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ESTADO DA BAHIA POLÍCIA MILITAR ACADEMIA DE POLÍCIA MILITAR POLICIA MILITAR DO ESTADO DA BAHIA CURSO DE FORMAÇÃO DE OFICIAIS AUXILIARES POLICIAIS MILITARES CFOA - 2020 POLICIAMENTO COMUNITÁRIO Salvador 2020 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 03 2 CENÁRIO HISTÓRICO 05 3 CONCEITUAÇÃO DE POLICIAMENTO COMUNITÁRIO 14 4 PRINCÍPIOS DA POLICIA COMUNITÁRIA 19 5 O QUE NÃO É POLICIAMENTO COMUNITÁRIO 22 6 PRINCÍPIOS DO POLICIAMENTO COMUNITÁRIO À IMPLANTAÇÃO 25 7 DIFERENÇAS: POLICIA TRADICIONAL E POLICIA COMUNITÁRIA 27 8 OBJETIVOS DA POLÍCIA COMUNITÁRIA 29 9 POLÍCIA COMUNITÁRIA – EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS 30 10 EXPERIÊNCIAS DO MUNDO POLICIAL 41 11 OS SEIS GRANDES GRUPOS DO POLICIAMENTO COMUNITÁRIO 43 12 PERFIL DO POLICIAL COMUNITÁRIO 46 13 AÇÕES PROATIVAS DO POLICIAMENTO COMUNITÁRIO 49 14 MOBILIZAÇÃO SOCIAL 56 15 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 62 16 OS FATORES DA CRIMINALIDADE E A PREVENÇÃO 64 17 AS COMPETÊNCIAS DAS POLICIAIS MILITARES DO BRASIL 67 Referências 75 3 1 INTRODUÇÃO A violência é um fenômeno que tem atingido incisivamente as grandes capitais do País. Sinalizadores como desemprego, falta de condições adequadas de saúde e saneamento básico, deficiências no ensino público e mau distribuição de renda culminam com a exacerbação do quadro social brasileiro e têm inexoravelmente como consequência o acréscimo das estatísticas policiais. Diante dos fatos, o sistema de Segurança Pública é exigido pela sociedade a manter níveis aceitáveis de convivência social. Não obstante a esses óbices sociais, o fenômeno da exclusão gera o máximo da efemeridade humana, ou seja, a sua condição de ser no mundo. Para Rocha, Kogachi e Leite (2011, p.11), mesmo com a enumeração dessas problemáticas sociais para a consolidação da democracia no Brasil, os conceitos de vida na sociedade se transformam e a consciência de cidadania passou a substituir as armas. Na conclusão do artigo intitulado “Sociedade civil e sociedade civil organizada”, Marx (2006), publicado na Revista Jus Navigandi, ano 11, nº 1019, afirma: [...] que a sociedade civil é à base das relações econômicas, sociais e ideológicas de onde emanam os conflitos que demandam soluções políticas e, ao mesmo tempo, emanam alternativas para a solução de conflitos surgidos na órbita política, sendo a parte de um todo, voltado para o bem comum. (MARX, 2006, p.3). Portanto, a eficiência da organização de uma sociedade traduz impactos positivos para a sua evolução. Materializando essa máxima, quando os cidadãos passam a se relacionar, seus conflitos, problemas em comum, são estudados para uma construção racional de compreensão e soluções, obstruindo a apatia e o conformismo. Nesse diapasão, a Carta Magna do país introjeta na sociedade brasileira a consciência cidadã, revelando que o sistema de segurança pública existe para manter em níveis aceitáveis a convivência social, cabendo às polícias militar e civil essas responsabilidades constitucionais no âmbito do território das unidades federativas. Concretizando essa proposição de responsabilidade, substanciada no 4 direito positivo, expressa-se na Constituição Federal vigente, Art. 144, parágrafo quinto o seguinte: Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: [...] V – polícias militares e corpos de bombeiros militares. [...] § 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil (BRASIL, 1988). No contexto do território baiano a competência da Polícia Militar se aduz no texto da Constituição Estadual, quando diz que: Art. 148. A Polícia Militar, força pública estadual, instituição permanente, organizada com base na hierarquia e disciplina militares, competem, entre outras, as seguintes atividades: I – polícia ostensiva de segurança, de trânsito urbano e rodoviário, de floresta e mananciais e a relacionada com a prevenção criminal, preservação e restauração da ordem pública; IV – a polícia judiciária militar, a ser exercida em relação a seus integrantes, na forma da lei federal; V – a garantia ao exercício do poder de polícia dos órgãos públicos, especialmente os da área fazendária, sanitária, de proteção ambiental, de uso e ocupação do solo e do patrimônio cultural (BAHIA, 1989). Observando-se as definições das competências Constitucionais das Polícias Militares do Brasil, a filosofia de Polícia Comunitária, reconceituada como Polícia de Proximidade, já se fazia presente no bojo Constitucional, ensejando o fortalecimento desse pensar, nas corporações policiais, entretanto ainda se encontram distantes de ser plenamente percebido no dia-a-dia do serviço policial, pois o pensar sedutor do modelo reativo de enfrentamento ainda é muito utilizado para responder a incidentes. Assim, esta apostila com várias referências bibliográficas pesquisadas, concebe o policiamento adotado pela Polícia Militar da Bahia, através da filosofia e de procedimentos aplicados à Polícia Comunitária, cujas ações estão vinculadas aos propósitos do policiamento comunitário, mudando o marco de atuação do conceito de combate ao inimigo para a de proximidade com a comunidade, firmando-se como uma estratégia e cultura organizacional. 5 2 CENÁRIO HISTÓRICO 2.1. Décadas de 70/80 Na Bahia os ensaios sobre a Filosofia de Polícia Comunitária remontam aos anos 1970, quando a equipe do 7º Batalhão, instituía o Plano de Policiamento Ostensivo Integrado (POI), consolidado na Lei nº 3.406, de 26 de setembro de 1975, Lei de Organização Básica, através de 3 dimensões: território, organização e homem. Na vanguarda de políticas públicas de segurança no Estado da Bahia, o então Ten Cel PM Alberto Salles Paraíso, capitaneado pelo então Cap PM Pedro Nascimento Boaventura, consolidaram o marco gerador do policiamento comunitário na cidade de Salvador, nos anos de 1983 a 1985, através do sistema do emprego operacional do Policiamento Ostensivo Integrado (POI), sendo empregado ao nível de Batalhão ou de Companhia na sua área de atuação, demonstrando, logo, uma visão do futuro. Dentro da trilogia do Sistema Integrado de Policiamento Ostensivo (POI), destacando-se o espaço, organização e homem policial-militar, foram correlacionados atributos para a consecução do POI: (1) Território Policial-Militar; (2) Região Policial-Militar; (3) Micro Região Policial-Militar; (4) Área Policial-Militar; (5) Subárea Policial-Militar; (6) Setor Policial-Militar; (7) Subsetor Policial-Militar (Quarteirão); e (8) Posto de Serviço Policial-Militar. Consolidando o Sistema POI, foram agregadas duas vertentes importantíssimas para a excelência da qualidade do serviço prestado pelo policial militar: (1) Valorização do Policial-Militar; e (2) Integração com a Comunidade. Com a comunidade, a interface da trilogia constituía-se “no destino do PM em caminhar lado a lado com a comunidade, acompanhando as suas necessidades e resolvendo com eficácia aquelas ligadas à segurança, garantindo os direitos individuais a cada cidadão” (POLICIAMENTO OSTENSIVO INTEGRADO / Alberto Salles Paraíso Borges e Pedro Nascimento Boaventura, 2009). Aduz ainda: 01) Respeitar os direitos do cidadão. 02) Não ter o cidadão como bandido. 03) Não ter preconceito de qualquer natureza. 04) Não haver violência e manter-se no restrito cumprimento ao dever. 05) Conscientizar o policial-militar no sentido de que ele vive para servir à comunidade. 6 06) Abrir o quartelao público sem formalidades e restrições. 07) Mostrar à comunidade a importância da missão da Polícia Militar e o difícil papel do policial-militar. 08) Fazer reuniões com grupos representativos da comunidade. 09) Visitar escolas, blocos de carnaval, centros sociais urbanos, centro de saúde e outros órgãos públicos. 10) Consultar sempre a comunidade sobre a sua segurança e proteção. 11) Convidar a comunidade para participar em todas as solenidades cívicas e sociais realizadas nos quartéis. 12) Realizar pesquisas junto à comunidade para avaliar o trabalho realizado 13) Manter a comunidade constantemente informada das atividades do Batalhão, através de boletins informativos, publicados por cada UOp de área.” As ações do policiamento ostensivo integrado eram menos sujeitas à especialização profissional já que era uma forte característica da atuação policial militar daquele período. 2.2. Década de 90 Com a abertura política no Brasil, a partir de 1985, consubstanciada com a promulgação da Constituição Brasileira, em 1988, as polícias militares reformularam a sua cultura de atuação, pois a presença do estado de direito democrático era legítimo e real. O Estado não mais seria submetido a um regime de exceção. O cidadão não seria tratado apenas como um usuário das políticas públicas de segurança. O foco dessas políticas públicas direcionava todos os esforços para, agora, reconhecido como cidadão-cliente (grifo nosso). Aliás, segundo Bresser-Pereira (1998) “o termo cidadão-cliente é utilizado até mesmo como forma de aproximar administração pública da lógica de mercado.” Nesse contexto, o dito processo se refere à adaptação das ideias e ferramentas de gestões mais recentes do setor privado no setor público, como, por exemplo, os programas de qualidade, a reengenharia organizacional, a administração participativa e outros instrumentos da administração gerencial (grifo nosso). No ano de 1995, no Brasil, lançava o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado e considerando essa mesma ótica, o Programa de Qualidade e Participação na Administração Pública (QPAP). No ente Estadual, com iniciativa idêntica, criou-se o Programa de Qualidade do Serviço Público Estadual (PROQUALI), o qual visava aperfeiçoar a qualidade dos serviços prestados pela administração pública estadual. 