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GEOGRAFIA DO BRASIL Série A Biblioteca Geográfica Brasileira Publicação N.0 18 FUNDAÇÃO I BGE INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA GEOGRAFIA DO BRASIL - GRANDE REGIAO SUL Volume IV TOMO I ( 2 . a edição) DIVISÃO DE GEOGRAFIA RIO DE JANEIRO 1968 APRESENTAÇÃO (1.a edição) Com a publicação dêste volume dedicado à GRANDE REGIÃO SUL, o Conselho Nacional de Geografia dá continuidade à "Geografia do Brasil", obra que visa a apresentar as Grandes Regiões do país com a divulgação e a análise, em conjunto, dos aspectos físicos e humanos peculiares a cada uma. O desdobramento do volume correspondente à Região Sul em dois tomos, visou u'a melhor estruturação do trabalho, isto é, uma análise mais acurada dos aspectos -naturais que acarretam, juntamente com a evolução histórico-econômico, grandes diversificações culturais no Brasil. Assim, enquanto no tomo I são estudados os elementos físicos do Sul do Brasil, no tomo li serão analisados os fatôres econômicos e sociais peculiares à região; entretanto, a separação em dois tomos não importa na dissociação dos jatôres culturais dos físicos que são constantemente correlacionados .. Apesar de ser esta Região a de menor extensão territorial, nela se concentram as áreas mais prósperas do país, que a, tornam o grande centro econômico-financeiro do Brasil; contrastando com as demais áreas menos favorecidas não só pelas condições naturais como também pelo processo de desenvolvimento. Daí a sua importância no panorama econômico-social do país. Acrescente-se a êsses jatos a abundância de informações bibliográficas, que possibilitam melhor conhecimento geográfico do Sul, onde os elementos físicos como os culturais apresentam grande complexidade de jatos geográficos. Assim, a divisão do volume permite pesquisa mais pormenorizada, sem que se fuja, entretanto, ao esquema geral da obra, pois a correlação geográfica constitui a constante preocupação dos autores responsáveis pelos capítulos que compõem a GRANDE REGIÃO SUL. WALDIR DA COSTA GODOLPHIM Secretãrio-Geral do CNG APRESENTAÇÃO (2 .a edição) Em 1959 o Conselho Nacional de Geografia, atual Instituto Brasileiro de Geografia publicou o I Volume da Geografia do Brasil referente à Região Norte. A êle se seguiram os volumes das regiões Centro-Oeste, Meio Norte e Nordeste, Leste e Sul. Esgotada tôda a edição e em vista da constante solicitação do público interessado nos fenômenos e fatos da geografia do país , cogitou o IBG de reeditar a obra. O desenvolvimento da ciência geográfica, a evolução da sua metodologia, como também, um maior conhecimento do Brasil através de inúmeras pesquisas de campo, permitiu-nos aumentar e atualizar a publicação bem como obrigou-nos a apresentá-la sob uma nova forma na qual a parte física de cada grande região constituirá o 1.o tomo seguido de um 2.0 tomo relativo à parte humana e econômica. Êste tomo 1.0 do voZ. IV - Grande Região Sul - inicia a reedição da Geografia do Brasil. Uma nova estrutura de composição, de acôrdo com moldes gráficos mais modernos foi introduzida nesta nova fase, e é com indisfarçável orgulho que voltamos a apresentar a Geografia do Brasil visando atender ao público interessado em conhecer o território brasileiro. MIGUEL ALVES DE LIMA Drietor-Superintendente do IBG 1.a edição foi organizada por DELNIDA MARTINEZ CATALDO 2.a edição revista por ALUIZIO CAPDEVILLE DUARTE íNDICE Apresentação (l.a Edição) - Waldir da Costa Godolphim . . . . . . . . V Apresentação (2 .a Edição) - Miguel Alves de Lima . . . . . . . . . VII Introdução - Nilo Bernardes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 CAPÍTULO I - Geomorfologia - Carlos Augusto F. Monteiro . . . . . . 9 I - Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 II - As Bases Para a Compreensão do Relêvo Atual . . . . 15 1 - Rápida Visão Geológica e Paleogeográfica até o Cretáceo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 2 - A Importância dos Acontecimentos Pós-Cretá- cicos para a Explicação da Morfologia atual . . 30 3 - As Grandes Províncias Morfológicas . . . . . . . . . . 36 III - Os Quadros Morfológicos da Região Sul 37 1 - No Escudo Cristalino Atlântico . . . . . . . . . 37 2 - Na Zona de Circundesnudação Periférica 50 IV - Na Zona de Capeamento Basazto-Arenítico . . . . . . . . 61 V - Os Conhecimentos Geomorfológicos Atuais e as Pers- pectivas Para o Futuro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 CAPÍTULO II - Hidrografia - Olindina Viana Mesquita . . . . . . . . . . 74 I - Esbôço dos Quadros G eomorfológicos e Climático . . 74 II - Estudo Hidrológico 81 III - Aproveitamento dos Cursos Fluviais . . . . . . . . . . . . . . . . 107 IV - A Hidrografia e a Valorização Regional . . . . . . . . . . . . 112 ·CAPÍTULO III - Clima - Carlos Augusto F . Monteiro . . . . . . . . . . . . . . 114 I - Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114 II - A Dinâmica Atmosférica na América do Sul e as bases da explicação genética do Clima Regional . . . . 116 1 - Os Centros de Ação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117 2 - As Massas de Ar e suas correntes perturbadas 120 3 - Os mecanismos frontológicos e as famílias de perturbação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124 III - Análise da Circulação Regional: As seqüências típicas do tempo no decorrer do ano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129 1 - Situação no Inverno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130 2 - Situação na Primavera . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136 3 - Situação no Verão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138 4 - Situação no Outono . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 IV - Análise Geográfica dos elementos do clima: a in- fluência dos tatôres geográficos na circulação regio- nal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146 V - Correlação de fatos do domínio climático com os .de outros domínios geográficos na individualização re- gional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155 CAPÍTULO IV - Vegetação - Dora de Amarante Romariz . . . . . . . . 167 CAPÍTULO V - Tipos de solo e sua utilização - Dora de Amarante Romariz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188 Bibliografia 204 Índice das ilustrr. ;ões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 209 INTRODUÇAO NILO BERNARDES A Região Sul apresenta, sem dúvida, as maiores diversifica- ções culturais do Brasil, não obstante seja a que possui a menor área (825 357 quilômetros quadrados). Diversificações estas que ora são resultados diretos das condições naturais, ora frutos de uma evolução histórico-econômica, ainda que enraizada nos fatôres fisiográficos de ordem geral. Sob certo ponto de vista, alguns dêstes contrastes são de molde a comprometer até mesmo a unidade ampla do que habitualmente se considera como Região Sul. Ninguém ignora, por exemplo, a dificuldade de dar em breves linhas, uma descrição geral dos aspectos econômicos e sociais que seja aplicável a todos os estados que a compõem. Ou, mesmo, fazer a caracterização de algumas poucas paisagens culturais típicas o que já se torna praticável, porém, quanto às paisagens morfológicas . Com efeito, o que dá uma primeira aproximação à definição do âmbito da Região em causa é a presença do conjunto de terras altas que se designa por Planalto Meridional. Estruturalmente, êste conjunto é formado pelos terrenos da bacia sedimentar do Paraná e pelos afloramentos orientais de .sua base cristalina. Todavia, a necessidade de se consideraroutros aspectos naturais e humanos determina a exclusão da porção do Planalto disposta na margem direita do rio Paraná e de seus formador~s. A existência de traços morfológicos e estruturais comuns aos quatro estados da Região permite, por conseguinte, uma descrição geral a partir de um perfil típico, tal como o que se pode obter no estado do Paraná. Neste, da linha de costa até a calha do rio Paraná, as unidades morfológicas fundamentais se dispõem em sucessivos patamares muito bem marcados. A baixada litorânea de exíguas planícies entremeadas por colinas, ou mesmo a alguns reduzidos maciços de feições mais enérgicas, sucede o escarpamento cristalino da serra do Mar, cujos cumes formam verdadeira serra fechando do lado oriental o horizonte do Planalto Cristalino, uma superfície muito nítida, sôbre a qual se assenta Curitiba. A seguir, uma nova escarpa se expõe para leste, a chamada "Serrinha", em cujo reverso afloram as formações paleozóicas, biseladas por uma superfície que desce suavemente para o oeste até o pé da chamada serra da Esperança (designação local da serra Geral). Esta última, que constitui o escarpamento frontal dos espessos derrames basálticos do mesozóico, não é mais do que o degrau do vasto patamar de trapp que descamba para o rio Paraná. -2- Estas secções, não obstante ocorrerem em distintas combina- ções topográficas e altimétricas, repetem-se nas quatro unidades federadas que compõem a Região Sul. Dispõem-se em faixas no sentido geral dos meridianos correspondendo a secções de planaltos e levando à subdivisão da grande Região em regiões aproximadamente calcadas sôbre elas. Fato de singular uniformidade sôbre o Planalto é também a disposição da rêde principal de drenagem. Os grandes afluentes do Paraná, bem como o alto Uruguai, têm uma direção geral no sentido dos paralelos, muitos dêles com mananciais na faixa cristalina do Planalto. Quase todos, superimpondo-se no patamar arenito-basáltico, produziram aí um seccionamento em largas e notáveis porções trapezoidais, que correspondem aos espigões principais. Porém, dentro dos traços gerais, há peculiaridades notáveis em cada estado: Em São Paulo, a superfície do Planalto Cristalino prolonga-se diretamente até a borda da grande escarpa litorânea, íngreme e inóspita