelo dominante até a década de 1980 foi composto pelos seguintes reinos: • 1 Monera: procariontes. • 2 Protista: eucariontes unicelulares. • 3 Plantae: eucariontes multicelulares autotróficos fotossintetizantes, incluindo as algas, briófitas, pteridófitas e plantas com sementes. • 2 fungi: eucariontes multicelulares com nutrição heterotrófica absortiva (fungos verdadeiros) • 3 Animalia: eucariontes multicelulares, com nutrição heterotrófica inges- tiva, incluindo vertebrados e invertebrados. Em 1983, porém, o cientista Carl Woese da universidade de Illinois (EUA), pro- pôs uma reorganização no antigo sistema, com o estabelecimento de reinos bio-lógicos, organizados a partir de critérios moleculares, baseados no sequen- ciamento de um gene universal (que codifica para o RNA ribossômico), para construir uma árvore filogenética universal, que hoje é amplamente aceita. Esse cientista dividiu os seres vivos em domínios, uma categoria acima dos rei- nos (dos quais os dois últimos são compostos somente por organismos proca- riontes): • Eukaria • Bactéria • Archaea Essa proposta foi considerada inovadora, pois os procariontes haviam sido colo-cados em um único reino, simplesmente por não apresentaram núcleo definido, e Woese demonstrou por meio da análise biomolecular, que os procariontes não formam um grupo coeso. Obviamente o Domínio Eukaria se diferencia dos dois outros, principalmente pela presença de membrana nuclear envolvendo o material genético, e pela pre-sença de organelas funcionais (mitocôndrias e cloroplastos). O modelo dominante até 1980 O domínio Archea é composto por organismos procarióticos que podem ser subdivididos, grosso modo, em três grandes grupos: • Halófilos extremos: Organismos adaptados a ambientes com concen- trações extremamente elevadas de sal, como as salinas. Esses organismos apresentam uma alta exigência fisiológica de NaCl, para seu crescimento ideal (12% a 23%), pois suas paredes celulares ribossomos e enzimas são estabilizadas em função dos íons Na+. Todos os halófilos extremos são quimiorganotróficos, ou seja, são heterotróficos que obtém a sua energia a partir de compostos orgânicos. Alguns apresentam Qual a diferença entre os Domínios Bactéria e Archea, visto que ambos abrigam organismos procariontes? síntese de ATP, para a obtenção de energia, mediada pela luz, mas ao contrário dos organismos dos domínios Eukaria e Bactéria, esses procariotos halófilos não apresentam pigmentos clorofilianos (clorofilas a, b, c, etc.), mas sim uma proteína denominada bacteriorrodopsina, associada à membrana plasmática. • Metanogênicos: Grupo particular de arqueas produtoras de metano (CH4), a partir do hidrogênio (H2) e dióxido de carbono (CO2), sendo que todos esses necessitam de amônia (NH4), como fonte de nitrogênio. Sendo assim, esses organismos são muito comumente encontrados em lagoas de estabilização, nas estações de tratamento de esgoto, e no sedimento lamoso, em grandes profundidades nos oceanos. Neste contexto, podemos dizer que a maior parte das reservas de gás exploradas atualmente é fruto da produção de gás produzida por gerações imensas desses organismos no passado. Além disso, é importante destacar que os metanogênicos também são encontrados atualmente no trato digestivo dos animais ruminantes (bovinos, equinos etc.), atuando em simbiosecom esses animais, na degradação da celulose. Uma curiosidade é que uma vaca pode produzir aproximadamente 50 litros de metano diariamente, enquanto rumina. Por isso, atualmente a produção agropecuária, envolvendo a criação de grandes rebanhos, tem sido apontada como um dos principais fatores que contribuem com o efeito estufa, visto que o metano é cerca de 20 vezes mais estufa, do que o próprio CO2. É erroneamente divulgado, porém, que os ruminantes eliminam o metano pela constante flatulência, mas, na verdade, eles fazem isso pelo próprio processo fisiológico da sua digestão. • Termófilos extremos: São arqueas adaptadas a ambientes com temperaturas extremamente elevadas, como as fontes termais no Parque Nacional de Yellowstone (EUA) (Figura 3). Esses organismos conseguem sobreviver, tendo