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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO DA CIDADE ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES CURSO DE ARTES DRAMÁTICAS FAZER RIR É FÁCIL? A DIMINUIÇÃO DA AUTOCRÍTICA ATRAVÉS DA COMUNICAÇÃO DO CLOWN. ISABEL DE ALBUQUERQUE CARVALHO Trabalho apresentado como Projeto Experimental para Conclusão do Curso Superior de Tecnologia em Artes Dramáticas da Escola de Comunicação e Artes do Centro Universitário da Cidade do Rio de Janeiro – UniverCidade, orientado pelo Professor Mestre VITOR MANUEL CARNEIRO LEMOS. Rio de Janeiro Setembro/2007 2 AGRADECIMENTO Agradeço aos que passaram pela minha vida nos últimos três anos, durante este processo de autoconhecimento, e aos que nela estão desde o princípio, confiando, estimulando e segurando em minha mão: José e Maria - meus pais – e aos meus queridos Aninha, Neco, bebê Clavijo, Suiá, Bruno. Também agradeço às Madrinhas e aos irmãos amigos. Agradeço também a ti, Vitor Lemos, meu Mestre e Orientador pelo esforço e carinho, calma, sabedoria e ajuda neste processo, por sua dedicação e coragem na luta junto à coordenação. Com certeza, me fizeste crescer em desejar ser pesquisadora. E não menos, agradeço à minha primeira orientadora, Thereza Rocha, neste processo dividido, pela calma, paciência, coragem, determinação, força e alegria que transmite em ensinamentos. Agradeço aos que me inspiraram e proporcionaram essa busca pelo momento vivo e presente, Alexandre Mello e Ana Luiza Cardoso, através dos quais pude me conhecer. E aos meus queridos primeiros Mestres e amigos neste percurso teatral e certamente fomentadores de uma longa vida criativa, professores queridos: Paes Leme, Varvaki, Tolipan, Rubin , Mello, Maciel, Lucatto, Brito, Sartori e Ferreira. Também agradeço a todos os meus companheiros de turma e àqueles que se esforçaram em me ajudar nas experimentações práticas desta pesquisa. Agradeço ao meu bom amigo e professor, Daniel Matos. 3 Às minhas amadas Vó Katy e Jacira. À minha alma gêmea e mãe. 4 SUMÁRIO Páginas 1. INTRODUÇÃO........................................................................................................6-8 2. CLOWN: QUE FIGURA É ESTA?................................................................9-14 3. ENTENDENDO O ATOR ATRAVÉS DO CLOWN..............................15-19 4. ESTADO DE PRESENÇA.....................................................................................20 4.1. O Nascimento do Vazio: A Consciência do Momento Presente.........................20-23 5. OS EXERCÍCIOS DE INICIAÇÃO AO CLOWN.................................24-27 6. FAZER RIR É FÁCIL?.....................................................................................28-29 6.1. Relatório de Atividades..........................................................................................30-42 7. CONCLUSÃO.......................................................................................................43-47 8. FONTES CONSULTADAS..............................................................................48-49 9. ANEXOS.................................................................................................................50-59 5 Agüenta o barco firme Agüenta o barco Com muita calma irmão ... Escolher seja norte, seja sul, seja leste, seja oeste Adiante deserto e oásis são a mesma coisa As mesmas partes do caminho andado Não existe caminho errado existe preguiça de continuar pra qualquer um dos lados. Mano Mello – Toque 6 1. INTRODUÇÃO Durante a atuação o ator busca saber precipitadamente o próximo passo de sua personagem, ou de outro colega de cena. Perde-se em buscar no passado aquilo que deve realizar no presente. Sonha e almeja obter sucesso naquilo que ainda nem realizou. Porém é no momento presente que ele consegue alcançar um estado criativo. Durante nossos processos de criação sentimos muitas vezes uma grande dificuldade em aceitar o próprio processo de trabalho criativo, que exige que o ator esteja receptivo aos estímulos, tanto exteriores, da cena e dos demais atores, como interiores, do próprio ator. Possuíamos uma preocupação demasiada a respeito de como deveríamos realizar nossas ações e se elas seriam aceitas ou não no contexto da cena. Ou seja, a autocrítica que impúnhamos à nossa própria capacidade criativa e às nossas próprias características, fossem elas ridículas ou não, causava uma estagnação em nossos processos criativos e também impediam a fluidez das ações na cena, enfraquecendo assim, nossa comunicação com os demais atores e com o público. Ao nos depararmos com a influência do clown em duas ocasiões durante o nosso período de graduação percebemos que, a partir dela, havíamos adquirido um maior esvaziamento em nossa atuação, capaz de diminuir a autocrítica e alcançar um estado mais vivo e presente em cena. A primeira experiência foi através de uma cena realizada para uma avaliação no terceiro período do curso de Artes Dramáticas, na disciplina Ator e Composição – ministrada pelo professor Alexandre Mello. Nesta experiência foi proposta uma cena de nossa autoria, a partir de um fragmento de livre escolha do texto “Companhia” de Samuel Beckett. A segunda experiência aconteceu quando realizamos no quinto período do mesmo curso um módulo de comédia dentro da disciplina Estudos Cênicos. Este módulo ministrado pela professora Ana Luiza Cardoso baseava-se no aprendizado de técnicas e exercícios da linguagem do clown buscando fomentar uma comunicação mais autêntica e viva com o público. 7 E mais uma vez, a partir da realização destes exercícios, pudemos notar uma pré-disponibilidade para a comunicação com o público, um estado presente em cena, vazio de autocrítica, medos, ou qualquer elemento que dificultasse o momento da criação. Resolvemos então basear nossa pesquisa a partir dos exercícios dados em aula pela professora Ana Luiza Cardoso, já que através deles havíamos chegado ao mesmo estado alcançado na primeira experiência tida com o clown. Acreditamos que - adquirindo através da iniciação do clown meios que nos proporcionem a identificação com o nosso ridículo, nossas fraquezas e medos - obteremos maiores possibilidades de estabelecer com o público uma relação viva. A partir do momento em que, esvaziando-nos, deixamos fluir livremente nossas propostas, sem a ação limitadora da autocrítica, produziremos um material mais rico, variado, e em sintonia com a cena que desejamos investigar. Sendo assim, buscamos criar um jogo que denominamos FAZER RIR É FÁCIL? baseado nos exercícios de iniciação ao clown, a fim de verificar a possibilidade de, através dele, alcançar o esvaziamento a partir da comunicação que o clown estabelece com o público e da consciência das próprias fragilidades, minimizando assim sua autocrítica na construção de uma personagem. Como parte de nossa pesquisa participamos como durante um mês, de um novo curso de iniciação ao clown do módulo de comédia ministrado também pela Professora Ana Luiza Cardoso com a turma do 5º período do Curso de Artes Dramáticas, em abril de 2007. Nesta ocasião, verificamos através das visitas realizadas o trabalho de criação dos clowns, bem como de suas influências no processo criativo dos atores. Para isso, buscamos, inicialmente, apresentar brevemente o clown e suas especificidades a partir de um recorte histórico. Em seguida, buscamos entender a idéia de presença a partir do conceito de vazio de Peter Brook, trabalhado mais especificamente em seu livro “A Porta Aberta”. Em seguida, relacionamos a presença com o papel da consciência nos processos criativos do ator oferecidos por Gilberto Icle em seu livro “O Ator Como Xamã”. Esperamoscom o nosso trabalho, poder despertar naqueles que se interessarem pela sua leitura, o desejo de buscar respostas próprias para tratar de dificuldades próprias. Essa atitude é aspecto fundamental de um ator que se propõe empreendedor. Desejamos ainda, que o jogo aqui proposto seja útil para outro atores, visto que a questão da 8 autocrítica, que nos moveu durante todo esse período de pesquisa, não nos parece um desafio tão particular a ser vencido. 9 2. CLOWN: QUE FIGURA É ESTA? Primeiramente gostaríamos de esclarecer que usaremos o termo clown durante a pesquisa apenas para delimitarmos um nome, a fim de que não haja confusões que nos levem a sair do tema proposto. Se necessário for, utilizaremos outros nomes específicos de acordo com as datas e ocasiões em que o clown aparece. Porém, estaremos nos referindo propriamente ao clown de palco, pelo qual nos interessamos para realizarmos esta investigação. De acordo com Castro (2005)1, em seu estudo sobre as mais variadas aparências do palhaço na história, desde as mais remotas épocas e culturas em determinados rituais sagrados já se encontravam figuras de mascarados que davam gritos e dançavam de forma exagerada, bem como práticas de rituais em que se imitam coxos, cegos e leprosos, provocando a hilaridade dos participantes. Todos estes rituais continham seus objetivos particulares, porém, em todos eles encontramos o riso como uma maneira de extenuar seus pensamentos, vontades, angústias e preocupações. Muitas vezes o riso também servia como uma forma de livrarem-se do medo da morte, das doenças, da chuva ou da figura do mal e também como uma forma de inverter os valores diante de tudo que estivesse impondo demasiado autoritarismo perante a sociedade. No início, estas figuras estavam presentes apenas nos rituais. Mas com o passar do tempo foram ganhando maior visibilidade e conhecimento dentre as sociedades, o que mais tarde levou vários nobres e poderosos de suas épocas quererem ter sempre do seu lado seu próprio cômico, com o intuito de demonstrar ainda mais seus poderes e alegrar seus convidados em festas e banquetes. Podemos falar da existência do clown no Egito, na época dos faraós, que era identificado por possuir uma grande liberdade de expor sua opinião a respeito das decisões 1 Alice Viveiros de Castro é atriz, diretora de teatro. Foi comediante de televisão e abraçou o circo em 1979. E mais tarde pesquisadora e especialista em Circo. Trabalhou na FUNARTE (Fundação Nacional de Arte), deu aulas na Escola Nacional de Circo e no Afro Reggae, organiza as seleções de artistas para o Cirque du Soleil no Brasil, é fundadora do Comité pró-criação da Associação Nacional de Pesquisadores de Circo (ANPC) e representante do Circo no Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC). 