como no Paraná. Do mesmo modo, para o interior não se defrontam escarpas, porquanto os terrenos da faixa paleozóica são recortados por uma superfície mais baixa, constituindo a famosa Depressão Paulista. O patamar mesozóico, por sua vez, é de constituição arenítica, as rochas basálticas se reduzem a del- gadas chapas intercaladas entre as camadas sedimentares . Em Santa Catarina, a drenagem atlântica, particularmente ativa, produziu profundos entalhes na secção cristalina e em parte da sedimentar, desbastou o paredão da serra do Mar e reduziu-o a um conjunto de escarpados interflúvios que enquadram vales profundos, precedidos por uma faixa de relêvo mamelonar cristalino . O planalto interior é aí precedido por uma larga zona de encosta dissecada, que desempenha importante função na ocupação humana, bem ao contrário do papel negativo que a encosta cristalina exerce dêsse ponto para o norte. Por outro lado, do norte para o sul alarga-se o patamar correspondente ao planalto de trapp e a respectiva escarpa se aproxima cada vez mais do litoral. Assim, na porção meridional do estado, um paredão basáltico domina a baixada em que sobressaem as elevações do cristalino de formas mamelonares e as do sedimentar, ligeiramente tabuliformes, uma vez que as formações paleozóicas já se encontram aqui rebaixadas ao nível do mar. Daí, então, a singularidade do relêvo no Rio Grande do Sul. O planalto, todo êle de tmpp, dispõe-se na parte norte do estado, com uma queda gradual para oeste, como de regra e, de mil metros de espessura, a leste, a superfície tomba até. menos de duzentos a oeste. A rêde hidrográfica, tributária direta do oceano, -3- recortou o pacote de lavas e originou uma zona de encosta festonada, ampla e desdobrada em patamares estruturais bastante dissecados. No Rio Grande do Sul o flanco do patamar de efusivas torna-se propício à ocupação humana, tal como a encosta cristalina em Santa Catarina. Dêste modo, as zonas de maior adensamento demográfico em ambos os estados abrangem degraus importantes do Planalto Meridional, aquelas mesmas unidades topográficas que, em São Paulo e no Paraná, por serem fortemente escarpadas, constituem áreas inóspitas. No Rio Grande do Sul o núcleo cristalino pré-cambriano isola-se do Planalto Meridional, constituindo uma unidade morfológica autônoma, um raso planalto muito entalhado por vales, circundado perifericamente pelas baixas colinas da faixa paleozóica que aí se dispõe em um semicírculo norte-ocidental. O traço morfológico que confere certa unidade à Região Sul é, portanto, a existência do grande Planalto Meridional, vale dizer, o planalto sedimentar, guarnecido a leste e ao sul pelas zonas cristalinas. Do. ponto de vista litológico e pedológico, porém, importa aqui notar como a larga predominância dos afloramentos areníticos estabelece um contraste entre São Paulo e os três estados meridionais, onde a área de trapp recobre a maior extensão do Planalto. Assim é que, com exceção das restritas áreas de afloramentos de rochas básicas, o planalto sedimentar de São Paulo é domínio dos solos extremamente arenosos. Na verdade, a ocorrê~cia da terra roxa legítima neste estado é muito limitada, muito mais do que geralmente se acredita, Não quer isto significar porém, que em todo o terceiro patamar do Planalto, nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, o trapp aflorante tenha produzido o mesmo solo, tipo terra roxa, que faz a fortuna do norte do Paraná. Nos domínios do clima subtropical o que se observa é ainda um latossolo, porém bastante distinto, no aspecto e nas qualidades, da famosa terra roxa. O clima, com efeito, introduz importante diferenciação nas características regionais do Sul, sendo matriz de outras diversifi- cações, tanto naturais quanto culturais. É inegável que as condições climáticas do Planalto em São Paulo proporcionam condições ecológicas que o aproximam mais do extremo Leste Meridional que de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Com efei- to, a sensível influência moderadora exercida pelas altitudes nas temperaturas médias é uma característica fundamental do clima nos planaltos do chamado Sudeste brasileiro, onde poderíamos incluir São Paulo e norte do Paraná. Mas o fato é que o regime pulviométrico e o regime térmico aí dominantes ainda são do tipo tropical e constituem poderosa injunção de ordem fisiográ- fica. Por tal motivo, prefere-se considerar tais variedades de clima aí prevalecentes no Sudeste como sendo tropicais de altitude. A -4- diferença entre os planaltos de clima tropical e os de clima sub- tropical torna-se, então, muito nítida quanto aos aspectos hu- manos. A própria paisagem natural já apresentava quadros distintos ligados a outros característicos físicos e que os aspectos diferen- ciados do clima ainda mais vêm afirmar. O Sul subtropical possui cobertura vegetal original, repartida entre os campos limpos e as matas, predominando a mata de araucárias que recobre a maior parte das superfícies superiores. Porém, a mata latifoliada perene de caráter subtropical guarnece os flancos e sopés do Planalto, bem como se insinua pelos vales mais profundos que o entalham. Por seu lado, os campos limpos, que têm muita semelhança fisionômica com as estepes das zonas temperadas, ocorrem geralmente nas áreas de topografia suavemente ondulada. Bem diversos são os quadros da vegetação ao norte do paralelo de 24°S. As araucárias limitam-se a indivíduos esporá- dicos ou a faixas que coroam limitados trechos de altitude mais elevada. A mata tropical, recobrindo áreas particularmente largas, é interrompida apenas por manchas de campos cerrados de discutida origem, masque até mesmo no norte do Paraná repontam em pequenas ilhas, lembrando condições climáticas equiparáveis, pelo menos em passado recente, às do Brasil tropical _propriamente dito. A magnitude da área de ocorrência da floresta tropical no estado de São Paulo e norte do Paraná veio a ser de iniludível importância para o desenvolvimento econômico e cultural destas regiões. É sabido como, no Brasil, a penetração para o interior da área litorânea de ocupação agrícola tem estado sempre na proporção do alargamento da floresta atlântica, o que explica porque as elevadas densidades demográficas se distribuem, segundo larguras variáveis, ao longo da costa oriental. Dos grandes estados litorâneos, São Paulo é o único em que o avanço dinâmico do povoamento no sentido do interior levou o adensa- mento demográfico até os limites territoriais setentrionais e ocidentais. O mesmo, aliás, está em vias de se completar no Paraná. É curioso observar como a evolução do Sul tropical contrasta com a de outras regiões vizinhas, em virtude mesmo do fator assinalado. A grande área florestal paranaica se detém às margens do rio Paraná e no vale do seu formador, o Grande. A frente pioneira, então, deteve-se pràticamente aí. Para além, o desenvolvimento foi especialmente fragmentário, não se verifi- cando um avanço dinâmico no estilo paulista. Comparando-se com o Nordeste e o Leste, a ocupação humana do Sul é fato relativamente recente, se encarada em seu con- junto . Com efeito, ressalvado o primeiro século da colonização, caracterizado pela fixação litorânea, poder-se-ia estabelecer o -5- seguinte esquema da maior atividade povoadora na fachada atlântica do Brasil: a ocupação humana do Nordeste e Leste Setentrional processou-se, sobretudo, no século XVII e primeira metade do século XVIII. No Leste Meridional, o período áureo da ocupação situa-se na segunda metade do século XVIII e primeira do século XIX. Na Região Sul, após os efervescentes - ciclos bandeirantes, que provocaram antes o povoamento de remotas áreas do que propriamente o alargamento da zona habitada em tôrno da cidade de São Paulo, a ocupação, durante tôda a fase colonial, resumiu-se a núcleos mais ou menos isolados, que comandavam áreas muito limitadas e de povoamento bastante rarefeito. As fôrças determinantes da ocupação efetiva, embora despertadas nos albores da Independência, somente na metade do século passado, teriam conseqüências mais expressivas. Pode-se dizer, assim, que o desbravamento da Região Sul se elaborou sobretudo na segunda metade do século XIX e na primeira do século atual. O ritmo sempre crescente do avanço da vaga povoadora culminou nas dinâmicas frentes pioneiras dos últimos .---- cinqüenta anos. Como bem se compreende, as bases econômicas e sociais da ocupação humana se revelaram consideràvelmente diferentes sob o efeito dos fatôres fisiográficos. Com efeito, o Sul tropical e o Sul subtropical não admitem os mesmos têrmos de caracterização geral econômica e social. Do mesmo modo, não se ignora como no Brasil Meridional, se opõem diametralmente as características da paisagem cultural nas regiões campestres latifundiárias pastoris e nas regiões florestais agrícolas. Por outro lado, não há como omitir a influência do momento histórico traduzindo novos fatôres econômicos de ordem geral a produzir novas modalidades no estilo de ocupação humana. Assim, não serão as mesmas as expressões-tl.escritivas e explicativas para as regiões de povoamento mais antigo no estado de São Paulo, como o leste cristalino, e o oeste do estado, de ocupação recente, ou o norte do Paraná, onde o desbravamento ainda está em curso. Do mesmo modo, não obstante o fraco rigor na distinção, diferem os traços paisagísticos e sociais nas velhas zonas de colonização do Brasil Meridional e nas de idade mais recente ou contemporânea. A expansão da cultura cafeeira constitui um poderoso denominador comum das características culturais ao norte do paralelo de 240S. Não importa que as áreas que são ou que já foram cafeeiras estejam longe de constituir uma unidade espacialmente contínua. Nem também o fato de que elas se distanciem cronologicamente, o florescimento de umas sucedendo à completa decadência de outras. Aliás, êste