7 O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), instituído através do Decreto nº 1.904, de 13 de maio de 1996, pelo governo federal, já direcionava a necessidade de reforma das polícias. No fervor das mudanças nacionais no âmbito da segurança pública e de forma pioneira, na Bahia, iniciaram a partir do ano de 1995, com a celebração de um convênio entre a Polícia Militar e a Universidade Federal da Bahia, mais especificamente com a Escola de Administração, cujo convênio foi intitulado Programa PM-UFBA, nasceu, assim, o Programa de Modernização da PMBA, que realizou uma série de estudos e projetos, conforme se segue: Planejamento estratégico da PM; Reestruturação organizacional; Estudo emergencial para elevação dos salários; Reestruturação de processos da Diretoria de Pessoal; Projeto de informatização; Projetos de capacitação gerencial de dirigentes; Revisão curricular dos cursos de formação policial; Projeto de redefinição dos níveis hierárquicos; Projeto de implantação de qualidade em serviços de segurança pública (Projeto Polícia Cidadã). Em 1998, nesse cenário de inovação da Administração Pública, surge o Projeto Polícia Cidadã (PPCid), estratégia institucional de atuação, baseada em dois pilares básicos: a integração com a comunidade e a adoção das ferramentas preconizadas pela Gestão Contemporânea pela Qualidade. O PPCid, através da Nota se Serviço nº 001/99, publicada na Separata ao BGO nº 61, de 30 de março de 1999, disciplinou a sua operacionalização no terreno das ações de polícia, adotando a Companhia Independente como referência de organização menos burocrática em relação ao Batalhão PM, atuando em uma área de responsabilidade de menor extensão em cidades, bairros ou comunidades com identidade social, cultural e geográfica, facilitando, dessa forma, a personalização do policiamento, salvaguardando as peculiaridades locais. No bojo do PPCid as definições estratégicas de Visão, Missão e Objetivos estavam concretizadas (grifo nosso) da seguinte forma: 8 VISÃO: Transformar a Polícia Militar da Bahia, num referencial de excelência entre as instituições prestadoras de serviços ostensivos de segurança pública, através do aporte de conhecimento e mudança no comportamento dos seus servidores, utilizando-se dos modernos conceitos de gestão contemporânea e policiamento comunitário. MISSÃO: Fornecer aos Comandantes, Diretores e Chefes da Corporação e seus respectivos auxiliares o referencial básico para execução e desenvolvimento da doutrina de Polícia Cidadã, na esfera de suas responsabilidades e competência. OBJETIVO GERAL: Desenvolver uma metodologia específica de implantação da qualidade em serviço de segurança pública, transformando o modelo tradicional de atuação num modelo inovador de policiamento comunitário, capaz de satisfazer às reais necessidades da população, e que possa ser reproduzido em toda a Corporação. Diante das definições estratégicas, o PPCid foi operacionalizado mediante as 6 (seis) linhas de ação assim disciplinadas: Linha de ação 1 (integração com a comunidade) Criação de um canal de comunicação que possibilitasse a interação da Unidade Operacional com o cidadão-cliente, através dos Conselhos Comunitários de Segurança, sendo uma entidade de direito privado e sem fins lucrativos. Linha de ação 2 (reestruturação da unidade operacional) As Unidades seriam dotadas de processos mais leves com o foco no atendimento à comunidade, agilidade no atendimento das demandas de segurança pública. Surgem, então, as Companhias Independentes (CIPM) que seriam gestadas pelos Batalhão-Gestor, sendo um órgão de suporte administrativo-financeiro a fim de administrar os recursos materiais e a regularização da vida funcional das CIPM. Linha de ação 3 (motivação) Implantação de elementos incentivadores capazes de motivar o policial militar a participar do novo modelo de melhorias no ambiente de trabalho, aperfeiçoamento das relações interpessoais, o estabelecimento de recompensas para as metas de produtividade alcançadas e a utilização de equipamentos modernos para eficácia, eficiência e efetividade da atividade policial. Linha de ação 4 (indicadores) Estabelecimento de indicadores para aferição da produtividade das Unidades, criando uma cultura de reconhecimento das ações desenvolvidas pela Unidade, através do acompanhamento interno de processos produtivos e respectivos resultados. Linha de ação 5 (educação continuada) Visava a amplitude da capacitação dos policiais militares, de forma continua nas suas Unidades, utilizando redes de multiplicadores com base na competência, habilidades e atitudes dos policiais militares. 9 Linha de ação 6 (núcleo de memória) O armazenamento de documentos desenvolvidos pelas ações de policiamento fomentava a memória da Unidade, pois facilitava o acompanhamento e a evolução dos processos, bem assim, a ações necessárias de correção para a efetividade do serviço policial militar em prol da sociedade, 2.3. Anos 2000 O PPCid experimentou uma evolução de bons resultados, contudo, após esse lastro temporal e pela inobservância de compromisso da esfera governamental estadual, no campo das prioridades, o PPCid enfrentou dificuldades para a culturalização organizacional, resultando no seu retrocesso. A retomada (grifo nosso) na nova visão de importância governamental do PPCid, agora Programa de Governo, ocorreu em fevereiro de 2003, quando, através de um seminário de polícia comunitária para comandantes deOPM, capital e interior, resgatou-se a aplicabilidade da filosofia de polícia comunitária, tendo como marco Institucional a Nota de Serviço DQPDT- 001/2003. Em 24 de outubro de 2007, através da Lei nº 11.530, publicado no Diário oficial da União, de 25/10/2007, instituiu-se o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI) com o propósito de ser executado pela União, por meio da articulação dos órgãos federais, em regime de cooperação com Estados, Distrito Federal e Municípios e com a participação das famílias e da comunidade, mediante programas, projetos e ações de assistência técnica e financeira e mobilização social, visando à melhoria da segurança pública. Destaca- se que no seu artigo 8º o Programa, sem prejuízo de outros programas, projetos e ações integrantes do PRONASCI, agregou os seguintes projetos: (1) Reservista- Cidadão; (2) Proteção de Jovens em Território Vulnerável; (3) Mulheres da Paz; e (4) Bolsa-Formação. Referencialmente, o Bolsa-Formação, mediante a Lei nº 11.707, de 19 de junho de 2008, que alterou a Lei nº 11.530, declinou no seu artigo 2º, o seguinte: “Art. 8o-E. O projeto Bolsa-Formação (grifo nosso) é destinado à qualificação profissional dos integrantes das Carreiras já existentes das polícias militar e civil, do corpo de bombeiros, dos agentes penitenciários, dos agentes carcerários e dos peritos, contribuindo com a valorização desses profissionais e consequente benefício da sociedade brasileira. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/Lei/L11530.htm#art8e. 10 § 1o Para aderir ao projeto Bolsa-Formação, o ente federativo deverá aceitar as seguintes condições, sem prejuízo do disposto no art. 6o desta Lei, na legislação aplicável e do pactuado no respectivo instrumento de cooperação: I - viabilização de amplo acesso a todos os policiais militares e civis, bombeiros, agentes penitenciários, agentes carcerários e peritos que demonstrarem interesse nos cursos de qualificação; II - instituição e manutenção de programas de polícia comunitária; e III - garantia de remuneração mensal pessoal não inferior a R$ 1.300,00 (mil e trezentos reais) aos membros das corporações indicadas no inciso I deste parágrafo, até 2012.” Com o advento do Plano Plurianual Participativo 2008-2011 o Governo do Estado empreendeu esforços no sentido de implementar a participação da sociedade na formatação de políticas públicas. Nesse diapasão, as propostas populares, após a devida análise, geraram projetos entre eles o PLANESP (Plano Estadual de Segurança Pública) na versão 2008-2011 e na versão 2012-2015, sendo o marco de visão governamental para o campo da Política de Segurança Pública do Estado da Bahia. Nesse instrumento gerencial surgiram as Áreas Integradas da Segurança Pública (AISP), além de outras ações como o incremento do policiamento comunitário mediante projetos como o Ronda nos Bairros, Sistema de Ações Preventivas, da investigação e dos trabalhos periciais, que passaram atuar de forma integrada nas suas AISP. No biênio de 2009-2010, iniciou-se a preocupação de reduzir a tendência crescente dos crimes violentos letais intencionais (CVLI). Após esse período, novos rumos foram perseguidos para a redução das taxas, também, dos crimes violentos contra o patrimônio (CVP), além de retomar (grifo nosso) de maneira definitiva o modelo de policiamento comunitário. Como gênese dessa retomada, através da Lei nº 12.357, de 26 de setembro de 2011, criou-se o “Pacto pela Vida (PPV)”, programa de Estado no âmbito do Sistema de Defesa Social cujo objetivo principal é a promoção da paz social, com ênfase na diminuição dos índices de CVLI e CVP no âmbito policial. A política do PPV está baseada com a sociedade sendo articulada e integrada com o Poder Judiciário, Assembleia Legislativa, o Ministério Público, a Defensoria Pública, os municípios e a União. Nesse novo modelo de gestão foram fomentadas as seguintes características (PROGRAMA PACTO PELA VIDA/2011): . 