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Ensino e Avaliação da Produção Textual na Escola (EAD - Núcleo Comum - 4 Anos) SEC-edited

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Ensino e Avaliação da Produção Textual na Escola 
 
 
Apresentação 
 
Poesia 
Gastei uma hora pensando um verso 
que a pena não quer escrever. 
No entanto ele está cá dentro 
inquieto, vivo. 
Ele está cá dentro 
e não quer sair. 
Mas a poesia desse momento 
inunda minha vida inteira. 
Drummond 
 
Caro aluno (a) 
 
Se escrever fosse um ato tão natural e espontâneo, Drummond não faria 
um poema que revelasse a necessidade de pensar, de refletir. Também não 
afirmaria que é preciso “gastar tempo” para fazê-lo. No entanto, o poeta foi 
magnânimo ao afirmar que o pensar um verso torna-se motivo de prazer. Por que 
isso ocorre? É simples. Diante dos fatos do mundo, todos nós nos sentimos 
inquietos de tal forma que as idéias borbulham, que o desejo de exteriorização do 
pensamento, muitas vezes, parece- nos impossível. No entanto, é preciso utilizar a 
linguagem, como forma de interação com o mundo e com as pessoas que nos 
rodeiam, com organização de pensamentos de forma lógica e coerente e que nos 
tornemos sujeitos de nossos discursos. 
É fácil? Não. Para termos sucesso é preciso muita leitura e muito treino no 
uso da linguagem escrita, o que faremos em nossa caminhada pelos caminhos da 
produção e avaliação textual. 
Nossa disciplina conta com doze unidades, a partir das quais, 
gradativamente, vamos discutindo a temática proposta. Para cada unidade, há 
atividades que devem ser resolvidas pro você. Além disso, há questões para serem 
discutidas nos fóruns. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PROGRAMA DA DISCIPLINA 
 
EMENTA: Os modos de organização discursiva. Descrição, Narração e 
Dissertação: conceitos e categorias. Avaliação: aspectos gerais. Avaliação das 
produções de alunos. 
 
OBJETIVOS 
 Propiciar conhecimentos sobre a produção textual; 
 Entender a leitura como produção textual; 
 Desenvolver conhecimentos a respeito dos princípios e das categorias que 
regem os três modos básicos de organização discursiva; 
 Propiciar embasamentos e técnicas para a avaliação de produção textual. 
 
CONTEÚDOS 
Unidade 1- Os textos e os Discursos: pressupostos básicos para a produção textual 
Unidade 2- Os modos de Organização Discursiva 
Unidade 3- Temas e Figuras 
Unidade 4- Descrição 
Unidade 5- Tipos de Descrição 
Unidade 6- Narração 
Unidade 7- Categorias da Narração 
Unidade 8- Elementos da Narração 
Unidade 9- Dissertação 
Unidade 10- Categorias da Dissertação 
Unidade 11- Situando a Avaliação 
Unidade 12- Avaliação de Produção Textual 
 
 
 
METODOLOGIA 
Adotamos para a Disciplina Ensino e Avaliação de Produção Textual na Escola 
uma metodologia que alia a teoria à prática. A partir de textos, exploramos os 
conceitos teóricos basilares para o ensino e avaliação de redação na escola. 
 
AVALIAÇÃO 
No sistema EAD, a legislação determina que haja avaliação presencial, sem, 
entretanto, se caracterizar como a única forma possível e recomendada. Na 
avaliação presencial, todos os alunos estão na mesma condição, em horário e 
espaço pré-determinados, diferentemente, a avaliação a distância permite que o 
aluno realize as atividades avaliativas no seu tempo, respeitando-se, obviamente, 
a necessidade de estabelecimento de prazos. 
A avaliação terá caráter processual e, portanto, contínuo, sendo os seguintes 
instrumentos utilizados para a verificação da aprendizagem: 
1) Trabalhos individuais ou a partir da interatividade com seus pares; 
2) Provas realizadas presencialmente; 
3) Trabalhos de pesquisa. 
 
As estratégias de recuperação incluirão: 
1) retomada eventual dos conteúdos abordados nas unidades, quando não 
satisfatoriamente dominados pelo aluno; 
2) elaboração de trabalhos com o objetivo de auxiliar a vivência dos 
conteúdos. 
 
BIBLIOGRAFIA BÁSICA 
BASTOS, L. K.; MATTOS, M. A. A produção escrita e a gramática. 2. ed. São Paulo: 
Martins Fontes, 1992. 
KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. São Paulo: 
Contexto, 1997. 
____. A coesão textual. 17. ed. São Paulo: Contexto, 2002. 
 
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR 
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: 
terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: 
MEC/SEF, 1998. 
FIORIN, José Luiz; BARROS, Diana Luz Pessoa de (Org.). Dialogismo, polifonia, 
intertextualidade: em torno de Bakhtin. 2. ed. São Paulo: EDUSP, 2003 
FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Lições de texto: leitura e redação. São 
Paulo: Ática, 1996. 
GARCIA, O. Comunicação em prosa moderna. Rio de Janeiro: FGV, 1973. 
GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins, 1997. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
UNIDADE 1 - OS TEXTOS E OS DISCURSOS: PRESSUPOSTOS BÁSICOS 
PARA A PRODUÇÃO TEXTUAL 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
 
Objetivos: Elucidar os pressupostos básicos da organização discursiva. 
Para o desenvolvimento dessa unidade, precisamos retomar alguns 
pressupostos já desenvolvidos na disciplina Leitura e Produção Textual. Para tanto, 
recordaremos as noções de texto e de discurso. 
Vamos a eles? 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
 
Um dos conceitos mais correntes afirma ser o texto um todo organizado de 
sentido, excluindo-se, dessa maneira, a idéia de que texto é um amontoado de 
frases e de parágrafos. 
 Texto é uma materialidade concreta, é a manifestação de um conteúdo, 
portanto, é um plano de expressão (veículo por onde se transmite uma 
informação, por meio da qual formalizamos nossa interação social). Como já 
observado, essa materialização pode manifestar-se por meio da linguagem visual, 
gestual ou verbal, como podemos observar abaixo. 
Texto 1 
 
 José Pancetti 
Texto 2 
Um barco singra o peito 
rosado do mar. 
A manhã sacode as ondas 
e os coqueiros. 
(ESPÍNOLA, Adriano. Pesca. Beira-sol. Rio de Janeiro: TopBooks, 1997. p. 13.) 
Os dois textos acima, extraídos de uma questão do ENADE, embora 
manifestados em diferentes linguagens, falam, exatamente, a mesma coisa. 
Vale dizer que texto é um objeto simbólico, porque é produzido por um 
sujeito em um determinado tempo e espaço, sendo considerado como a 
materialização do discurso. 
 Discurso é um suporte abstrato que sustenta os vários textos que circulam 
na sociedade. Entender um texto é detectar o(s) discurso(s) que o sustentam. 
Vamos rever bem isso. 
 
BUSCANDO SABERES 
 
Observe o poema Mar Português, de Fernando Pessoa. 
Ó mar salgado, quanto do teu sal 
 São lágrimas de Portugal! 
 Por te cruzarmos, quantas mães choraram, 
 Quantos filhos em vão rezaram! 
 Quantas noivas ficaram por casar 
 Para que fosses nosso, ó mar! 
 Valeu a pena? Tudo vale a pena 
 Se a alma não é pequena. 
 Quem quer passar além do Bojador 
 Tem que passar além da dor. 
 Deus ao mar o perigo e o abismo deu, 
 Mas nele é que espelhou o céu". 
 
Para entendermos os discursos que perpassam o texto acima, é necessário 
concebermos o texto como um objeto histórico e social. Nesse sentido, faz-se 
necessário a compreensão, o resgate do momento em que foi produzido. 
Considerando-se isso, observamos tratar-se do momento em que os portugueses 
lançavam-se aos mares, nas grandes navegações. Sobre esse aspecto, não havia 
unanimidade entre os portugueses. Em outras palavras, havia pessoas que 
discordavam da aventura, e esse discurso é trazido para o texto, nos versos: 
Ó mar salgado, quanto do teu sal 
São lágrimas de Portugal! 
Por te cruzarmos, quantas mães choraram, 
Quantos filhos em vão rezaram! 
Quantas noivas ficaram por casar 
 A partir daí, há um novo discurso, desta vez do produtor do texto que 
expressa seu ponto de vista favorável ao desbravamento dos mares: 
Valeu a pena? Tudo vale a pena 
Se a alma não é pequena. 
Quem quer passar além do Bojador 
Tem que passar além da dor. 
Deus ao mar o perigo e o abismo
deu, 
 Mas nele é que espelhou o céu. 
Falta explicitar que Bojador é um ponto geográfico pelo qual os 
portugueses tinham que passar, e foram os primeiros a fazê-lo, para atingir seus 
objetivos. Daí, numa genialidade ímpar, o poeta questiona e emite sua resposta: 
“Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Em outras palavras, 
quando a meta é ideal, todos os sofrimentos devem ser deixados de lado. A 
conquista de um objetivo deve, portanto suplantar a dor. 
Neste poema, portanto, há dois discursos que o amparam e lhe dão 
sustentação. O primeiro diz respeito aos conservadores que se opunham às 
grandes navegações; o segundo, àqueles que são favoráveis às aventuras 
marítimas realizadas pelos portugueses. 
Mas aqui, ainda, cabe outra questão: como se formam os discursos? Mais 
uma vez recorremos ao já abordado anteriormente. 
Dissemos que linguagem é interação humana e, nesse caso, não é neutra, 
nem natural, porque é o lugar privilegiado de manifestação da ideologia, 
entendida, aqui, como conjunto de ideias, de representações que caracteriza a 
maneira de pensar, de ver o mundo, de uma determinada classe social. 
Ora, na sociedade, os grupos sociais que a compõem se posicionam de 
modo distinto diante dos fatos do mundo, conforme pôde ser evidenciado na 
leitura do poema acima. Então, há várias visões de mundo, há vários 
posicionamentos, vários discursos. 
Dessa maneira, há vários dizeres sobre um mesmo tema, sobre um mesmo 
aspecto social. Então, entender um texto é detectar os diferentes 
posicionamentos, os diferentes discursos que os embasam. 
Trata-se da ideologia, entendida como visão de mundo de um 
determinado grupo social. Se esses grupos veem o mundo de forma diferente, é 
claro que, ao falarem, o farão de modo diferente também. Por exemplo, sobre a 
pena de morte, há posicionamentos favoráveis e contrários; sobre as aventuras 
dos portugueses também havia pontos de vista contrários. 
É importante que você entenda que os discursos não estão jogados 
aleatoriamente na sociedade, mas estruturados. Vamos ver como? 
A teoria que estuda os discursos é a Análise do Discurso, cujos conceitos 
essenciais são: Formação Ideológica e Formação Discursiva. 
Fiorin (1992:32) afirma que a formação ideológica pode ser considerada 
como a visão de mundo de uma determinada classe social. Nesse sentido, cada 
classe social possui um conjunto de representações, de idéias reveladoras de sua 
compreensão de mundo. É a Ideologia. 
 Por essa razão, uma mesma realidade é vista e compreendida de forma 
diferente pelos grupos sociais. Assim, considerando-se, por exemplo, os sem-
terra, observamos que sua formação ideológica vê a “terra” como fator de 
subsistência, de justiça social. Diferentemente, os proprietários a veem como 
marcador de divisas, como posse, como lucro. 
Já abordamos que o sujeito vê o mundo em consonância com sua 
formação ideológica (ideologia), mas nada existe fora da linguagem. Então, para a 
expressão de sua ideologia, há as formações discursivas, entendidas como o que 
pode e deve ser dito por um determinado grupo social. Assim, por exemplo, o 
sem-terra, para sua ação de reivindicação de posse de terra, emprega o termo 
“ocupação”, enquanto, o proprietário, para essa mesma ação, usa o termo 
“invasão”. Analogamente, de acordo com a formação ideológica católica, os 
discursos que a igreja profere sobre o aborto e sobre a pena de morte, só podem 
ser desfavoráveis. 
Vale lembrar que os discursos perpassam os textos manifestados em 
qualquer linguagem, seja verbal, seja visual, como observamos na imagem abaixo. 
 