fato com freqüência se registra até mesmo em escala local, consoante o sentido eminentemente especulativo da marcha desbravadora da cafei- -G- cultura. Também não afetam à unidade proposta as modificações apresentadas pelas zonas mais novas na periferia da região cafeeira. Como não a descaracterizam as recentes formas econômicas que surgem impulsionando velhos centros ou acarre- tando ressurgimento local, baseadas no surto impetuoso da industrialização ou em uma inteligente diversificação da utilização da terra. Despertando medíocres povoações em zonas de ocupação incipiente, envolvendo áreas negativas para o seu cultivo ou, como se deu na maior parte dos casos, eliminando o deserto representado pela mata virgem, o fato é que a vaga cafeeira, espraiando-se e abarcando os planaltos ao norte da Região Sul e as terras altas de solos florestais do Leste Meridional, conferiu- -lhes certa unidade regional do ponto de vista da geografia humana. Quando se fala em Sudeste brasileiro, é antes de tudo a esta unidade regional que se está referindo . Articulado em tôrno de duas grandes metrópoles, o Sudeste reflete, em inlimeros de seus aspectos, a evolução desencadeada pelo nosso mais importante ciclo agrícola. O mundo rural exibe traços especiais na estrutura agrária, cuja ex'.istênc.i.a somente é compreensível em face da passagem da "onda verde" . Um ar de família na paisagem urbana irmana a maior parte das cidades . que, em sucessivas gerações, foram originadas pelo café. As vias terrestres de comunicações articulam-se em sistemas grosseira- mente radiais, implantados com a expansão da ocupação cafeeira ou organizadas pelas necessidades de drenagem centrípeta que mais tarde se acentuaram. Ainda mais, em grande parte os hábitos e atitudes sociais no meio rural permanecem vinculados à evolução que a sociedade fazendeira vem sofrendo desde os primórdios da cafeicultura. E assim por diante. No que tange ao oeste de São Paulo e norte do Paraná, a região cafeeira sofreu na sua expansão importantes mutações de ordem econômica e social, em parte sàmente equiparáveis às que se assinalam no Espírito Santo. Por um lado o que se verifica no processo contemporâneo de ocupação é a quebra do padrão latifundiário monocultor. A "fazenda de café", sólida unidade fundiária, que além de estabelecimento agrário constituía importante célula social como base material da estratificação de classes e centro de relações sociais, a partir de 1930 veio cedendo lugar cada vez maior à pequena propriedade, o "sítio". Por outro lado, a necessidade de abundante mão-de-obra livre teve por conseqüência o afluxo de consideráveis correntes imigratórias externas desde o último quartel do século passado. É a presença dos fortes contingentes de imigrantes estran- geiros, sobretudo, europeus e de seus numerosos descendentes que constitui traço cultural de maior importância em todo o Sul do -7- Brasil. Sob êste aspecto a geografia humana de São Paulo e norte do Paraná tem algo que se identifica com a secção meridional da Região em causa. Mas, com raríssimas exceções, não se pode falar de paisagens típicas criadas pelo estabelecimento do imigrante em São Paulo ou no norte do Paraná. Via de regra, mesmo onde houve maior concentração dêles, o modo de ocupação se identificou muito com o estilo tradicional. Já no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no centro-sul do Paraná, é impossível dissociar a paisagem cultural em terras florestais da presença do imigrante europeu. As zonas coloniais constituem, aí, áreas compactas e homogêneas, onde são seme- lhantes os fundamentos dos modos de aproveitamento da terra, a organização fundiária, o regime de explotação das propriedades,o habitat rural, as paisagens urbanas, o sistema de caminhos e, o que é muito importante, a uniformidade étnica segundo áreas determinadas. As diferenças existentes - e há muitas, de zona para zona, - decorrem sobretudo das eventuais especializações econômicas, dgs sistemas agrícolas empregados e, conseqüente- mente, do estágio sócio-econômico. No Sul tropical, o imigrante também introduzido no mundo rural como "colono" veio gozar, entretanto, de situação diferente. Era o trabalhador braçal da fazenda de café e não um pequeno proprietário, como o "colono" das regiões meridionais subtropicais. Por outro lado, mesmo com a recente multiplicação da pequena propriedade, os imigrantes e seus descendentes, incorporados ao avanço da frente pioneira desencadeada pelo café, comumente se dissolveram na massa de luso-brasileiros, fato que não se prestou à constituição de uma paisagem própria, além de contribuir para apressar a aculturação. Contrastando com essa enxertia gradual, quase sempre em proporções inferiores à do contingente nacional, presenciou-se mais ao sul a formação de compactas áreas povoadas por consideráveis grupos de imigrantes, pequenos proprietários. Areas estas justapostas às antigas zonas de ocupação lusa, onde se elaborará uma sociedade calcada no latifúndio pastoril. A pecuária extensiva foi a forma de ocupação econômica dos campos subtropicais mais condizentes com as tendências econô- micas e sociais do Brasil Colonial . A base fundiária das primeiras estâncias rio-grandenses, aliás, foram largas sesmarias como as que se multiplicaram nos primórdios da colonização. Condicio- nando um gênero de vida dos mais típicos do Brasil, o criatório sulino absorveu os povoadores lusos, enquanto a inexistência de um produto agrícola de valor, a exemplo dos que puderam florescer no Brasil tropical, tornou desinteressante na época o aproveita- mento das zonas florestais. Estas, é bom notar, proporcionalmente abrangiam a maior área. Não deixava, pois, de causar insegurança -8- e preocupação aquêle imenso mundo vazio. Povoá-lo foi a missão precípua do imigrante. E é dessa preocupação inicial que decorre, em têrmos gerais, todo o sentido posterior da colonização no Sul, na qual a finalidade meramente povoadora superou o próprio sentido de fortalecimento da economia regional. Surgiram, assim, áreas agrícolas de elevadas densidades demográficas, contrastando com as fracas densidades das áreas tradicionalmente pastoris. Ademais, nestas zonas de colonização a paisagem natural foi completamente alterada pelo homem ao implantar os pequenos estabelecimentos agrícolas, ao passo que foi mínima a mudança fisionômica na região campestre luso- -brasileira. Dêsse modo a distribuição dos fatos culturais se recorta, segundo os limites do quadro fitogeográfic<>, em dois mundos distintos, os quais em perfeita justaposição caracterizam os estados mais meridionais, sobretudo o Rio Grande do Sul. Assim, dentro de características por demais amplas, se defrontam o Sul tropical e o Sul subtropical, que se vêm mesclar no norte do Paraná. A marcha do café, naquele, e neste a multiplicação das colônias, deslocaram ainda mais ràpidamente o centro de gravidade do país para o sul. Os últimos censos revelam, com efeito, o extraordinário crescimento demográfico na Região. Superpondo-se ao florescimento da economia rural, o surto industrial veio acentuar o desenvolvimento da Região e acarretar o desequilíbrio econômico-social do país, o mais angustiante problema nacional no momento. Note-se que êsse desequilíbrio, de certo modo, faz-se sentir até mesmo dentro da própria Região, cuja população na maior parte se localiza em São Paulo. Neste estado, fatôres naturais e humanos convergiram com grande oportunidade no sentido de favorecer o surto de desenvolvimento industrial, desencadeado à medida que se deu a extensa penetração da frente pioneira pelo seu território. Por seu lado êste processo de industrialização em São Paulo está muito identificado com o que se verifica no extremo Leste Meridional. Identificação que se exprime pela maior integração dos diversos centros produtores, pelos problemas comuns de energia, pela maior articulação da rêde dos transportes, pelo mesmo afluxo que irradia dos núcleos urbanos de São Paulo, Rio de Janeiro, e, agora, Belo Horizonte. Desta maneira, até mesmo o sentido da evolução econômica contemporânea reforça os traços gerais que individualizam a Região Sudeste, na qual seria incluído São Paulo que abrange, em sua maior parte, aquêle Sul tropical a que se fêz referência, das chuvas ainda predominantes no verão e das geadas escassas, da floresta tropical e dos campos cerrados, porção da Região Sul que deve sua ocupação e o dinamismo de sua economia à progressão da cultura cafeeira e ao recente surto industrial. CAPíTULO I GEOMORFOLOGIA CARLOS AUGUSTO DE FIGUEIREDO MONTEIRO I - INTRODUÇÃO A designação de "Planalto Meridional do · Brasil", utilizada desde PERRE DENIS 1 e já consagrada em nossa literatura geográ- fica, aponta o caráter morfológico fundamental da Região Sul. Quando focalizado no seu conjunto, o Brasil Meridional apresenta um quadro aparentemente homogêneo e unitário. Esta unidade geral, que não implica em uniformidade, é dada por uma estru- tura geológica relativamente simples, que revela a leste terrenos de um escudo antigo (pré-cambriano) em cujos flancos ocidentais se apóia, em sucessão de terrenos sedimentares intercalados com derrames e intrusões magmáticas (paleozóicos e mesozóicos), a parte oriental da grande bacia que tem por eixo o rio Paraná. Enquanto a disposição do "Planalto" é mais restrita no escudo antigo, que, na fachada atlântica apresenta maior variedade de formas de relêvo, alcança maior expressão nos domínios da grande bacia sedimentar-efusiva, que constitui cêrca de 3/ 4 do território regional. Sob a designação genérica de "Planalto" não se queira ver. portanto, um conceito singular mas plural uma vez que, graças às vicissitudes impostas pelos agentes internos e à ação de suces- sivas fases erosivas, se trata, antes, de um conjunto de planaltos. Graças à sua extensão, desnível e relativa continuidade, assu- mem