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Ensino e Avaliação da Produção Textual na Escola Apresentação Poesia Gastei uma hora pensando um verso que a pena não quer escrever. No entanto ele está cá dentro inquieto, vivo. Ele está cá dentro e não quer sair. Mas a poesia desse momento inunda minha vida inteira. Drummond Caro aluno (a) Se escrever fosse um ato tão natural e espontâneo, Drummond não faria um poema que revelasse a necessidade de pensar, de refletir. Também não afirmaria que é preciso “gastar tempo” para fazê-lo. No entanto, o poeta foi magnânimo ao afirmar que o pensar um verso torna-se motivo de prazer. Por que isso ocorre? É simples. Diante dos fatos do mundo, todos nós nos sentimos inquietos de tal forma que as idéias borbulham, que o desejo de exteriorização do pensamento, muitas vezes, parece- nos impossível. No entanto, é preciso utilizar a linguagem, como forma de interação com o mundo e com as pessoas que nos rodeiam, com organização de pensamentos de forma lógica e coerente e que nos tornemos sujeitos de nossos discursos. É fácil? Não. Para termos sucesso é preciso muita leitura e muito treino no uso da linguagem escrita, o que faremos em nossa caminhada pelos caminhos da produção e avaliação textual. Nossa disciplina conta com doze unidades, a partir das quais, gradativamente, vamos discutindo a temática proposta. Para cada unidade, há atividades que devem ser resolvidas pro você. Além disso, há questões para serem discutidas nos fóruns. PROGRAMA DA DISCIPLINA EMENTA: Os modos de organização discursiva. Descrição, Narração e Dissertação: conceitos e categorias. Avaliação: aspectos gerais. Avaliação das produções de alunos. OBJETIVOS Propiciar conhecimentos sobre a produção textual; Entender a leitura como produção textual; Desenvolver conhecimentos a respeito dos princípios e das categorias que regem os três modos básicos de organização discursiva; Propiciar embasamentos e técnicas para a avaliação de produção textual. CONTEÚDOS Unidade 1- Os textos e os Discursos: pressupostos básicos para a produção textual Unidade 2- Os modos de Organização Discursiva Unidade 3- Temas e Figuras Unidade 4- Descrição Unidade 5- Tipos de Descrição Unidade 6- Narração Unidade 7- Categorias da Narração Unidade 8- Elementos da Narração Unidade 9- Dissertação Unidade 10- Categorias da Dissertação Unidade 11- Situando a Avaliação Unidade 12- Avaliação de Produção Textual METODOLOGIA Adotamos para a Disciplina Ensino e Avaliação de Produção Textual na Escola uma metodologia que alia a teoria à prática. A partir de textos, exploramos os conceitos teóricos basilares para o ensino e avaliação de redação na escola. AVALIAÇÃO No sistema EAD, a legislação determina que haja avaliação presencial, sem, entretanto, se caracterizar como a única forma possível e recomendada. Na avaliação presencial, todos os alunos estão na mesma condição, em horário e espaço pré-determinados, diferentemente, a avaliação a distância permite que o aluno realize as atividades avaliativas no seu tempo, respeitando-se, obviamente, a necessidade de estabelecimento de prazos. A avaliação terá caráter processual e, portanto, contínuo, sendo os seguintes instrumentos utilizados para a verificação da aprendizagem: 1) Trabalhos individuais ou a partir da interatividade com seus pares; 2) Provas realizadas presencialmente; 3) Trabalhos de pesquisa. As estratégias de recuperação incluirão: 1) retomada eventual dos conteúdos abordados nas unidades, quando não satisfatoriamente dominados pelo aluno; 2) elaboração de trabalhos com o objetivo de auxiliar a vivência dos conteúdos. BIBLIOGRAFIA BÁSICA BASTOS, L. K.; MATTOS, M. A. A produção escrita e a gramática. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. São Paulo: Contexto, 1997. ____. A coesão textual. 17. ed. São Paulo: Contexto, 2002. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998. FIORIN, José Luiz; BARROS, Diana Luz Pessoa de (Org.). Dialogismo, polifonia, intertextualidade: em torno de Bakhtin. 