 
O texto acima foi extraído da Revista Veja de 15 de abril de 2008. Como 
você deve ter observado, trata-se de uma propaganda da cerveja Bohemia. A 
imagem é bastante simples: uma garrafa e dela está escorrendo algo para dentro 
de um copo. No entanto, não é o líquido da cerveja que está sendo despejado, 
mas em seu lugar há ouro. Muito bem, o que isso significa? Pense um pouco. Para 
isso, considere as seguintes informações: Ouro é objeto de valor, de poder, é um 
dos metais mais caros. Esses discursos sobre o ouro são estendidos à cerveja 
Bohemia, que é ouro, como se pode verificar na imagem. 
Talvez, essas considerações o levem perceber que o discurso que perpassa 
esse texto é o discurso do poder e que beber Bohemia é dotar-se desse poder. 
Por isso, ela é mais cara que as demais cervejas. 
 
INTERAGINDO COM O CONHECIMENTO 
 
Para saber mais, conheça outros poemas de Fernando Pessoa, poeta 
português, acesse Jornal de Poesia - Fernando Pessoa (Obra Completa) 
 
Questões para atividades- Unidade 1 
Agora é sua vez. Leia o texto abaixo. 
 
Protesto tímido 
Ainda a pouco eu vinha para casa a pé. Feliz da minha vida, e faltavam dez 
minutos para meia-noite. Perto da Praça General Osório, olhei para o lado e vi, 
junto a parede da esquina, algo que me pareceu uma trouxa de roupa, um saco 
de lixo. Alguns passos mais e pude ver que era um menino. 
Escurinho, de seus seis ou sete anos, não mais. Deitado de lado, braços dobrados 
como dois gravetos, as mãos protegendo a cabeça. Tinha os gambitos também 
encolhidos e enfiados dentro da camisa de meia esburacada, para se defender 
contra o frio da noite. Estava dormindo, como podia estar morto. Outros, como 
eu, iam passando, sem tomar conhecimento de sua existência. Não era um ser 
humano, era um bicho, um saco de lixo mesmo, traste inútil, abandonado sobre a 
calçada. Um menor abandonado. 
Quem nunca viu um menor abandonado? A cinco passos, na casa de suco de 
frutas, vários casais de jovens tomavam suco de frutas, alguns mastigavam 
sanduíches. Além, na esquina da praça, o carro da rádiopatrulha estacionado, dois 
boinas-pretas conversando do lado de fora. Ninguém tomava conhecimento da 
existência do menino. 
Segundo as estatísticas, como ele existem nada menos que 25 milhões no Brasil, 
que se pode fazer? Qual seria a reação do menino se eu o acordasse para lhe dar 
todo o dinheiro que trazia no bolso? Resolveria o seu problema? O problema do 
menor abandonado? A injustiça social? 
http://www.revista.agulha.nom.br/pessoa.html
"A injustiça não se resolve. 
À sombra do mundo errado 
Murmuraste um protesto tímido" 
Então vim para casa, os versos do poeta se repetindo na minha cabeça. Não sou 
poeta e minha prosaica competência se limita a este retângulo impresso, onde me 
cabe escrever amenidades sobre a vida de todo dia, para distrair o leitor. E 
convenhamos que não é nada ameno como assunto um menor abandonado que 
me pareceu a poucos passos um simples monte de lixo. Remover esse lixo? Pagar 
a taxa da Comlurb? Ou seria melhor incinerar? Dizem os entendidos que o 
problema é de ordem econômica, ou seja, mais de ordem técnica que de ordem 
moral. Precisamos enriquecer o país, produzir, economizar divisas, combater a 
inflação, pechinchar. O Brasil é feito por nós. Com isso, Todos os problemas se 
resolverão, inclusive o do menor abandonado. 
Vinte e cinco Milhões de menores - um dado abstrato, que a imaginação não 
alcança. Um menino sem pai nem mãe, sem o que comer nem onde dormir: isto é 
um menor abandonado - hoje em dia designado eufemisticamente menino de 
rua. Para entender, só mesmo imaginando meu filho largado no mundo aos seis, 
oito, dez anos de idade, sem ter para onde ir nem para quem apelar. Imagino que 
ele venha a ser um desses que se esgueiram como ratos em torno aos botequins 
e lanchonetes e nos importunam cutucando-nos de leve - gesto que nos desperta 
mal contida irritação - para nos pedir um trocado. Não temos disposição sequer 
para olhá-lo e simplesmente o atendemos (ou não) para nos livrarmos depressa 
de sua incômoda presença. Com o sentimento que sufocamos no coração, 
escreveríamos toda a obra de Dickens. Mas estamos em pleno século 20, vivendo 
a era do progresso para o Brasil, conquistando um futuro melhor para os nossos 
filhos. Até lá, que
o menor abandonado não chatei, isso é problema para o 
juizado de menores. Mesmo porque são todos delinquentes, pivetes na escola do 
crime, cedo terminarão na cadeia ou crivados de balas pelo Esquadrão da Morte. 
Pode ser. Mas a verdade é que hoje eu vi meu filho dormindo na rua, exposto ao 
frio da noite, e além de nada ter feito por ele, ainda o confundi com um monte de 
lixo. Fernando Sabino 
 
Interpretando o texto 
1- Quanto ao objeto visto, o narrador o vê de duas maneiras. Quais são elas? 
2- Como nos é descrito o menor abandonado? 
3- No terceiro parágrafo, há a introdução de uma pergunta. Na sua opinião, 
essa pergunta está respondida nesse parágrafo? Justifique sua resposta. 
4- O texto se inicia falando de um menor específico, mas pode-se afirmar que 
há uma generalização. Retire do texto expressões que comprovam essa 
afirmação. 
5- Há, no texto, um responsável pelo problema do menor abandonado? 
Quem é? Justifique a sua resposta. 
6- Explicite os discursos que embasam o texto. 
7- Procure explicar, com suas palavras, o enunciado: (...) “a verdade é que hoje 
eu vi meu filho dormindo na rua, exposto ao frio da noite, e além de nada 
ter feito por ele, ainda o confundi com um monte de lixo”. 
 
Questões para Fórum 
Discuta com seus colegas sobre a realidade brasileira abordada, no texto, 
Protesto Tímido. Para tanto, considere os seguintes questionamentos: 
- Você acredita que a situação apresentada é comum aos grandes centros, como 
São Paulo, Rio de Janeiro, ou pode ser visualizada em cidades menores? 
- O que nós podemos fazer para minimizar essa situação? 
- Em nossa cidade, quem seria o responsável pelas pessoas de rua? 
- As pessoas que vivem na rua têm acesso à educação e à saúde? 
 
 
UNIDADE 2 - OS MODOS DE ORGANIZAÇÃO DISCURSIVA 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
 
Objetivos: Explicitar e conceituar os três modos básicos de organização discursiva. 
 Na unidade em questão, recorrendo a exemplos ilustrativos, abordaremos 
os conceitos de descrição, narração e dissertação. Trata-se do ponto de partida 
para o estudo mais detalhado sobre esses modos de organização discursiva. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
 
 Abordamos, nas unidades anteriores, os conceitos de texto e de discurso. 
Espero que tais conceitos tenham ficado claros para você. Aproveito para 
questioná-lo novamente: O que são modos de organização discursiva? É muito 
simples, se os textos que circulam em nossa sociedade são materializações do 
discurso, independentemente da linguagem (verbal ou visual) empregada, há a 
necessidade de organizarmos o texto, segundo determinado modo. Assim, há três 
modos básicos de organização discursiva: descrição, narração e dissertação. Você 
deve estar se questionando: outra vez? Passei todos os anos escrevendo 
descrição, narração e dissertação e agora de novo? Sim, veremos novamente, só 
que sob outra ótica, sob a visão das teorias textuais. Não se esqueça de que você 
será um professor de Língua Portuguesa e deverá, em suas aulas, abordar os 
modos de organização discursiva de modo científico. 
 Já que falamos do passado, vale lembrar, aqui, o que mais ouvíamos em 
nosso tempo de escola: professora como faço uma narração? Aí a resposta 
clássica e, diga-se de passagem, sem qualquer fundamento: seu texto deve ter 
começo, meio e fim. Boa resposta, não acha? Acredito que escrevemos, apesar de 
uma professora como essa. 
 Bom, vamos ao que interessa: a definição de cada modo de organização 
do discurso. Para tanto, observe os três fragmentos abaixo. 
A- A tarde adoçava o seu esplendor de estio. Uma aragem trazia, 
como ofertados, perfumes das flores silvestres. As ramagens 
moviam um aceno de doce acolhimento, as suas folhas vivas e 
reluzentes. Toda passarinhada cantava, num alvoroço de 
alegria e de louvor. As águas correntes, saltantes, luzidias 
despendiam um brilho mais vivo, numa pressa animada. 
 (A cidade e as serras, Eça de Queirós) 
B- Ontem à tarde, saí para passear no campo, logo após a 
passagem de uma chuva. De repente, senti um ar fresco e, 
em seguida, um cheiro de flores e campos molhados. Após a 
chuva, toda paisagem se transforma. (texto adaptado) 
 
C- No verão, as chuvas passageiras trazem à natureza e a nós um 
frescor e um bem-estar maravilhosos. 
 