maior proporção, na conjuntura morfológica regional, as bordas elevadas das duas maiores individualidades planálticas da região. Próxima e paralela ao litoral, desenvolve-se a serra do Mar, desde o território paulista até o extremo norte do catarinense. que representa a borda oriental do Planalto Cristalino Atlântico. Mais para o interior, associada à franja terminal dos terrenos basálticos, desenvolve-se, na forma grosseira de um S, a serra Geral, borda leste do grande Planalto Ocidental. As variações morfológicas do escudo antigo, rivalizam, até certo ponto, com aquelas observadas na periferia paleozóica da 1 PIERRE DENIS __: "L'Amérique du Sud" - em Géographie Universelle, publicado soG a direção de P. VIDAL DE LA BLACHE e L . GALLOIS, tomo XV. Lib . Armand Colin. Pa- ris, 1927 . \ •I -10- bacia sedimentar. Aquelas do Planalto Ocidental, elaboradas, em sua maior parte, no capeamento efusivo, completam o relêvo regional sem contudo quebrar a individualidade da grande provín- cia morfológica . De fato, aquela simplicidade, dada pela estrutura e relêvo que se observa no quadro de conjunto da região, não implica em uni- formidade. Quando se deixa o âmbito regional para focalizar o estadual notam-se diferenças, por vêzes profundas, geradas por condições locais especiais, durante a evolução morfológica da estrutura regional, que originou quadros morfológicos diversifi- cados. Ao se comparar, agora, alguns perfis topográfico-estruturais apanhados transversalmente a cada um dos estados, no sentido dos paralelos (exceção feita para o Rio Grande, onde a disposição das linhas mestras do relêvo requer um perfil no sentido dos meri- dianos), as formas de relêvo aparecerão com grande nitidez, ser- vindo para revelar as diferençaslocais (Figs. 1 e 2) . Incontestàvelmente, dentre todos êstes perfis, o do Paraná revela com absoluta nitidez o esquema geral do relêvo do Planalto Meridional. Após a estreitíssima linha do litoral, onde as baías de Paranaguá e Antonina, alternadas com algumas ilhas, mostram o seu aspecto de afogamento, uma escarpa eminentemente abrup- ta, alça-se a mais de 1 500 metros de altura, atingindo em certos pontos quase 2 000 metros (Pico de Paraná 1 965 metros), decain- do, ràpidamente, para o interior, o que aí justifica plenamente a designação de "serra" para êste trecho da serra do Mar. Ainda, sôbre os terrenos do embasamento cristalino, segue-se um Primeiro Planalto, de superfície mais ou menos ondulada, mantendo-se em altitudes que variam entre 850 e 950 metros. ::Ê:ste Primeiro Planalto, cuja largura varia entre 70 e 80 quilômetros, termina a oeste no contacto com as primeiras camadas de sedimentos pa- leozóicos. Nota-se aí uma escarpa, voltada para leste, que não será difícil identificar como o alinhamento da cuesta devoniana (Serrinha) que se eleva a 250 metros sôbre o nível do Planalto Cristalino. A Serrinha é, pois, um verdadeiro degrau que conduz a um Segundo Planalto que constitui, por sua vez, um patamar intermediário entre o Planalto Cristalino e o Planalto Ocidental. O tôpo da escarpa devoniana apresenta altitudes entre 1100- -1 200 metros sôbre o nível do mar, altitudes estas que decrescem suavemente até 700-800 metros no sopé da nova escarpa basáltica (serra da Boa Esperança), que oferece um desnível de cêrca de 400 metros. Finalmente, êste Terceiro Planalto paranaense continua de- crescendo suavemente de altitude à medida que se continua para oeste, até o vale do rio Paraná, onde se mantém entre 300 e 200 metros. ::Ê:ste vasto Planalto Ocidental é recortado por rios, que 1 \ I -11- \ o dividem em grandes chapadões de encostas suaves e superfícies levemente onduladas. Já o perfil ao longo do estado de São Paulo apresenta sensí- veis pontos de diferença em relação ao do Paraná. Se bem que o aspecto da costa e a escarpa abrupta da serra do Mar sejam mais ou menos semelhantes, o Planalto Cristalino (800-900 metros) apresenta-se mais complexo. Nota-se nêle um aspecto mais irre- gular, cortado por relevos residuais de terrenos de maior resistên- cia (750-1100 metros) alternados com depressões, como a que serve de sítio à metrópole paulista. Diferença mais acentuada, entretanto, verifica-se na passagem dos terrenos cristalinos para a cobertura de sedimentos paleozóicos. Enquanto no Paraná êstes constituem um degrau intermediário (Segundo Planalto) entre o Planalto Cristalino e o Ocidental, em São Paulo aquêles terrenos deram origem a um patamar deprimido entre os dois. :Ê:ste pata- mar deprimido apresenta-se suavemente ondulado, mantendo-se em altitudes que variam entre 650 e 550 metros, com largura média de cêrca de 120 quilômetros. \ Segue-se a êle uma escarpa abrupta (serra de Botucatu) que, dominando a depressão em cêrca de 250-400 metros de desnível, conduz ao Planalto Ocidental. Aí, o planalto é também sulcado profundamente por vários rios, que o desdobram em extensos cha- padões modelados sôbre um pacote de sedimentos mesozóicos. À medida que se desenvolve para oeste, êste planalto vai decrescendo de altitude (de 800-1 OOOmetros) em direção à calha do rio Paraná (250-300 metros) . Em Santa Catarina, o aspecto geral modifica-se profunda- mente. São tão marcadas as alterações que será melhor considerar neste estado pelo menos três perfis em latitudes diferentes: 1.0 ) A serra do Mar aparecerá apenas no extremo norte (perfil São Francisco - Mafra - Pôrto União) seguida pelo Pla- nalto Cristalino, de superfície regularmente plana, sôbre o qual se derramam os sedimentos paleozóicos, sem contudo quebrar a sua continuidade, até encontrar a escarpa da serra Geral um pou- co a oeste de Pôrto União. 2.0 ) Tomando em consideração um perfil no trecho central do estado (Camboriú - Apiúna - Santa Cecília) pode-se notar, logo de início, a ausência do paredão costeiro da serra do Mar, que foi aí substituída por pequenas serras interfluviais (Tijucas - 600 metros; serra de Itajaí - 900 metros). Observa-se ainda que os sedimentos paleozóicos que se seguem estão a altitudes superiores àquelas das pequenas serras cristalinas. Não consti- tuem um patamar único, mas desdobrado, até ser atingida a es- carpa elevada da serra Geral, que passa a constituir o traço mor- fológico de maior realce, ao mesmo tempo que se torna o divisor de águas das vertentes atlântica e do interior. Flg. 3 - Em Santos a baixada costeira não apresenta grande desenvolvimento. A serra do Mar atinge o oceano em vários lugares em alguns outros se apresenta tracionada em uma série de morros isolados que domina uma depressão constituída por terrenos sedimentares onde divagam rios. Aqui se tem uma baía de forma alongada que corresponde a um antigo "vale ato- gado", evidenciando movimentos recentes desta parte do escudo brasileiro. (Foto C .N .G . 5913 - Tlbor Jablonsky) 3.0) Um terceiro perfil, tomado de Laguna a São Joaquim, mostrará que os terrenos cristalinos da faixa atlântica já estão muito esbatidos, passando a constituir uma superfície ondulada sôbre o qual se vêm assentar, mais a oeste, os terrenos paleozóicos. ~stes, já também muito desgastados, constituem apenas alguns morros de forma tabular até que se atinge, a menos de 100 qui- lômetros do mar, a escarpa da serra Geral, agora bem mais íngre- - me do que no trecho anterior. No perfil norte-sul através do Rio Grande, observa-se que o traço de maior ligação com os anteriores é a presença do planalto basáltico que lhe fica ao norte, profundamente sulcado por rios como o Taquari. Sua borda - a serra Geral - já não se apre- senta tão escarpada quanto o era na face leste, nos outros estados. -13- Ao sul, os terrenos cristalinos constituem uma superfície ampla- mente ondulada em duas grandes bossas (serras do Erval e do Tapes), separadas pelo rio Camaquã. Entre estas e o planalto setentrional, os terrenos paleozóicos estão reduzidos a uma depres- são suavemente ondulada, quase ao nível do mar . Um perfil (muito esquemático) tomado de Tôrres para o in- terior, mostra a proximidade da serra Geral do litoral, a maior espessura dos derrames basálticos, dos quais os testemunhos da praia de Tôrres representam, possivelmente, vestígios de um bloco deprimido por falhamento . Completar-se-iam, ainda melhor, estas comparações de relêvo no âmbito estadual, com a consideração das suas zonas hipsomé- tricas, segundo cálculos do Conselho Nacional de Geografia, pu- blicados num artigo de FÁBIO DE MACEDO SoARES GuiMARÃEs 2 • 2 F Ãsro DE MACEDO SOARES GuiMARÃES - " O Relêvo d o Brasil" - em Boletim Geo- gráfico, ano I, n.o 4, pp. 63/72. Conselho Nacional d e G eografia. Rio d e J aneiro, 1943. F!g. 4 - O médio vale do rio Itaiaí apresenta uma série 'de patamares a meia encosta. O mais baixo corresponde a um terraço bem m arcado que indica uma retomada recente de erosão fluvial. Na serra ao fundo observa- se uma série de patamares que refletem a influência da estrutura subhorizontal. (Foto C .N .G . 2100 - Tibor Jab lon sk y) Flg . 5 - Dominando a superfície suavemente ondulada do cristalino surgem rochas sedi- mentares, coroadas por um grande derrame de rochas eruptivas básicas. Estas rochas formam uma escarpa importante que se estende do Rio Grande do Sul ao estado de São Paulo, constituindo a serra Geral. Trata-se de um notável limite geográfico que separa o Terceiro Planalto da região da Encosta . As encostas surgem como obstáculo à penetração dos ventos úmidos favorecendo a formação de nuvens pela descompressão adiabática e proporcionando a existência de uma floresta bem densa. (Foto C.N.O. 2890) NÚMEROS RELATIVOS ÁREAS SEGUNDO AS ALTITUDES (m) UNIDADES FEDERADAS 900 em O a 100 100 a 200 200 a 300 300 a600 600a 900 diante TOTAL São Paulo ... . . ... . 2,84 1,06 4,46 52,04 32,60 7,00 100,00 Paraná ... .. ....... 1,12 1,46 7,66 37,34 40,33 12,19 100,00 Santa Catarina . .... 