11 “Criação de diversas instâncias que se relacionam: Um Comitê de Governança – integrado pelos dirigentes máximos dos Poderes e Instituições do Estado, responsável pela definição das diretrizes estratégicas e acompanhamento das ações; Um Comitê Executivo – presidido pelo Governador e integrado por representantes dos Poderes e Instituições do Estado, com a finalidade de promover a articulação entre os processos de formulação, implantação, monitoramento e avaliação de suas ações; Cinco Câmaras Setoriais para propor e definir diretrizes e políticas setoriais que contribuam para a redução das taxas de Crimes Violentos Letais Intencionais – CVLIs, na sua respectiva área de atuação. O Núcleo de Gestão, que é uma unidade de monitoramento e avaliação dos resultados do Programa. Nova distribuição territorial para executar e monitorar o Programa: Criação de Regiões Integradas de Segurança Pública – RISP compostas por Áreas Integradas de Segurança Pública – AISP, dentro do território do Estado da Bahia; O direcionamento de recursos e esforços policiais e sociais para áreas consideradas prioritárias para o Programa, mediante a adoção dos indicadores CVLI e CVP como parâmetros. Ações integradas com unidades do sistema de segurança pública: Intensificação da repressão qualificada, mediante o uso da inteligência policial; Ações policiais preventivas mediante a aproximação da polícia com a comunidade. Implantação de Bases Comunitárias de Segurança Pública – BCS (grifo nosso), que são estruturas físicas em áreas consideradas críticas em termos de criminalidade violenta, funcionando como instrumento de polícia comunitária, que aproxima a polícia dos moradores e aumenta a sensação de segurança nestas áreas. Além disso, as BCS são referência para a execução de ações sociais transversais em seu entorno. ” (grifo nosso). . No Seminário de Gestão Estratégica, cujo trabalho multidisciplinar tornou-se o fato gerador do Plano Estadual de Segurança Pública (PLANESP), versão 2004- 2007, direcionou como estratégica de Missão, Visão e Valores para a Secretaria de Segurança Pública as seguintes definições: “MISSÃO: Garantir segurança pública à sociedade e às instituições, contribuindo para a promoção da paz social. VISÃO: Ser, até 2015, um referencial comparativo, para os demais Estados da Federação, quanto ao percentual de redução das taxas de CVLI e CVP. VALORES: Os valores não são criados, eles têm que ser percebidos, apurados, sentidos... Na Secretaria da Segurança Pública, identificamos como valores dedicados à comunidade: SERVIR e PROTEGER. ” 12 Construindo uma estratégia de pensamentos fortes para a plenitude de execução do PLANESP 2012-2015, foram definidos indicadores a partir dos objetivos estratégicos do referido Plano de Segurança Pública para alinhar a comunicação das estratégias entre as Organizações e os rumos delas em relação às definições estratégias do atual PLANESP. Foram delineados os seguintes indicadores estratégicos: (1) Percentual de incremento de captação de recursos; (2) Quantidade de ações sociais; (3) Clima organizacional; (4) Percentual de homenagens/elogios; (5) Percentual de servidores treinados; (6) Percentual de apuração; (7) Custo médio dos resultados das operações padronizadas; (8) Quantidade de não conformidade de dados estatísticos; (9) Itens incorporados à biblioteca virtual de Segurança Pública; (10) Percentual de disponibilização do pacote básico para unidades finalísticas; (11) Aderência ao MEGP; (12) Quantidade de inovações introduzidas; (13) Redução de taxas de CVLI; (14) Redução de taxas de CVP; (15) Percentual de população atendida com ações de proximidade; (16) Percentual de indiciamento; (17) Incremento de oferta de ações de defesa social; (18) Percentual de satisfação do cliente; (19) Percentual de sensação de segurança.A partir de 2012 com o Decreto nº 13.561, de 02 de janeiro de 2012, foram agregados os conceitos de Regiões Integradas de Segurança Pública (RISP) e suas respectivas Áreas Integradas de Segurança Pública (AISP) como forma de integrar e sistematizar as ações e informações sobre Polícia Militar, Polícia Judiciária e Departamento de Polícia Técnica, bem como as ocorrências favorecendo a análise da mancha criminal dentro de cada território. No dito decreto, através do seu Art. 2º, conceituou-se AISP como agrupamentos de segmentos territoriais, formadas por municípios, distritos municipais e bairros, consideradas para a definição de princípios, métodos e procedimentos nas ações de polícia judiciária, polícia ostensiva e perícia, com o objetivo de aumentar a eficiência policial, mediante a prestação de serviços de segurança pública com qualidade e custos adequados. Implementando as ações de Segurança pública do Estado, foi instituído o Plano Estratégico do Sistema Estadual de Segurança Pública 2016-2025, através da Portaria nº 1.026 de 28 de dezembro de 2016, publicada no DOE nº 22.090, de 5 de janeiro de 2017, inspirado numa nova Visão de Futuro para a efetiva contribuição na redução dos índices de criminalidade, agregando pressupostos de qualidade e excelência na prestação dos serviços de segurança pública cidadã, na Bahia, nos próximos dez anos. 13 A Polícia Militar da Bahia, através das premissas do Programa de Governo, intitulado “Pacto pela Vida”, institucionalizou a implantação de Bases Comunitárias de Segurança (BCS), através da Portaria n° 106-CG/12, publicada em BGO nº 244, de 27 de dezembro de 2012. Posteriormente, o dito diploma legal foi atualizado através da Portaria n° 058-CG/15, publicada na LJNG nº. 11, de 25/06/2015, cuja matéria dispõe sobre as normas e procedimentos necessários para implantação, estruturação e funcionamento das BCS no âmbito da PMBA. O modelo de policiamento comunitário instituído às BCS na Bahia tem como raízes o modelo de policiamento conhecido como Koban, que significa troca de vigilância (ko=troca; ban=vigilância), é uma estrutura organizacional de polícia. No Japão os kobans são instalados em áreas urbanas e geralmente, contam com um efetivo de 12 (doze) policiais, divididos em três turnos de 24 horas. Esse modelo de policiamento comunitário, conforme aduz a Cartilha de Policiamento Comunitário da PMESP, 2007, possui três pilares de sustentação para a realização do policiamento: (1) integrar a comunidade para a realização das atividades de policiamento, adequando este à realidade da comunidade através do atendimento das expectativas da população; (2) tornar o policiamento visível à população, mantendo diuturnamente uma postura de vigilância; e (3) atender todas as ocorrências policiais de forma indistinta, ou seja, o policiamento não prioriza a aplicação da lei em detrimento de problemas de manutenção da ordem ou problemas não emergenciais. Nos Kobans são desenvolvidas atividades internas e externas conforme quadro explicativo a seguir: Tabela 1 Atividades Externas Atividades Internas Patrulhamento Vigilância em pé Abordagens Vigilância sentada Visitas Comunitárias residenciais e comerciais Informações de utilidade pública Visitas a órgãos públicos e privados Registros de Ocorrências Conhecimento da área Registro de declaração de achados e perdidos Atendimento de ocorrências Atendimento à comunidade Projetos diversos Outras consultas Fonte: PMESP, Cartilha de Policiamento Comunitário, 2007. As BCS na Bahia estão subordinadas funcionalmente a um Batalhão Operacional ou Companhia Independente de Polícia Militar e a assessoria técnica, 14 atualmente, ao Departamento de Polícia Comunitária e Direitos Humanos. As BCS, conforme preconiza a Portaria instrumental, devem realizar visitas comunitárias e atividades de assistência às vítimas além de outras de maneira rotineira. A BCS é comandada por um Oficial, quer no posto de Capitão ou de Tenente. Outro aspecto interessante é que fazendo um comparativo das BCS paulistas para as baianas, a primeira a área total é de no máximo 2 Km2 com uma média de 16 policiais militares; já a BCS baiana corresponde a área máxima de 4 Km2 com uma média de 70 policiais militares. Outro aspecto a revelar diz respeito as diretrizes políticas seguidas pelas BCS através da Superintendência de Prevenção à Violência (SPREV), órgão da estrutura da Secretaria de Segurança Pública (SSP) e cuja finalidade é elaborar, apoiar e executar ações de prevenção da violência. O Plano Estratégico da PMBA (2017-2025), aprovado em Portaria nº 37- CG/2017, conforme o publicado em BGO nº 061, de 28 mar 2017, redefiniu a missão desta Corporação, estabelecendo-a como “Preservar a vida, a ordem pública e a cidadania”, além de definir os seguintes valores: hierarquia, disciplina, ética, profissionalismo e dignidade humana. No seu Objetivo Estratégico nº 08 (Fomentar a Polícia Comunitária) implementa a percepção do papel de cada integrante da Corporação diante dos propósitos organizacionais que devem ser conquistados em relação a gestão da filosofia de polícia comunitária mediante as ações de policiamento comunitário operacionalizados pelas OPM desta PMBA. 3 CONCEITUAÇÃO DE POLICIAMENTO COMUNITÁRIO No entendimento doutrinário de Policiamento Comunitário existe um rol sistemático de pesquisadores, especialistas, estudiosos que conceituam esse fundamento. Destaca-se a conceituação de Trojanowicz e Bucquerox (1994), a seguir, devido a sua clarividência de compreensão para a estrutura organizacional: Policiamento Comunitário é uma filosofia e estratégia organizacional que proporciona uma nova parceria entre a população e a polícia. Baseia-se na premissa de que tanto a polícia quanto a comunidade devem trabalhar juntas para identificar, priorizar e resolver problemas contemporâneos tais como crime, drogas, medo do crime, desordens físicas e morais, e em geral a decadência do bairro, com o objetivo de melhorar a qualidade geral da vida na área (TROJANOWICZ e BUCQUEROX, 1994, p. 4). 