 No fragmento A, observamos a apresentação de um estado de coisas do 
mundo, a partir de um marco temporal: a tarde. É a partir desse marco temporal 
que podemos visualizar uma série de acontecimentos que ocorrem 
simultaneamente, tais como: aragem trazida, perfumes da natureza, pássaros 
cantando, águas saltando, brilho mais vivo. Isso é uma descrição do mundo, após 
a chuva. 
 No fragmento B, diferentemente, há a apresentação de acontecimentos 
que expressam uma ordem temporal, isto é, primeiro saí para passear, após a 
chuva que transformou o mundo: surgiu o ar fresco, um cheiro de flores e campos 
molhados. Ao invés de apresentar-se um estado das coisas do mundo, eu construi 
um mundo, cujo estado foi se transformando. 
 Em C, não se apresenta um quadro do mundo, não se constroem ações 
desse mundo; ao contrário, interpreta-se um determinado fato desse mundo. 
 Veja bem, falou-se sobre o mesmo tema: a chuva e suas consequências, 
mas organizou-se esse tema de modo diferente. Então, descrever é apresentar um 
mundo construído, pronto, acabado. É traçar uma imagem do mundo por meio 
de palavras. O descritor faz com palavras o que o pintor faz com pincéis e tinta. 
 Narrar é construir o mundo, é apresentar ações e acontecimentos que se 
sucedem no tempo uns após os outros. 
 Diferentemente, dissertar é interpretar, é explicar esse mundo. No caso em 
questão, o sujeito expressou seu ponto de vista, a partir de um dado do mundo: 
chuva. 
 
BUSCANDO SABERES 
 
 Ao explicitarmos os conceitos de descrição, narração e dissertação, 
procuramos ilustrá-los com pequenos textos. No entanto, os textos que circulam 
em nossa sociedade, dificilmente são homogêneos, mas se deixam entrecruzar 
pela descrição e narração; narração e dissertação; descrição e dissertação; ou 
ainda, em um mesmo texto, é possível a presença dos três modos básicos. 
 Vamos ler e analisar o texto abaixo, de Aníbal Machado. 
Silêncio na Construção 
Na última laje de cimento armado os trabalhadores cantavam a nostalgia da terra 
ressecada. 
De um lado era a cidade grande; de outro, o mar sem jangadas. 
O mensageiro subiu e gritou: 
Verdejou, pessoal! 
Num átimo os trabalhadores largaram-se das redes, desceram em debandada, 
acertaram as contas e partiram. 
Parada a obra. 
Ao dia seguinte, o vigia solitário recolocou a tabuleta: “Precisa-se de operários”, 
enquanto o construtor, de braços cruzados, amaldiçoava a chuva que devia estar 
caindo no nordeste... 
 
O poema acima retrata uma realidade brasileira: a seca no nordeste e a 
migração dos trabalhadores para a cidade grande, empregando-se na construção 
civil. 
De “Na última laje” até “mar sem jangadas”, há o emprego da descrição, 
pois observamos o estado dos trabalhadores e da cidade grande. 
O quadro descritivo é interrompido e há a introdução de uma narração: 
“O mensageiro subiu e gritou”. Finalmente, nos dois últimos versos o produtor do 
texto retoma a descrição. 
O texto ilustra bem o que já dissemos: dificilmente, encontramos textos 
homogêneos (estruturados com um único modo de organização). 
Na unidade anterior, abordamos os discursos. Por falar nisso, esse texto 
exemplifica discursos diferentes para uma mesma realidade, pois há a voz de dois 
grupos sociais distintos: para os trabalhadores, a chuva é bem-vinda, mas para o 
construtor é ruim, pois resulta na falta de mão de obra. 
 
INTERAGINDO COM O CONHECIMENTO 
 
 Para saber mais 
Na atualidade, há muitas discussões a respeito de Gênero Textual e Tipo Textual. 
Recomendo a leitura do artigo GÊNERO TEXTUAL E TIPOLOGIA TEXTUAL: 
COLOCAÇÕES
SOB DOIS ENFOQUES TEÓRICOS, de Sílvio Ribeiro da Silva (UFG), 
disponibilizado em http://www.filologia.org.br/soletras/20/06.pdf 
 
 
 
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Questões 
Agora é sua vez de reconhecer os três modos de organização discursiva: 
descrição, narração e dissertação 
Para isso, Leia o texto abaixo e responda ao que se pede 
 
 DEBAIXO DA PONTE 
 
 “Moravam debaixo da ponte. Oficialmente, não é lugar onde se more, 
porém eles moravam. Ninguém lhes cobrava aluguel, imposto predial, taxa de 
condomínio: a ponte é de todos, na parte de cima; de ninguém, na parte de baixo. 
Não pagavam conta de luz e gás, porque luz e gás não consumiam. Não 
reclamavam contra falta d’água, raramente observada por baixo de pontes. 
Problema de lixo não tinham; podia ser atirado em qualquer parte, embora não 
conviesse atirá-lo em parte alguma, se dele vinham muitas vezes o vestuário, o 
alimento, objetos de casa. Viviam debaixo da ponte, podiam dar esse endereço a 
amigos, recebê-los, fazê-los desfrutar comodidades internas da ponte. 
 À tarde surgiu precisamente um amigo que morava nem ele mesmo sabia 
onde, mas certamente morava: nem só a ponte é lugar de moradia para quem 
não dispões de outro rancho. Há bancos confortáveis nos jardins, muito 
disputados; a calçada, um pouco menos propícia; a cavidade na pedra, o mato. 
Até o ar é uma casa, se soubermos habitá-lo, principalmente o ar da rua. o que 
morava não se sabe onde vinha visitar os de baixo da ponte e trazer-lhes uma 
grande posta de carne. 
 Nem todos os dias se pega uma posta de carne. Não basta procurá-la; é 
preciso que ela exista, o que costuma acontecer dentro de certas limitações de 
espaço e de lei. Aquela vinha até eles, debaixo da ponte, e não estavam 
sonhando, sentiam a presença física da ponte, o amigo rindo diante deles, a posta 
bem pegável, comível. Fora encontrada no vazadouro, supermercado para quem 
sabe freqüentá-lo, e aqueles três o sabiam, de longa e olfativa ciência. 
 Comê-la crua ou sem tempero não teria o mesmo gosto. Um de baixo da 
ponte saiu à caça de sal. E havia sal jogado num canto da rua, dentro da lata. 
Também o sal existe sob determinadas regras, mas pode tornar-se acessível 
conforme as circunstâncias. E a lata foi trazida para debaixo da ponte. 
 Debaixo da ponte os três prepararam comida. Debaixo da ponte a 
comeram. Não sendo operação diária, cada um saboreava duas vezes: a carne e a 
sensação de raridade da carne. E iriam aproveitar o resto do dia dormindo (pois 
não havia coisa melhor, depois de um prazer, do que o prazer complementar do 
esquecimento, quando começaram a sentir dores. 
 Dores que foram aumentando, mas podiam ser atribuídas ao espanto de 
alguma parte do organismo de cada um, vendo-se alimentado sem que lhe 
houvesse chegado notícia prévia de alimento. Dois morreram logo, o terceiro 
agoniza no hospital. Dizem uns que morreram da carne, dizem outros que do sal, 
pois era soda cáustica. Há duas vagas debaixo da ponte. 
(Carlos Drummond de A bolsa e a vida) 
 
Questões 
1- O narrador relata os fatos no passado, porém, há momentos em que ele 
interrompe a narrativa e se expressa no presente. Retire do texto todos os 
enunciados que comprovam essa afirmação. 
2- Examine, agora, todos os enunciados retirados e diga se o narrador está 
descrevendo, narrando ou dissertando. Justifique sua resposta. 
3- Há marcas, na superfície do texto, que nos permitem identificar a caracterização 
dos personagens, detectando o lugar social a que eles pertencem. Quais são 
essas marcas? 
4- Além de não terem nomes, o número dos personagens integrantes do texto só 
está explicitado no final do texto. Qual é efeito de sentido que esse recurso 
discursivo imprime ao texto? 
5- Onde se inicia a narração do texto que você leu? 
6- O sal é elemento usado para a conservação dos alimentos. Explique o efeito de 
sentido que essa palavra introduz no texto. 
7- Explique o valor do tempo presente do enunciado: Há duas vagas debaixo da 
ponte. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
UNIDADE 3 - TEMAS E FIGURAS 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
 
Objetivos: Conceituar temas e figuras 
Explicitar o encadeamento de temas e figuras nos textos 
 
Na unidade anterior, procuramos mostrar que um texto não se estrutura a partir 
de um único modo de organização discursiva, mas deixa-se cruzar pelos três modos 
básicos. O texto Debaixo da Ponte é um bom exemplo disso, pois, como observamos, 
há a presença de descrição, narração e dissertação. Você poderia perguntar: Como 
classificar os textos, então? É simples, embora ocorra heterogeneidade de organização, 
sempre há a predominância de um tipo. Assim, Debaixo da Ponte é classificado com 
narração. 
 Preparando-nos para a abordagem mais amiúde dos três modos de organização 
discursiva, faz-se necessária a explicitação dos conceitos de temas e figuras. Vamos a 
eles! 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
 
Figuras são elementos concretos presentes no mundo natural. Trata-se de coisas 
concretas, palpáveis do mundo. Assim, árvores, carros, homens, mulheres, crianças, 
animais, rios são figuras. 
 Diferentemente, os temas são noções abstratas que explicam as coisas do 
mundo, tais como paciência, justiça, obediência, esperteza, solidariedade, etc.. 
 