10 tomadas pelos faraós. Estes no entanto, permitiam o que era falado pelos clowns por acreditarem que tais pessoas em posição inferior a deles não tivessem inteligência suficiente para dizer qualquer coisa considerável. Na Índia temos a figura de Vidusaka, o servo do herói mítico que ajuda o povo a compreender todo o enredo dos dramas sânscritos, ao traduzir o texto para o povo no dialeto utilizado por eles. Em Roma temos a figura do stupidus e os Cicirrus. Este último era o nome dado aos tontos que faziam rir por suas trapalhadas, de quem teriam se originado os bobos da corte. Foi na Idade Média que a figura do bobo alcançou seu apogeu. Há relatos históricos de casos de mulheres que também exerciam este ofício de bobo da corte. Na Idade Média observamos uma religiosidade tão intensa, que o sufocamento diante de tantas regras e proibições impostas pela Igreja na época fez surgir as festas e folias como formas de desviar esta religiosidade. Estas festas foram se tornando grandes eventos em que a principal função era a inversão de valores. Dentro deste movimento, surgem estimulados por exigência de um público ávido por poesias satíricas e paródias, os poetas e cômicos. No início do século XVI surge a Commedia dell’Arte na Itália. Nota-se neste período uma grande profissionalização a respeito do ofício do ator no uso da comicidade em seu trabalho, ou seja, uma preocupação em diferenciar ator e personagem, uma nova idéia de estudo e desenvolvimento de uma figura cômica. Os personagens da Commedia dell’ Arte possuíam características tão bem definidas “que os atores acabavam assumindo seu personagem por toda a vida” (CASTRO, 2005, p 44). Podemos destacar também os Zanni, que eram comumente os servos. Zanni, servo estúpido, era também o Pagliacci (origem de “palhaço” em português - e que em italiano e em português significa o mesmo que clown em inglês), este personagem constantemente aparece em dupla. Havia também os espetáculos de Mistérios e Moralidades promovidos pela igreja, em que a comicidade ficava a cargo dos personagens do Diabo e do Vice, este último representava todas as fraquezas humanas. Porém a partir de 1550 é incorporado um terceiro personagem cômico, o rústico. 11 Mais à frente o conceito de rústico passa por transformações e por volta de 1580 a 1590 passa a ser diferenciado de um clown para ser referido como o clown. Ou seja, agora suas características são bem definidas, pois conquista uma identidade. Na cena elisabetana ele ganha esperteza e uma posição social mais elevada. Sua linguagem também passa por evoluções2. Clown é uma palavra inglesa derivada de colonus e clod, palavras de origem latina que designam os que cultivam a terra, a mesma origem da portuguesa, colono. Clown é o camponês rústico, um roceiro, um simples, um simplório, um estúpido caipira. De início, o sentido era apenas o de roceiro, mas a conotação pejorativa vai se entranhando aos poucos e clown passa a identificar um roceiro estúpido e bronco. (CASTRO, 2005, p 51). Mais adiante, em 1768 na Inglaterra, estão em voga os espetáculos eqüestres, onde a companhia do sargento Philip Astley realiza espetáculos no qual utilizam exercícios eqüestres com façanhas dos artistas de feira. Porém é atribuída a Astley a descoberta de que 13 metros de diâmetro são a medida ideal para que a força centrífuga ajude o cavaleiro a manter-se de pé sobre o cavalo. Há então, a redescoberta do círculo na apresentação dos espetáculos, trazendo de volta a milenar arena dos gregos e a roda das praças públicas. É nesse período que surge a figura do palhaço de circo. Havia então o palhaço a cavalo, com seus mais variados números de equitação e comédia, e o palhaço da cena, que agrupa diferentes tipos de cômicos, eles apresentaram-se nos circos europeus nos últimos anos do século XVIII e nas últimas décadas do século XIX. São eles os palhaços de tablado de feira; os diferentes tipos de criados da Commedia dell’Arte, o clown da pantomima, o jester shakespeariano e o clown inglês e suas tradicionais cenas. Com isso o palhaço de circo foi considerado um personagem cômico novo, que além dos números a cavalo, de equilíbrios e saltos, mais tarde irá acrescentar outra forma de comicidade em sua cena: o diálogo com o mestre de pista. O mestre de pista era quem comandava a disciplina, e também representava a autoridade máxima no picadeiro. Portanto o palhaço e o mestre de pista logo viraram a 2 CASTRO (2005 p. 51): Sua linguagem também evolui. Se expressa com palavras difíceis, num linguajar complicado, cheio de hipérboles, que o aproxima dos Dottores da Commedia dell’arte e dos charlatões de feira. 12 primeira dupla de cômicos tipicamente circenses, pelo fato de serem o contraponto um do outro. De um lado, a estupidez, a anarquia, o insólito e a bobagem do palhaço e, de outro, o poder, a ordem e o equilíbrio do mestre de pista. Uma relação perfeita para criar conflitos entre os dois, e daí nascer a improvisaçãoe a graça do humor circense. As duplas estiveram presentes na arte da comicidade em diversas épocas. Citamos anteriormente a figura de Vidusaka na Índia. Porém não enfatizamos seu companheiro de cena, Vita, que simboliza a figura do malandro sagaz, em junção do estúpido idiota, Vidusaka. Temos também referências da dupla presente nos Zanni, servos estúpidos da Commedia dell’arte, que possuíam a característica de um ser esperto e malicioso, e o outro, estúpido e ingênuo. Encontramos também a figura do Charlatão – farsante, mercadejador (comerciante), prestidigitador (ilusionista) - e seu comparsa, que atrai os compradores e prepara o ambiente para em seguida o vendedor farsante poder realizar sua apresentação. E assim, podemos citar novamente os espetáculos dos Mistérios e Moralidades, organizados pela igreja, com as figuras do Diabo e o Vice, este a partir de 1550 ganhará um companheiro: o clown, personagem rústico, ingênuo, medroso, que vai se desenvolvendo e se transformando num elemento risível. Este clown vai se modificando e já nas cenas eqüestres dos picadeiros o encontramos com sua dupla, o Mestre de Pista. Depois podemos ainda citar o surgimento da dupla do clown-branco e o Augusto. Embora para Alice Viveiros de Castro, a história seja sempre um tanto mais complexa. Ela relata que: Muitos livros tentam forçar uma linha reta e rígida que começa com o palhaço acrobata – o imitador dos números de destreza -, segue com o clown-branco – reduzido a um mímico de picadeiro – e termina na chegada do augusto, a figura cômica dominante, mistura de grande idiota e vagabundo, que toma conta da cena para sempre. (CASTRO, 2005, p 64). Contudo precisamos relatar que de fato existiu o surgimento deste clown chamado augusto, até hoje um dos mais presentes e em atividade. A grande novidade deste personagem, de acordo com a pesquisadora Alice, é o fato de que ele se apresenta como um empregado do circo, mais próximo do homem, sem utilizar muita maquiagem, apenas um 13 nariz pintado um pouco de vermelho dando a impressão que tivesse exagerado na bebida, paletó, calças largas, sapatos com números maiores que os seus e cabelos desajeitados. Características diferentes de um clown à la Grimaldi – mestre na arte da pantomima -, como diz Castro (2005), que continha traços bem marcantes: o rosto pintado de branco com grandes manchas vermelhas marcando as bochechas, a boca vermelha dando a sensação de um sorriso rasgado à força e uma peruca com os cabelos espetados. A face do augusto tal qual conhecemos hoje teria sido criada por Albert Fratellini, em 1910. Seu augusto era uma figura extremamente idiota e possuía: “(...) um visual tão hiper-super-extra-incrível e exagerado, que mudou a face dos palhaços dali por diante” (CASTRO, 2005, p 71). Realizamos esta grande volta no passado histórico do clown pelo continente Europeu e Asiático para iniciarmos agora uma busca no universo brasileiro de comédia. As artes circenses chegaram ao Brasil através das caravelas, mas de acordo com Castro (2005, p 86): Não podemos falar de espetáculos circenses, no sentido atual, acontecendo no Brasil colônia, mas o jeito brasileiro de ser artista estava sendo formado ali, durante os séculos XVI e XVII. A história das diversões no Brasil está repleta de saltimbancos, volantins, funâmbulos e cômicos – desde sempre. No Brasil, de acordo com Castro (2005 p 104): “(...) aconteceu um fenômeno: nossos palhaços tocavam violão, compunham modinhas e viraram cantores. (...) A tradição do humor apoiado na palavra e na música vem das festas populares (...)”. Eles possuíam em seus repertórios canções cômicas, picantes e teatralizadas como uma das características mais marcantes. Um dos maiores responsáveis pelo nascimento do clown de palco aqui no Brasil foi Benjamin de Oliveira, um dos palhaços mais “inventivos e queridos do Brasil” (CASTRO, 2005, p 171). Foi no circo Spinelli que Benjamim, a princípio, contra a vontade do dono lançou o que seria o circo-teatro – “(...) o verdadeiro teatro popular do Brasil que, por quase 60 anos, foi o teatro preferido das populações do interior e das camadas populares das grandes cidades” (CASTRO, 2005, p 174) - um movimento que traria para dentro do espetáculo circense todas as expressões artísticas daquele período. 