2. ed. São Paulo: EDUSP, 2003 FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: Ática, 1996. GARCIA, O. Comunicação em prosa moderna. Rio de Janeiro: FGV, 1973. GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins, 1997. UNIDADE 1 - OS TEXTOS E OS DISCURSOS: PRESSUPOSTOS BÁSICOS PARA A PRODUÇÃO TEXTUAL CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Elucidar os pressupostos básicos da organização discursiva. Para o desenvolvimento dessa unidade, precisamos retomar alguns pressupostos já desenvolvidos na disciplina Leitura e Produção Textual. Para tanto, recordaremos as noções de texto e de discurso. Vamos a eles? ESTUDANDO E REFLETINDO Um dos conceitos mais correntes afirma ser o texto um todo organizado de sentido, excluindo-se, dessa maneira, a idéia de que texto é um amontoado de frases e de parágrafos. Texto é uma materialidade concreta, é a manifestação de um conteúdo, portanto, é um plano de expressão (veículo por onde se transmite uma informação, por meio da qual formalizamos nossa interação social). Como já observado, essa materialização pode manifestar-se por meio da linguagem visual, gestual ou verbal, como podemos observar abaixo. Texto 1 José Pancetti Texto 2 Um barco singra o peito rosado do mar. A manhã sacode as ondas e os coqueiros. (ESPÍNOLA, Adriano. Pesca. Beira-sol. Rio de Janeiro: TopBooks, 1997. p. 13.) Os dois textos acima, extraídos de uma questão do ENADE, embora manifestados em diferentes linguagens, falam, exatamente, a mesma coisa. Vale dizer que texto é um objeto simbólico, porque é produzido por um sujeito em um determinado tempo e espaço, sendo considerado como a materialização do discurso. Discurso é um suporte abstrato que sustenta os vários textos que circulam na sociedade. Entender um texto é detectar o(s) discurso(s) que o sustentam. Vamos rever bem isso. BUSCANDO SABERES Observe o poema Mar Português, de Fernando Pessoa. Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu". Para entendermos os discursos que perpassam o texto acima, é necessário concebermos o texto como um objeto histórico e social. Nesse sentido, faz-se necessário a compreensão, o resgate do momento em que foi produzido. Considerando-se isso, observamos tratar-se do momento em que os portugueses lançavam-se aos mares, nas grandes navegações. Sobre esse aspecto, não havia unanimidade entre os portugueses. Em outras palavras, havia pessoas que discordavam da aventura, e esse discurso é trazido para o texto, nos versos: Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar A partir daí, há um novo discurso, desta vez do produtor do texto que expressa seu ponto de vista favorável ao desbravamento dos mares: Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu. Falta explicitar que Bojador é um ponto geográfico pelo qual os portugueses tinham que passar, e foram os primeiros a fazê-lo, para atingir seus objetivos. Daí, numa genialidade ímpar, o poeta questiona e emite sua resposta: “Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Em outras palavras, quando a meta é ideal, todos os sofrimentos devem ser deixados de lado. A conquista de um objetivo deve, portanto suplantar a dor. Neste poema, portanto, há dois discursos que o amparam e lhe dão sustentação. O primeiro diz respeito aos conservadores que se opunham às grandes navegações; o segundo, àqueles que são favoráveis às aventuras marítimas realizadas pelos portugueses. Mas aqui, ainda, cabe outra questão: como se formam os discursos? Mais uma vez recorremos ao já abordado anteriormente. Dissemos que linguagem é interação humana e, nesse caso, não é neutra, nem natural, porque é o lugar privilegiado de manifestação da ideologia, entendida, aqui, como conjunto de ideias, de representações que caracteriza a maneira de pensar, de ver o mundo, de uma determinada classe social. Ora, na sociedade, os