15 Nota-se que a conceituação envolve o aparato policial e a comunidade sendo elementos construtivos da filosofia de policiamento comunitário. Uma não subsiste sem a outra. Para que ocorram os resultados aprazíveis às expectativas de um ambiente de convivência melhor, necessário se faz a participação ativa da comunidade no processo de construção da paz social. Outros pesquisadores, Bondaruk e Souza (2012), perpassam por essas premissas, destacando-se a inevitável prestação de serviço da polícia, particularmente creditando bons resultados à filosofia de Polícia Comunitária no campo da prevenção, integração e a confiança da comunidade, tornando mais favorável à segurança: A confiabilidade e a importância social do trabalho de polícia dependem de como as pessoas se sentem atendidas e integradas ao processo de prevenção, destarte, o Policiamento Comunitário e o emprego da filosofia de Polícia Comunitária, despertam na sociedade uma série de efeitos benéficos que geram segurança (BONDARUK; SOUZA, 2012, p. 105). Na sua afirmativa, Bondaruk e Souza (2012) revelam uma relação de empatia, ou seja, um processo psicológico conduzido por mecanismos afetivos, cognitivos e comportamentais na relação entre polícia e comunidade. A polícia reconhecida pela sua importância e a comunidade atendidas nos seus anseios com participação decisiva na plenitude dos bons resultados nas ações integradas para inibição da violência e do crime. Assim, a efetividade procedente da percepção do cidadão-cliente revela que a sua expectativa foi atendida, mediante uma ação programada e planejada que supra os seus desejos, sendo comprovados, pelo próprio cliente, os resultados alcançados. 3.1. Elementos da conceituação Na Portaria nº 43, de 12/04/2019, da Secretaria Nacional de SegurançaPública (SENASP), publicada no D.O.U., de 18/04/2019, que instituiu as Diretrizes Nacionais e o Manual de Polícia Comunitária, foram examinados os elementos constitutivos da dita conceituação: Filosofia. Pode ser definida como o estudo geral sobre a natureza das coisas e suas relações entre si, ou ainda, como uma forma de compreender e pensar sobre determinado assunto. É resultado de um conjunto de princípios que representa uma maneira de pensar, uma forma de perceber e de se relacionar com a realidade. 16 Estratégia. É a arte de usar os meios disponíveis ou as condições que se apresentam para atingir determinados objetivos, ou também, forma de fazer, de utilizar recursos para atingir certa finalidade. É operacionalizada a partir de um processo de planejamento que visa a melhor aplicação dos meios. Organizacional. Da organização, podendo se aplicar a qualquer estrutura que possua uma função policial, de fiscalização ou de atendimento à comunidade. Parceria. É a reunião de duas ou mais pessoas para um fim de interesse comum, ou ação de mais de um ator para alcançar um objetivo comum a todos os atores sociais. Problema. Definido basicamente como uma questão levantada para consideração, discussão, decisão ou busca de solução. Qualidade de vida. Conjunto de condições ou situações que delineiam o viver e o conviver do cidadão na comunidade. Ainda, de acordo com Cerqueira, qualquer organismo com uma função policial faz parte, na realidade, da sociedade. A estratégia comunitária vê o controle e a prevenção do crime como resultado da parceria com outras atividades. Isto significa dizer que os recursos do policiamento, articulados com os novos recursos comunitários, são agora os instrumentos essenciais para a prevenção do crime; em outras palavras, os membros da comunidade assumem seu real papel de cidadãos que atuam junto da polícia para o bem comum. 3.2. Outros conceitos Outros pesquisadores, Bondaruk e Souza (2012), perpassam por essas premissas, destacando-se a inevitável prestação de serviço da polícia, particularmente creditando bons resultados à filosofia de Polícia Comunitária no campo da prevenção, integração e a confiança da comunidade, tornando mais favorável à segurança: A confiabilidade e a importância social do trabalho de polícia dependem de como as pessoas se sentem atendidas e integradas ao processo de prevenção, destarte, o Policiamento Comunitário e o emprego da filosofia de Polícia Comunitária, despertam na sociedade uma série de efeitos benéficos que geram segurança (BONDARUK; SOUZA, 2012, p. 105). Na sua afirmativa, Bondaruk e Souza (2012) revelam uma relação de empatia, ou seja, um processo psicológico conduzido por mecanismos afetivos, 17 cognitivos e comportamentais na relação entre polícia e comunidade. A polícia reconhecida pela sua importância e a comunidade atendidas nos seus anseios com participação decisiva na plenitude dos bons resultados nas ações integradas para inibição da violência e do crime. Assim, a efetividade procedente da percepção do cidadão- cliente revela que a sua expectativa foi atendida, mediante uma ação programada e planejada que supra os seus desejos, sendo comprovados, pelo próprio cliente, os resultados alcançados. No entendimento de Souza (2005, p. 9), “O policiamento comunitário amplia o leque de atividades preventivas que vão desde ações de caráter puramente assistencial a atividades de caráter preventivo convencional”. Nesse contexto, a filosofia de policiamento comunitário praticado pelos profissionais de segurança pública é facilmente identificável quanto se percebem as ações de visitas às residências, visitas às organizações comerciais, às escolas, ao trabalho com a comunidade em iniciativas de curto e longo prazo que visam reduzir os problemas e melhoria da qualidade de vida e outros encargos que o policial comunitário exercita com a sua comunidade. Já David Bayley e Jerome Skolnick (2001), os primeiros estudiosos sobre policiamento comunitário nos Estados Unidos, indicam quatro principais características desse tipo de policiamento: 1) relação de reciprocidade entre a polícia e a população; 2) descentralização do comando por área; 3) reorientação da patrulha de modo a engajar a comunidade na prevenção do crime; 4) emprego de civis na polícia e no trabalho de policiamento. Ao refinarem essas definições, passaram a dar maior ênfase aos seguintes aspectos: 1) trabalho voltado para a prevenção do crime com base na comunidade; 2) reorientação das atividades do trabalho policial para ênfase aos serviços não-emergenciais; 3) responsabilização da polícia em relação à comunidade; 4) descentralização do comando. Mais recentemente, entretanto, Bayley (1998) redefiniu seu conceito de policiamento comunitário a partir de quatro características fundamentais: 1) realização de consultas à população sobre problemas, prioridades e estratégias de resolução; 2) estratégia policial voltada para áreas e problemas específicos; 3) mobilização da comunidade para autoproteção e para resolução de problemas que geram crimes; 4) foco das ações na resolução de problemas geradores de crime e desordem (prevenção). Outra definição, bastante prática, é adotada pela Fundação da Polícia - Police 18 Foundation, organização voltada para pesquisa e difusão de conhecimento sobre temas relacionados à polícia, sediada em Washington DC, Estados Unidos, segundo a qual o policiamento comunitário é baseado em três elementos: 1) o trabalho da polícia é resolver problemas e não apenas responder a incidentes; 2) a polícia deve se preocupar com problemas relacionados à desordem e à incivilidade tanto quanto se ocupa com crimes graves; 3) a redução do crime e da desordem implica que a polícia trabalhe cooperativamente com a população de cada bairro para identificar suas preocupações e resolver seus problemas. Na América Latina e Brasil, por sua vez, os autores enfatizam o policiamento comunitário como um trabalho realizado em parceria com a população, através da prevenção dos crimes. O livro “Policiamento comunitário: como começar? ”, no original, “Community policing: how to get started”, de Robert Trojanowicz e Bonnie Bucqueroux, um dos primeiros trabalhos estrangeiros traduzidos para o português, oferece conceitos e definições mais operacionais a respeito do policiamento comunitário. Conceitualmente, policiamento comunitário é definido como filosofia e estratégia organizacional que proporcionam uma nova parceria entre a população e a polícia, baseada na premissa de que ambos devem trabalhar, conjuntamente, na construção da segurança pública. Operacionalmente, definem o policiamento comunitário como a filosofia de policiamento adaptado às exigências do público que é atendido, em que o policial presta um serviço completo. Isso significa que o mesmo policial realiza patrulhas e trabalha em uma mesma área, em uma base permanente, atuando em parceria com a população desse entorno. Comum a todos os autores é a associação entre policiamento comunitário e policiamento orientado para problemas. O que varia é a ênfase que cada autor dá a uma ou outra característica em sua definição de policiamento comunitário. Enquanto para alguns autores o foco inicial do trabalho é a aproximação da polícia com a comunidade de uma determinada área para, a partir disso, identificar os problemas e buscar soluções, para outros o processo é inverso. A partir da identificação de problemas e da busca de soluções é que ocorre essa aproximação sendo, portanto, um trabalho mais orientado para problemas. Sherman é o autor que aponta importantes diferenças na origem dos dois tipos de policiamento. Apresenta que o policiamento comunitário foi uma resposta à crise de legitimidade pela qual passou a polícia norte-americana durante os períodos de conflito com grupos minoritários e raciais, na décadade 1960. Em 19 razão disso, sua ênfase é a reaproximação e o estabelecimento de um novo padrão de relacionamento com a comunidade. O policiamento orientado para problemas, por sua vez, surge como uma estratégia para superar outra crise na polícia, que dizia respeito aos seus resultados. Durante os anos 70 percebeu-se que as formas tradicionais de policiamento não estavam sendo eficientes na prevenção do crime. O trabalho policial passou então a incorporar atividades para a resolução de problemas que tinham relação com o aumento da criminalidade e, dessa forma, começou a apresentar resultados positivos. Apesar das diferentes origens, essas duas modalidades, quando combinadas, têm melhores resultados do que quando aplicadas isoladamente. Por fim, é importante salientar que o policiamento comunitário não é apenas um conjunto particular de programas operacionais desenvolvidos pela polícia ou uma forma de gerir as organizações policiais. É, sobretudo, uma nova filosofia, estratégia ou estilo de policiamento que pode ser efetuado de diversas formas, sob os mais variados programas e tipos de gestão organizacional, dependendo do contexto específico no qual é implementado. 