14 [...] eles estão “descobrindo um circo novo”. Estão descobrindo um palhaço. E é interessante porque o circo não inventou o palhaço. O palhaço já existia. O palhaço depois vai se tornar um palhaço de circo, um palhaço na rua, um palhaço no teatro. (SILVA, 2006). Ao que nos parece, o clown começa a ser uma figura que todo mundo deseja inserir no seu espetáculo, festa, folia, entre outros. Ele está presente em quase todas as formas de comemoração que se conhece, seja como palhaço, clown, augusto, bobo, acrobata, cantador, charlatão e outros tipos. Mas aparece sempre para alegrar os convidados, crianças e adultos ou para inverter os valores da sociedade, espantar o medo, divertir, romper barreiras, transgredir. E neste grande número de funções uma delas é primordial, fazer rir. Hoje em dia podemos encontrar diversos tipos de clown atuando nas mais variadas funções. Há clown de televisão, de cinema, os que fazem malabarismos nos semáforos, os de hospital, de presídio, os que atuam na Cruz Vermelha, os de palco, de circo, aqueles que encontramos nas Folias de Reis, nos folguedos e nos bonecos de Mamulengos. Já existem também vários encontros anuais e oficinas de clown, seminários e cursos. Existem hoje diversos trabalhos acadêmicos3e livros4 sobre o assunto, que permitem divulgar e aumentar o conhecimento sobre a arte de fazer rir. Mas, por todos esses lugares onde encontramos o clown e de todas essas figuras que ele representa, nos identificamos nesta pesquisa pela virtude que tem de fazer o próximo rir através da comunicação que estabelece e da própria identificação que ele, o clown, nos permite, ao vermos suas fraquezas, medos, ridículos e fragilidades. Ao nos refletirmos em seus olhos, “janelas de sua alma, espelhos do mundo5” nos vemos seres humanos, tal como somos. Longe das perfeições, dos erros, dos acertos, das coisas 3 DORNELLES (2001); MARTINS (2004); PIZA (2006); FEDERICI (2004); KASPER (2004), dentre outros. 4 LECOQ (1987), FELLINI (1986), TESSARI (1997), dentre outros. 5 CHAUI, (1988, pp. 33-4): Porque cremos que a visão se faz em nós pelo fora e, simultaneamente, se faz de nós para fora, olhar é, ao mesmo tempo, sair de si e trazer o mundo para dentro de si. Porque estamos certos de que a visão depende de nós e se origina em nossos olhos, expondo nosso interior ao exterior, falamos em janelas da alma. (...) Porém, porque estamos igualmente certos de que a visão se origina lá nas coisas, delas depende, nascendo do “teatro do mundo”, as janelas da alma são também espelhos do mundo. 15 cotidianas. Pelo espelho do mundo ele se revela e mostra para todos o que enxerga também através das janelas de nossas almas. 16 3. ENTENDENDO O ATOR ATRAVÉS DO CLOWN “O palhaço é hoje um tipo que tenta fazer graça e divertir seu público por meio de suas extravagâncias; ao passo que o clown tenta ser sincero e honesto consigo mesmo” (BURNIER, apud ICLE, 2006, p. 14). Entre todos os elementos que identificam a figura do clown, desejo abordar um aspecto essencial: o ator em seu processo de criação utilizando-se do clown através de seu caráter único e verdadeiro – no que diz respeito à utilização de suas próprias fragilidades para a construção de seu trabalho - como uma possível ferramenta na construção de uma personagem, a fim de alcançar um estado de presença em cena. A partir da busca do teatro pelo clown, hoje muitos atores e estudiosos das artes cênicas e circenses têm procurado descobrir o seu próprio clown através da significaçãoe compreensão que ele exerce no seu próprio fazer teatral, pois, “a graça é construída não pela tentativa de fazer coisas engraçadas, mas na busca de sua maneira própria de fazê-la” (MASETTI, 2001, p 31). Após a Guerra fria, encontraremos um movimento no qual o teatro e o circo buscarão um no outro uma forma de inovar e revigorar seus objetivos e especificidades. O teatro buscará reencontrar sua origem nas feiras e no circo, explorando a força e a capacidade artística das artes do povo. Meyerhold, Karl Valentin e Brecht, vanguardistas do início do século XX, vão à frente deste movimento. “Mergulharam nas feiras, nos picadeiros e procuraram assimilar outras linguagens e culturas (...)” (id. ibid. p 209). O circo talvez tenha sido o último segmento artístico a render-se à educação formal. Já no século XIX tinham sido criados e institucionalizados o ensino da dança, da música, da pintura e do teatro. Porém, o saber circense continuou sendo passado de pai para filho e de mestre para discípulos por meio de exemplos e de treinamento duro e repetitivo até os anos 80 do século XX. Desde então alguns mestres e pesquisadores teatrais encantados com o ofício do palhaço vêm desenvolvendo metodologias para aprimorar tanto o estudo dos processos de criação do ator - a respeito de novas técnicas e ensinos para a formação do trabalho do ator 17 - quanto o próprio trabalho do palhaço, no que se refere ao seu crescimento e desenvolvimento artístico e criativo também. Copeau, diretor francês, inicia uma grande revolução nas artes cênicas e cômicas ao instaurar uma nova linha de pensamento diferente daquela estabelecida por Stanislavski, embora o considerasse como mestre em sua pedagogia. Gilberto Icle (2006), em seu estudo a respeito da consciência nos processos criativos do ator, considera que Stanislavski acreditava na consciência “(...) como método que domina e controla o fluxo de vida criador”, enquanto Copeau “(...) tenta minimizar a razão e, em particular, o pensar do processo, para que algo mais profundo que a consciência superficial venha a emergir” (ICLE, 2006, p. 10). Copeau, trabalhará com a chamada via negativa – que consiste basicamente na eliminação dos bloqueios, identificando o que obstaculiza o processo criativo do ator e promovendo um encontro proposital com estes obstáculos, tais como a própria autocrítica. Para este diretor, a máscara era compreendida não somente como um “suporte de expressão, mas como um instrumento poderoso de conexão com o universo interior do ator” (ICLE, 2006, p. 09). Os exercícios de iniciação ao clown que baseiam nossa pesquisa prática estão intimamente ligados a este movimento, nos proporcionando uma consciência de nossos ridículos, de nossas fragilidades e da nossa autocrítica para utilizar esta consciência a favor do nosso trabalho. No qual, percebendo nossas fraquezas, podemos nos esvaziar delas e traçar caminhos opostos e/ ou novos para alcançar a comunicação com o público, ou seja, o estado de presença em cena. Copeau busca, através da neutralidade, proporcionar um estado criativo no ator. Este conceito seria reeditado anos mais tarde por Grotóvski, que também influenciaria Eugênio Barba e outros diretores, como Peter Brook com seu conceito de “vazio”, herdado também dos estudos de Copeau a respeito da neutralidade. Copeau e seus discípulos encorajam “um vazio de pensamento para aí instalar a criação plena” (ICLE, 2006, p. 11). Este diretor irá influenciar também outros diretores e pesquisadores que utilizariam o conceito da eliminação dos bloqueios do ator para a construção de um estado criativo, na construção de uma figura cômica, o clown. 18 Jacques Lecoq, especialista em educação física, um pesquisador com afinidades com as inúmeras possibilidades expressivas do corpo humano, encantou-se pela figura do palhaço, por seu humor, intensidade e emotividade que causava nele. Mas não se identificou com os palhaços de picadeiro que se apresentavam no seu tempo, os quais muitas vezes utilizavam um humor mais simplista e rasgado6. Foi um dos tantos que marcaram época, deixando legados importantíssimos tanto para a arte da comicidade como para a teatral. Copeau foi o responsável por trazer Lecoq para o teatro. Lecoq que era um mestre do teatro, inseriu o palhaço de circo (onde ele realmente estava) dentro do teatro como forma de trabalhar o ator em seus processos de criação, como aprimoramento de suas técnicas e não somente para aprender a linguagem cômica do palhaço (PUCCETTI, 2006). Lecoq especializou-se, ainda, no estudo da Commedia dell’Arte, mímica e clowns7, foi mestre de Philippe Gaulier e Luiz Octávio Burnier. Burnier foi uma grande referência que tivemos no Brasil deste novo processo de iniciação do clown dentro do teatro. Burnier foi aluno de Jacques Lecoq em Paris, chegando ainda a estudar com Etienne Decroux - mestre da mímica, ator e pedagogo. Chega a ficar amigo de Eugenio Barba e através de seus estudos funda em 1985, o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais (LUME), aonde se realizam estudos a respeito da linguagem do clown e das diversas linguagens teatrais. Lecoq e Philippe Gaulier serão os grandes responsáveis pela “moda” do palhaço de palco. Lecoq em um de seus trabalhos8 afirma que para um clown de palco, não basta apresentar-se ao público fracassando naquilo que procura realizar, com uma roupa típica e 6 Segundo Castro (2005, p. 210), Lecoq era: [...] um pesquisador sério e apaixonado pelo movimento e pelas inúmeras possibilidades expressivas do corpo humano, encantou-se com a figura do palhaço. O humor, a intensidade, a emotividade despertada pela figura estranha e insólita deste personagem encantavam o artista, mas ele não se identificava com a palhaçada de picadeiro, com o humor rasgado muitas vezes óbvio e simplista dos palhaços de circo do seu tempo. 