grupos sociais que a compõem se posicionam de modo distinto diante dos fatos do mundo, conforme pôde ser evidenciado na leitura do poema acima. Então, há várias visões de mundo, há vários posicionamentos, vários discursos. Dessa maneira, há vários dizeres sobre um mesmo tema, sobre um mesmo aspecto social. Então, entender um texto é detectar os diferentes posicionamentos, os diferentes discursos que os embasam. Trata-se da ideologia, entendida como visão de mundo de um determinado grupo social. Se esses grupos veem o mundo de forma diferente, é claro que, ao falarem, o farão de modo diferente também. Por exemplo, sobre a pena de morte, há posicionamentos favoráveis e contrários; sobre as aventuras dos portugueses também havia pontos de vista contrários. É importante que você entenda que os discursos não estão jogados aleatoriamente na sociedade, mas estruturados. Vamos ver como? A teoria que estuda os discursos é a Análise do Discurso, cujos conceitos essenciais são: Formação Ideológica e Formação Discursiva. Fiorin (1992:32) afirma que a formação ideológica pode ser considerada como a visão de mundo de uma determinada classe social. Nesse sentido, cada classe social possui um conjunto de representações, de idéias reveladoras de sua compreensão de mundo. É a Ideologia. Por essa razão, uma mesma realidade é vista e compreendida de forma diferente pelos grupos sociais. Assim, considerando-se, por exemplo, os sem- terra, observamos que sua formação ideológica vê a “terra” como fator de subsistência, de justiça social. Diferentemente, os proprietários a veem como marcador de divisas, como posse, como lucro. Já abordamos que o sujeito vê o mundo em consonância com sua formação ideológica (ideologia), mas nada existe fora da linguagem. Então, para a expressão de sua ideologia, há as formações discursivas, entendidas como o que pode e deve ser dito por um determinado grupo social. Assim, por exemplo, o sem-terra, para sua ação de reivindicação de posse de terra, emprega o termo “ocupação”, enquanto, o proprietário, para essa mesma ação, usa o termo “invasão”. Analogamente, de acordo com a formação ideológica católica, os discursos que a igreja profere sobre o aborto e sobre a pena de morte, só podem ser desfavoráveis. Vale lembrar que os discursos perpassam os textos manifestados em qualquer linguagem, seja verbal, seja visual, como observamos na imagem abaixo. O texto acima foi extraído da Revista Veja de 15 de abril de 2008. Como você deve ter observado, trata-se de uma propaganda da cerveja Bohemia. A imagem é bastante simples: uma garrafa e dela está escorrendo algo para dentro de um copo. No entanto, não é o líquido da cerveja que está sendo despejado, mas em seu lugar há ouro. Muito bem, o que isso significa? Pense um pouco. Para isso, considere as seguintes informações: Ouro é objeto de valor, de poder, é um dos metais mais caros. Esses discursos sobre o ouro são estendidos à cerveja Bohemia, que é ouro, como se pode verificar na imagem. Talvez, essas considerações o levem perceber que o discurso que perpassa esse texto é o discurso do poder e que beber Bohemia é dotar-se desse poder. Por isso, ela é mais cara que as demais cervejas. INTERAGINDO COM O CONHECIMENTO Para saber mais, conheça outros poemas de Fernando Pessoa, poeta português, acesse Jornal de Poesia - Fernando Pessoa (Obra Completa) Questões para atividades- Unidade 1 Agora é sua vez. Leia o texto abaixo. Protesto tímido Ainda a pouco eu vinha para casa a pé. Feliz da minha vida, e faltavam dez minutos para meia-noite. Perto da Praça General Osório, olhei para o lado e vi, junto a parede da esquina, algo que me pareceu uma trouxa de roupa, um saco de lixo. Alguns passos mais e pude ver que era um menino. Escurinho, de seus seis ou sete anos, não mais. Deitado de lado, braços dobrados como dois gravetos, as mãos protegendo a cabeça. Tinha os gambitos também encolhidos e enfiados dentro da camisa