O Cachorro, o Galo e a Raposa 
 
Um Cachorro e um Galo que viajavam juntos, resolveram se abrigar da noite, em 
uma árvore. O Galo se acomodou num galho no alto, enquanto o cão deitou-se 
num oco, na base do tronco da mesma. Quando amanheceu, o Galo, como de 
costume, cantou ao despertar. 
Uma Raposa, que procurava comida ali perto, ao escutar o canto, se aproximou 
da árvore, e foi logo dizendo o quanto lhe agradaria conhecer de perto o dono de 
tão extraordinária voz. 
"Se você me permitir", ela disse, "Ficarei muito grato de passar o dia em sua 
companhia, apreciando sua voz." 
O Galo então disse: "Senhor, por favor, dê a volta na árvore, e peça para meu 
porteiro lhe abrir a porta, pois eu o receberei de bom grado." 
Quando a Raposa se aproximou da árvore, o Cachorro a atacou afugentando-a 
para longe. 
Autor: Esopo 
 
Na fábula acima, observamos que há inúmeros elementos do mundo natural: 
as figuras, tais como: galo, cachorro, árvore, noite, galho, tronco, raposa, comida, canto, 
dia, porteiro, porta. Trata-se de uma narração, pois há o predomínio de figuras. 
No entanto, a essência dessa história poderia ser dita de forma diferente, ou 
seja: Todo aquele que age de má fé, mais cedo ou mais tarde acaba por cair na própria 
armadilha. 
Na verdade, dissemos a mesma coisa, só que, agora, há a predominância de 
termos abstratos, que explicam as figuras expressas no texto anterior. 
Bons exemplos de figuras podem se encontrados no Evangelho, pois Jesus só se 
dirigia à multidão por meio de parábolas, pequenas histórias, com predominância de 
figuras. Por que isso? Você sabe? É simples. Como a narração emprega figuras, e trata 
da construção de um mundo semelhante ao real, sua compreensão é mais fácil e 
qualquer pessoa pode entender. Já o predomínio de temas, noções abstratas, tornam o 
texto mais complexo, como se pode comprovar abaixo. 
Há uma pobreza que degrada o homem porque o 
reduz à condição de animal, varrendo de seu espírito toda 
possibilidade de contato com a transcendência. Essa forma 
de pobreza- quando absoluta, permanente, portanto 
deformadora- é motivo de vergonha para uma sociedade 
que se afirma civilizada. Mas a pobreza comum, média, que 
reduz todo o supérfluo, mas permite a existência do essencial 
- e muitas vezes há que discutir em que consiste isso -, é 
criadora e energética. Não se trata de fazer do pauperismo 
uma virtude, ou da carência um benefício, mas de ver com 
intensidade de que modo o ser humano se modifica quando 
lhe faltam as muletas com que costuma amparar-se no dia-
a-dia. É questão de descobrir como os hábitos se alteram 
quando não podemos sustentar pequenas e numerosas 
ilusões que são compradas no cotidiano como brinquedos 
inocentes. 
 (Luís Carlos Lisboa, Jornal da Tarde, 1982) 
 
Nesse texto, observamos termos abstratos: pobreza, espírito, possibilidade, 
transcendência, benefício, vergonha, pauperismo, ilusões, entre outros. Você é capaz de 
detectar o tema desse texto? É fácil. Na verdade, o autor nos diz que há dois tipos de 
pobreza: a que impede o ser humano de ter condições mínimas de sobrevivência e 
aquela que, simplesmente, retira do sujeito o supérfluo, exigindo do mesmo certas 
seleções do que é realmente fundamental. 
 
 
 
 
 
BUSCANDO SABERES 
 
 É bom saber que toda figura tem um tema, mas nem todo tema, 
necessariamente, possui uma figura que o concretiza. Vamos entender isso. Para tanto, 
observe a imagem abaixo. 
Na imagem acima, deparamo-nos com várias figuras, tais como: casa muito 
grande, vários carros, caminhão e um avião. Ora, claro que tais figuras possuem um 
tema. Sabe qual? Riqueza, poder. 
Opondo-se ao tema da riqueza, as figuras abaixo: paredes esburacadas, 
escoradas por paus, telhado podre com buracos tematizam, a pobreza, a miséria. 
 
 
 É bom saber que tanto as figuras, quanto os temas devem ser encadeados de 
maneira coerente e lógica. Por exemplo, na da mansão não poderíamos jamais dizer 
que seu proprietário vive apenas com um salário mínimo. Da mesma forma que não 
podemos afirmar que os moradores da tapera são milionários, possuem carros de luxo. 
 
INTERAGINDO COM O CONHECIMENTO 
 
Questões 
Leia os dois textos abaixo e responda ao que se pede. 
 
Texto 1 
O maior crime do Dinheiro é este: ele é o grande corruptor, o 
grande envenenador das almas, o grande prostituidor das consciências. É o 
seu crime formidável e terrível. Portas, que se conservam fechadas, resistindo 
ao duro embate de um aríete de ferro, abrem-se ao tímido e quase indistinto 
bater de uma moedinha de ouro... 
 (Olavo Bilac) 
 
Texto 2 
 Na primeira noite 
 eles se aproximam 
 e colhem uma flor 
 de nosso jardim. 
 E não dizemos nada. 
 Na segunda noite, 
 já não se escondem: 
 pisam as flores, 
 matam nosso cão’ 
 e não dizemos nada. 
 Até que um dia 
 o mais frágil deles 
 entra sozinho em nossa casa, 
 rouba-nos a lua e, 
 conhecendo nosso medo 
 arranca-nos a voz da garganta. 
 E porque não dissemos nada, 
 Já não podemos dizer nada. 
 (Eduardo Alves da Costa) 
 
1-Após a leitura dos dois textos, classifique-os como figurativos (predomínio de 
figuras) ou temáticos, predomínio de temas (noções abstratas). Justifique sua 
resposta com elementos do texto. 
2- Explique, com suas palavras, o conteúdo dos dois textos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
UNIDADE 4 - DESCRIÇÃO 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
 
Objetivos: Explicitar as categorias da descrição 
Explicitar os princípios que regem a descrição 
Já abordamos, nas unidades anteriores, o conceito de descrição. Neste 
momento, vamos detalhar as categorias e os princípios que regem esse modo de 
organização discursiva. 
Descrever é transmitir a imagem de um objeto, de uma pessoa, de um 
espaço por meio de palavras. É a apresentação de um mundo construído. Esse 
conceito é de consenso. Porém, muito mais do que saber o que é descrever, é 
importante conhecer os princípios que a regem, bem como suas categorias, sua 
estrutura. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
 
Fiorin & Savioli (1996:242) estabelecem os princípios que regem a 
descrição, como se pode verificar abaixo. 
1- Focalizar estados e não transformações, pois não pode ocorrer progressão 
temporal, ou seja, antes e depois; 
2- Ter um discurso figurativo, já que se destina a identificar os seres do 
mundo natural, nomeando-os, localizando-os, atribuindo-lhes qualidades 
que os singularizam. Aqui, é prudente inserirmos a distinção entre 
descrição e definição. Para tanto, observe os exemplos abaixo. 
 
 
1- A Igreja Matriz de São Domingos é rosa. Sua torre central é bem alta e 
apresenta uma arquitetura com detalhes. Suas laterais são mais largas que 
a nave central, destacando-se, à direita, a imagem de seu fundador, 
Monsenhor Albino e Silva. 
2- Igreja: Edifício destinado ao culto de uma religião. Comunidade de fiéis de 
determinada religião. Autoridade religiosa. 
Em 1, observamos um exemplo de descrição, que consiste na enumeração 
de caracteres próprios dos seres animados ou inanimados, coisas, cenários, 
ambientes, costumes sociais, ruídos, odores, sabores ou impressões táteis. 
Diferentemente, em 2, estamos diante de uma definição que estabelece a 
caracterização geral de um objeto, um ser, um sentimento. 
Vamos entender bem isso. Para tanto, leia a descrição e a definição de 
objetos explicitados abaixo. 
DEFINIÇÃO DESCRIÇÃO 
Cadeira - peça de mobiliário que 
consiste num assento com costas, e, às 
vezes, com braços, dobrável ou não, 
para uma pessoa. 
Cadeira - De embuia, com assento 
estofado, quatro pernas, com duas 
travessas nas costas, envernizada. 
Navio - embarcação de grande porte. Navio - tinha o casco preto, era baixo, 
um ar de navio fantasma, muito 
vagaroso. 
Mulher - pessoas do sexo feminino, 
após a puberdade. 
Mulher - Não era bonita; loira, nariz 
arrebitado, não muito alta, gorda. 
 
 Percebeu a diferença? É fácil, não é? 
A definição exibe características gerais, comuns a todos da espécie 
enfocada; a descrição particulariza, concentra-se, portanto, nas qualidades e 
estados individualizados. 
 
3- Ter um componente narrativo implícito, pois o que se privilegia são os 
estados decorrentes das transformações. Sabe o que significa isso? Ora, se 
na descrição não há antes e depois, mas apenas o momento da produção 
da descrição, é claro que esse momento é decorrente de um estado 
anterior. Vamos supor que seleciono para descrição os alunos em uma sala 
de aula e produzo o seguinte texto: “Os alunos estão sentados nas 
carteiras. Leem, atentamente, o texto entregue pelo professor. Estão 
uniformizados e em silêncio”. Se, agora, estão na sala, antes não estavam. 
Portanto, o fato de estarem na sala de aula é decorrente do fato de antes, 
estarem no pátio, por exemplo. 
4- Apresenta os elementos sem uma relação de causalidade entre si. Se o 
foco da descrição é apresentar as qualidades e estados do objeto descrito, 
poderá haver inversão da ordem. Vamos tomar o exemplo acima. Esse 
mesmo texto poderia ser apresentado da seguinte maneira: “Os alunos 
estão uniformizados, sentados nas carteiras. Em silêncio, leem o texto 
entregue pelo professor”. Como deve ter percebido, alterei a ordem da 
descrição, sem prejuízo do conteúdo. 
Os princípios que regem a descrição podem ser 
resumidos como: 
 Focalizar estados e não transformações; 
 Ter um discurso figurativo; 
 Ter um componente narrativo implícito; 
 Apresentar os elementos sem uma 
relação de causalidade entre si; 
 Ter como tempos verbais o presente e o 
imperfeito; 
 Apresentar progressão temática por 
expansão de características e qualidades 
do objeto descrito. 
 