7 Segundo CASTRO (2005, p. 66): Tristan Rémy define de forma interessante como usar o termo clown. Segundo ele, quando no singular – o clown – estamos nos referindo ao clown-branco, o parceiro do augusto, mas quando usamos o plural – os clowns – estamos falando dos palhaços em geral: clowns, augustos, excêntricos, grotescos. 8 Segundo Castro (2005, p.211), Lecoq relata que: (...) Não basta, para um clown de teatro, apresentar-se ao público fracassando naquilo que procura realizar e com uma roupa típica e nariz vermelho. O clown profissional deve saber realizar seus fracassos com talento e trabalho. Os clowns do teatro fundamentam-se mais sobre o talento do comediante que sobre o do acrobata; sem o nariz vermelho, eles animam um mundo geralmente absurdo e trágico. Em companhias, montam peças curtas criando seus personagens a partir de si mesmos, caricaturando a si mesmos. 19 nariz vermelho. Mas ele, como clown profissional que é, deve saber realizar seus fracassos com talento e trabalho. Ou seja, o clown de palco agora além de passar por um processo de iniciação diferente do que era vigente nos circos, também aprende técnicas e exercícios que fundamentem seu ofício. De acordo com Burnier, um dos fomentadores deste novo movimento herdado por Copeau, a iniciação ao clown é um momento delicado no qual se expõe o indivíduo ao ridículo, porém, fora dos picadeiros a iniciação ao clown tenta recriar esta situação particular, no qual cada palhaço de circo passa naturalmente em algum momento de sua vida antes de se tornar palhaço. Um ator não circense, entretanto, precisa atravessar este processo de desenvolvimento do seu próprio clown “de outra maneira9”. Este novo modo de iniciação ao clown, a busca de novos artistas pela sua arte para dinamizar e potencializar estados criativos em seu trabalho foi o motivo pelo qual também nos interessou a encontrar no clown, possíveis respostas a respeito do ofício do ator e suas diversas possibilidades expressivas no campoda atuação. Mais especificamente o estudo da diminuição da autocrítica, através do conceito da via negativa iniciado por Copeau e mais tarde utilizado por Peter Brook com o conceito de vazio para a construção de um estado criativo no trabalho do ator visando alcançar um estado de presença em cena. Gostaríamos de citar também uma profissional considerada uma estudiosa do clown de palco, que é Ana Luisa Cardoso, uma das primeiras a desenvolver este trabalho no Brasil, com sua palhaça Margarita. Ana Luisa, também aluna de Philippe Gaulier, aprendeu com ele técnicas de clown, bufão e melodrama. Esta atriz pôde assim também conhecer a linguagem do clown e suas técnicas através de Mario Gonzáles com quem aprendeu o jogo do Platô – um dos exercícios de iniciação ao clown - que tivemos contato em nossas aulas durante a graduação. Esta experiência foi o “incidente critico10” que ocorreu conosco durante o módulo de Comédia ministrado por Ana Luiza Cardoso, no 5° 9 Para Burnier (1994, p.255): A iniciação é um momento delicado no qual o indivíduo é exposto ao ridículo. A iniciação do clown tenta criar esta situação particular que faz parte do cotidiano do circo. Um ator não circense, no entanto, deve atravessar este processo por outros meios. Por ser um processo profundo vivido de maneira condensada, procuro sempre realizá-lo em situação de retiro. 10 Mais de trinta anos de investigação sobre incidentes críticos, de acordo com FRANKRYKER (2002, p.3) mostram que o trabalho do professor pode levar a uma diferença importante nas experiências educativas dos alunos. A capacidade de criar ambientes favoráveis de aprendizagem na sala de aula pode supor um desafio, sobretudo quando o docente utiliza um “incidente crítico” buscando apontar caminho para que os alunos busquem respostas para questões surgidas em aula. 20 período do Curso de Artes Dramáticas da UniverCidade, contendo ensinamentos a respeito da linguagem do clown, e foi um dos motivadores da realização deste trabalho. 21 4. ESTADO DE PRESENÇA “O instante do ato não se renova, existe por si mesmo: repeti-lo é dar-lhe um novo significado”. (Lygia Clark) Consideramos estado de presença o instante em que o ator consegue unir a capacidade que tem de articular as ações na cena - desenvolvê-las de forma consciente de acordo com o objetivo da cena - e a capacidade que tem de livra-se de idéias pré- concebidas e pensamentos já estruturados para deixar sua criatividade fluir, deixando este estado criativo nascer em cena – convertendo-o em forma. 4.1. O Nascimento do Vazio: a Consciência do Momento Presente Peter Brook utiliza o termo “vazio” para designar não apenas o espaço físico do seu trabalho, como também para apontar uma perspectiva da cena voltada para a utilização mínima de informações de modo que se evite o desperdício de imagens e formas. Dessa maneira, busca ativar a imaginação do público e, portanto, novas significações. O vazio refere-se ainda ao espaço interior do ator, um lugar desconhecido que está entre os nossos pensamentos e o momento da concepção do ato: Nascimento é assumir uma forma. (...) É o que na Índia se chama sphota. Este antigo conceito hindu é notável porque seu significado já está no próprio som da palavra. Entre o que não está manifesto e o já manifesto existe um turbilhão de energias informes, e em certos momentos há uma espécie de explosão que corresponde a este termo: “Sphota” (BROOK, 1999, p. 42). Supomos que tanto o vazio de Peter Brook, quanto o termo chamado Sphota referem-se a este estado criativo, cuja tendência do ator de racionalizar seus pensamentos durante a cena, coordenando-os para que suas ações sigam uma estrutura que já foi definida por ele - as marcações, o texto definido – permaneça por um momento em conciliação com 22 uma parte sua que se deixa tornar objeto para a possibilidade da criação. Essa transformação do ator em objeto de conhecimento que requer que uma parte dele permaneça “sujeito”, de qualquer forma, para ter consciência de sua outra parte que é objetivada11. Ou seja, esse estado que caracteriza uma presença do ator em cena é um estado no qual o ator se modifica a partir de suas próprias características interiores, até então guardadas em sua memória psicofísica, porém ocultas, para encontrar outras formas mais significativas de se comunicar: Todos os impulsos humanos direcionados para o que chamamos, de modo impreciso e canhestro, de “qualidade” provêm de uma fonte cuja verdadeira natureza é desconhecida, mas que somos perfeitamente capazes de reconhecer quando se manifesta em nós ou nos outros (BROOK, 1999, p. 49). É um estado em que as possibilidades criativas se deixam transparecer no momento em que o ator deixa de lado todos os pensamentos pré-concebidos, sua autocrítica, e encontra na união corpo-mente a vitalidade na atuação. Um momento em que se sente presente por que se compreende verdadeiro, ou seja, estando em acordo com suas próprias significações diante os objetivos da cena: (...) o conceito de vazio do ator segundo Peter Brook é aquele cujo ator está aberto, disponível, com a mente em estado de alerta - conectado no momento presente. Assim, tem plena decisão e domínio do que faz, quando faz. Está alinhado energeticamente: possui o equilíbrio da mente e do corpo. (ARANTES & SPERANDIO, 2005, p.11). “Estar presente significa integrar corpo e mente numa ação única e indivisível, ao contrário da vida cotidiana, em que podemos agir e pensar em coisas diversas ao mesmo tempo” (ICLE, 2006, p. 32). E o que é necessário para que o ator, nas diversas ocasiões em que exerce seu ofício, em uma cena, apresentação, performance, esteja disponível a viver este momento presente, este estado vivo e criativo? 11 Para Icle (2006, p. 26): “(...) essa transformação do sujeito em objeto de conhecimento requer, de qualquer forma, que uma parte do sujeito permaneça sujeito, para ter consciência de uma outra parte que é objetivada”. 23 Para que o ator possa se encontrar num estado criativo, disponível e aberto aos estímulos da cena, é preciso confiar que o espaço cênico em que se encontra e as circunstâncias serão favoráveis para o nascimento de uma criação artística que possa levá- lo ao estado de presença: “o invisível pode surgir em qualquer lugar, a qualquer tempo, por meio de qualquer um, desde que as condições sejam propícias”, (BROOK, 1999, p.19). Ou seja, durante a cena, o ator está pensando a todo o momento, criando, raciocinando, ligando, conectando ações e falas em seu pensamento e quanto mais preciso e organizado for o espaço cênico em que está inserido e mais consciente ele estiver de suas funções em cena, tanto mais ele se permitirá ousar em suas ações, criando novas possibilidades em sua atuação: “No teatro é possível experimentar a realidade absoluta da extraordinária presença do vazio, em contraste com a confusão estéril de uma cabeça entulhada de pensamentos” e “somente com ensaios precisos, repetidos, e com a experiência dos espetáculos, pode-se provar ao ator que, quando não se procura segurança, a verdadeira criatividade vem preencher o espaço” (id. ibid. pp. 19-20). Nesse sentido, podemos observar que o clown não tende a procurar segurança, ao contrário, age no desconhecido, na improvisação. O clown brinca não só com suas próprias características ridículas, mas também com o ridículo de cada um dos espectadores que está à sua frente, e ao melhor jogar com estas fragilidades em seu trabalho reflete o caráter humano que existe em cada um. Sabemos através do estudo realizado que, ele possui uma linha de ações e textos, também utiliza as gags, os bordões, suas técnicas e sabedoria, porém se ele se prender a uma determinada estrutura, cristalizando suas ações, a qualidadede sua comunicação com o público pode ficar comprometida pelo fato de toda sua valia estar nesta comunicação que estabelece com os espectadores. Para a professora Ana Luiza Cardoso: “a presença do palhaço consiste na comunicação que ele tem com o público12”. Sendo assim, ao fechar-se numa estrutura não poderá brincar com o novo, o imprevisível: “a tendência natural de recusar o inesperado leva inevitavelmente à redução desse universo potencial”, (BROOK, 1999, p. 45). Por isso, notamos que o esvaziamento que o clown utiliza no seu trabalho, a característica de conhecer e dinamizar seus próprios medos e fragilidades, ao mesmo tempo em que traduz estas características na comunicação com o público em um jogo de 12 Anotações de entrevista realizada com Ana Luisa Cardoso em 22.03.2007. 