10,82 5,37 7,14 25,39 30,83 20,45 100,00 Rio Grande do Sul 29,02 24,51 16,90 18,97 8,93 1,67 100,00 Ao se considerar que o Planalto Meridional é balizado pelas altitudes compreendidas entre 300 e 900 metros, pode-se chegar às seguintes conclusões: Nos estados de São Paulo e Paraná encontra-se melhor expo- sição do Planalto, uma vez que êles apresentam, respectivamente, -15- 84,64% e 77,57 % dos seus territórios compreendidos entre aquelas altitudes. As pequenas baixadas litorâneas, que se pode considerar como sendo representadas entre O e 100 metros de altitude, têm ocorrência mínima naqueles estados: 2,84 % em São Paulo e 1,12 % no Paraná. Excluindo os esporões rochosos da serra do Mar e topografias mamelonares do litoral, além de parte de terras do vale do Paraná, que se poderiam considerar na fração compreendida entre 100 e 300 metros, e que constituem 5,52 % de São Paulo e 9,12 % do Paraná, o restante é representado pelo Planalto. As porções que se elevam acima do nível do Planalto (altitudes supe- riores a 900 metros) são representadas nos dois estados pelos topos da serra do Mar, aquelas serras que se levantam no planalto cris- talino e das altas escarpas das cuestas internas, constituindo ape- nas 7% de São Paulo e 12,19 % do Paraná. Já em Santa Catarina, com o desaparecimento da serra do Mar e conseqüente ampliação das baixadas litorâneas, vê-se que as terras compreendidas entre O e 100 metros constituem 10,80% do seu território. Neste estado, entre as altitudes de 300 e 900 metros (76,67 % do território), estão incluídas também as serras litorâneas, o que dificulta a estimativa da extensão contínua do Planalto. Mas pode-se, por isto mesmo, concluir que o aspecto geral do relêvo é muito mais perturbado. No Rio Grande do Sul as planícies adquirem importância bem maior, uma vez que 29,02 % do seu território estão compreen- didos entre O e 100 metros de altitude. Da análise dos seus dados depreende-se que as topografias irregulares da borda do Planalto e das serras do Sudeste apresentam importância considerável. li- AS BASES PARA A COMPREENSÃO DO REL~VO ATUAL Não se poderia compreender a disposição dos quadros do relêvo atual sem se fazer um retrospecto no passado, analisando a evolução da estratigrafia dos diferentes terrenos cuj-a estrutura é hoje revelada pelo resultado da ação dos processos erosivos . Sôbre esta base estrutural é preciso focalizar os problemas originados pelos efeitos dos agentes de ação interna, deformando lenta ou acentuadamente a estrutura. Sob o efeito destas vicissitudes, torna-se imprescindível localizar no tempo o momento clímax a partir do qual se tenha iniciado o ciclo de evolução morfológica que chegou a produzir o arcabouço das formas do relêvo atual. É necessário ainda que sejam consideradas as condições paleocli- máticas, suas variações no tempo, não só num passado muito remoto, pela sua importância na natureza dos sedimentos, mas sobretudo para identificar, em tempos menos recuados, os sistemas morfoclimáticos responsáveis pela esculturação que, agindo sob as influências da estrutura, tenham produzido os quadros morfológicos atuais. Trata-se, em outras palavras, de tentar reconstituir os quadros paleogeográficos que precederam a elaboração das principais linhas do relêvo da Região Sul. -16- 1 - Rápida Visão Geológica e Paleogeográfica até o Cretáceo Quanto à gênese da estrutura atualmente revelada, já é pos- sível, através de pouco mais de um século de estudos geológicos, ter-se uma idéia do esquema geral de sua evolução, embora no campo da minúcia perdurem ainda certos problemas, discussões e mesmo discordância, entre os geólogos, quanto à identificação da facies ou à datação de uma ou outra camada, bem como sôbre os efeitos da tectônica. A simples observação do mapa geológico do Brasil revela na Região Sul uma faixa de terrenos pré-cambrianos do Escudo Brasi- leiro que, na fachada atlântica, vai-se estreitando consideràvel- mente para o sul. Não será difícil identificar êstes terrenos como pertencentes à terminação meridional de Austro-Brasília, que, prolongando-se pelas regiões Leste e Nordeste, constitui um dos molhes do Grande Escudo Brasileiro de terras primitivas. A medi- da que se caminha para o interior, vê-se aflorar uma sucessão de faixas de terrenos sidementares paleozóicos, seguidas de grandes extensões de lavas efusivas, recobertas ainda, em sua porção se- tentrional, por um pacote sedimentar mesozóico. tstes e aquêles constituem a parte oriental da Grande Bacia Sedimentar Efusiva do Paraná. Estas faixas, que se sucedem em ordem normal de deposição, às mais antigas a leste, além de apresentarem largura variada, às vêzes com interrupção, revelam hiatos na estratificação, ou seja, ausência de camadas representantes de determinados pe- ríodos. A parte meridional de Austro-Brasília sôbre a qual, no flanco oeste, se apoiam os terrenos da bacia do Paraná, acusa, através do estudo de suas rochas e estrutura, um passado bastante com- plexo. í:stes terrenos, designados segundo a tendência atual como pré-cambrianos (para grupar as eras Arqueozóica e Proterozóica - Eon-Criptozóico) revelam um embasamento composto de um complexo de rochas granitizadas, já perturbado pelos diastrofis- mos mais antigos (Brasílico), que resultam em dobramento e intrusões de magma granítico, no Arqueano . A êste molhe inicial viriam juntar-se enclaves posteriores, atribuídas ao Algonquiano . As primitivas montanhas decorrentes dos diastrofismos ar- queozóicos iriam fonecer à erosão as camadas de sedimentos que, depositando-se discordantemente sôbre aquelas estruturas, dentro dos trechos de mares de periferia oeste de Austro-Brasília, seriam perturbadas por novos dobramentos e intrusões que produziram metamorfismos (diastrofismos pE:noqueano e huroniano) que decorreram durante o Algonquiano. Disto são representantes as -17- Flg. 6 - Descendo a escarpa da serra Geral, em Santa Catarina, atinge-se uma área bastante acidentada, onde os rios entalham profundos vales. A região é constituída de rochas cristalinas, entretanto tendo sido submetida a esforços consideráveis apresenta uma série de fraturas que resultaram no desaparecimento da continuidade do Planalto Cristalino, que é observado perfeitamente no Paraná e em São Paulo. As florestas que cobrem a 1·egicio têm sido bastante devastadas pelo homem. (Foto C.N.G. 2032 - Tibor Jablonsky) -18- rochas metamórficas folhetadas (xistos, quartzitos, filitos e dolo- mitos) encontradas em diferentes séries, que se distribuem descon- tinuamente pela periferia oeste do embasamento cristalino na re- gião. (São Roque em São Paulo; Açungui no Paraná; Brusque, Itajaí (?) em Santa Catarina e Porongos no Rio Grande do Sul). A intensidade dos metamorfismos, afetando as possíveis amostras de sêres vivos destas eras de vida obscura, é responsável pela ausência absoluta de fósseis. Dêste modo é difícil imaginar sob que condições climáticas foram gerados aquêles sedimentos, mas, a julgar pelas rochas calcárias nêles contidas, imagina-se que êles tinham sido depositados em mares relativamente quentes. Durante os 340 milhões de anos estimados para a era Paleo- zóica, o núcleo de Austro-Brasília teria gozado, no conjunto, de uma relativa estabilidade, mantendo-se em geral emerso, salvo na sua periferia, onde as flutuações do nível do mar iriam se fazer sentir, ficando expostas a longo períodos de ação erosiva. Partin- do, pois, dêste molhe continental primitivo, sua periferia ia sendo aumentada pelos sedimentos deixados durante as fases de trans- gressão marinha, às quais se iriam juntar outras resultantes da acumulação de sedimentos continentais. Quanto aos primeiros períodos do Paleozóico, ocorrem na Região Sul hiatos de estratificação, bem como problemas de data- ção de algumas formações. No Brasil Meridional verifica-se um hiato acentuado que se estende do Cambriano até mesmo ao Silu- riano, de cujo período existem exposições nítidas em outras re- giões do Brasil. As formações identificadas como pertencentes a êstes perío- dos na Região Sul, além de se apresentarem em pequenos aflora- mentos extremamente esparsos, ocasionam sérias divergências entre os geólogos 3 • Do Cambriano ao Siluriano as fôrças erosivas se teriam con- jugado na elaboração do peneplano pré-devoniano. Esta predomi- nância da ação erosiva restringiu de muito a acumulação de sedi- mentos sôbre o continente, que ficou, assim, reduzida a uma im- portância local. No início do Devoniano ocorreu a primeira grande transgres- t>ão marinha importante, avançando para leste sôbre a borda aplainada do escudo, da qual resultou a deposição de sedimentos . __.. a A êste respeito sugerimôs ao leitor uma consulta à Geologia do Brasil de AvELINO I. DE OLIVEIRA e ÜTJWN H. LEONARDOS (Publicação n.• 2, Serviço de Informação Agrícola, 2.• edição, Rio.- de -Janeiro, 1943), onde através das referências aos terrenos das: série Ribeira (pp;'"202); formação Castro (pp. 206); série Itajat (pp. 206); Ordoviciano no Sul do Brasil (pp. 224-228); Siluriano em São Paulo e Paraná (pp. 264); formação Anitápolis (pp. 264) e série Camaquã (pp. 265), poderá ter-se uma idéia das controvérsias existentes. -19- onde a presença de fósseis comprova esta facies 4. A regressão do mar devoniano, ainda no princípio daquele período, deixando na periferia dos escudos já existentes a cobertura da sua sedimenta- ção, teria originado a grande massa continental da Terra Gond- wana. Embora sua formação (SuEss) bem como seu posterior des- membramento no Mesozóico (WEGENER) permaneçam no domínio das hipóteses, sua significação paleogeográfica é da mais alta importância . A Terra Gondwana deve ter sido uma grande planura sedi- mentar de extensão continental, em cujo interior se destacavam cadeias de montanhas, já um tanto desgastadas, modeladas nos escudos cristalino-cristalofilianos do pré-Cambriano. De modo geral os geólogos são acordes em reconhecer para êste continente, no decorrer do Paleozóico, uma tranqüilidade devida a movimentos epirogênicos fracos (dos quais resultariam • J. JosÉ BrGARELLA - "Esbôço da Geologia e Paleogeograf!a do Estado do Paraná" - Boletim n.