4 PRINCÍPIOS DA POLÍCIA COMUNITÁRIA Para a implantação da filosofia de Polícia Comunitária é necessário que todos na instituição conheçam os seus dez princípios, praticando-os permanentemente e com total honestidade de propósitos, pois funcionam como guia ao desenvolvimento da política, procedimentos e práticas associadas ao policiamento comunitário. São eles (Portaria SENASP nº 43, de 12/04/2019, publicada no D.O.U., de 18/04/2019): Filosofia e Estratégia Organizacional Como a filosofia e a estratégia são da organização, compreende-se que toda a Corporação pensa e age da mesma forma, com base na comunidade. No lugar de buscar ideias pré-concebidas, a Polícia deve buscar, junto às comunidades, os anseios e as preocupações dessas, a fim de traduzi-los em procedimentos de segurança, em processos de decisão compartilhados. Com base em uma compreensão sistêmica da defesa social e da segurança pública e na gestão compartilhada das políticas públicas, as instituições aumentam a sua capacidade de responsabilização pela segurança pública e o policial passa a atuar como 20 planejador, solucionador de problemas e coordenador de reuniões para troca de informações com a população. Esse exercício de responsabilidade depende de um estilo de administração baseado em valores prévia e claramente estabelecidos, fundamentados na responsabilidade social do Estado. Da mesma forma, é necessário o estabelecimento de um estilo de processo decisório fundamentado em estreita parceria dos órgãos da segurança pública com a comunidade, na identificação dos problemas que lhes afetam, na sua discussão compartilhada e na busca de soluções conjuntas; Comprometimento da Organização de concessão de poder à Comunidade Uma vez compreendido o funcionamento do Estado Democrático de Direito, fica claro que o país vive uma situação em que as normas que regulam o convívio são definidas pela maioria da população por meio de representantes eleitos. Como a Constituição Federal prevê, no art. 144, que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, e é a própria Constituição Federal, vontade do povo brasileiro, que define as funções das instituições de segurança pública, é inequívoco o raciocínio de que, na realidade, o povo é que outorga autoridade à Polícia. Logo, dentro da comunidade, os cidadãos têm o direito e a responsabilidade de participarem, como plenos parceiros da Polícia, na identificação, priorização e solução dos problemas afetos à mesma comunidade; Policiamento Descentralizado e Personalizado Para que a Polícia Comunitária exista e funcione adequadamente, é fundamental uma descentralização da estrutura dos órgãos de segurança pública, de forma a possibilitar a integração e interação entre eles e a comunidade. É necessário, ainda, um policial plenamente envolvido com a comunidade, presente e conhecido pela mesma e conhecedor de suas realidades, o que traduzir-se-á na agilidade nas respostas de qualidade às necessidades de proteção e socorro da comunidade. Evidente, ainda que esta atuação seja beneficiada pelo emprego do policiamento no processo a pé, mais próximo e em contato mais estreito com as pessoas; Resolução Preventiva de Problemas a curto e a longo prazo Entende-se como prioritária a atuação preventiva da Polícia como atenuante de seu emprego repressivo, fortalecendo a ideia de que o policial não precise ser acionado pelo rádio, mas que se antecipe à ocorrência. Com isso, o número de 21 chamadas das centrais de emergência tende a diminuir, facilitando a resposta ao maior número possível de acionamentos, tendentes à sua totalidade; Ética, Legalidade, Responsabilidade e Confiança A prática da Polícia Comunitária pressupõe um novo contrato entre a polícia e os cidadãos aos quais ela atende, com base no rigor do respeito à ética policial, da legalidade dos procedimentos, da responsabilidade e da confiança mútua que devem existir. Esta sensação é fortalecida sobremaneira pela transparência das atividades desempenhadas pela polícia, de forma a permitir um maior controle pela população, o que é seu direito por definição. Extensão do Mandato Policial O policial passa a ampliar sua atuação, auxiliando a comunidade a solucionar problemas que afligem a qualidade de vida local e que, numa visão tradicional, não seriam “problemas de polícia”. Cada policial passa, então, a atuar como um chefe de polícia local, com autonomia e liberdade para tomar iniciativa, dentro de parâmetros rígidos de responsabilidade. Para que o policial assuma tal responsabilidade é preciso que se pergunte: - Isto está correto para a comunidade? - Isto está correto para a segurança da minha região? - Isto é ético e legal? - Isto é algo que estou disposto a me responsabilizar? - Isto é condizente com os valores da Instituição? Se a resposta for “SIM” a todas essas perguntas, a possibilidade de êxito cresce de forma expressiva. Ajuda às pessoas com Necessidades Específicas Valorização da vida de pessoas mais vulneráveis: jovens, idosos, minorias, pobres, pessoas com deficiência, entre outros. Esse deve ser um compromisso inalienável do policial. O ponto de partida é o conceito de justiça e de segurança como sinônimo de equidade: é justa a sociedade em que todos os membros desfrutem de modo pleno e igual, de um conjunto de liberdades fundamentais claramente especificadas - os direitos humanos sem discriminação e no grau máximo compatível com as liberdades alheias. Criatividade e apoio básico Os gestores, nos diversos níveis hierárquicos da instituição, devem exercitar a confiança nos profissionais que estão na linha de frente da atuação policial, 22 acreditar no seu discernimento, sabedoria, experiência e, sobretudo, na formação que recebeu. Tal ambiente propiciará abordagens mais criativas para os problemas contemporâneos da comunidade por meio da investidura de autoridade decisória, de fato e de direito, nos profissionais de segurança pública que atuam em interface direta com a comunidade. Mudança interna O exercício da Polícia Comunitária exige uma abordagem plenamente integrada, envolvendo toda a organização. São fundamentais a atualização e o aprimoramento de seus cursos e respectivos currículos, bem como de todos os seus quadros de pessoal, materializando um projeto de mudanças para curto, médio e longo prazo. Construção do Futuro Deve-se oferecer à comunidade um serviço policial descentralizado e personalizado, com endereço certo. A ordem não deve ser imposta de fora para dentro, mas as pessoas devem ser encorajadas a pensar na polícia como um serviço a ser utilizado para ajudá-las a resolver problemas atuaisde sua comunidade, criando um ambiente propício para o exercício pleno da cidadania. Quando a comunidade é composta por verdadeiros cidadãos, o equilíbrio entre os direitos e deveres é natural e o funcionamento desta comunidade tende a se aproximar do ideal. 5 O QUE NÃO É POLICIAMENTO COMUNITÁRIO Na praticidade da filosofia de Polícia Comunitária ou agente de segurança pública começa a perceber que há distorções que deveriam ser evitadas, pois quando se desconhece ou não se prática a dita filosofia é comum se afirmar que esta nova forma de pensar e agir como polícia estaria na classificação errônea de uma “polícia light”, ou de uma “polícia assistencialista” ou mesmo de uma “polícia impedida de agir”. Na verdade, Polícia Comunitária é uma forma inteligente, estratégica e profissional de atuação diante das problemáticas de segurança pública numa época em que a tecnologia, qualidade no serviço e o adequado preparo são exigidos em qualquer ramo profissional. Entretanto, no nosso cotidiano policial militar há resistências e desconhecimento. Robert Trojanowicz no livro “Policiamento Comunitário: Como Começar”, procura mostrar as interpretações errôneas sobre o que não é Policiamento Comunitário: 23 1. Policiamento Comunitário não é uma tática, nem um programa e nem uma técnica: não é um esforço limitado para ser tentado e depois abandonado, e sim um novo modo de oferecer o serviço policial à comunidade; 2. Policiamento Comunitário não é apenas relações públicas: a melhoria das relações com a comunidade é necessária, porém não é o objetivo principal, pois apenas o “QSA” (significa intensidade do sinal em comunicações conforme código Q) não é suficiente para demonstrar a comunidade seriedade, técnica e profissionalismo. Com o tempo os interesseiros ou os “QSA 5” são desmascarados e passam a ser criticados fortemente pela sociedade. É preciso, portanto, ser honesto, transparente e sincero nos seus atos. 3. Policiamento Comunitário não é anti-tecnologia: o policiamento comunitário pode se beneficiar de novas tecnologias que podem auxiliar a melhora do serviço e a segurança dos policiais. Computadores, celulares, sistemas de monitoramento, veículos com computadores, além de armamento moderno (inclusive não letal) e coletes protetores fazem parte da relação de equipamentos disponíveis e utilizáveis pelo policial comunitário. Aquela ideia do policial comunitário “desarmado” é pura mentira, pois até no Japão e Canadá os policiais andam armados com equipamentos de ponta. No caso brasileiro a nossa tecnologia muitas vezes é adaptada, ou seja, trabalhos muito mais com criatividade do que com tecnologia. Isto com certeza favorece o reconhecimento da comunidade local. 