de meia esburacada, para se defender contra o frio da noite. Estava dormindo, como podia estar morto. Outros, como eu, iam passando, sem tomar conhecimento de sua existência. Não era um ser humano, era um bicho, um saco de lixo mesmo, traste inútil, abandonado sobre a calçada. Um menor abandonado. Quem nunca viu um menor abandonado? A cinco passos, na casa de suco de frutas, vários casais de jovens tomavam suco de frutas, alguns mastigavam sanduíches. Além, na esquina da praça, o carro da rádiopatrulha estacionado, dois boinas-pretas conversando do lado de fora. Ninguém tomava conhecimento da existência do menino. Segundo as estatísticas, como ele existem nada menos que 25 milhões no Brasil, que se pode fazer? Qual seria a reação do menino se eu o acordasse para lhe dar todo o dinheiro que trazia no bolso? Resolveria o seu problema? O problema do menor abandonado? A injustiça social? http://www.revista.agulha.nom.br/pessoa.html "A injustiça não se resolve. À sombra do mundo errado Murmuraste um protesto tímido" Então vim para casa, os versos do poeta se repetindo na minha cabeça. Não sou poeta e minha prosaica competência se limita a este retângulo impresso, onde me cabe escrever amenidades sobre a vida de todo dia, para distrair o leitor. E convenhamos que não é nada ameno como assunto um menor abandonado que me pareceu a poucos passos um simples monte de lixo. Remover esse lixo? Pagar a taxa da Comlurb? Ou seria melhor incinerar? Dizem os entendidos que o problema é de ordem econômica, ou seja, mais de ordem técnica que de ordem moral. Precisamos enriquecer o país, produzir, economizar divisas, combater a inflação, pechinchar. O Brasil é feito por nós. Com isso, Todos os problemas se resolverão, inclusive o do menor abandonado. Vinte e cinco Milhões de menores - um dado abstrato, que a imaginação não alcança. Um menino sem pai nem mãe, sem o que comer nem onde dormir: isto é um menor abandonado - hoje em dia designado eufemisticamente menino de rua. Para entender, só mesmo imaginando meu filho largado no mundo aos seis, oito, dez anos de idade, sem ter para onde ir nem para quem apelar. Imagino que ele venha a ser um desses que se esgueiram como ratos em torno aos botequins e lanchonetes e nos importunam cutucando-nos de leve - gesto que nos desperta mal contida irritação - para nos pedir um trocado. Não temos disposição sequer para olhá-lo e simplesmente o atendemos (ou não) para nos livrarmos depressa de sua incômoda presença. Com o sentimento que sufocamos no coração, escreveríamos toda a obra de Dickens. Mas estamos em pleno século 20, vivendo a era do progresso para o Brasil, conquistando um futuro melhor para os nossos filhos. Até lá, que o menor abandonado não chatei, isso é problema para o juizado de menores. Mesmo porque são todos delinquentes, pivetes na escola do crime, cedo terminarão na cadeia ou crivados de balas pelo Esquadrão da Morte. Pode ser. Mas a verdade é que hoje eu vi meu filho dormindo na rua, exposto ao frio da noite, e além de nada ter feito por ele, ainda o confundi com um monte de lixo. Fernando Sabino Interpretando o texto 1- Quanto ao objeto visto, o narrador o vê de duas maneiras. Quais são elas? 2- Como nos é descrito o menor abandonado? 3- No terceiro parágrafo, há a introdução de uma pergunta. Na sua opinião, essa pergunta está respondida nesse parágrafo? Justifique sua resposta. 4- O texto se inicia falando de um menor específico, mas pode-se afirmar que há uma generalização. Retire do texto expressões que comprovam essa afirmação. 5- Há, no texto, um responsável pelo problema do menor abandonado? Quem é? Justifique a sua resposta. 6- Explicite os discursos que embasam o texto. 