• 29 do Instituto de Biologia e Pesquisas Tecnológicas, pp. 14. Curitiba, 1954 J . M. CLARK- Fósseis Devonianos do Paraná- Monografia do SGM do Brasil, volume L Fig. 7 - Aspecto da região de Tôrres formada por uma sucessão de elevações constituídas de rochas básicas, ligadas ao continente por uma faixa arenosa que nada mais é do que um tômbola. As "tôrres" correspondem a testemunhos do grande derrame de eruptivas que aí atinge o oceano, tendo o escudo cristalino nesta área mergulhado a um nível mais baixo .que o atual do oceano. Como conseqüência da existência de ventos regulares surgiram dunas, de relativa impor- télncia, que completam a topografia regional. (Foto C.N.G. 790 Tomas Somlo) -20- o.Scilações do nível do mar) e ausência de orogênese. Assim, êste continente estava fadado a sofrer uma ação erosiva moderada, fornecendo as terras antigas e elevadas do interior os sedimentos que se iriam acumular nas depressões interiores sôbre o próprio continente, aos quais se viriam juntar sedimentos marinhos advin- dos de flutuações locais na periferia. Graças a esta moderação dos processos erosivos, ainda hoje os sedimentos devonianos, representados sobretudo por arenitos e folhelhos, apresentam uma boa exposição no Brasil Meridional, distinguindo-se, principalmente, pela continuidade do afloramento no estado do Paraná (série Paraná: formação Faxinas - Furnas e Ponta Grossa). Mas, se os agentes de ação interna foram moderados, a vasti- dão da nova massa continental iria determinar o estabelecimento de um período de "clima revolucionário". Com efeito a julgar pela facies da sedimentação carbonífera, deve ter-se produzido um clima frio, que culminou com a instalação de um grande calote de gêlo - Inlandsis - de algumas centenas de metros de espes- sura e cêrca de 2 500 quilômetros de largura, desde a serra de la Ventana, na Argentina, até a altura de Ubatuba, no estado de São Paulo 5 • Como é próprio dos climas revolucionários, durante a glaciação regional a que foi submetida (a Região Sul), ter-se-iam verificado diversos avanços e recuos das geleiras, havendo períodos interestaduais Juntando-se a isto os resultados das oscilações do nível do mar, especialmente no fim do período, compreende-se a diversidade de facies dos sedimentos que se alteram no Carbo- nífero. Na Região Sul os terrenos do Carbonífero (salvo pequenas divergências de detalhe) estão englobados na série Tubarão. Esta compreende as formações basais - grupo Itararé - constituídas por depósitos continentais glaciais, representados por tilitos, are- nitos flúvio-glaciais, glaciais lacustres e sólidos, varvitos, as quais se superpõem aquelas (Bonito e Palermo) do grupo Guatá, repre- sentando os períodos interestaduais, pertencentes a ambientes flu- viais, palustres, lacustres e caracterizados pela presença de leitos de carvão mineral. Dentre êstes salientam-se as camadas Barro Branco e Bonito, da formação Rio Bonito, que, pelas condições de jazimento e qualidade do minério, são as que oferecem melhor rendimento econômico à mineração, praticada especialmente em Santa Catarina. Apesar da regularidade de extensão regional, êstes sedimentos apresentam significativas variações estratigráficas entre as partes meriG;ional (Rio Grande do Sul e sul de Santa Catarina) e a mais setentrional (norte de Santa Catarina, Paraná e São Paulo). • MARGER GUTMANs - "Tectônica da Bacia do Paraná" - em Mineração e Metalurgia, vol. XIV, n.o 60, julho de 1949, pp. 47/ 49. Flg. 8 - A topografia da regtao de Analllndia se apresenta acidentada segundo formas suavemente inclinadas para NW, que são trabalhadas pelo lençol de escoamento. A vegetação exuberante já devastada indica a existência de solos ricos, provenientes da existência de "sills" de diabásio que se intercalam com o arenito Botucatu. Surgem d evido ao trabalho d a erosão diferencial pequenas "cuestas" como se observa entre Rio Claro e Analllndia. Esse tipo de paisagem acidentada e coberta de matas contrasta com aquela suavemente ondu lad a e recoberta por cerrados que caracterizam os terrenos permocarboníjeros da depressão subseqüente. (Foto C.N.G. 5198 Tomas Som l o ) Na primeira, repousando sôbre um assoalho bem mais irregular, os sedimentos glaciais (tilitos verdadeiros) restringem-se a manchas locais, em meio a sedimentos "subglaciais", cuja espessura é ape- nas de poucas dezenas de metros . Na segunda, as facies glaciais e subglaciais são bem mais espêssas e contínuas e, apresentando intercalações com facies representativas de transgressões mari- nhas, assentam sôbre um assoalho aplanado, constituindo uma superfície de suave inclinação. LEINZ 6 explica estas diferenças pelo fato de existir um acentuado desnível topográfico naquelas duas zonas, durante os tempos glaciais. No escudo rio-grandense, do qual fazia parte o sul catarinense, em nível relativamente ele- 6 V I KTOR LEINZ - "Estudos sôbre a Glaciação P ermocarbon ifera do Sul do Brasil" - Serv. Fom. Prod. Mln. - Notas Prelimin ares e Estudos - Boletim n .o 21, Rio de Janeiro. -22- vado~ predominaram os processos erosivos, enquanto na parte norte em posição mais baixa, a sedimentação foi mais intensa e acompanhada de ingressões marinhas ocasionais. De acôrdo com LEINZ produziu-se um reajustamento, provà- velmente realizado, segundo uma faixa tectônica transversal na divisa das duas províncias [Faixa tectônica Tôrres (RS) Posadas (Argentina)], colocando-se ao mesmo nível já no início do Permiano. Êste período, o último da era Paleozóica, é representado na Região Sul por uma grande variedade de formaçõesenglobadas nos grupos Estrada Nova e Rio do Rasto, que compõem a série Passa Dois. Mau grado o reajustamento de nível entre as porções meri- dional e setentrional da face oeste de Austro-Brasília, uma alter- nância complexa de jacies observada na região, nas camadas basais daquela série, dificulta a sua compreensão paleogeográfica. Flg. 9 -- Nos arredores de Ipeúna encontra-se a serra de Itaqueri dominando uma su- perfície suavemente ondulada,. constituída por argilitos e folhelhos micáceos da série São Bento. A serra de Itaqueri é constituída por arenitos metamortizados e intercalações basálticas que emprestam grande resistência à rocha. Esta serra taz parte do grande conjunto da serra Geral, que se estende desde o Rio Grande do Sul até São Paulo. Com a retirada da vegetação primitiva rompeu-se o equilíbrio das encostas podendo-se observar formas de erosão anormal nas vertentes. (Foto C.N.G. 5195 - Tomas Somlo) F!g. 10 - Em Ajapi, distrito de Rio Claro, tem-se um belo aspecto da "cuesta" da serra Geral. Em primeiro plano observa-se o perfil suave das colinas modeladas em xistos da série Passa-Dois. Estas rochas são relativamente pobres. Como conseqüência estas terras são utilizadas para a pecuária extensiva. Em alguns lugares existem "sills" de diabásio, que são marcados na paisagem pelo aparecimento da agricultura, contrastando com as áreas "vazias'' dos arredores. (Foto C.N.G. 5197 - Tomas Somlo) MAACK 7, a propósito da dificuldade da distinção de facies dos sedimentos eopermianos da série Passa Dois no Paraná e Santa Catarina, explica que "grandes lagunas de água salobra estende- ram-se em continuação à região litorânea dos rasos mares da .Pla- taforma continental, enquanto vastos lagos de água doce e pân- tanos preencheram as planícies do interior". Em virtude disso, prefere considerá-la como de facies continental e marinha. Não será possível, contudo, identificar, já no final do Permia- no no Brasil Meridional, uma regressão do mar deixando uma pla- nície litorânea suavemente inclinada para oeste, coberta desta sedimentação mista do início, e mais nitidamente, terrígena no final, enquanto as condições climáticas se tornavam, passada a glaciação, mais amenas. Durante cento e quarenta milhões de anos do Mesozóico acentua-se a importância paleogeográfica para o Sul do Brasil. O Triássico caracteriza-se pelo início de uma degradação da umi- dade, sucedendo-se a partir de então climas de crescente aridez que, no final do período, culminam com o aparecimento de verda- deiros desertos . O recuo do mar no fim do Permiano ofereceu ao trabalho da erosão uma extensão de terras que, com a aridez do 7 REINHAARD MAAcK - Comentários sôbre Geologic map ot- South America - 1950" em Condições Geográficas e Aspectos Geoeconômicos da Bacia Paraná-Uruguai, vol. I, pp 69, CIBPU, São Paulo. 1955. -24- clima, foi modelada por águas correntes que se viam progressi- vamente diminuídas, passando a constituir bacias fechadas. :S:ste arreismo, cada vez mais acentuado, ocasionou a acumulação dos sedimentos de facies continental desértica, resultantes de antigos campos de dunas movediças, cujo material era, em grande parte ainda fornecido pelo desgaste do velho escudo do interior. :S:stes depósitos são representados pelos arenitos avermelha- dos, conhecidos na literatura geológica como "Arenitos Botucatu", os quais apresentam uma jacies subaquática (Pirambóia), segui- dos de um outro nitidamente eólico, cuja estratificação entrecruza- da mostra sua origem dunária. Após a acumulação de um pacote relativamente espêsso dêstes arenitos, datados como sendo do final Fig . 