 
5- Os tempos verbais mais apropriados para a descrição são o presente e o 
imperfeito, como verificamos nos exemplos abaixo. 
6- Presença de progressão temática. Todo texto deve progredir 
tematicamente e essa progressão pode estar ligada à progressão temporal 
ou às relações lógicas manifestadas no texto. A descrição se caracteriza 
justamente por não apresentar uma progressão temática aliada à 
progressão temporal e à lógica. Na verdade, nesse modo de organização 
discursiva, como os enunciados estão justapostos entre si, pois são 
simultâneos a uma única referência temporal, evidencia-se uma progressão 
a que denominamos progressão por
expansão, já que o texto progride na 
medida em que expande predicados referentes ao objeto descrito, como 
se constata no fragmento abaixo. 
 
 A tarde adoçava o seu esplendor de estio. Uma aragem 
trazia, como ofertados, perfumes das flores silvestres. As 
ramagens moviam um aceno de doce acolhimento, as suas 
folhas vivas e reluzentes. Toda passarinhada cantava, num 
alvoroço de alegria e de louvor. As águas correntes, saltantes, 
luzidias despendiam um brilho mais vivo, numa pressa 
animada. 
 (A cidade e as serras, Eça de Queirós) 
 
 O substantivo 
tarde permite-nos recuperar a 
referência temporal à tarde. 
Trata-se de um pretérito 
(passado), a partir do qual 
estão ordenados os 
acontecimentos adoçava, 
trazia, moviam, cortava, despendiam, empregados no imperfeito. Todos os 
acontecimentos expressos por tal tempo são simultâneos entre si, caracterizando, 
desse modo, a permanência da referência temporal. 
 Quanto à progressão temática, observa-se que há uma série de elementos 
justapostos (aragem, ramagens, passarinhada, águas) para formar o quadro 
descritivo de uma tarde, evidenciando, portanto, uma progressão por expansão, já 
que não se constata uma ordem necessária de colocação nem implicação lógica 
entre os enunciados dispostos no texto. 
Passamos, agora, para as categorias da descrição. Sabe o que é isso? Nada 
mais, nada menos que a estrutura dessa modalidade de texto. 
Segundo Martins e Marquesi (2002), o texto descritivo apresenta as 
seguintes categorias: o que é, como é e como está. 
A categoria 1- o que é- trata-se do objeto que está sendo descrito. 
 A categoria 2- como é- observamos o conjunto de predicações que 
diferenciam o ser descrito dentre os demais seres da mesma classe, 
individualizando-o. Aqui, sim, entram as características que diferenciam o objeto 
descrito dos demais de sua espécie. 
 Na categoria 3- como está, há as relações particularizantes, responsáveis 
por produzir a especificidade do ser descrito no tempo. Trata-se do recorte 
temporal em que se visa a um único tempo, diferenciando-se do texto narrativo 
que apresenta cronologia temporal. É a ausência de progressão temporal sobre o 
que já abordamos. 
 
BUSCANDO SABERES 
 
As três categorias abordadas acima podem ser definidas no texto abaixo. 
 
ANOITECER 
 
É a hora em que o sino toca, 
mas aqui não há sinos; 
há somente buzinas, 
sirenes roucas, apitos 
aflitos, pungentes, trágicos, 
uivando escuro segredo; 
desta hora tenho medo. 
(Anoitecer, Drummond) 
 
Na categoria 1, o objeto descrito é o anoitecer. 
Chama-nos a atenção que o sujeito produtor desse texto, na verdade, 
aborda dois espaços em que ocorre o fenômeno anoitecer: um em que o sino 
toca, remetendo-nos à paz; outro espaço, que, imediatamente, é negado pelo 
sujeito (mas aqui não há sinos); o outro espaço em que se coloca o descritor é 
caracterizado por buzinas, barulho. 
Na categoria 2, devemos opor esses dois espaços, conforme se observa 
abaixo. É nessa oposição que vamos particularizar o anoitecer descrito. 
Espaço 1- Anoitecer Espaço 2- Anoitecer 
Hora em que o sino toca Não há sinos 
Não há buzinas Há buzinas 
Não há sirenes Há sirenes roucas, apitos 
 
Pela escolha lexical efetuada pelo produtor do texto, somos levados a 
concluir que o anoitecer, no objeto descrito, espaço 2, é caracterizado por uma 
correria, agitação, como se constata nas figuras (elementos concretos do mundo 
natural) buzinas, apitos, sirenes que integram os enunciados justapostos e 
simultâneos à referência presente estabelecida, evidenciando a permanência da 
mesma por todo o texto. 
Enunciação é o ato produtor do enunciado. É o 
momento em que o sujeito se apodera da 
língua, no momento presente, e profere um 
enunciado. Trata-se de um ato abstrato. Por essa 
razão, é a partir do enunciado que podemos 
verificar as marcas da enunciação. Lembra-se do 
texto Debaixo da Ponte? O narrador começa o 
texto da seguinte maneira: “Moravam debaixo 
da ponte. Oficialmente, não é lugar onde se 
more”. Ora, oficialmente não é lugar onde se 
more é o ato da enunciação projetado no texto. 
Se tomarmos o exemplo: Infelizmente, o Japão 
foi devassado pelo terremoto e pela Tsunami, a 
palavra infelizmente é o ato da enunciação. 
Finalmente, na categoria como está, observamos a dinamicidade, pois tudo 
acontece de maneira rápida. 
Pela descrição subjetiva, somos levados a opor paz X agitação. A paz 
encontra-se explicitada em sino e tocar, remetendo-nos a um outro espaço que 
não é o da enunciação, espaço onde se 
encontra o sujeito. Nesse, o que 
predomina é a agitação. Portanto, no 
tempo e espaço da enunciação, surge a 
correria que se opõe a outro espaço, 
caracterizado pela paz. Essa oposição 
está corroborada no elemento 
linguístico de oposição mas. 
 O último verso apresenta 
uma interpretação da realidade, pois o 
narrador emite seu juízo de valor desta hora tenho medo, evidenciando, portanto, 
o modo de organização discursiva próprio da dissertação. 
 
INTERAGINDO COM O CONHECIMENTO 
 
Questões 
1- Escolha um objeto de sua preferência. Descreva-o e, em seguida, dê a sua 
definição. 
2- Leia o texto abaixo e procure explicitar as suas categorias. Para isso, 
responda às questões: 
a) O que é? 
b) Como é? 
c) Como está? 
Cidadezinha Qualquer. 
 
 Casas entre bananeiras 
 Mulheres entre laranjeiras 
 pomar, amor, cantar 
 
 Um homem vai devagar 
 Um cachorro vai devagar 
 Um burro vai devagar 
 
 Devagar... as janelas olham 
 
 Eta vida besta, meu Deus. (Drummond) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
UNIDADE 5 - TIPOS DE DESCRIÇÃO 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
 
Objetivos: Explicitar os tipos de descrição 
Elucidar os recursos linguísticos a serem empregados na descrição 
subjetiva 
 Diante de um objeto a ser descrito, podemos fazê-lo de duas formas: 
objetiva e subjetiva. Sabe o que é isso? Não? Vamos aprender. Para isso, observe, 
atentamente, os dois textos abaixo. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
 
Texto 1- O olho ocupa um terço da cavidade orbitária. Mede 24 mm de diâmetro. 
Compreende porções de duas esferas: uma posterior e uma anterior. O nervo óptico 
emerge do globo ocular medialmente ao seu pólo posterior. Os pontos médios das 
pupilas ficam separados por uma distância de cerca de 60 mm. O diâmetro ântero-
posterior do globo ocular pode ser maior - como na miopia - ou menor - como na 
hipermetropia - do que o normal. O globo ocular tem três camadas concêntricas: uma 
túnica fibrosa externa, protetora, que compreende a córnea e a esclera ou esclerótica; 
uma túnica pigmentada média, vascular, que compreende a íris, o corpo ciliar e a 
coróide, e uma túnica interna, denominada retina.(Anatomia, Gardener et alii..) 
 
Texto2- 
Mapa de anatomia: o Olho 
O Olho é uma espécie de globo, 
é um pequeno planeta 
com pinturas do lado de fora. 
Muitas pinturas: 
azuis, verdes, amarelas. 
É um globo brilhante: 
parece cristal, 
é como um aquário com plantas 
finamente desenhadas: algas, sargaços, 
miniaturas marinhas, areias, rochas, naufrágios e peixes de ouro. 
 
Mas por dentro há outras pinturas, 
que não se vêem: 
umas são imagem do mundo, 
outras são inventadas. 
 
O Olho é um teatro por dentro. 
E às vezes, sejam atores, sejam cenas, 
e às vezes, sejam imagem, sejam ausências, 
formam, no Olho, lágrimas. (Cecília Meireles) 
 
A leitura dos dois textos evidencia tratar-se do mesmo objeto: o olho. No 
entanto, a forma como esse objeto é apresentado é diferente. Cabe-nos 
questionar: diferente em quê? É simples. No primeiro texto, o olho é descrito, 
segundo suas características reais; no texto 2, diferentemente, o autor deixa de 
lado as especificidades
reais e atém-se à maneira como ele vê o olho. Estamos 
diante dos dois tipos de descrição: objetiva e subjetiva. Vamos percorrer os 
caminhos da objetividade e subjetividade, que, certamente, você se depara no seu 
dia-a-dia, sem saber. 
A primeira coisa a assinalar é que objetividade e subjetividade 
relacionam-se ao uso da linguagem. 
Dizemos que a linguagem é objetiva, quando o emprego das palavras 
está em conformidade com o significado do dicionário. É a denotação, isto é, 
vínculo direto de significação, relação significativa objetiva entre referência e 
conceito. Um exemplo disso é o texto 1. 
Diferentemente, para o emprego da linguagem subjetiva, o produtor do 
texto deve utilizar-se da conotação, ou seja, conjunto de alterações ou ampliações 
que uma palavra agrega ao seu sentido denotado. Nesse caso, o produtor do 
texto não se atém às características reais do objeto, mas o apresenta como ele o 
vê. Assim, o olho, no poema de Cecília, é uma espécie de globo, é planeta com 
pinturas do lado de fora, em referência à cor dos olhos das pessoas, parece cristal, 
é aquário com plantas. Por dentro, há imagens não vistas, provavelmente, a nossa 
imaginação, é teatro. Lindo, não é? Eis a subjetividade. Resta uma pergunta: Como 
posso me utilizar da subjetividade? 
 