7- Procure explicar, com suas palavras, o enunciado: (...) “a verdade é que hoje eu vi meu filho dormindo na rua, exposto ao frio da noite, e além de nada ter feito por ele, ainda o confundi com um monte de lixo”. Questões para Fórum Discuta com seus colegas sobre a realidade brasileira abordada, no texto, Protesto Tímido. Para tanto, considere os seguintes questionamentos: - Você acredita que a situação apresentada é comum aos grandes centros, como São Paulo, Rio de Janeiro, ou pode ser visualizada em cidades menores? - O que nós podemos fazer para minimizar essa situação? - Em nossa cidade, quem seria o responsável pelas pessoas de rua? - As pessoas que vivem na rua têm acesso à educação e à saúde? UNIDADE 2 - OS MODOS DE ORGANIZAÇÃO DISCURSIVA CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Explicitar e conceituar os três modos básicos de organização discursiva. Na unidade em questão, recorrendo a exemplos ilustrativos, abordaremos os conceitos de descrição, narração e dissertação. Trata-se do ponto de partida para o estudo mais detalhado sobre esses modos de organização discursiva. ESTUDANDO E REFLETINDO Abordamos, nas unidades anteriores, os conceitos de texto e de discurso. Espero que tais conceitos tenham ficado claros para você. Aproveito para questioná-lo novamente: O que são modos de organização discursiva? É muito simples, se os textos que circulam em nossa sociedade são materializações do discurso, independentemente da linguagem (verbal ou visual) empregada, há a necessidade de organizarmos o texto, segundo determinado modo. Assim, há três modos básicos de organização discursiva: descrição, narração e dissertação. Você deve estar se questionando: outra vez? Passei todos os anos escrevendo descrição, narração e dissertação e agora de novo? Sim, veremos novamente, só que sob outra ótica, sob a visão das teorias textuais. Não se esqueça de que você será um professor de Língua Portuguesa e deverá, em suas aulas, abordar os modos de organização discursiva de modo científico. Já que falamos do passado, vale lembrar, aqui, o que mais ouvíamos em nosso tempo de escola: professora como faço uma narração? Aí a resposta clássica e, diga-se de passagem, sem qualquer fundamento: seu texto deve ter começo, meio e fim. Boa resposta, não acha? Acredito que escrevemos, apesar de uma professora como essa. Bom, vamos ao que interessa: a definição de cada modo de organização do discurso. Para tanto, observe os três fragmentos abaixo. A- A tarde adoçava o seu esplendor de estio. Uma aragem trazia, como ofertados, perfumes das flores silvestres. As ramagens moviam um aceno de doce acolhimento, as suas folhas vivas e reluzentes. Toda passarinhada cantava, num alvoroço de alegria e de louvor. As águas correntes, saltantes, luzidias despendiam um brilho mais vivo, numa pressa animada. (A cidade e as serras, Eça de Queirós) B- Ontem à tarde, saí para passear no campo, logo após a passagem de uma chuva. De repente, senti um ar fresco e, em seguida, um cheiro de flores e campos molhados. Após a chuva, toda paisagem se transforma. (texto adaptado) C- No verão, as chuvas passageiras trazem à natureza e a nós um frescor e um bem-estar maravilhosos. No fragmento A, observamos a apresentação de um estado de coisas do mundo, a partir de um marco temporal: a tarde. É a partir desse marco temporal que podemos visualizar uma série de acontecimentos que ocorrem simultaneamente, tais como: aragem trazida, perfumes da natureza, pássaros cantando, águas saltando, brilho mais vivo. Isso é uma descrição do mundo, após a chuva. No fragmento B, diferentemente, há a apresentação de acontecimentos que expressam uma ordem temporal, isto é, primeiro saí para passear, após a chuva que transformou o mundo: surgiu o ar fresco, um cheiro de flores e campos molhados. Ao invés de apresentar-se um estado das coisas do mundo, eu construi um mundo, cujo estado foi se transformando. Em C, não se apresenta um quadro do mundo, não se constroem ações desse mundo; ao contrário, interpreta-se um determinado fato desse mundo. Veja bem, falou-se sobre o mesmo tema: a chuva e suas consequências, mas organizou-se esse tema de modo