11 - Próximo à cidade de Conchas a sucessão de camadas sedimentares de desigual · resistência, trabalhadas pela erosão diferencial, originou uma série de relevos assimétricos que correspondem a " cuestas" . Os terrenos fornecem um solo relativamente pobre, sendo estas áreas utllizadas para a pecuária extensiva. (Foto C.N.G. 5590 - Tomas S~mlo) do Triássico (Rético), iniciou-se uma fase de intenso vulcanismo que geraria, na bacia do Paraná, o mais extenso derrame de lavas básicas existente no globo. -25- Constituindo boa parte da grande Região Sul, e estendendo-se para fora dos seus domínios, a área dos derrames basálticos é esti- mada entre 800 000 e 1 000 000 quilômetros quadrados. (BAKER, GUIMARÃEs, LEINZ) contra 650 000 quilômetros quadrados na pe- nínsula do Decão e 80 000 quilômetros quadrados na Africa do Sul. Tem merecido vários estudos por parte de conceituados geólogos nacionais e estrangeiros, sobressaindo-se o de VIKTOR LErNz, espe- cífico do Sul do Brasil. Iniciando-se no Triássico Superior (Rético?), esta atividade vulcânica de derramamento deve ter-se depositado sôbre arenitos Botucatu ' já diagenêticamente consolidados como parece atestar, . entre outros argumentos, a ausência de areias envolvidas pela pri- meira corrida de lavas. Embora já modelados sob condições arrei- cas, deveriam constituir uma superfície regularmente plana, pois se as irregularidades topográficas de poucos metros são comuns, as de maior vulto são raras 8 • Vindas, provàvelmente, da faixa magmática superior do sima (salsima) através de grandes fendas de tensão produzidas na cros- ta, estas lavas derramaram-se em lençóis sucessivos (8 a 13 cor- ridas nos perfis mais completos), entremeados com camadas de arenito, o que deixa supor a continuação das características. ~ste sistema de fendas concentrou-se em zonas ou faixas produtoras que, de acôrdo com as conclusões de LEINZ, dispõem-se em relação ao eixo da bacia do Paraná de modo transversal, longitudinal e marginal. A linha tectônica Posadas-Tôrres, já anterior aos der- rames, teria desempenhado, por reativamento, importante papel, funcionando durante aquela atividade vulcânica, como principal zona emissora transversal. Aí, os derrames atingem sua maior espessura, devido talvez a seu extravasamento sucessivo, do mes- mo volume e viscosidade, acumulando-se :aproximadamente no mesmo lugar. O eixo do rio Uruguai seria uma zona emissora lon- gitudinal. Já nos domínios mais setentrionais da região, no estado de São Paulo, a zona emissora mais importante encontra-se na margem da bacia. Os derrames careceram de continuidade no tempo e no espaço. As maiores descontinuidades são observadas sobretudo no setor norte. Pausas acentuadas (alguns milhares de anos) permitiriam que, sob clima ainda desértico, o vento acu- mulasse lençóis de areia (ergs) com algumas dezenas de espessura (arenitos interbasálticos), posteriormente cobertos por novos der- • LEINz assinala como exemplos destas maiores Irregularidades: a) o Morro Pelado (SC) onde o arenito apresenta uma elevação pré--efusiva de cêrca de 120 metros acima do n!vel comum; b) em Santa Maria o arenito com uma espessura de 150 metros en- contra-se erodido e penetrado pela lava que vem repousar sôbre· as camadas (Santa Maria) subjacentes. :ll;ste fato está em ressonância com levantamento tectônico local que ativou os processos erosivos. F!g. 12 - o Segundo Planalto apresenta uma topografia suavemente ondulada cortada por vales de encostas suaves i nterrompidas aqui e ali por capóes de mata de araucárias e matas-galerias. (Foto C .N .G . 5399 - Tomas Somlol rames. No setor sul as intercalações do arenito Botucatu nas lavas são muito delgadas ou inexistentes. Associada a esta atividade vulcânica de forma efusiva há ma- nifestações intrusivas ocorridas, em geral, na orla dos derrames, em meio às camadas de sedimentos gondwânicos pré-existentes, especialmente entre os estratos do grupo Frati (base do Permiano) sob forma de diques e sills. A concentração dêstes, de alta signifi- cação morfológica, como se verá a seguir, é especialmente notável em São Paulo (São Pedro, Piracicaba, especialmente) e Santa Ca- tarina (zona de Criciúma). É de se considerar a influência que o acúmulo de tal volume de lavas tenha produzido na região. Assim, parece que a tectô- nicaquebrante, já esboçada anteriormente nos sedimentos subja- centes (faixas Posadas-Tôrres e Santa ,Maria-São Gabriel) é res- ponsável, talvez, por falhamentos no embasamento (de direção de sistema NW), aproveitados como zona de emissão do magma du- -27- rante o vulcanismo, tenha funcionado, também, durante e logo após aquela atividade, num mecanismo de compensação isostática. LEINZ chama a atenção para o fato bastante significativo observa- do no Rio Grande do Sul, onde a maior espessura das efusivas coincide com um maior afundamento do substrato gondwânico (Tôrres). Esta atividade tectônica deverá ter repercutido mesmo no pacote de efusivas, onde se notam sistemas de geoclasamentos (e mesmo indícios de falhamentos sob forma milonitizada) mais nítidos nas direções de NE e NW. ~stes fatos, de grande signifi- cação geomorfológica pela sua influência na drenagem, tornam-se de análise complexa, pois ao lado daquelas provàvelmente produ- zidas nesta fase, juntam-se aquelas de contração, devidas ao res- friamento do magma, bem como outras de fases tectônicas poste- riores (Terciário, por exemplo) . A escassez dos sedimentos do Jurássico, na seqüência estrati- gráfica da bacia do Paraná, propõe uma série de problemas paleo- geográficos, cuja solução traria consideráveis recursos para a in- terpretação do relêvo. A julgar pelos parcos restos de sedimenta- ção tidos como daquele período (o discutido arenito suprabasál- tico - "Caiuá" encontrado a oeste de São Paulo e noroeste do Paraná), poder-se-ia presumir condições climáticas ainda áridas. Tal é a idéia de AB'SÁBER 9 , que supõe a existência de sistemas erosivos endorreicos durante o Jurássico e primeira metade do Cre- táceo. Tais sistemas erosivos, atuando mais ativamente sôbre as superfícies salientes dos escudos pré-cambrianos, teriam sido res- ponsáveis pelos processos de pediplanação, que gerariam naqueles escudos a mais elevada (por epirogêneses posteriores) das super- fícies de aplainamento identificadas no Brasil Tropical Atlântico - "Superfície dos campos" de DE MARTONNE. Um outro fator, que teria grande importância para a explicação de um ativamento dos processos de pediplanação e restrição do depósito dos sedimen- tos jurássicos, seria a existência, durante êste período, de uma fase de epirogênese positiva. Enquanto MoRAIS RÊGO 10 sugeria a existência de levantamentos rápidos alternados com abaixamen- tos desde o fim do Permiano ao início do Cretáceo, AB'SÁBER 11 conciliatOriamente, considera uma moderada fase de epirogênese positiva durante o Jurássico. Outro fato problemático ainda, mas de significação paleo- geográfica considerável, é o que diz respeito à série de intru- sões de batólitos e stocks alcalinos, que se verificaram especial- mente nas formações granito-gnáissica de Austro-Brasília, mas • Azrz NAcra Aa'SÁBER - "Sucessão dos Quadros Paleográficos no Brasil do Triás- sico ao Quaternário" - Anuátio da Faculdade de Filosofia "Sedes Sapientiae" da u.c. de São Paulo, pp. 63 - São Paulo, 1950/ 51. 1• Luís FLôREs DE MoRArs RÊGo - "Notas sôbre a Geomorfologia de São Paulo e sua Gênese (1932)" - em Boletim Geográfico n.• 37, pp. 10/ 11, CNG Rio de Janeiro, 1946. 11 Azrz NACIB Aa'SÁBER - "A Geomorfologia do Estado de São Paulo" em Aspectos Geográficos da Terra Bandeirante, p. 16, Conselho Nacional de Geografia. Rio de Ja- neiro, 1954. -28- que também interessaram o capeamento sedimentar efusivo, como no caso da intrusão fonolítica de Lajes (Santa Catarina). Quanto à sua datação há divergência entre os geólogos. Mas R. O. DE FREITAS 12 .secundando a opinião de DJALMA GuiMARÃEs, considera esta atividade magmática alcalina no Jurássico, posterior à atividade básica do Triássico. A importância dêste fenômeno se depreende, claramente, do seguinte trecho de AB'SÁBER 13 : "Qual- quer que seja a idade dessas intrusões - situem-se elas nos fins do Paleozóico ou nos meados do Mesozóico, como parece ser mais provável - elas foram a causa do primeiro rearranjamento da drenagem principal da porção sudeste do Escudo Brasileiro, num período geológico anterior ao início dos grandes falhamentos das serras do Mar e da Mantiqueira. Quando teve início a formação das escarpas de falhas do Brasil Atlântico, os maciços alcalinos já estavam bem alojados e consolidados no seio das formações ar- queozóicas regionais, formando saliências no dorso da superfície dos campos". f Fig. 13 - Em Vila Velha, Ponta Grossa, encontram-se estranhas formas eLe erosão, que lembram curiosas figuras, como a da direita, que corresponcLe à "Esfinge". Estas formas surgem como conseqüência da erosão pluvial que aproveitando as cLiáclases e a alterndncia eLe camadas eLe arenito eLe resistências diversas, isola éstes blocos eLe formas estranhas. (Foto C.N.G. 1970 - Tibor Jablonsky) '-" Rur OsóRIO DE FREITAS - "Geologia e Petrologia da Ilha de São Sebastiâo" - Bo- letim n .• 85 da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Sâo Paulo (Geologia n.• 3), Sâo Paulo, 1947. 13 Azrz NACIB As'SÁBER - Up. cit. p. 13, Fig. 14 - Outro pormenor de Vila Velha, "O Cálice". Observa-se ao fundo a superfície ort'dulada do Segundo Planalto e as escarpas rochosas das camadas de arenito mais resistentes nas encostas dos vales dos cursos d'água que dissecam a região. (Foto C.N.G. 1893 - Tibor Jablonsky) -30- As exposições atuais da sedimentação cretácica no Brasil Me- ridional (e em geral no Brasil) são consideràvelmente reduzidas e descontínuas, resumindo-se ao arenito Bauru, encontrado apenas na parte ocidental do estado de São Paulo. Trata-se de um are- nito de facies discutida, de coloração muito variada e cimento calcário-argiloso . Admite-se, mais modernamente, facies lacustre e terrígena resultante da acumulação de sedimentos produzidos, sob clima semi-árido, por processos de pediplanação, que se verificaram no início do período . A escassez atual da sedimentação cretácica leva a crer que, a partir dos meados do período se tenha produzido um ativamento dos processos erosivos. Em primeiro lugar, deve ter entrado em jôgo o fato de que as condições climáticas se hajam modificado a partir do Cretáceo médio, uma vez que, de então, começaria a fragmentação da grande massa continental da Terra Gondwana, que se divide nas suas principais secções, separadas pelo avanço das massas oceânicas. Embora o mecanismo tectônico que pro- duziu êste importante acontecimento seja de difícil explicação - e lembro que a engenhosa teoria de WEGENER sôbre a deriva dos continentes, à medida que se ampliam os conhecimentos da geo- logia e relêvo submarino, vem encontrando as mais sérias obje- ções - supõe-se que os mares começariam a se aproximar da face leste da secção que seria a América do Sul. Segundo observa AB'SÁBER, "o nôvo arranjo das massas oceânicas deve ter ameni- zado sensivelmente as condições de aridez imperantes no per.