BUSCANDO SABERES 
 
Na língua, há recursos próprios para a subjetividade. São as figuras de 
linguagem. Dentre as várias possíveis, ater-nos-emos à comparação, à metáfora, à 
sinestesia e à hipérbole. Os nomes parecem complexos, mas os conceitos são 
simples. 
Vamos ao estudo da comparação. É claro que você sabe o que é isso. 
Afinal, na nossa vida diária, o que mais fazemos é comparar: preços, roupas, 
maridos, namorados e filhos. 
Vale lembrar que existe uma comparação gramatical, quando comparo 
seres da mesma natureza e comparação poética, em que os elementos 
comparados são de natureza diferente. Assim em: “Pedro é mais alto do que 
Paulo” é comparação gramatical, porém quando digo “Pedro é tão forte quanto 
um leão”, estamos diante da comparação poética. 
Metáfora é o emprego de uma palavra por outra. Mas como construir 
metáforas? Basta efetuar uma comparação em que o elemento linguístico que a 
expressa encontra-se omisso. Assim, pode-se dizer que a toda metáfora subjaz 
uma comparação, como se observa em: “Pedro é um leão”; “O olho é um teatro”; 
“O olho é um pequeno planeta”. 
Outro belo exemplo de metáfora é o verso de Fernando Pessoa: A morte 
é a curva da estrada/ Morrer é só não ser visto. Você consegue explicar essa 
metáfora? É simples, o autor fez uma comparação prévia entre curva da estrada, 
em que não se consegue visualizar o outro lado e a morte que também guarda 
seus mistérios do outro lado. 
Sinestesia é a combinação dos sentidos, como se observa em “Cheiro 
azedo do ar” (Graça Aranha), em que há a expressão do olfato (cheiro) e do 
paladar (azedo). 
Hipérbole é a figura que evidencia o exagero e Roberto Carlos nos dá um 
excelente exemplo: “Eu quero ter um milhão de amigos” 
Leia o poema de Drummond No meio do caminho e vamos entender a 
metáfora empregada por ele. 
No meio do caminho tinha uma pedra 
tinha uma pedra no meio do caminho 
tinha uma pedra 
no meio do caminho tinha uma pedra. 
Nunca me esquecerei desse acontecimento 
na vida de minhas retinas tão fatigadas. 
Nunca me esquecerei que no meio do caminho 
tinha uma pedra 
tinha uma pedra no meio do caminho 
no meio do caminho tinha uma pedra. 
 
Para a construção dessa metáfora, Drummond considerou a dureza da 
pedra, estendendo essa significação para os problemas, os percalços da vida. 
Assim, “no meio do caminho tinha uma pedra” associa-se a uma vida dura, cheia 
de obstáculos, os quais devemos transpor. 
Você sabia que em nossa conversa cotidiana, podemos construir 
metáforas? A atriz Patrícia Travassos, conversava sobre São Paulo, em um canal de 
TV e assim se pronunciou: “Quando olho São Paulo de um avião, vejo que São 
Paulo é uma plantação de prédios (grifo nosso)”. Ora, Patrícia construiu uma linda 
metáfora, pois comparou um campo repleto de plantação e estendeu esse 
significado para a cidade de São Paulo, repleta de prédios. 
 
INTERAGINDO COM O CONHECIMENTO 
 
Questões 
Leia o texto abaixo. 
 
Eu vejo uma gravura 
Eu vejo uma gravura, grande e rasa. 
No primeiro plano, uma casa. 
À direita da casa, outra casa. 
À esquerda da casa, outra casa. 
Lá no fundo da casa,outra casa. 
Em frente da casa, uma vala: 
Onde corre a lama, doutra casa. 
E no chão da casa,outra vala 
Onde corre o esgoto doutra casa. 
Esta casa que eu vejo, não se casa 
Com o que chamamos de uma casa. 
Pois as paredes são esburacadas, 
Onde passam aranhas e baratas. 
E os telhados são folhas de zinco. 
E podem cair a qualquer vento 
E matar a mulher que mora dentro 
E matar a criança, que está dentro 
Da mulher que mora nessa casa. 
Ou da mulher que mora noutra casa. 
É preciso pintar outra gravura 
Com casa de argamassa na paisagem 
Crianças cantando a segurança da vida construída à sua imagem. 
Reynaldo Jardim 
 
 
Questões para compreensão do texto 
1- No texto, que palavra pode substituir o termo gravura? 
2- Que aspecto de uma cidade é mostrado nesse texto? 
3- Como são as ruas desse texto? 
4- Que condições de higiene faltam às pessoas que vivem nessa gravura? 
5- Nas casas do texto existe quintal? Retire do texto uma expressão que 
comprova a sua resposta. 
6- Qual é o significado dos versos grifados em: 
E podem cair E matar a criança 
A qualquer vento. Que está dentro 
E matar a mulher Da mulher que mora 
Que mora dentro. Nessa casa 
7- Qual é o tipo de linguagem empregada no texto? 
 
 
 
 
 
 
 
UNIDADE 6 - NARRAÇÃO 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
 
Objetivos: Explicitar os princípios que regem o modo de organização discursiva da 
narração 
 
Já abordamos, nas unidades anteriores, o conceito de narração, 
entendendo-a como o relato de um fato, a apresentação de um mundo que se 
constrói gradativamente. Nesta unidade, elucidamos seus princípios. Vamos 
aprender? 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
 
Fiorin & Savioli (1996:230) afirmam que a narração é regida pelos 
seguintes princípios básicos: 
 ser um texto figurativo; 
 focalizar as transformações de estado; 
 apresentar como tempos verbais fundamentais os perfectivos; 
 apresentar progressão temporal e progressão temática. 
Como você já aprendeu, texto figurativo é aquele em que há predomínio 
de elementos concretos presentes no mundo natural. Vamos, então, para os 
outros princípios. 
 Transformação de estado é o princípio básico que rege esse modo de 
organização, já que narrar é apresentar um mundo que se constrói. Nessa 
construção de acontecimentos anteriores e posteriores, o que se evidencia é uma 
progressão temporal dos acontecimentos, implicando uma ordem cronológica de 
colocação dos enunciados. 
Diferentemente da descrição, em que se observa ausência da progressão 
temporal, evidenciada pela permanência da referência temporal, no modo de 
organização discursiva da narração, é a troca da referência temporal. Dessa 
maneira, os elementos dispostos no texto estão ordenados, a partir de referências 
temporais diferentes. Essa troca pode estar explicitada em elementos lingüísticos, 
tais como: depois, em seguida, minutos após, um dia, entre outros existentes na 
língua ou, simplesmente, ser inferida pelos próprios enunciados, quando há entre 
eles uma relação de causa e consequência. Tal inferência é possível, muitas vezes, 
graças ao nosso conhecimento de mundo. 
Assim, se dissermos ele se aproximou e tocou o garoto ferido, ainda que 
não tenhamos explicitada a progressão temporal por meio de expressões de 
tempo, a ordem dos enunciados é a responsável por ela, pois, é de nosso 
conhecimento que para se tocar algo, primeiro devemos nos aproximar e, depois, 
tocar. As duas ações: aproximar e tocar dão-se
em tempos diferentes e não 
simultâneos, marcados pela conjunção aditiva e. Dessa maneira, um enunciado 
constitui a referência temporal para o seguinte, havendo uma relação de causa e 
conseqüência. 
 
BUSCANDO SABERES 
 
Para o exame da troca da referência temporal, analisamos dois textos: 
Pneumotórax, de Manuel Bandeira. 
 
 PNEUMOTÓRAX 
 
 Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos. 
 A vida inteira que podia ter sido e que não foi. 
 Tosse, tosse, tosse. 
 
 Mandou chamar o médico: 
 – Diga trinta e três. 
 – trinta e três...trinta e três...trinta e três... 
 – Respire. 
 ............................................................................. 
 – O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo 
 e o pulmão direito infiltrado. 
 – Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? 
 – Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino. 
 (Pneumotórax, Manuel Bandeira) 
 
 O primeiro verso do texto acima apresenta um modo de organização 
discursiva próprio da descrição, com um narrador explicitando um determinado 
estado. No segundo verso, porém, observamos o modo de organização discursiva 
da narração, evidenciado na transformação. O momento de referência vida inteira 
é pretérito (passado). Em relação a ele, há o emprego do imperfeito podia ter 
sido, porém, com valor de futuro do pretérito, cujo efeito é o de indicar não uma 
hipótese, mas uma certeza, já que, em seguida, verificamos a sua negação, 
explicitada no emprego do perfeito foi. 
 Na enumeração dos elementos que caracterizavam o estado do 
personagem, verifica-se a ausência de verbos, estando tais elementos separados 
por vírgulas (primeiro verso); expressos pela repetição do termo tosse (terceiro 
verso) e pela introdução do modificador vida inteira. Todos esses elementos 
possibilitam a leitura de um estado permanente do personagem. 
 Na segunda estrofe, observamos a mudança para o modo de organização 
discursiva próprio da narração. Embora não tenhamos uma referência temporal 
explicitada num elemento como um dia, por exemplo, podemos recuperá-la a 
partir do enunciado mandou chamar o médico. Entre esse enunciado e os 
seguintes há uma troca de referência temporal, pois primeiro o médico veio, 
depois começou o exame. Essa troca encontra-se explicitada na fala do médico 
diga trinta e três e também nas demais mudanças de turno das falas que 
enunciam a voz do médico e do personagem. Tais mudanças obedecem a uma 
sucessão, cuja ordem não pode ser invertida. O personagem só diz trinta e três 
após a solicitação do médico. 
 Em seguida, constatamos novamente uma ordem dada pelo médico, 
respire, cuja resposta está no verso seguinte, explicitada na linha pontilhada, 
remetendo à respiração, caracterizando, dessa maneira, uma nova troca de 
referência temporal. 
 O recurso empregado para a indicação da troca da referência temporal se 
mantém até o final do texto, isto é, a mudança de turno de fala indica uma troca 
de referência e, consequentemente, uma progressão temporal, já que não se 
pode mudar a ordem dos atos enunciados. 
 O último verso se caracteriza pelo emprego da figura ironia (afirma-se 
algo no texto, que se quer negar na enunciação), explicitada no ato de enunciação 
do médico, que produz um efeito de sentido de desenlace inesperado de uma 
situação que faz parte de nosso “script” da área médica, ao mesmo tempo que 
possibilita a recuperação do discurso do médico não tem jeito, você não tem cura. Como revelado nas análises efetuadas, diferentemente do modo de organização discursiva próprio da descrição, no específico da narração constata-se a troca da referência temporal, 
 Quanto à progressão temática, pode-se afirmar que está aliada à 
progressão temporal. Dessa forma, à medida que o narrador vai apresentando os 
acontecimentos anteriores, concomitantes e posteriores, o tema progride e o 
mundo textual constrói um simulacro do mundo real. 
 