diferente. Então, descrever é apresentar um mundo construído, pronto, acabado. É traçar uma imagem do mundo por meio de palavras. O descritor faz com palavras o que o pintor faz com pincéis e tinta. Narrar é construir o mundo, é apresentar ações e acontecimentos que se sucedem no tempo uns após os outros. Diferentemente, dissertar é interpretar, é explicar esse mundo. No caso em questão, o sujeito expressou seu ponto de vista, a partir de um dado do mundo: chuva. BUSCANDO SABERES Ao explicitarmos os conceitos de descrição, narração e dissertação, procuramos ilustrá-los com pequenos textos. No entanto, os textos que circulam em nossa sociedade, dificilmente são homogêneos, mas se deixam entrecruzar pela descrição e narração; narração e dissertação; descrição e dissertação; ou ainda, em um mesmo texto, é possível a presença dos três modos básicos. Vamos ler e analisar o texto abaixo, de Aníbal Machado. Silêncio na Construção Na última laje de cimento armado os trabalhadores cantavam a nostalgia da terra ressecada. De um lado era a cidade grande; de outro, o mar sem jangadas. O mensageiro subiu e gritou: Verdejou, pessoal! Num átimo os trabalhadores largaram-se das redes, desceram em debandada, acertaram as contas e partiram. Parada a obra. Ao dia seguinte, o vigia solitário recolocou a tabuleta: “Precisa-se de operários”, enquanto o construtor, de braços cruzados, amaldiçoava a chuva que devia estar caindo no nordeste... O poema acima retrata uma realidade brasileira: a seca no nordeste e a migração dos trabalhadores para a cidade grande, empregando-se na construção civil. De “Na última laje” até “mar sem jangadas”, há o emprego da descrição, pois observamos o estado dos trabalhadores e da cidade grande. O quadro descritivo é interrompido e há a introdução de uma narração: “O mensageiro subiu e gritou”. Finalmente, nos dois últimos versos o produtor do texto retoma a descrição. O texto ilustra bem o que já dissemos: dificilmente, encontramos textos homogêneos (estruturados com um único modo de organização). Na unidade anterior, abordamos os discursos. Por falar nisso, esse texto exemplifica discursos diferentes para uma mesma realidade, pois há a voz de dois grupos sociais distintos: para os trabalhadores, a chuva é bem-vinda, mas para o construtor é ruim, pois resulta na falta de mão de obra. INTERAGINDO COM O CONHECIMENTO Para saber mais Na atualidade, há muitas discussões a respeito de Gênero Textual e Tipo Textual. Recomendo a leitura do artigo GÊNERO TEXTUAL E TIPOLOGIA TEXTUAL: COLOCAÇÕES SOB DOIS ENFOQUES TEÓRICOS, de Sílvio Ribeiro da Silva (UFG), disponibilizado em http://www.filologia.org.br/soletras/20/06.pdf file:///F:/em%20http:/www.filologia.org.br/soletras/20/06.pdf Questões Agora é sua vez de reconhecer os três modos de organização discursiva: descrição, narração e dissertação Para isso, Leia o texto abaixo e responda ao que se pede DEBAIXO DA PONTE “Moravam debaixo da ponte. Oficialmente, não é lugar onde se more, porém eles moravam. Ninguém lhes cobrava aluguel, imposto predial, taxa de condomínio: a ponte é de todos, na parte de cima; de ninguém, na parte de baixo. Não pagavam conta de luz e gás, porque luz e gás não consumiam. Não reclamavam contra falta d’água, raramente observada por baixo de pontes. Problema de lixo não tinham; podia ser atirado em qualquer parte, embora não conviesse atirá-lo em parte alguma, se dele vinham muitas vezes o vestuário, o alimento, objetos de casa. Viviam debaixo da ponte, podiam dar esse endereço a amigos, recebê-los, fazê-los desfrutar comodidades internas da ponte. À tarde surgiu precisamente um amigo que morava nem ele mesmo sabia onde, mas certamente morava: nem só a ponte é lugar de moradia para quem não dispões de outro rancho. Há bancos confortáveis nos jardins, muito disputados; a calçada, um pouco menos propícia; a cavidade na pedra, o mato. Até o ar é uma casa, se soubermos habitá-lo, principalmente