4. Policiamento Comunitário não é condescendente com o Crime: os policiais comunitários respondem às chamadas e fazem prisões como quaisquer outros policiais: são enérgicos e agem dentro da lei com os marginais e os agressores da sociedade. Contudo atuam próximos a sociedade orientando o cidadão de bem, os jovens e buscam estabelecer ações preventivas que busquem melhorar a qualidade de vida no local onde trabalham. Parece utópico, mas inúmeros policiais já vêm adotando o comportamento preventivo com resultados excepcionais. Outro ponto importante é que como está próximo da comunidade, o policial comunitário também é uma fonte de informações para a polícia de investigação (Polícia Civil) e para as forças táticas, quando forem necessárias ações repressivas ou de estabelecimento da ordem pública. 5. Policiamento Comunitário não é espalhafatoso e nem camisa “10”: as ações dramáticas narradas na mídia não podem fazer parte do dia a dia do policial comunitário. Ele deve ser humilde e sincero nos seus propósitos. Nada pode 24 ser feito para aparecer ou se sobressair sobre seus colegas de profissão. Ao contrário, ele deve contribuir com o trabalho de seus companheiros, seja ele do motorizado, a pé, trânsito, bombeiro, civil, etc. O Policiamento Comunitário deve ser uma referência a todos, polícia ou comunidade. Afinal, ninguém gosta de ser tratado por um médico desconhecido, ou levar seu carro em um mecânico estranho. 6. Policiamento Comunitário não é paternalista: não privilegia os mais ricos ou os “mais amigos da polícia”, mas procura dar um senso de justiça e transparência à ação policial. Nas situações impróprias deverá estar sempre ao lado da justiça, da lei e dos interesses da comunidade. Deve sempre priorizar o coletivo em detrimento dos interesses pessoais de alguns membros da comunidade local. 7. Policiamento Comunitário não é uma modalidade ou uma ação especializada isolada dentro da Instituição: os policiais comunitários não devem ser exceção dentro da organização policial, mas integrados e participantes de todos os processos desenvolvidos na unidade. São parte sim de uma grande estratégia organizacional, sendo uma importante referência para todas as ações desenvolvidas pela Polícia Militar. O perfil desse profissional é também o de aproximação e paciência, com capacidade de ouvir, orientar e participar das decisões comunitárias, sem perder a qualidade de policial militar forjado para servir e proteger a sociedade. 8. Policiamento Comunitário não é uma Perfumaria: o policial comunitário lida com os principais problemas locais: drogas, roubos e crimes graves que afetam diretamente a sensação de segurança. Portanto seu principal papel, além de melhorar a imagem da polícia, é o de ser um interlocutor da solução de problemas, inclusive participando do encaminhamento de problemas que podem interferir diretamente na melhoria do serviço policial (uma rua mal iluminada, horário de saída de estudantes diferenciado, etc.). 9. Policiamento comunitário não pode ser um enfoque de cima para baixo: as iniciativas do policiamento comunitário começam com o policial de serviço. Assim admite-se compartilhar poder e autoridade com o subordinado, pois no seu ambiente de trabalho ele deve ser respeitado pela sua competência e conhecimento. Contudo, o policial comunitário também adquire mais responsabilidade já que seus atos serão prestigiados ou cobrados pela comunidade e seus superiores. 10. Policiamento Comunitário não é uma fórmula mágica ou panaceia: o 25 policiamento comunitário não pode ser visto como a solução para os problemas de insegurança pública, mas uma forma de facilitar a aproximação da comunidade favorecendo a participação e demonstrando a sociedade que grande parte da solução dos problemas de insegurança depende da própria sociedade. Sabemos que a filosofia de Polícia Comunitária não pode ser imediatista, pois depende da reeducação da polícia e dos próprios cidadãos que devem ver a polícia como uma instituição que participa do dia a dia coletivo e não simples guardas patrimoniais ou “cães de guarda”. 11. O Policiamento Comunitário não deve favorecer ricos e poderosos: a participação social da polícia deve ser em qualquer nível social: os mais carentes, os mais humildes, que residem em periferia ou em áreas menos nobres. Talvez nestas localidades é que está o grande desafio da Polícia Comunitária. Com certeza os mais ricos e poderosos têm mais facilidade em ter segurança particular. 12. Policiamento Comunitário não é uma simples edificação: construir ou reformar prédios da Polícia não significa implantação de Polícia Comunitária. A Polícia Comunitária depende diretamente do profissional que acredita e pratica esta filosofia muitas vezes com recursos mínimos e em comunidades carentes. 13. Policiamento Comunitário não pode ser interpretado como um instrumento político-partidário, mas uma estratégia da Corporação: muitos acham que acabou o Governo “acabou a moda”, pois vem outro governante e cria outra coisa. Talvez isto seja próprio de organizações não tradicionais ou temporárias. A PolíciaComunitária além de filosofia é também um tipo de ideologia policial aplicada em todo o mundo, inclusive em países pobres com características semelhantes às do Brasil. A natureza do policial sempre foi comunitária. Nascida entre o final do séc. 19 e início do séc. 20 com o objetivo de proteger o cidadão de bem dos malfeitores, anos depois, ao final deste mesmo século, busca-se este retorno às origens. 6 PRINCÍPIOS DO POLICIAMENTO COMUNITÁRIO PARA IMPLANTAÇÃO Para que o policiamento comunitário seja implantado, é imprescindível que o modelo se amolde às características que o define universalmente. Os Princípios aqui apontados estabelecem os parâmetros que garantam o sucesso do desafio a ser enfrentado: 26 1. Redefinição estratégica - O policiamento comunitário não é mais um modelo de policiamento implantado na organização policial ou em uma área definida, trata-se, na verdade, de uma nova maneira de pensar Segurança Pública, que envolve todo o efetivo policial, independentemente do posto de serviço. A nova maneira de pensar exige uma transformação da metodologia aplicada, que atualmente privilegia as técnicas reativas e o isolamento do policial militar em relação às pessoas em razão do uso da radiopatrulha. 2. Comprometimento - O policiamento comunitário exige o engajamento de todo efetivo policial militar da Organização Policial Militar (OPM) e dos cidadãos na resolução de problemas da comunidade. Enquanto os policiais militares desenvolvem atividades proativas de segurança pública, a comunidade se mobiliza para auxiliar a polícia como agente de segurança e, através de liderança, na resolução de problemas, através do acionamento de órgãos públicos ou dos próprios munícipes. 3. Policiamento gerencial - O modelo gerencial também atinge a Segurança Pública e encontra no policiamento comunitário o modelo adequado. O modelo gerencial descentraliza a decisão e busca responder ao anseio do cidadão, na condição de cliente. 4. Parceria - Os cidadãos devem participar como parceiros da polícia na resolução dos problemas e na prevenção da violência e criminalidade. Portanto, deve-se construir uma parceria que quebre o isolamento que o radiopatrulhamento instiga, de modo que os policiais possam manter contato diário e direto com as pessoas da comunidade para solidificar uma parceria de sucesso. 5. Confiabilidade - O policiamento comunitário sugere um novo relacionamento entre a comunidade e a Polícia Militar, baseado na ética e respeito mútuo. A confiança que a Polícia Militar conquistará ante a comunidade será consequência de um relacionamento ético e fiel em que os sucessos e fracassos também sejam compartilhados. 6. Setorização - O policiamento comunitário exige a delimitação de uma área geográfica e a permanência de policiais militares para que possam ter a oportunidade de desenvolver uma nova parceria e conhecer as características do setor. A descentralização havida sobre a área geográfica deve ser compatível à menor fração de policiamento, que é a guarnição de RP. A permanência dos mesmos policiais militares que patrulham uma mesma área propicia um ganho 27 considerável na eficiência em razão da oportunidade de captação de informações que poderá subsidiar as decisões descentralizadas. 