24 improviso torna-se um dos fatores que possibilitam a diminuição da autocrítica no trabalho do ator. Em conseqüência, levando o ator a um estado de presença em cena. Pois esta característica do clown abre o campo do desconhecido em seu trabalho, levando-o a aumentar sua criatividade e assim buscar o novo ao invés do conhecido. A improvisação significa “(...) confrontar o ator o tempo todo com as suas próprias barreiras” (BROOK apud ARANTES & SPERANDIO, 2005, p.119), “(...) sejam elas de ordem técnica, no sentido de ter um domínio vocal e corporal ou de superar o medo”, sendo que “a racionalização excessiva é um mecanismo de defesa para combater o medo de sermos apanhados desprevenidos” (ARANTES & SPERANDIO, 2005). No entanto, o clown necessita alcançar um estado de tomada de consciência de suas próprias fragilidades em seu trabalho criativo para poder precisar com clareza suas ações no jogo com o público. Pois, tudo aquilo que não interfere no pensamento do público, tudo que não interessa nem o modifica, é descartável para o clown. Sendo assim, seu processo de autoconsciência – no qual identifica suas características ridículas – o beneficia na medida em que, quanto mais souber daquilo que lhe causa medo, que lhe fragiliza, mais poderá utilizá-las a seu favor no processo criativo, para alcançar uma maior comunicação com o público. Este processo de tomada de consciência é: “(...) uma espécie de apropriação de si ou das ações próprias numa dimensão que faz a experiência se constituir de forma tão profunda, capaz de construir conhecimento e, por isso, mudar as estruturas do sujeito” (ICLE, 2006, p.37). Sendo assim: (...) o ator clown precisa de uma consciência apurada para um processo que se inicia na identificação de suas próprias fragilidades como pessoa e naquilo que lhe é ridículo (...). Processa-se num caminho complexo de experimentações, no qual a percepção tem papel preponderante e, auxiliada por outros mecanismos cognitivos, é capaz de construir repertórios de estados e ações ridículas, para num último momento serem acionados na presença do público (ICLE, 2006, p. XXII). O próprio processo de trabalho se converte em processo criador, de buscas e de descobertas sempre mais abrangentes. Isto requer que o ator seja receptivo a fim de elaborar coerentemente, no todo que está se formando, a concepção da idéia inspiradora, alcançando um estado de presença em sua atuação. 25 5. OS EXERCÍCIOS DE INICIAÇÃO AO CLOWN Em diversos momentos em nosso processo de criação durante as disciplinas do Curso de Artes Dramáticas da UniverCidade, nos deparamos com um forte censor para as nossas propostas: a autocrítica. Porém, ao realizarmos o módulo de comédia durante um dos períodos do curso, no qual eram realizados exercícios e estudos que abrangiam a linguagem do clown, nos deparamos com uma possível diminuição desta autocrítica a partir do momento em que nos identificávamos com nossas próprias características ridículas, nossas fragilidades e medos e nos permitíamos ser esvaziados de qualquer pensamento pré- concebido, qualquer julgamento próprio ou autocrítica - o que nos dava abertura para alcançarmos um estado de presença em cena. Notamos que as técnicas aprendidas nas aulas ajudam o ator na construção do próprio clown e acrescentam ferramentas para o seu trabalho como ator. São instrumentos que auxiliam à criação, abrindo sua comunicação com o público. Como dito anteriormente, “a presença do palhaço consiste na comunicação que ele tem com o público13”. Os exercícios de iniciação ao clown produziam em nós, dentre outros fatores, estados criativos, propícios para o nascimento de um novo corpo, voz e atitudes relacionadas ao clown em construção. Ou seja, através destes exercícios de organização, construção e aperfeiçoamento para a formação de uma figura cômica, nós pudemos perceber que os aspectos da construção do clown estavam ligados ao trabalho do ator em seu processo criativo na construção do personagem. Mas, como podemos caracterizar esse processo? Definiremos a seguir algumas características dos exercícios estudados, bem como suas relações com os processos criativos do ator. Consideramos que, baseados nas aulas ministradas pela professora Ana Luisa, os exercícios de iniciação ao clown são: alguns jogos, regras e técnicas voltadas à linguagem do clown que criam no ator uma pré-disponibilidade para descobrir suas próprias características ridículas e não só percebê-las, mas também aproveitá-las cenicamente, estruturando-as e organizando-as para a construção de um futuro e possível clown. De acordo com Burnier (1994 p.262): 13 Anotações de entrevista realizada com Ana Luisa Cardoso em 22.03.07. 26 Existem diversos exercícios que confrontam o ator com sua ingenuidade e seu ridículo. Basicamente todos eles buscam colocar o ator em situação de desconforto na qual se opera um arriamento de suas defesas naturais. Nesta situação surge uma série de pequenos gestos que “escapam” ao seu controle. Em francês, estes gestos são chamados de “gestes em fuite”, gestos-em-fuga. Eles são preciosos na composição do clown, pois são como “sementes”, algo muito pequeno, mas que contém um embrião do futuro clown. Referindo-se ao trabalho de Burnier, Puccetti (2006) afirma: O Luis Otávio criou uma maneira através de trabalho em sala. Isso não existe na tradição do circo. Mas pra gente do teatro é assim. Então vai lá, fica na frente de pessoas, constrangido... daí aos poucos você vai descobrindo por onde a sua graça sai. O “Platô”, um dos exercícios de iniciação ao clown, realizados por nós, tem entre outras características a função de manter uma sintonia, conexão entre todos os jogadores, um perfeito estado no qual todos estejam inseridos e presentes. Ele revela o ridículo, o cômico e o lado humano presente nos jogadores. Mas para isso é necessário que todos estejam dispostos a se desfazerem (pelo menos durante aquele exercício) de suas “máscaras” cotidianas – formas que encontramos de dar significados através de expressões faciais, trejeitos, manias e vícios corporais adquiridos com o tempo – a fim de que, através da neutralização, possam encontrar novas formas de significações até então desconhecidas pelos próprios atores. Novas atitudes e um novo meio de se comunicar, que começa a ser o processo de nascimento do clown de cada um dos envolvidos, e mais tarde levará ao aprimoramento do trabalho deste clown. Em todos os jogos percebemos o treinamento para a comunicação que o clown estabelece através do seu olhar com o público. Fazendo com que mantivéssemos sempre a atenção aos estímulos que ele oferecia, correspondendo sempre a ele em suas ações. Os exercícios proporcionavam também uma conscientização do corpo, da respiração, das ações, para que os atores pudessem reconhecer exatamente onde estavam “errando” e transformar os “erros” em utilidade, em técnica. Conscientizando o ator a 27 respeito de si próprio para utilizar suas fragilidadesa seu favor. De acordo com Brook (1999, pp. 57-8), “não podemos ignorar que expressamos incessantemente milhares de coisas com todas as partes de nosso corpo. Não temos consciência disso na maior parte do tempo, o que leva o ator a uma atitude corporal difusa, incapaz de magnetizar a platéia”. E conclui, “ser sensível, para um ator, significa estar permanentemente em contato com a totalidade de seu corpo” (id. ibid. p.17). De acordo com Brook (1999, p 45), no momento em que o ator se depara com o vazio em seu trabalho, naturalmente surge o medo. Medo de seu vazio interior e do próprio vazio no espaço. Nesta hora o ator preenche o vazio realizando ações variadas e desnecessárias para se livrar do medo. Um dos elementos que perturbam este espaço interior é a racionalização excessiva. Sempre que achamos que “essas palavras têm que ser pronunciadas de determinado modo, têm que ter determinado tom ou ritmo...”, infelizmente, ou talvez, felizmente, cometemos um grande erro. (...) uma infinidade de formas inesperadas pode surgir a partir dos mesmos elementos, e a tendência natural de recusar o inesperado leva inevitavelmente à redução desse universo potencial. (BROOK, 1999, p 45). Acreditamos que Brook ao se referir à racionalização excessiva como um dos elementos que diminuem a possibilidade de esvaziamento do ator, está também se referindo à autocrítica. Desse modo, se o ator “(...) tiver consciência do que lhe provoca medo, pode observar como constrói suas defesas. Todos os elementos que dão segurança precisam ser observados e questionados (BROOK, 1999, p. 21)”. O processo de iniciação do clown consiste no contato e na utilização dos aspectos humanos e sensíveis do próprio ator e sua decorrente “corporificação14”, ou seja, na descoberta de novas possibilidades corporais adquiridas do conhecimento de suas características ridículas e da relação que estabelece com o público. A descoberta do clown interior de cada um promove a quebra de “couraças que usamos na vida cotidiana. Mais do que formas estereotipadas, o que causa o riso são as 14 (BURNIER, 1994 p. 265): “A criação do clown, ao longo dos diversos exercícios, significa entrar em contato com estes aspectos humanos e sensíveis do ator, e sua decorrente corporificação”. 