o ar da rua. o que morava não se sabe onde vinha visitar os de baixo da ponte e trazer-lhes uma grande posta de carne. Nem todos os dias se pega uma posta de carne. Não basta procurá-la; é preciso que ela exista, o que costuma acontecer dentro de certas limitações de espaço e de lei. Aquela vinha até eles, debaixo da ponte, e não estavam sonhando, sentiam a presença física da ponte, o amigo rindo diante deles, a posta bem pegável, comível. Fora encontrada no vazadouro, supermercado para quem sabe freqüentá-lo, e aqueles três o sabiam, de longa e olfativa ciência. Comê-la crua ou sem tempero não teria o mesmo gosto. Um de baixo da ponte saiu à caça de sal. E havia sal jogado num canto da rua, dentro da lata. Também o sal existe sob determinadas regras, mas pode tornar-se acessível conforme as circunstâncias. E a lata foi trazida para debaixo da ponte. Debaixo da ponte os três prepararam comida. Debaixo da ponte a comeram. Não sendo operação diária, cada um saboreava duas vezes: a carne e a sensação de raridade da carne. E iriam aproveitar o resto do dia dormindo (pois não havia coisa melhor, depois de um prazer, do que o prazer complementar do esquecimento, quando começaram a sentir dores. Dores que foram aumentando, mas podiam ser atribuídas ao espanto de alguma parte do organismo de cada um, vendo-se alimentado sem que lhe houvesse chegado notícia prévia de alimento. Dois morreram logo, o terceiro agoniza no hospital. Dizem uns que morreram da carne, dizem outros que do sal, pois era soda cáustica. Há duas vagas debaixo da ponte. (Carlos Drummond de A bolsa e a vida) Questões 1- O narrador relata os fatos no passado, porém, há momentos em que ele interrompe a narrativa e se expressa no presente. Retire do texto todos os enunciados que comprovam essa afirmação. 2- Examine, agora, todos os enunciados retirados e diga se o narrador está descrevendo, narrando ou dissertando. Justifique sua resposta. 3- Há marcas, na superfície do texto, que nos permitem identificar a caracterização dos personagens, detectando o lugar social a que eles pertencem. Quais são essas marcas? 4- Além de não terem nomes, o número dos personagens integrantes do texto só está explicitado no final do texto. Qual é efeito de sentido que esse recurso discursivo imprime ao texto? 5- Onde se inicia a narração do texto que você leu? 6- O sal é elemento usado para a conservação dos alimentos. Explique o efeito de sentido que essa palavra introduz no texto. 7- Explique o valor do tempo presente do enunciado: Há duas vagas debaixo da ponte. UNIDADE 3 - TEMAS E FIGURAS CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Conceituar temas e figuras Explicitar o encadeamento de temas e figuras nos textos Na unidade anterior, procuramos mostrar que um texto não se estrutura a partir de um único modo de organização discursiva, mas deixa-se cruzar pelos três modos básicos. O texto Debaixo da Ponte é um bom exemplo disso, pois, como observamos, há a presença de descrição, narração e dissertação. Você poderia perguntar: Como classificar os textos, então? É simples, embora ocorra heterogeneidade de organização, sempre há a predominância de um tipo. Assim, Debaixo da Ponte é classificado com narração. Preparando-nos para a abordagem mais amiúde dos três modos de organização discursiva, faz-se necessária a explicitação dos conceitos de temas e figuras. Vamos a eles! ESTUDANDO E REFLETINDO Figuras são elementos concretos presentes no mundo natural. Trata-se de coisas concretas, palpáveis do mundo. Assim, árvores, carros, homens, mulheres, crianças, animais, rios são figuras. Diferentemente, os temas são noções abstratas que explicam as coisas do mundo, tais como paciência, justiça, obediência, esperteza, solidariedade, etc.. O Cachorro, o Galo e a Raposa Um Cachorro e um Galo que viajavam juntos, resolveram se abrigar da noite, em uma árvore. O Galo se acomodou num galho no alto, enquanto o cão deitou-se