íodo anterior" 14 • Outro fator que também favoreceu a atividade erosiva seria o aumento das tendências positivas da epirogênese que, afetando os escudos primitivos de leste, iriam se acentuar no final do perío- do e culminar no início do Cenozóico . 2 - A Importância dos Acontecimentos Pós-Cretácicos para a Explicação da Morfologia Atual Em cêrca de apenas um quarto de século de estudos geomor- fológicos no Brasil, mau grado a escassez de trabalhos monográ- ficos de minúcias, imprescindíveis a um aprimoramento de con- junto, a importância dos acontecimentos produzidos no fim do Cretáceo ao início do Terciário, já se encontra suficientemente ressaltada. De resto, êstes acontecimentos paleogeográficos não se restringem apenas ao Brasil Meridional mas se estendem a todo o território brasileiro. u Azrz NAcru Au'SÃBER - "Regiões de circundesnudação pós-cretácica no Planalto Bra- sileiro" - Boletim Paulista de Geografia, n.o 1, março, p. 8 - Sâo Paulo, 1949. -31- Quase todos os autores nacionais e estrangeiros, segundo as- sinalou AB'SÁBER, são acordes em considerar o levantamentopro- duzido na borda leste do Escudo Brasileiro, logo após o Cretáceo, como o determinador da primeira rêde de entalhamento responsá- vel pelo atual relêvo do Planalto Brasileiro. Partindo dos rápidos bosquejos de síntese encontrados nos trabalhos de EusÉBIO DE OLIVEIRA, MORAIS RÊGO (L.F.), OLIVEIRA (A.I.) e LEONARDOS (O.H.), o geógrafo AB'SÁBER vem focalizando, numa série de trabalhos iniciada em 1949 15, a importância daqueles acontecimentos, tidos como essenciais à compreensão dos traços fundamentais da geo- morfologia do Brasil. Além dêste aspecto, os trabalhos daquele eminente geógrafo paulista têm o mérito de, correlacionando os trabalhos de pesquisa geológica aos de interpretação geomorfoló- gica, (onde sua contribuição é bem expressiva), dar ênfase aos pro- cessos geomórficos, que atuaram a partir daquela época e fornecer um quadro geral de interpretação que, inegàvelmente, serve de precioso roteiro aos trabalhos atuais de geomorfologia no Brasil. Dêste modo, o leitor não estranhará, a seguir, citações freqüentes daquele autor. As tendências positivas, já esboçadas provàvelmente desde o Jurássico, iriam culminar numa fase de acentuada epirogênese que ocorreu entre o fim do Cretáceo e o início do Cenozóico (Paleó- geno-Terciário) . "Provàvelmente a fase de peneplanização mais importante e de maior interêsse à geomorfologia -do Brasil foi a que se processou nos fins do Cretáceo e início do Terciário. A erosão dos rest-bergs, ainda muito salientes dos núcleos cristalinos de Brasília, foi bastante pronunciada, nesse período, resultando em aplainamento parcial de vastas áreas, acompanhado de entulhamento progressivo das concavidades ainda existentes no eixo de nossas sinclinais principais. Deve ter sido um clima semi-árido predominante, que foi capaz de criar o sistema de hidrografia endorreica, responsável pelas formações lacustres e terrígenas do período cretáclco . O material sedimentário dessas formações foi, em parte, retirado do capeamento superior triássico retrabalhado e, em parte, originado das saliências aflorantes das zonas criptozóicas ou basáltico-triássicas . Na época em questão, as áreas cretácicas deviam abranger extensões muito · maiores das que os mapa geológicos apresentam hoje, após tão longo período de desnudação e circundesnudação . Recobriam quase tôdas as úreas das grandes sinclinais brasileiras e, possivelmente, trans~ridem mesmo, por sôbre as bordas dos núcleos cristalinos aplainados e platôs de lavas, hoje muito desnudados. Do Cretáceo médio para diante, os mares começaram a se acercar cada vez mais da face leste sul-americana, ao tempo que grandes massas oceânicas, forçadas por um mecanismo tectônico de difícil explicação, estrangularam as principais secções do continente do Gondwana". "Nos fins do período Cretáceo e início do Cenozóico, o regime climático, pôsto que termicamente sempre elevado, deve ter feito grandes progressos em relação à umidade, ao tempo em que um nôvo ciclo de epirogênese 15 Azrz NACIB As' SÁBER - "Regiões de C!rcun desnudação pós-c retác!ca no Planalto Brasileiro" - Bolet im Pau l i sta d e G eografia, n.o 1 - São P a ulo, 1949. -32- positiva se iniciou um tanto irregularmente para todo o Planalto Brasileiro. O Atlântico começava a se esboçar como massa aquosa intracontinental". "A epirogênese positiva pós-cretácica, aliada à umidificação do clima, determinou a instalação de rêdes hidrográficas, provàvelmente exorreicas, fundamentais à modelagem geral do Planalto Brasileiro, devido aos fenômenos de desnudação e circundesnudação decorrentes . Esboçaram-se nesse meio tempo (que medeou os fins do Cretáceo, o Eoceno e o Oligoce- no), as principais linhas e secções do relêvo interior do Brasil". Focalizando a bacia do Paraná, que interessa mais diretamente ao assunto, assim se refere: "O quadro do relêvo da metade do Planalto Brasileiro, ao finalizar-se o Cretáceo, devia assemelhar-se a uma vasta extensão de terras baixas, nas quais se entremeavam os restos, um tanto aplainados e esbatidos, dos núcleos cristalinos criptozóicos, além de secções aflorantes do platô basáltico e planícies estabelecidas em extensos planos lacustres . Até há pouco havia imperado para a região, um regime endorreico, ditado pelas condições de um clima semi-árido". "Um clima mais úmido e um sistema hidrográfico exorreico, estabele- cidos depois do Cretáceo, ao tempo em que o planalto entrou em levanta- mento, devem ter dado início à fase de entalhamento e esculturação generalizada que vamos examinar para o meridião brasileiro" 16 . A epirogênese positiva pós-cretácica afetando a parte leste da . América do Sul, foi uma resultante lógica da fase orogênica an- dina. Enquanto na face oeste se levantavam os terrenos sedimen- tares plásticos, sob uma tectônica dobrante, formando uma cadeia de montanhas jovens na disposição de norte para sul, graças a um jôgq de compensação isostática, era afetada a face leste, cons- tituída pelos velhos escudos cristalinos e províncias gondwânicas, corresporiàentes ao Planalto Brasileiro. A epirogênese positiva que afetou a parte leste, como já tem sido sobejamente demonstrado na literatura geológica brasileira, teve efeitos variados, quer na intensidade, quer na complexidade sôbre tôda sua extensão. No que concerne ao Brasil Meridional, é de assinalar que o levantamento da borda cristalina, natural- mente moderado pela sua rigidez, repercutiria no sinclinal da bacia do Paraná. Conforme assinalou AB'SÁBER 17 , o núcleo principal de Austro- -Brasília (centro-sul de Minas, sudoeste do estado do Rio de Janeiro e leste de São Paulo) sofreu uma epirogênese positiva pós-cretácica muito mais irregular e pronunciada que tôdas as demais porções dos maciços antigos do Brasil. O arqueamento das porções rígidas do Escudo Brasileiro ultrapassou, aí, todos os limites de resistên- cia das massas cristalinas dos maciços antigos, determinando sua fragmentação tectônica e esboçando aquêle mosaico de comparti- mento de relêvo que hoje conhecemos. 10 Azrz NACIB As' SÁBER - Op. cit. pp. 7 / 10. " Azrz NACIB Au'SÁBER - Op. cit., p, 10. -33- A tectônica quebrante, "que afetou especialmente o Sudeste Brasileiro (Brasil Tropical Atlântico de DE MARTONNE), resultou no estabelecimento de um complexo sistema de famílias de falhas" de direção mais ou menos paralela à costa (NE-SW) que, pelo agrupamento das principais falhas, pelo menos as de maior rejeito e continuidade, formou verdadeiros blocos falhados. :t!:stes, acom- panhando o esfôrço de levantamento que os produziu, iriam dis- por-se segundo um arqueamento para o lado continental, com- plementado por um desabamento do lado oceânico. Ainda que os falhamentos terciários, bem como no leste bra- sileiro, tenham possivelmente continuado para o sul, sua propa- gação nesse sentido é um tanto difícil de verificar . A direção ca- racterística de NE-SW, que se observa no Brasil Sudeste, tornan- do-se oblíqua e não paralela à costa, diminui sua comprovação · (serra do Tabuleiro-Planalto Basáltico). Flg. 15 - A oeste de Tiba17i o Segundo Planalto surge como um degrau estrutural nitido. Ao fundo avista-se a serra do Barreiro, constituida de arenitos devonianos que se incli- nam suavemente para noroeste, correspondendo a uma "cuesta" tipica. Assim, em detalhe, o Segu7tdo Planalto é constituido por algumas "cuestas" resultantes do trabalho da erosão diferencial. A região deprimida é constituida de jolhelhos e arenitos menos resistentes do grupo Santa Rosa, que constituem o seu substrato. (Foto C.N.G . 1971 - Tomas Somlo) -34- No Rio Grande do Sul há sinais de falhamentos no sentido N-S. LEINZ 18, verificou no rio Camaquã um abaixamento do em- basamento cristalino, relativamente recente, de cêrca de 55 me- tros, provocado por falhas no sentido N-S. O embasamento en- contra-se a uma profundidade superior a 200 metros, na altura do pôrto do Rio Grande, na lagoa Mirim. Parece possível a cor- relação dêstes
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