28 manifestações autênticas advindas da sensação de desconforto e insegurança do clown diante do público” (BURNIER, 1994 pp. 263-4). Acreditamos, portanto que, de acordo com as afirmações acima e a partir dos estudos de Brook, para que pudéssemos alcançar um esvaziamento de nossas barreiras, seria necessário portanto reconhecê-las para torná-las úteis em nossa criação, utilizá-las ao nosso favor, a fim de alcançarmos um estado presente em nossa comunicação com o público. Sendo assim, nos questionamos se ao termos realizado o módulo de estudos de clown contendo exercícios capazes de nos proporcionar uma diminuição de nossa autocrítica, possivelmente se ao criarmos um jogo baseado nos mesmos exercícios, para a criação de uma personagem em outros aspectos que não o cômico, utilizando um texto definido, poderíamos também encontrar as mesmas qualidades expressivas em nossa atuação e portanto, também um possível estado de presença em cena? Portanto, achamos necessário que a criação deste jogo estabelecesse as mesmas condições que os exercícios de iniciação ao clown apresentam: alguma figura externa, ou alguém que tornasse possível o confronto dos atores com suas fragilidades. Como também, elementos que causassem uma pré-disponibilidade para a racionalização em sua atuação, ou seja, a autocrítica. Dessa forma fazendo com que na hora do jogo, pudéssemos verificar se através da comunicação estabelecida com o público poderíamos reconhecer nossas fragilidades e a partir desse momento nos esvaziarmos de qualquer autocrítica para alcançarmos um estado de presença no jogo. 29 6. FAZER RIR É FACIL? Nossa pesquisa prática consiste na criação de um jogo denominado Fazer Rir é Fácil?, criado a partir de exercícios de iniciação ao clown. Nossa intenção é, através desse exercício, verificar o quanto rir do nosso ridículo permite minimizar a autocrítica e, por sua vez, estabelecer um estado propício para uma investigação de possíveis relações com o público a partir de um fragmento do texto Companhia de Samuel Beckett. O objetivo do jogo é fazer todos os espectadores rirem. As regras: • Cada espectador que rir deve sair do jogo. Até que reste só uma pessoa; • O jogo só acaba quando a última pessoa rir; • O público deve ser fiel e sair realmente do jogo quando rir; • Quando o espectador sair do jogo ele deve se retirar da sala onde está sendo realizado o jogo, para que seu riso não contagie e influencie os outros espectadores que ainda estão jogando; • No início do jogo deve ser estipulado pelo ator que todas as pessoas só devem rir quando realmente acharem graça; • Não precisa rir só por que o que o ator realizou foi “bonitinho”; • O ator é obrigado a ter certeza de que o que está realizando é realmente engraçado; • A partir do momento que o jogo iniciar tudo que o ator fizer deve ser julgado como uma tentativa de fazer os espectadores rirem; • O ator não pode usar a fala para fazer os espectadores rirem; • Se por acaso ele falar alguma coisa ele deverá imitar algo - que algum espectador escolher; • Apenas quando este estiver imitando algo pode usar a voz – mas não pode utilizar palavras prontas, apenas sons vocais; • Se o público não estiver satisfeito com a imitação deve pedir para parar e a partir deste momento o ator deverá continuar seu objetivo em fazer rir novamente - agora sem a utilização da fala; 30 • Quando os espectadores não gostarem do que foi realizado, quando a ação do ator ou, no momento em que ele estiver falando o texto*, não agradar ao público, eles devem escolher entre as palavras: CHEGA! NÃO! ou PÉSSIMO! Dizendo-as Bem Alto, com vigor e decisão; • * Quando o ator conseguir fazer alguma pessoa rir ele deverá falar o texto que decorou, utilizando a sensação de presença alcançada, do momento em que conseguiu alcançar uma comunicação com o espectador e, deverá ser interrompido pelo público se este não considerar que o ator alcançou um estado de presença falando o texto. Ou seja, se não alcançou uma comunicação com o público. Só então deverá retornar a realizar seu objetivo de fazer os espectadores rirem – agora sem fala. 31 6. 1 – Relatório de Atividades Para a realização de nossa pesquisa prática, escolhemos pesquisar baseados nos exercícios de iniciação ao clown um jogo de nossa criação para verificarmos o esvaziamento do ator obtido pelo confronto com suas fragilidades e ridículos a fim de neutralizar sua autocrítica e alcançar um estado de presença em cena. Porém resolvemos defender nossa pesquisa como forma de alcançarmos este estado de presença na construção de uma personagem, ou seja, no seu desenvolvimento. Contudo, utilizamos para tal um trecho da obra Companhia de Samuel Beckett. Esta escolha se deu pelo fato de termos trabalhado esta obra no terceiro período do curso de Artes Dramáticas, na disciplina Ator e Composição – já citada anteriormente. Em que nos relacionamos pela primeira vez com a figura do clown. Companhia, o último romance de Samuel Beckett, é “a última etapa na progressão de seus personagens numa inexorável jornada para a solidão, o imobilismo e o aniquilamento” (SANTARRITA In: BECKETT, 1982 p 6). Assim como em suas últimas obras, em Companhia não existem mais cenários, diálogos, gestos ou qualquer outra coisa. Há apenas o ser humano despido de suas vestimentas físicas e ambientais, “reduzido às mais elementares das questões – por que, sem o ter solicitado, fui lançado neste mundo; quem sou, que quero dizer quando digo “eu”; para onde me encaminho?” (id. Ibid. p.7). Nasobras de Beckett notamos uma deterioração e fragmentação de seus personagens, são eles, vagabundos, velhos, aleijados, habitando os lugares mais improváveis, como latas de lixo e cilindros de borracha. Eles se encontram “simbolicamente e de fato, no fundo do poço da existência humana15”. É como se o autor revolvesse a massa informe e borbulhante da existência humana para de lá arrancar, após um exaustivo trabalho – para ele e para o leitor -, uma gema preciosa, uma luz que, de tão intensa, produz aquela lucidez alucinante que só os loucos e os santos podem ver, mas não contemplar – apenas um fulminante vislumbre de compreensão, que escapa antes de ser captado, como um êxtase16. 15 (SANTARRITA In: BECKETT, 1982 p. 8): “Esses seres, que tocaram o fundo da escala social e existencial, se encontram também, simbolicamente e de fato, no fundo do poço da existência humana, onde só contam as questões básicas”. 16 Id. Ibid. p. 9. 32 Talvez, o “vazio” de que falamos também esteja interligado com a obra Companhia de Beckett utilizada em nossos estudos práticos. Pelo fato de acreditarmos ser também o estado de presença um momento em que o ator pode alcançar um estado criativo tão livre de preocupações, medos e autocríticas a respeito de seu próprio trabalho, que faz com que a idéia inspiradora que até então estava armazenada nos seus pensamentos se torne forma em ação. Parece que podemos observar em seus textos um esvaziamento no qual ao despir seus personagens, situando-os a uma condição simples acaba revelando as características mais intimas do ser humano. E assim, acreditamos ser o que nos identifica em seu trabalho. Em Companhia encontramos o homem em sua completa essência e desnudamento, buscando se identificar acima de tudo. Buscando companhia. Um homem que está deitado no escuro recebe impressões, determinadas fases de sua vida vão surgindo do escuro onde se encontra e ele só as reconhece por que uma voz assim o diz e lhe faz companhia. Também não sabe dizer ao certo se esta voz fala com ele - se ele próprio está lá - ou possivelmente se fala de uma outra pessoa também deitada no escuro. Muitas vezes questiona sua própria existência abolindo a idéia desta voz que lhe faz companhia, ao pensar ser sua a voz que fala no escuro. Não lhe resta nenhuma certeza, está só ou acompanhado? Constatamos que Beckett foi acima de tudo, pesquisador do ser humano, de sua existência e condição. E teve que buscar além da superfície do homem o caminho para compreender a sua essência. Foi preciso muitas vezes observar o seu lado mais obscuro. Identificar-se com suas fragilidades e seus medos. Mais do que ter ido buscar no abismo do ser humano suas significações, Beckett transformou em obras de arte todas as suas inquietações e crenças. E assim, através de Companhia, nos identificamos com a busca deste autor pelo “vazio” cheio de significados e pela sua influência na nossa própria busca pelo “vazio” e o humor no trabalho do ator como forma de desnudamento de seus ridículos para alcançar vivacidade em sua atuação. 