INTERAGINDO COM O CONHECIMENTO 
 
Leia o texto abaixo e responda ao que se pede 
O ACENDEDOR DE LAMPIÕES 
Lá vem o acendedor de lampiões da rua! 
Este mesmo que vem infatigavelmente, 
Parodiar o sol e associar-se à lua 
Quando a sombra da noite enegrece o poente! 
 
Um, dois, três lampiões, acende e continua 
Outros mais a acender imperturbavelmente, 
A medida que a noite aos poucos se acentua 
E a palidez da lua apenas se pressente. 
 
Triste ironia atroz que o senso humano irrita: - 
Ele que doira a noite e ilumina a cidade, 
Talvez não tenha luz na choupana em que habita, 
 
Tanta gente também nos outros Insinua 
Crenças, religiões, amor, felicidade, 
Como este acendedor de lampiões da rua! (Jorge de Lima) 
1- Esse texto é figurativo? Justifique sua resposta. 
2- Quais são os elementos indicadores de progressão temporal? 
3- Pode-se afirmar que há uma passagem no texto em que o autor emite sua 
opinião. Qual é? 
 Fórum 
Discuta com seus colegas o sentido dos versos: 
Tanta gente também nos outros Insinua 
Crenças, religiões, amor, felicidade, 
Como este acendedor de lampiões da rua! (Jorge de Lima) 
 
 
 
 
 
UNIDADE 7 - CATEGORIAS DA NARRAÇÃO 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
 
Objetivos: Explicitar as categorias da narração 
 Nesta unidade, objetivamos abordar as categorias que regem a narração. 
Por meio das categorias, pretendemos mostrar como está inadequado para o 
ensino o professor que orienta seu aluno, apenas, dizer: “uma história tem que ter 
começo, meio e fim”. Vamos, agora, seguir passo a passo a estrutura da narração. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
 
 Pode-se afirmar que as categorias da narração são: introdução, 
complicação, desenvolvimento e conclusão. Mas como escrever um texto, 
considerando essas divisões? É fácil. 
 A Introdução, também denominada situação inicial, é o ponto de partida. 
Normalmente, coloca-se na introdução sobre o que e sobre quem se conta a 
história. 
 Você já pensou se nas novelas de TV tudo fosse resolvido sem nenhum 
problema? Não teria graça, pois em apenas um capítulo já teríamos a história 
completa. Imagine, agora, se a história de Chapeuzinho Vermelho fosse narrada 
da seguinte maneira: Era uma vez uma menina chamada Chapeuzinho Vermelho. 
Um dia a mãe lhe chamou e pediu para ela levar doces à vovó e que não fosse 
pela estrada da floresta, pois o lobo mau estava à solta. Ela foi, seguindo o 
caminho indicado pela mãe e entregou o doce a vovó. Fica chata, não é? Claro, 
pois faltou um elemento que dá vida às histórias. Faltou a complicação. 
 Complicação é a introdução de algo novo na história. Trata-se de um dado 
novo, de um acontecimento que quebra a situação inicial. Ora, já comentamos 
que a característica básica da narração é a mudança de estado das coisas e dos 
seres enfocados e, nesse caso, a complicação pode ser fundamental. Só para 
simplificar, a complicação na história de Chapeuzinho vermelho se inicia quando 
ela desobedece a mãe e encontra o lobo no caminho. 
 A partir do momento em que a complicação é instaurada, deve-se efetuar 
o desenvolvimento da história, isto é, introduzimos ações e acontecimentos com 
vistas a resolver a situação instaurada na complicação. 
 Entretanto, é preciso prestar atenção para o momento de resolução da 
complicação. É o clímax. Em outras palavras, é o momento crucial da complicação, 
em que um desfecho ou conclusão deve ser inserido. 
 O desfecho vai depender do produtor do texto, ou ela retoma a 
introdução, ou podemos dar à história um novo desfecho. No caso de 
Chapeuzinho Vermelho, a conclusão ou desfecho retomou a situação inicial: a 
mãe, a menina e a vovó, vivendo harmonicamente. 
 
BUSCANDO SABERES 
 
 É hora de colocarmos as categorias da narração em prática. Para isso, 
vamos examinar a Fábula
de La Fontaine abaixo. 
 
“Um corvo pousou em uma árvore, com um bom pedaço de queijo no 
bico. Atraída pelo cheiro do queijo, aproximou-se da árvore uma raposa. 
Com muita vontade de comer aquele queijo, e sem condições de subir na 
árvore, afinal, não tinha asas, a raposa resolveu usar sua inteligência em benefício 
próprio. 
- Bom dia amigo Corvo!- disse bem matreira a raposa. 
O corvo olhou-a e fez uma saudação balançando a cabeça. 
- Ouvi falar que o rouxinol tem o canto mais belo de toda a floresta. Mas eu 
aposto que você, meu amigo, acaso cantasse, o faria melhor que qualquer outro 
animal. 
http://www.qdivertido.com.br/verconto.php?codigo=32
http://www.qdivertido.com.br/verconto.php?codigo=32
http://www.qdivertido.com.br/verconto.php?codigo=32
Sentindo-se desafiado e querendo provar seu valor, o corvo abriu o bico 
para cantar. Foi quando o queijo caiu-lhe da boca e foi direto ao chão. 
A raposa apanhou o queijo e agradeceu ao corvo: 
- Da próxima vez amigo, desconfie das bajulações! 
 
Moral da história: Desconfie dos bajuladores, esses sempre se aproveitam da 
situação, para tirar vantagem sobre você” 
 
 A introdução nos coloca que a história a ser narrada é sobre um corvo que 
estava no alto de uma árvore com um pedaço de queijo e de uma raposa que se 
sentiu que queria o queijo para si. 
 A complicação se instaura, no segundo parágrafo, pois, como diz o texto, a 
raposa não pode subir em árvores. 
Para o desenvolvimento e corroborando o fato de a raposa ser astuta, 
observamos que ela manipula o corvo (tenta levá-lo a fazer o que ela quer: 
derrubar o queijo). Para isso, realiza um programa de sedução, isto é, oferece ao 
corvo um objeto de valor: elogia-o e diz que sua voz é a mais bonita. O corvo cai 
na armadilha e fica vaidoso e desafiado. 
O clímax ocorre, quando o corvo derruba o queijo ao chão, propiciando, 
com isso, o desfecho: a raposa come o queijo e o que é pior, sanciona (julga), 
negativamente, o corvo, emitindo uma opinião um juízo de valor, evidenciando a 
dissertação. 
 
INTERAGINDO COM O CONHECIMENTO 
 
Leia o texto abaixo e responda ao que se pede 
O ACENDEDOR DE LAMPIÕES 
Lá vem o acendedor de lampiões da rua! 
Este mesmo que vem infatigavelmente, 
http://www.qdivertido.com.br/verconto.php?codigo=32
Parodiar o sol e associar-se à lua 
Quando a sombra da noite enegrece o poente! 
 
Um, dois, três lampiões, acende e continua 
Outros mais a acender imperturbavelmente, 
A medida que a noite aos poucos se acentua 
E a palidez da lua apenas se pressente. 
 
Triste ironia atroz que o senso humano irrita: - 
Ele que doira a noite e ilumina a cidade, 
Talvez não tenha luz na choupana em que habita, 
 
Tanta gente também nos outros Insinua 
Crenças, religiões, amor, felicidade, 
Como este acendedor de lampiões da rua! (Jorge de Lima) 
1- Esse texto é figurativo? Justifique sua resposta. 
2- Quais são os elementos indicadores de progressão temporal? 
3- Pode-se afirmar que há uma passagem no texto em que o autor emite sua 
opinião. Qual é? 
 Fórum 
Discuta com seus colegas o sentido dos versos: 
Tanta gente também nos outros Insinua 
Crenças, religiões, amor, felicidade, 
Como este acendedor de lampiões da rua! (Jorge de Lima) 
 
 
 
 
 
UNIDADE 8 - ELEMENTOS DA NARRAÇÃO 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
 
Objetivos: Explicitar os elementos da narração 
 
Nesta unidade, vamos retomar, ainda que de forma sucinta, os principais 
elementos da narração: o narrador, o tempo, espaço e personagem, conteúdos já 
abordados na disciplina Teoria Literária. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
 
 De maneira sintética, podemos afirmar que, para a produção de uma 
narração, há de existir: O que contar? Quando ocorreu? Onde ocorreu? Sobre 
quem contar? Como contar? As respostas a esses questionamentos são os 
elementos básicos sobre os quais abordamos a seguir. 
A narração é a construção de um mundo. Para tanto, é preciso que 
tenhamos um fato, um acontecimento (o que contar?) a ser narrado. Trata-se do 
enredo, ou seja, uma série de acontecimentos dispostos em uma ordem 
cronológica. 
Normalmente, narramos acontecimentos já ocorridos no tempo. Por essa 
razão, o tempo mais frequente da narração é o passado. No entanto, posso narrar 
um acontecimento que se dá no momento da minha fala, ou posso criar um 
acontecimento totalmente futuro. 
Parece confuso, mas não é não. Observe bem os dois textos abaixo. 
Sentimento do mar 
 
Passo pela padaria miserável e vejo se já tem pão 
fresco. As jogadas e os camarões estão aqui. Está aqui a 
garrafa de cachaça. Você vai mesmo? Pensei que fosse 
brincadeira sua. 
Arranja um chapéu de palha. Hoje vai fazer sol quente. 
Andamos na madrugada escura. Vamos calados, com os pés 
rangindo na areia. Vem por aqui, aí tem espinhos. Os 
mosquitos do mangue estão dormindo. Vem. Arrasto a canoa 
para dentro da água. A água está fria. Ainda é quase noite... O 
remo está úmido de sereno, sujo de areia. Senta ali na proa, 
virada para mim. Olha a água suja no fundo da canoa. Põe os 
pés em cima da poita. Eu estou dentro dágua até os joelhos, 
emprurro a canoa e salto para dentro. Uma espumarada de 
onda fria bate na minha cara. remo depressa, por causa da 
arrebentação. Fica sentada, não tem medo não. Firma aí. 
Segura dos lados. Não se mexa! Firme! Ôôôôi...Quase! Outra 
onda dá um balanço forte e joga um pouco de água dentro do 
barco. estou remando em pé, curvado para a direita, com 
esforço. A outra onda passa mansa, mansa, a proa bate nágua 
e avança. O remo está frio nas minhas mãos. Eu o mergulhei 
dentro dágua para limpar a areia. A água que escorre molha 
as mangas de meu paletó... 
 (Sentimento do mar, Rubem Braga) 
 
O texto acima está estruturado segundo o modo de organização 
discursiva da narração. Nele, há a apresentação de um mundo que se constrói, 
cujos acontecimentos são presentes, agora. Nesse sentido, o narrador relata-nos 
os acontecimentos no exato momento em que ocorrem. 
No texto abaixo, todo o mundo se constrói a partir de um momento 
futuro (quando o senhor fizer crescer) e, a partir dele, há uma série de 
acontecimentos, todos futuros. Ressalte-se que narrações futuras são comuns nas 
profecias bíblicas, como se constata abaixo. 
 