até uma melhor performance enzimática, em temperaturas que variam entre 80° e 110°C. Geralmente, essas arqueas são anaeróbias estritas (vivem em ambiente sem oxigênio), metabolizando o enxofre. São, portanto, também bastante representativas como produtores primários, em ecossistemas de fendas abissais oceânicas, superaquecidas geotermicamente. Outras diferenças entre os domínios Archea e Bactéria: Como você pôde observar, além das peculiaridades das arqueas, é importante destacar outras diferenças entre os domínios Archea e Bactéria. As bactérias apresentam a proteína mureína, associada às suas paredes celulares, e em contrapartida, as arqueas apresentam proteínas denominadas histonas asso- ciadas ao seu DNA, também presente nos eucariontes. Neste contexto, os organismos que compõem as criptógamas se encontram distribuídos entre os Domínios Bacteria e Eukaria. vamos entender como e por que esses organismos foram distribuídos dentro de cada um dos domínios citados, entrando, portanto, nos níveis hierárquicos taxonômicos mais restritivos. Dentro da organização procariótica, podemos tratar das cianobactérias, ou al- gas cianofíceas, também conhecidas como algas azuis, distribuídas na Divisão Cyanobacteria ou Cyanophyta. No domínio eucariótico, começamos a entender por que o termo criptógamas é um verdadeiro "saco de gatos", que abriga uma grande diversidade de organismos, sem relações filogenéticas estreitas. Os eucariontes teriam sido originados a partir de células procariontes que tinham a capacidade de fagocitar outras células, ou foram infectados por elas. Num primeiro momento, está interação negativa (predação ou parasitismo), evoluiu para uma interação de endossimbiose entre os dois organismos unicelulares. Nesse processo, as células "hospedeiras" adquiriram capacidades metabólicas adicionais, e as células fagocitadas foram se simplificando e especializando-se gradualmente como organelas das células eucarióticas atuais (mitocôndrias e plastídios), além de contribuírem com genes para a formação do núcleo. "Dissecando" as criptógamas! A endossimbiose A endossimbiose é mais comum do que se imagina. Diversos eventos envol- vendo organismos procarióticos e eucarióticos levaram à formação de orga- nelas e ao desenvolvimento de grande diversidade de organismos, com grande variedade e versatilidade de características fisiológicas e funcionais. Existem inúmeros exemplos na natureza, não sendo uma exclusividade das criptógamas. Como foi visto anteriormente, a presença de arqueas no trato digestório de animais ruminantes, pode ser considerado uma relação endossimbiótica. Destaca-se também a interessante interação entre o molusco Elysia chlorotica, e a alga Vaucheria litorea A descoberta de eventos de endossimbiose foi fundamental para a nova organização das criptógamas eucarióticas, nos grupos vistos anteriormente, e para o entendimento da evolução das linhagens vegetais terrestres, como consequência. Sendo assim, observamos que os laços de parentesco entre esses organismos foram estabelecidos, portanto, em função do tipo, ou "grau" de endossimbiose. Esses organismos são considerados, por alguns autores, verdadeiras "bonecas russas" da evolução. Temos os eventos de endossimbiose primária e secundária: • A endossimbiose primária envolve a relação entre uma célula eucariótica e uma procariótica (que evolui para plastídio), como presente nas glaucófitas (um tipo de microalga) e algas verdes, que deram origem às plantas terrestres. • As endossimbiose secundárias ocorrem quando o plastídio é derivado de uma alga eucariótica. E portanto, temos as Cryptophyta, Haptophyta e Ochrophyta, com plastídeo oriundo de uma alga vermelha simbiótica. Já nas linhagens Euglenophyceae e Chlorarachniophyceae, produziu-se também um evento de endossimbiose secundária, mas com uma alga verde pertencente às Chlorophyta. E para tornar a situação ainda mais complexa, existem os dinoflagelados (linhagem Alveolata), que apresentam seus plastídios oriundos de um processo de endossimbiose terciária, com uma Haptophyta. Tipos de endossimbiose
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