33 1º Dia de Experimentação Prática: 03-09-2007. Para o primeiro dia de experimentação prática, começamos realizando uma primeira e rápida explicação ao público sobre o jogo e seguimos a sua realização, a partir de suas regras básicas, a princípio estabelecidas. Realizamos o jogo duas vezes neste dia. Na segunda experiência, o público nos solicitou que as pessoas que saíssem do jogo fossem para fora da sala onde o jogo estava sendo realizado, pois os espectadores que haviam saído do jogo e continuavam permanecendo na sala - regra estabelecida por nós - estavam induzindo os outros espectadores a rirem, contagiando-os com suas risadas, mesmo que os espectadores participantes do jogo não estivessem com vontade de rir. Então solicitamos aos jogadores que saíssem da sala. Resolvemos organizar este relatório dividindo as informações obtidas durante as experimentações dentro de alguns temas – comunicação, autocrítica, esvaziamento, ação e texto. Algumas informações poderão muitas vezes se encaixar em outros temas, porém achamos mais importante considerá-las dentro da formatação exibida. Perguntas dos espectadores: • 1ª - Se nós já havíamos preparado algo antes de realizarmos o jogo, alguma seqüência de ações, pelo fato de terem achado que nós seguíamos um certo “padrão” de ações e movimentos. • 2ª - O por quê de termos inserido o texto no jogo. • 3ª - Qual a finalidade do riso. Por que não o choro? Causar o choro nos espectadores, ao invés do riso. Para nós: • 1ª - Apesar de não termos preparado nada antes, percebemos que seguíamos realmente um certo estilo de movimentos e que só em alguns momentos saíamos dele. • 2ª - Inserimos um trecho do texto Companhia de Samuel Beckett pelo fato de querermos pesquisar o estado de presença alcançado na construção de uma personagem, não só na linguagem cômica do clown, como também encontrar o esvaziamento proporcionado pelos exercícios de iniciação ao clown a partir do 34 confronto do ator com suas fragilidades na criação de um jogo que possa ser utilizado em um possível treinamento do ator em seus processos de criação para que através da diminuição da autocrítica ele possa alcançar um estado de presença em sua atuação. • 3ª - Escolhemos o riso por termos estudado a linguagem cômica através do módulo de comédia ministrado pela professora Ana Luiza Cardoso e com esta linguagem termos nos identificado em nossos estudos. Mas não necessariamente o que fizéssemos durante o jogo faria o público rir, muitas pessoas possuem uma reação diferente para cada ação. Apesar de nosso objetivo no jogo ter sido fazer os espectadores rirem. Comunicação: Percebemos que só pelo fato de estarmos realizando “qualquer coisa” para fazer o público rir não significaria que seria engraçado. Pelo contrário, quando fazíamos um movimento sem estabelecermos uma comunicação ou relação com algo era desinteressante e podíamos perceber pela reação do público. Isso nos forçava a buscar uma forma mais autêntica, mais proximal de nos comunicarmos. Uma comunicação mais íntima com cada espectador. Muitas vezes essa comunicação mais íntima com somente uma pessoa, proporcionava o interesse de outras e também o riso delas. Autocrítica: Os espectadores percebiam o momento em que nos criticávamos – quando desistíamos de continuar um movimento. Eles acreditavam que se continuássemos o movimento, com certeza conseguiríamos fazer alguém rir. Nós também percebíamos quando estávamos nos julgando. Ou então quando estávamos fazendo “de qualquer jeito”. Quando conseguíamos fazer alguém rir e a partir deste momento também ríamos junto, não aceitávamos o nosso próprio riso como sendo parte do estado de presença alcançado e perdíamos o estado presente alcançado para começarmos outra relação. Ao invés de utilizarmos o estado da risada em nossos improvisos com o texto. 35 Esvaziamento: Quando percebíamos que estávamos nos criticando ou fazendo “de qualquer jeito” a ação, tentávamos nos esvaziar para olhar através do público, de suas reações para compreender o que eles queriam para poder fazê-los rir. Ou seja, nos modificarmos através dele para alcançar um esvaziamento. Às vezes, o esvaziamento era voluntário, outras vezes era produzido. Nós o produzíamos quando tínhamos a consciência da autocrítica e então nos forçávamos ao esvaziamento interior de pensamentos para estarmos mais presentes. Texto: Quando conseguíamos fazer o público rir, inseríamos o texto que havíamos decorado. As pessoas que riam saiam do jogo e assim, começávamos a falar o texto para aqueles que ficaram. No início o processo de inserir o texto dentro do estado de comunicação que havíamos estabelecido com o público, era mais lento. Como se alcançássemos um estado de presençadurante a relação com os espectadores e deixássemos de lado toda a comunicação e presença psicofísica alcançada só para falar o texto. Ou seja, não utilizávamos os estímulos presentes nessa comunicação para desenvolvermos nosso texto. Havia uma quebra de raciocínio na passagem do jogo para a fala do texto. Ficávamos fechados a um certo padrão de como falar o texto – já criado em nosso corpo e voz e estabelecido em nossa mente - sem novos movimentos, nuance de voz, utilização dos estímulos. Posteriormente tivemos a consciência de que éramos livres para criar utilizando os estímulos do jogo na improvisação do texto falado. Assim, nossa compreensão foi aumentando e começamos a utilizar não só o estado de presença alcançado, mas, o corpo novo que fora descoberto, a respiração e muitas vezes a seqüência de raciocínio que estávamos tomando no jogo. Ao invés de abolirmos por completo o que havíamos alcançado até o momento do riso dos espectadores. Notamos também que quando estávamos falando o texto e durante a fala desviávamos o olhar e conseqüentemente a atenção do público, na maior parte das vezes os espectadores pediam que parássemos de falar o texto. Isto também acontecia quando nos distanciávamos dos estímulos que eles estavam nos dando para irmos buscar através da 36 racionalização os estímulos para a improvisação do texto. Ou então acontecia de falarmos o texto sem vontade, só para cumprirmos uma regra e então nos fechávamos à comunicação do público. Havia casos em que, mesmo tendo feito o público rir não achávamos que era conseqüência de uma certa relação que havíamos estabelecido com ele. Levando-nos a talvez pensar que quando isto acontecia era por que havíamos estabelecido uma certa comunicação com o público, mas não notávamos, ou que talvez não se possa comparar e relacionar o sentimento de comunicação que o ator sente em relação ao público e o sentimento de comunicação que os espectadores sentem em relação ao ator. Ação: Podemos notar através da gravação que fizemos do jogo que para fazer o público rir era preciso estar o tempo todo em movimento e quando parávamos, notava-se que era porque estávamos pensando no que fazer. Ou seja, para que estivéssemos sempre em comunicação com o público era preciso estar realizando sempre alguma ação ou movimento. Por que, se parássemos talvez fossemos buscar através da racionalização algum modo de fazer o público rir, formulando as ações em nossos pensamentos. Notamos que fazíamos mais movimentos aleatórios do que ações físicas propriamente ou algo que fizesse relação com algum tema. Encontramos neste dia maior disponibilidade para a criação a partir dos estímulos do corpo e sua utilização nas improvisações para fazer o público rir. Era muito constante a utilização de movimentos cotidianos, gestos prontos, conhecidos. Apesar de tudo notamos que fazer “qualquer coisa” era diferente de fazer de “qualquer jeito”. Às vezes, estar fazendo “qualquer coisa” nos ajudava a encontrar algo novo, diferente. Consideramos a expressão “qualquer coisa”: desde o maior movimento ao menor gesto, um olhar, uma ação, tudo que viesse na nossa cabeça durante o jogo e que estivéssemos com vontade de realizar. E consideramos “de qualquer jeito”: a falta de objetivo no jogo, a preguiça de realizar o exercício proposto, o desânimo, a falta de comunicação com o público e relação com os estímulos que ele dava. 37 2° Dia de Experimentação Prática: 04/09/07. Começamos novamente a realização da Experimentação com a explicação a respeito do jogo e desta vez já estabelecendo que as pessoas que rissem deveriam se retirar da sala. Neste dia já havia novas pessoas participando do jogo. E também algumas pessoas que estavam presentes no dia anterior. Comunicação: Tanto as relações com as novas pessoas quanto as relações com as já conhecidas trouxeram uma outra interação durante o jogo, outra comunicação. Nos parece que criamos um certo tipo de raciocínio no qual, se realizássemos alguns movimentos aleatórios em algum momento do jogo alcançaríamos um estado de comunicação com o público. E ficamos confiantes de que isto aconteceria. Já esperávamos que o público risse, de uma forma ou de outra. O que achamos ter dificultado ainda mais nosso jogo. Neste caso, o público ficou mais de cinco minutos sem rir, o que não aconteceu no dia anterior. Sabíamos que tanto o público do dia anterior como o deste dia esperava que fizéssemos algo engraçado, e isso também dificultava para nós no jogo o trabalho criativo. Autocrítica: Nos sentíamos obrigados a fazer algo engraçado – embora tenhamos estipulado este fato como uma regra do jogo. No dia anterior não nos sentíamos de fato obrigados, como se não precisássemos nos sentir de tal forma, pois já estávamos realizando suas regras naturalmente, sem que estivéssemos conscientes delas, porém, realizando-as. Inevitavelmente ficávamos fazendo comparações entre a realização do jogo deste dia e o jogo do dia anterior. Estas comparações fizeram com que deixássemos de realizar certos movimentos ou ações pelo fato de estarmos diante do público que já havia presenciado o jogo no dia anterior e pelo medo de repetirmos alguns gestos usados no dia anterior. 