 VENTURA DE SIÃO NOS TEMPOS MESSIÂNICOS 
 
Naquele tempo, 
aquilo que o Senhor fizer crescer será o ornamento e a 
glória, 
e o fruto da terra será o orgulho e o ornato 
daqueles de Israel que foram salvos. 
O que restar de Sião, 
os sobreviventes de Jerusalém, 
serão chamados santos, 
todos os que estiverem computados entre os vivos em 
Jerusalém. 
Quando o Senhor tiver lavado a imundície das filhas de 
Sião, 
e apagado de Jerusalém as manchas de sangue 
pelo sopro do direito e pelo vento devastador, 
o Senhor virá estabelecer-se 
sobre todo o monte Sião e em suas assembléias, 
de dia como uma nuvem de fumaça, 
e de noite como um fogo flamejante. 
Porque sobre todos se estenderá a glória do Senhor, 
à guisa de sombra contra o calor do dia, 
e de refúgio e abrigo contra a procela e a chuva. 
 (Bíblia Sagrada) 
 
 Não importa se os acontecimentos que servirão de base para a construção 
do mundo que se quer narrar sejam passados, presentes ou futuros, o importante 
é saber como ordená-los. Na verdade, há dois modos de estruturação do tempo: 
o cronológico e o psicológico. 
 O tempo cronológico é aquele que respeita a ordem natural dos 
acontecimentos. Ele é medido em horas, dias, anos ou séculos. 
 Vamos verificar como o autor trabalha o tempo cronológico no texto 
abaixo. 
Tragédia Brasileira 
Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade, conheceu Maria Elvira na 
Lapa – prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e os 
dentes em petição de miséria. 
Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado
no Estácio, pagou 
médico, dentista, manicura... Dava tudo o que ela queria. 
Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado. 
Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez 
nada disso: mudou de casa. 
Viveram três anos assim. 
Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa. 
Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, 
Ramos, Bom Sucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, 
Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do 
Mato, Inválidos... 
Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência, 
matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, 
vestida de organdi azul. (Manuel Bandeira) 
 
 No texto acima, é possível verificar a estrutura do tempo cronológico, 
presente na narração. Assim, a partir de um momento passado (Misael conheceu 
Maria Elvira na Lapa), há uma série de acontecimentos, cuja ordem obedece aos 
ponteiros de um relógio. Assim, após tê-la conhecido, tirou-a da vida, instalou-a 
num sobrado, pagou médico, dentista, manicura. 
 Depois que Maria Elvira se viu bonita, arranjou um namorado e, como 
consequência, Misael mudou de casa. Viveram três anos assim: Maria Elvira 
arranjava namorado e Misael mudava de casa. Chama-nos a atenção a forma 
como o poeta evidencia a progressão do tempo, pois, ao invés de indicar a 
quantidade de namorados e de troca de lugares, simplesmente, ele enumera os 
locais onde os amantes moraram e pelos quais, obviamente, ele e Maria Elvira 
também moraram. Finalmente, ocorre o desfecho da história: ele mata Maria 
Elvira e, o que é mais estranho, o faz na Rua da Constituição, que, como sabemos, 
é o documento legal que assegura a liberdade e o livre arbítrio das pessoas. 
 O tempo psicológico não obedece à ordem cronológica, não pode ser 
mensurado, pois se institui conforme o desejo ou a imaginação do narrador ou 
personagens. Então, esse tempo modifica a ordem dos acontecimentos do 
enredo. Tenho certeza de que você já instaurou muito tempo psicológico em suas 
narrações diárias, principalmente, quando está esperando o namorado ou 
namorada e dez minutos representam 10 horas; ou quando em uma festa, duas 
horas equivalem a dez minutos. 
 Um bom exemplo de tempo psicológico é o texto abaixo, de Machado de 
Assis. 
 
 “Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo 
fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. 
Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me 
levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um 
autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a 
Segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo, Moisés, que 
também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: diferença radical 
entre este livro e o Pentateuco. 
Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma Sexta-feira do mês de agosto de 
1869, na minha bela chácara de Catumbi..” [Machado de Assis, Memórias 
Póstumas de Brás Cubas, cap. I – Óbito do autor] 
 A considerar o tempo cronológico, o texto de Machado deveria conter, em 
primeiro lugar, o seu nascimento. No entanto, ele assinala ao leitor que isso, 
contar a vida pelo nascimento, é normal demais e que ele o fará a partir de sua 
morte. 
Narrador 
Todo texto é produzido por alguém, o seu autor. No entanto, há que se 
destacar que o autor delega a voz da narração a um ser criado por ele, 
denominado narrador. O narrador, então, é o responsável pelo relato da história 
e, evidentemente, não se confunde com o autor. 
 Basicamente, os textos podem ser narrados em 1ª pessoa ou em 3ª pessoa. 
Sabe o que é isso? É simples. Um texto é narrado em primeira pessoa, quando seu 
narrador é um personagem da história. São os textos em “eu”. Já um texto é 
narrado em terceira pessoa, quando o narrador não é personagem, mas está 
encarregado, simplesmente, de apresentar os fatos. 
 Você já estudou isso em Teoria Literária e sabe que narrar em 1ª ou em 3ª 
pessoa é adotar-se um ponto de vista, a partir do qual se narra, se relata o 
acontecimento. 
 Ao adotar a primeira pessoa, narrador = personagem, todos os fatos são 
apresentados a partir do ponto de vista de uma personagem. Nesse caso, 
dizemos que há uma focalização parcial interna, é a visão dele, narrador 
personagem que é colocada em cena, conforme Fiorin & Saviolli, 1996. 
O texto Sentimento do mar, introduzido acima, é narrado em primeira 
pessoa. Nele, o narrador é o personagem que dialoga com outra e relata todas as 
suas impressões sobre um passeio no mar. Como a narração dos acontecimentos 
se dá no presente, a visão do leitor se estabelece a partir desse relato do 
personagem. No texto, sentimento do mar Sentimento do mar 
 
Passo pela padaria miserável e vejo se já tem pão 
fresco. As jogadas e os camarões estão aqui. Está aqui a 
garrafa de cachaça. Você vai mesmo? Pensei que fosse 
brincadeira sua. 
Arranja um chapéu de palha. Hoje vai fazer sol quente. 
Andamos na madrugada escura. Vamos calados, com os pés 
rangindo na areia. Vem por aqui, aí tem espinhos. Os 
mosquitos do mangue estão dormindo. Vem. Arrasto a canoa 
para dentro da água. A água está fria. Ainda é quase noite... O 
remo está úmido de sereno, sujo de areia. Senta ali na proa, 
virada para mim. Olha a água suja no fundo da canoa. Põe os 
pés em cima da poita. Eu estou dentro dágua até os joelhos, 
empurro a canoa e salto para dentro... 
 (Sentimento do mar, Rubem Braga) 
 
 O narrador em terceira pessoa pode ser de dois tipos: observador e 
onisciente. 
 O narrador observador apresenta os acontecimentos, tal qual ocorrem no 
horizonte da história, o narrador é observador. Neste caso, ele limita-se a relatar o 
que vê. De acordo com Fiorin & Saviolli (op. Cit.), trata-se de focalização parcial 
externa, isto é, só temos conhecimento das ações dos personagens e não 
conseguimos acessar seus pensamentos e sentimentos, como podemos observar 
abaixo, no texto Uma Vela para Dario, de Dalton Trevisan. 
 
Dario vinha apressado, guarda-chuva no braço esquerdo e, 
assim que dobrou a esquina, diminuiu o passo até parar, 
encostando-se à parede de uma casa. Por ela escorregando, 
sentou-se na calçada, ainda úmida de chuva, e descansou na 
pedra o cachimbo. 
Dois ou três passantes rodearam-no e indagaram se não se 
sentia bem. Dario abriu a boca, moveu os lábios, não se ouviu 
resposta. O senhor gordo, de branco, sugeriu que devia sofrer 
de ataque. 
Ele reclinou-se mais um pouco, estendido agora na calçada, e o 
cachimbo tinha apagado. O rapaz de bigode pediu aos outros 
que se afastassem e o deixassem respirar. Abriu-lhe o paletó, o 
colarinho, a gravata e a cinta. Quando lhe retiraram os sapatos, 
Dario roncou feio e bolhas de espuma surgiram no canto da 
boca. 
 
No fragmento acima, o narrador nos apresenta os acontecimentos a partir 
de uma visão externa. Na verdade, nós, leitores, temos a impressão de que existe 
alguém com uma filmadora, passando-nos a imagem do que acontece. Ele não 
interfere nos fatos, não emite opinião, não entra no pensamento da personagem. 
 O narrador onisciente conhece toda a história do começo ao fim e, por 
isso, introduz pensamentos das personagens. Ele sabe o que elas pensam e até 
como vão reagir diante de certas cenas. Nas palavras dos autores citados acima, 
trata-se de focalização total, ou seja, ele sabe mais que as personagens, ele 
paira acima dos acontecimentos, vê tudo e tudo mostra ao leitor, como se pode 
depreender no fragmento abaixo. 
 
(...) Então o boi se lembra dos seus tempos de carreiro, das 
toras que puxou, da disposição e da saúde que o 
promoveram a boi de guia de doze juntas respeitadas. 
Pinheiro de chifre, foi-lhe

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