7 DIFERENÇAS: POLÍCIA TRADICIONAL E POLÍCIA COMUNITÁRIA Os aspectos funcionais da polícia comunitária necessitam de uma estrutura organizacional diferenciada da polícia tradicional, pois a premissa central da filosofia de polícia de proximidade no tocante o trabalho de polícia estar justamente na parceria com a comunidade. Já o modelo tradicional caracteriza-se pela ação centralizadora e distante do cidadão. Desde 1930 o policiamento tradicional ou policiamento profissional de combate à criminalidade é a estratégia de policiamento moderno, tendo como característica principal o foco direto sobre o controle do crime como sendo a missão central exclusiva da polícia. Assim, a relação desses policiais com os cidadãos na maioria das vezes se limita às situações pontuais tensas e adversas, gerando desconfiança, conflitos acirrados e preconceitos. É nesse diapasão que se observa algumas diferenças entre a concepção de polícia tradicional e da polícia comunitária: 7.1 Polícia Tradicional * A polícia é uma agência governamental responsável, principalmente, pelo cumprimento da lei; * Na relação entre a polícia e as demais instituições de serviço público, as prioridades são muitas vezes conflitantes; * O papel da polícia é preocupar-se com a resolução do crime; * As prioridades são, por exemplo, roubo a banco, homicídios e todos aqueles envolvendo violência; * A polícia se ocupa mais com os incidentes; * O que determina a eficiência da polícia é o tempo de resposta; * O profissionalismo policial se caracteriza pelas respostas rápidas aos crimes sérios; * A função do comando é prover os regulamentos e as determinações que devam ser cumpridas pelos policiais; * As informações mais importantes são aquelas relacionadas a certos crimes 28 em particular; * O policial trabalha voltado unicamente para a marginalidade de sua área, que representa no máximo 2 % da população residente ali onde “todos são inimigos, marginais até prova em contrário”; * O policial é o do serviço; * Emprego da força como técnica de resolução de problemas; * Presta contas somente ao seu superior; * As patrulhas são distribuídas conforme o pico de ocorrências. 7.2 Polícia Comunitária * A polícia é o público e o público é a polícia: os policiais são aqueles membros da população que são pagos para dar atenção em tempo integral às obrigações dos cidadãos; * Na relação com as demais instituições de serviço público, a polícia é apenas uma das instituições governamentais responsáveis pela qualidade de vida da comunidade; * O papel da polícia é dar um enfoque mais amplo visando à resolução de problemas, principalmente por meio da prevenção; * A eficácia da polícia é medida pela ausência de crime e de desordem; * As prioridades são quaisquer problemas que estejam afligindo a comunidade; * A polícia se ocupa mais com os problemas e as preocupações dos cidadãos; * O que determina a eficácia da polícia são o apoio e a cooperação do público; * O profissionalismo policial se caracteriza pelo estreito relacionamento com a comunidade; * A função do comando é incutir valores institucionais; * As informações mais importantes são aquelas relacionadas com as atividades delituosas de indivíduos ou grupos; * O policial trabalha voltado para os 98% da comunidade devem ser tratados como cidadãos e clientes da organização policial; * O policial emprega a energia e eficiência, dentro da lei, na solução dos problemas com a marginalidade, que no máximo chega a 2% dos moradores de sua 29 localidade de trabalho; * O policial presta contas de seu trabalho ao superior e à comunidade; * As patrulhas são distribuídas conforme a necessidade de segurança da comunidade; * O policial é da área. 8 OBJETIVOS DA POLÍCIA COMUNITÁRIA A Polícia Comunitária visa à participação social, ou seja, o envolvimento de todos os cidadãos que residem, estudem ou trabalham na comunidade e que possam, voluntariamente, auxiliar a instituição policial na busca de soluções que atuem sobre as causas da violência e da criminalidade, proporcionando desta forma mais segurança e uma maior qualidade de vida. Assim, destacam-se: Prevenir o crime A essência da segurança pública é a prevenção do crime e o que busca o policiamento comunitário quando insere os policiais militares do quadrante no processo de resolução de problemas. É bom lembrar que os problemas na segurança pública tem origem nas causas sociais. As atividades proativas, na verdade, são aquelas voltadas ao combate às causas daviolência e da criminalidade, que já foram tratadas como “ações extraoficiais realizadas pela policia, universalmente designadas como peace officers (oficial de polícia)”. No entanto, as ações policiais de caráter preventivas também englobam a categoria de proativas porque figuram como serviço público e não uso do poder de polícia exclusivamente. Aprimorar a relação entre a comunidade e a polícia O policiamento comunitário tem um caráter democrático porque alcança as minorias e busca atendê-las na satisfação das suas necessidades. A prestação de serviços, como produto, possui uma característica própria que é o consumo do produto no momento da consecução, o que exige a aproximação do produtor ao consumidor. Por outro lado, a prevenção do crime será mais eficiente com a contribuição do cidadão. Independentemente da redução da violência é finalidade do policiamento comunitário melhorar o relacionamento entre a Polícia Militar e a 30 comunidade. Resolver problemas comunitários O policiamento comunitário deve utilizar a criatividade de seus policiais para a resolução de problemas diversos que incomodam a comunidade. O processo de resolução de problemas implica, primeiramente, na análise das informações contidas nos relatórios para a identificação desses processos. Muitos problemas, após identificados, podem ser solucionados com a intervenção policial com medidas proativas, bem como podem ser combatidos com mudança de comportamento das pessoas, a partir da mobilização comunitária ou com acionamento de outros órgãos públicos. 9 POLÍCIA COMUNITÁRIA – EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS A discussão de novos modelos para emprego operacional e jurídico das polícias mundiais é global. Inúmeros países têm-se mostrado insatisfeitos com as metodologias adotadas pelas suas instituições, fazendo com que aumente a discussão em todo o mundo. Um dos temas mais atuais, o policiamento comunitário, tem mostrado a grande possibilidade de ampliar essa discussão, pois aproxima a comunidade das questões de segurança pública. Para efeito de estudos, foram analisadas as experiências nos Estados Unidos da América. Canadá, Japão e a introdução da Polícia de Proximidade nos países latinos da Europa, mormente Espanha e França, além da província canadense de Quebec e as experiências de alguns países da América do Sul. 1.1. Os EUA Com base em estudos realizados recentemente, verificou-se que com o advento do automóvel, o policial foi se afastando paulatinamente de um convívio mais estreito com as pessoas. Abrigado contra intempéries, patrulhando ligeiramente ruas e logradouros, sem observar detalhes e sem colher in formações preciosas, o policial passou muito mais a reprimir do que a prevenir delitos. Assim, a ação policial estava vinculada ao atendimento rápido (tempo-resposta). Em diversas experiências realizadas em cidades americanas, constatou-se que o aumento ou 31 diminuição dos recursos policiais, tanto humanos quanto tecnológicos, não influenciava decisivamente na queda dos índices de criminalidade e mesmo na melhora da sensação de segurança pela população. A técnica criada na década de 70, conhecida como tempo resposta (tempo que uma patrulha, depois de acionada pelo rádio, demorava para chegar ao local do fato), mostrou-se insuficiente para prevenir a criminalidade, determinando, ao contrário, um aumento no número de ocorrências atendidas pela polícia. Assim, mesmo sendo um país adiantado e rico, os EUA levaram cerca de 40 anos para se aperceberem das necessidades de mudanças, pois a polícia era vista também como um dos principais instrumentos políticos do Governo. A partir de 1992 com os fatos havidos em Los Angeles, em virtude da excessiva violência policial, e a alta corrupção das Polícias, com destaque para Nova Iorque, o governo Bill Clinton, destinou recursos anuais da ordem de US$ 8 bilhões, voltados ao treinamento, tecnologia e aproximação da comunidade, no programa chamado de Policiamento Comunitário. Criou um organismo denominado COPS – Community Oriented Police Services, vinculado ao Departamento de Justiça, com a missão de reformular as polícias estaduais e municipais, introduzindo programas comunitários, motivando a participação do cidadão e estimulando a valorização do serviço policial. Os principais programas comunitários desenvolvidos nos E.U.A foram: - Tolerância Zero – programa desenvolvido dentro do critério de que qualquer delito (de menor ou maior potencial ofensivo) deve ser coibido com o rigor da lei”. Não apenas os delitos, mas as infrações de trânsito e atos antissociais como embriaguez, pichações, comportamentos de morado res de rua, etc. O programa exigiu a participação integrada de todos os órgãos públicos locais, fiscalizados pela comunidade. Não foi uma ação apenas da polícia. A cidade que implementou este programa com destaque foi Nova Iorque que, devido o excepcional gerenciamento reduziu quase 70% a criminalidade na cidade. Broken Windows Program – baseado na Teoria da Janela Quebrada, de George Kelling – O programa estabelece como ponto crucial a recuperação e estruturação de áreas comuns, comunitárias, ou mesmo a comunidade assumir o seu papel de recuperação social. Um prédio público preservado, o apoio para recuperação de um jovem drogado são mecanismos fortes de integração e participação comunitária. É a confirmação da teoria de Robert Putnam (engajamento 32 cívico). Este programa também preconiza formas de prevenção criminal, reeducando a comunidade. Quanto à Teoria da Janela Quebrada apregoa tal teoria que, se não forem reprimidos os pequenos delitos ou contravenções conduzem, inevitavelmente, a condutas criminosas mais graves, em vista do descaso estatal em punir os responsáveis pelos crimes menos graves. Torna-se necessária, então, a efetiva atuação estatal no combate à criminalidade, seja ela a microcriminalidade ou a macrocriminalidade: Há alguns anos, a Universidade de Stanford (EUA), realizou uma interessante experiência de psicologia social. Deixou