38 Percebemos que isto diminuía a nossa capacidade de disponibilidade perante o público, porque estávamos apreensivos em saber que eles poderiam reconhecer nossos gestos e movimentos, caso repetíssemos eles. Então reduzíamos pelo medo nossa capacidade criativa e não só pelo medo, mas, pela autocrítica que sentíamos de estar realizando algo parecido. O que na ocasião nos produzia algum tipo de pensamento, de vergonha e aflição fazendo com que não arriscássemos. Notamos que muitas vezes estávamos realizando apenas “clichês” ou “qualquer coisa” diante do público apenas para fazê-lo rir (que era nosso objetivo), porém, a consciência demasiada deste fato em vários momentos nos proporcionava uma autocrítica. Que não permitia pensar que através de “qualquer coisa” talvez pudesse surgir uma espontaneidade criativa, um esvaziamento para alcançarmos a comunicação com o público. Em vários momentos questionávamos a nós mesmos dentro do jogo, se estaríamos fazendo certo ou não, ou se podíamos fazer “isso” ou “aquilo”. Acreditamos que estes tipos de pensamentos e dúvida façam parte do quadro da autocrítica – que impedia nosso esvaziamento. Ação: Pelo fato de termos assistido à gravação que fizemos do jogo do dia anterior criamos já em nossa mente alguns pensamentos a respeito do que havia acontecido, tanto na comunicação com o público, como da própria descoberta a respeito da autocrítica e do esvaziamento no dia anterior. O que nos levou a querer no dia atual explorar movimentos mais sutis, pelo que vimos no dia anterior, a realização de vários movimentos aleatórios com muita agilidade entre eles. Apenas como uma forma de pesquisarmos outras nuances no jogo. Porém, acreditamos que este fato tenha impedido – embora não tivéssemos realmente estipulado fazer os movimentos mais sutis – de explorarmos mais as diversas possibilidades do corpo e de estarmos mais disponíveis para a criação – o esvaziamento. Involuntariamente ficamos presos a um tipo de pensamento e não conseguimos mais jogar de outra forma. 39 Comunicação: Notamos que esta nova forma que encontramos de descobrir os movimentos, sendo mais detalhada, nos modificou bastante. Fazendo com que pesquisássemos outra forma de comunicação com o público. A comunicação que tentávamos estabelecer com ele, com seus olhares e a nossa atenção aos seus estímulos que ele dava fazia com que buscássemos corresponder a ele e conseqüentemente, fazê-lo rir. Ou seja, através do público, nos modificarmos para alcançar nosso objetivo. Esvaziamento: Quando percebíamos que estávamos nos questionando demais no jogo, e nos criticando, primeiramente ficávamospreocupados se o público estaria percebendo nossa situação – vergonha do público. Depois tentávamos imediatamente abolir a autocrítica exagerando nos movimentos para sairmos de qualquer racionalização. Se, percebíamos que não estava funcionando, mantínhamos um contato visual maior com o público e realizávamos as ações tentando buscar estímulos em qualquer movimento dos espectadores, de suas respirações, seus ritmos, seus olhares, para deles extrair uma criação significativa que os fizessem rir. Texto: Também pelo fato de termos assistido à gravação da experimentação do dia anterior, criamos condições já estabelecidas em nossa mente como: explorarmos mais a relação de comunicação com o público utilizando a continuação da mesma linha de raciocínio entre a improvisação do jogo e a fala do texto. Já falávamos o texto visando alcançar uma maior comunicação com o público, utilizando todos os estímulos para atingir esta relação com ele. Porém, notamos que o fato de termos estabelecido uma linha de pensamentos em nossa mente para realizá-los no jogo tornou possível que já entrássemos, no momento do texto, interessados em verificar este estado de presença do ator, a comunicação que estabelecemos com ele e como poderíamos manter cada vez mais este mesmo estado de presença em nossa atuação. 40 3° Dia de Experimentação Prática: 05/09/07. Depois de termos feito novamente as explicações sobre o jogo para os espectadores incluímos neste dia uma nova regra: cada espectador que risse, ao invés de sair imediatamente, como estipulado, deveria permanecer, para que nós falássemos o texto olhando para estas pessoas, e quando o público não estivesse mais satisfeito com nossa improvisação e pedisse para pararmos, aí sim os espectadores que riram deveriam sair da sala. Nos dois dias anteriores realizávamos a improvisação do texto depois que as pessoas riam e saíam da sala e falávamos o texto para aqueles que tinham ficado nela. Neste dia o número de espectadores era menor que os dois primeiros dias. Guardávamos uma sensação de que algo muito interessante aconteceria. Sentíamos também uma vontade de não fazermos nada para do nada tudo fazermos. Parece-nos que através da consciência que tínhamos dos jogos realizados nos dois dias anteriores já utilizávamos uma certa técnica apreendida para fazermos o público rir. Pudemos perceber-nos desleais aos objetivos do próprio jogo. Quando percebíamos, tentávamos nos esvaziar e simplesmente fazermos algum movimento, seja ele qual fosse, tirado do nada, para que o estímulo que ele causasse em nosso corpo fosse levando a outros movimentos e a possíveis ações. Ação: Era muito complicado que não testássemos essa facilidade de conseguirmos fazer os espectadores rirem depois que descobrimos uma forma mais concreta de alcançarmos nosso objetivo. Ou seja, Já sabíamos que determinadas atitudes do corpo, algumas máscaras faciais faziam com certeza os espectadores rirem. Tivemos que experimentar para ver se realmente funcionava. E sim, funcionava, o que era fácil tornou-se mais fácil ainda. Texto: Durante o jogo pudemos perceber que a nova regra estabelecida de falar o texto olhando para quem tinha rido, ou seja, para os espectadores com os quais havíamos estabelecido uma certa comunicação e encontrado um estado de presença, funcionava mais 41 no que diz respeito à utilização da seqüência de raciocínio que estávamos estabelecendo durante o jogo na transposição do estado de presença alcançado para o texto falado. E também para que pudéssemos manter ainda mais o estado de presença alcançado, verificando até que ponto podíamos seguir com ele e o que acontecia conosco para que os espectadores não quisessem mais que continuássemos falando o texto. Comunicação: Notamos nos dias anteriores que o fato de desviarmos o olhar dos espectadores ou nos afastarmos deles e dos estímulos que propunham a nós fazia com que eles se desinteressassem. Neste dia, pudemos notar que quanto mais desejávamos fazer com que o público entendesse o que estávamos falando no texto, mais eles ficavam interessados em saber o que nós estávamos falando. Ou seja, quanto mais desejávamos manter uma constante comunicação com o público, mais ele desejava saber por que queríamos manter esta comunicação com ele. Aconteceu de termos feito todos os espectadores rirem e de ter sobrado apenas um espectador, o que já teria acontecido nos demais jogos nas outras experimentações, porém, neste caso ficamos quase uma hora somente testando e verificando até fazê-lo rir. Mas, como não procurávamos somente o fácil e após termos verificado essa nuance em nosso jogo, resolvemos testar o uso de movimentos aleatórios para se chegar a um estado de presença. Vimos que não, pelo menos neste caso, pudemos notar que os movimentos e ações que eram feitos sem qualquer ligação com o espectador ou uma referência a ele, que o fizesse saber que nosso objetivo era com ele e para ele, não causavam efeito algum no espectador. Mesmo assim, depois de muitas tentativas de esvaziamento e dedicação em busca do que realmente o espectador estava nos comunicando pudemos perceber que em vários momentos realizávamos ações semelhantes e repetíamos propositalmente alguns gestos ou movimentos que já havíamos realizado para tentarmos causar alguma referência ao espectador e fazê-lo rir. Buscávamos imitá-lo para ver se o espectador se afetava com suas próprias características e ria com elas. Mas não alcançávamos resultado. Acreditamos que talvez 42 tenhamos o imitado de tal forma que ao invés de tê-lo feito rir, tenhamos causado uma certa irritação por estarmos algumas vezes debochando de sua imagem. Tentamos várias formas de fazê-lo rir e até retiramos algumas partes de nossa roupa, como, a touca e uma blusa (havendo outra por baixo). Ou seja, saindo um pouco do que havíamos estipulado a nós mesmos, mas não como regra - que era uma certa neutralização nossa visualmente para que não desviássemos a atenção dos espectadores ao que não fosse estritamente essencial. Porém, já estávamos recorrendo a todos os tipos de ações possíveis para conseguir fazê-lo rir que não nos preocupamos se a nossa roupa ou utensílios fosse desviar sua atenção. Em algumas etapas deste jogo pensamos em desistir de fazer o espectador rir, pois nos víamos recorrendo a ações repetidas, gestos prontos, atitudes banais, e sem nenhum resultado. Estávamos frustrados por não estar conseguindo fazê-lo rir e com vergonha de estarmos tentando fazer de tudo, porém nada conseguindo fazer. Não sabíamos realmente se já havíamos tentado de tudo. Autocrítica: Foi quando houve um momento em que falamos no exercício, e quando isso acontecia o espectador pedia para que imitássemos algo. Neste caso ele nos pediu para que imitássemos uma dançarina de Streap Tease. No momento, não sabíamos o que fazer. Se, ríamos da situação, se aceitávamos o que nos foi pedido (o que era uma regra do jogo), ou se dentro da imitação criávamos subterfúgios para não realizar a tarefa, pois estávamos com vergonha de termos que tirar alguma parte de nossa roupa na sua frente e na frente dos outros espectadores que já haviam saído do jogo, ou se ainda deveríamos realmente imitar fielmente o que nos era pedido já que não havíamos estipulado nada a esse respeito. Neste momento pensamos no que seria melhor para o que estávamos propondo em nosso projeto experimental. Começamos querendo exagerar nas características da figura da dançarina, ou seja, nos clichês, mas vimos que era insatisfatório tanto para o espectador quanto para nós. Tentamos então realizar a imitação da forma mais verossímil possível, porém, como vimos que realmente não estávamos dispostos a tanto, ou que pelo menos não estávamos disponíveis, desistimos e resolvemos novamente apenas brincar com a imitação. 43 Findou em realizarmos o pedido, porém,
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