dois carros idênticos, da mesma marca, modelo e cor, abandonados na rua. Um no Bronx, zona pobre e conflituosa de Nova York e o outro em Palo Alto, zona rica e tranquila da Califórnia. Dois carros idênticos abandonados, dois bairros com populações muito diferentes e uma equipe de especialistas em psicologia social estudando as condutas das pessoas em cada local. Resultado: o carro abandonado no Bronx começou a ser vandalizado em poucas horas. As rodas foram roubadas, depois o motor, os espelhos, o rádio, etc. Levaram tudo o que fosse aproveitável e aquilo que não puderam levar, destruíram. Contrariamente, o carro abandonado em Palo Alto manteve-se intacto. A experiência não terminou aí. Quando o carro abandonado no Bronx já estava desfeito e o de Palo Alto estava há uma semana impecável, os pesquisadores quebraram um vidro do automóvel de Palo Alto. Resultado: logo a seguir foi desencadeado o mesmo processo ocorrido no Bronx. Roubo, violência e vandalismo reduziram o veículo à mesma situação daquele deixado no bairro pobre. Por que o vidro quebrado na viatura abandonada num bairro supostamente seguro foi capaz de desencadear todo um processo delituoso? Evidentemente, não foi devido à pobreza. Trata-se de algo que tem a ver com a psicologia humana e com as relações sociais.Um vidro quebrado numa viatura abandonada transmite uma ideia de deterioração, de desinteresse, de despreocupação. Faz quebrar os códigos de convivência, faz supor que a lei encontra-se ausente, que naquele lugar não existem normas ou regras. Um vidro quebrado induz ao "vale-tudo". Cada novo ataque depredador reafirma e multiplica essa ideia, até que a escalada de atos cada vez piores torna- se incontrolável, desembocando numa violência irracional. Baseada nessa experiência e em outras análogas foi desenvolvida a "Teoria das JanelasQuebradas". Sua conclusão é que o delito é maior nas zonas onde o descuido, a sujeira, a desordem e o maltrato são maiores. Se por alguma razão racha o vidro de uma janela de um edifício e ninguém o repara, muito rapidamente estarão quebrados todos os demais. Se uma comunidade exibe sinais de deterioração, e esse fato parece não importar a ninguém, isso fatalmente será fator de geração de delitos. (LUIZ PELLEGRINI, 2014). Policing Oriented Problem Solving – O Policiamento Orientado ao Problema é mais um meio de engajamento social. A premissa baseia-se no conceito de que a polícia deixa de reagir ao crime (crime fighting policing) e passa a mobilizar os seus recursos e esforços na busca de respostas preventivas para os 33 problemas locais (problem-oriented policing); ao invés de reagir contra incidentes, isto é, aos sintomas dos problemas, a polícia passa a trabalhar para a solução dos próprios problemas. A noção do que constitui um problema desde uma perspectiva policial expande-se consideravelmente para abranger o incrível leque de distúrbios que levam o cidadão a evocar a presença policial. A expectativa é de que ao contribuir para o encaminhamento de soluções aos problemas, a polícia atrairá a boa vontade e a cooperação dos cidadãos, além de contribuir para eliminar condições propiciadoras de sensação de insegurança, desordem e criminalidade. 1.2. Canadá A Polícia Comunitária no Canadá teve seus primeiros passos há aproximadamente 20 anos, quando o descrédito na instituição policial obrigou as autoridades e a população a adotarem providências para a reversão do quadro de insatisfação. A implantação durou 8 anos e demandou medidas de natureza administrativa, operacional, mas principalmente a mudança na filosofia de trabalho com nova educação de todos os policiais. As cidades são divididas em distritos policiais e os distritos em peque nas vizinhanças. Transmite-se à população a ideia de que a polícia está sempre perto. Em muitos bairros o policial circula de bicicleta. O Policial deve conhecer as pessoas e todos os problemas do bairro. A população e as empresas fazem parceria com a Polícia, doam prédios e equipamentos, fora o aperfeiçoamento dos serviços. A divisão territorial está ligada a questões geográficas e aos tipos de crimes em determinadas regiões. Quando uma modalidade criminosa chama a atenção, os policiais fazem curso a res peito e são treinados a enfrentar e solucionar os problemas resultantes da ação criminosa detectada. Na sua ronda o policial visita casa e empresas e demonstra estar trabalhando por prazer. Quando um problema é identificado, o município, a população e a polícia se unem para solucioná-lo imediatamente. Exemplo: em um bairro notou-se que os orelhões (telefones) tradicionais, serviam para esconder drogas. A população informou a polícia e em menos de 30 dias todas as cabinas telefônicas foram envidraçado ficando transparente o que impedia a ocultação das drogas. Outras providências que demonstram a participação da população referem- se a iluminação de praças e ruas para evitar ambientes que favorecem o crime. 34 1.3. Japão Possuindo características de um Estado moderno, com um alto grau de participação social, muito diferente do modelo brasileiro, o Japão possui um sistema de policiamento fardado baseado na estrutura da Polícia Nacional Japonesa. Desenvolve um dos processos mais antigos de policiamento comunitário no mundo (criado em 1874), montado numa ampla rede de postos policiais, num total de 15.000 em todo o país, denominados Kobans e Chuzaishos. Para se ter uma avaliação da importância dada ao sistema de policiamento comunitário fardado no Japão, a partir de 1998 o efetivo policial passou a contar com 263.600 pessoas , sendo: * Agência Nacional de Polícia com 7.600 pessoas (1.400 policiais; 900 Guardas Imperiais e 5.300 funcionários civis). * 47 Províncias (como se fossem Estados) com 256.000 pessoas (226.000 policiais e 30.000 funcionários civis). Dos 226.000 policiais, cerca de 40% estão destinados ao policiamento comunitário fardado, sendo que, destes, 65% estão prestando serviços nos Kobans e Chuzaishos, 20% no policiamento motorizado e 15% no serviço administrativo do Sistema, incluindo o staff de comando, sistema de atendimento e despacho de viaturas para ocorrências e comunicação como um todo. O Policial japonês através de suas atitudes demonstra claramente sua formação cultural, ou seja, extremamente educado, polido e disciplinado, cumprindo integralmente suas obrigações com determinação e zelo. Possuindo, no mínimo, formação de 2º grau e até mesmo universitária, sentindo-se perfeitamente à vontade quando da utilização dos mais avançados recursos tecnológicos, na área de comunicações e informática, o que aliado a sua formação técnica policial lhe possibilita alcançar resultados positivos em seu serviço, agindo na maior parte das vezes isoladamente. O Policiamento Comunitário é o centro das atividades policiais de segurança no Japão. Como já foi exposto 40% do efetivo da polícia é destinado ao Policiamento Comunitário. Os outros 60% estão exercendo suas funções em atividades administrativas, investigações criminais, segurança interna, escolas, bombeiros, trânsito, informações e comunicações, bem como para a Guarda Imperial. 35 A importância dada ao Policiamento Comunitário pela Polícia Japonesa a qual é seguida à risca se deve a algumas premissas tidas como imprescindíveis: A impossibilidade de investigar todos os crimes pressupõe um investimento de recursos na prevenção de crimes e acidentes, para aumentar a confiança da população nas leis e na polícia. Impedir o acontecimento de crimes e acidentes é muito mais importante do que prender criminosos e socorrer vítimas acidentadas. A polícia deve ser levada onde está o problema, para manter uma resposta imediata e efetiva aos incidentes criminosos individuais e às emergências, com o objetivo de explorar novas iniciativas preventivas, visando à resolução do problema antes que eles ocorram ou se tornem graves. Para tanto descentralizar é a solução, sendo que os maiores e melhores recursos da polícia devem estar alocados na linha de frente dos acontecimentos. As atividades junto às diversas comunidades e o estreitamento de relações polícia e comunidade, além de incutir no policial a certeza de ser um “mini-chefe” de polícia descentralizado em patrulhamento constante, gozando de autonomia e liberdade de trabalhar como solucionador dos problemas da comunidade, também é a garantia de segurança e paz para a comunidade e para o seu próprio trabalho. Seguindo estas ideias básicas, a Polícia Japonesa descentralizou territorialmente sua bases de segurança em mais de 15.000 bases comunitárias de segurança, denominados Koban ou Chuzaisho, funcionando nas 24 horas do dia. Os Kobans e os Chuzaishos são construídos pelas prefeituras das cidades onde estão localizados, responsabilizando-se também pela manutenção do prédio, pagamento da água, luz, gás, etc. O critério para sua instalação e localização é puramente técnico e é estabelecido pela Polícia de tal forma que garanta o atendimento cuidadoso e atencioso às pessoas que procurem a polícia. Estes postos policiais (Kobans e Chuzaishos) estão subordinados aos “Police Stations”. No Chuzaishos o policial é instalado numa casa, juntamente com sua família. Esta casa, fornecida pela Prefeitura, é considerada um posto policial, existindo mais de 8.500 em todo o Japão; cada Chuzaisho está vinculado diretamente a um “Police Station” (Cia) do distrito policial onde atua. O policial trabalha no horário de expediente, executando suas rondas fardados. Na ausência do policial, sua esposa auxiliará em suas atividades, atendendo ao rádio, telefone, 36 telex e as pessoas, sem que, para isso, seja considerada funcionária do Estado,
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