num oco, na base do tronco da mesma. Quando amanheceu, o Galo, como de costume, cantou ao despertar. Uma Raposa, que procurava comida ali perto, ao escutar o canto, se aproximou da árvore, e foi logo dizendo o quanto lhe agradaria conhecer de perto o dono de tão extraordinária voz. "Se você me permitir", ela disse, "Ficarei muito grato de passar o dia em sua companhia, apreciando sua voz." O Galo então disse: "Senhor, por favor, dê a volta na árvore, e peça para meu porteiro lhe abrir a porta, pois eu o receberei de bom grado." Quando a Raposa se aproximou da árvore, o Cachorro a atacou afugentando-a para longe. Autor: Esopo Na fábula acima, observamos que há inúmeros elementos do mundo natural: as figuras, tais como: galo, cachorro, árvore, noite, galho, tronco, raposa, comida, canto, dia, porteiro, porta. Trata-se de uma narração, pois há o predomínio de figuras. No entanto, a essência dessa história poderia ser dita de forma diferente, ou seja: Todo aquele que age de má fé, mais cedo ou mais tarde acaba por cair na própria armadilha. Na verdade, dissemos a mesma coisa, só que, agora, há a predominância de termos abstratos, que explicam as figuras expressas no texto anterior. Bons exemplos de figuras podem se encontrados no Evangelho, pois Jesus só se dirigia à multidão por meio de parábolas, pequenas histórias, com predominância de figuras. Por que isso? Você sabe? É simples. Como a narração emprega figuras, e trata da construção de um mundo semelhante ao real, sua compreensão é mais fácil e qualquer pessoa pode entender. Já o predomínio de temas, noções abstratas, tornam o texto mais complexo, como se pode comprovar abaixo. Há uma pobreza que degrada o homem porque o reduz à condição de animal, varrendo de seu espírito toda possibilidade de contato com a transcendência. Essa forma de pobreza- quando absoluta, permanente, portanto deformadora- é motivo de vergonha para uma sociedade que se afirma civilizada. Mas a pobreza comum, média, que reduz todo o supérfluo, mas permite a existência do essencial - e muitas vezes há que discutir em que consiste isso -, é criadora e energética. Não se trata de fazer do pauperismo uma virtude, ou da carência um benefício, mas de ver com intensidade de que modo o ser humano se modifica quando lhe faltam as muletas com que costuma amparar-se no dia- a-dia. É questão de descobrir como os hábitos se alteram quando não podemos sustentar pequenas e numerosas ilusões que são compradas no cotidiano como brinquedos inocentes. (Luís Carlos Lisboa, Jornal da Tarde, 1982) Nesse texto, observamos termos abstratos: pobreza, espírito, possibilidade, transcendência, benefício, vergonha, pauperismo, ilusões, entre outros. Você é capaz de detectar o tema desse texto? É fácil. Na verdade, o autor nos diz que há dois tipos de pobreza: a que impede o ser humano de ter condições mínimas de sobrevivência e aquela que, simplesmente, retira do sujeito o supérfluo, exigindo do mesmo certas seleções do que é realmente fundamental. BUSCANDO SABERES É bom saber que toda figura tem um tema, mas nem todo tema, necessariamente, possui uma figura que o concretiza. Vamos entender isso. Para tanto, observe a imagem abaixo. Na imagem acima, deparamo-nos com várias figuras, tais como: casa muito grande, vários carros, caminhão e um avião. Ora, claro que tais figuras possuem um tema. Sabe qual? Riqueza, poder. Opondo-se ao tema da riqueza, as figuras abaixo: paredes esburacadas, escoradas por paus, telhado podre com buracos tematizam, a pobreza, a miséria. É bom saber que tanto as figuras, quanto os temas devem ser encadeados de maneira coerente e lógica. Por exemplo, na da mansão não poderíamos jamais dizer que seu proprietário vive apenas com um salário mínimo. Da mesma forma que não podemos afirmar que os moradores da tapera são milionários, possuem carros de luxo. INTERAGINDO COM O CONHECIMENTO Questões Leia os dois textos abaixo e responda ao que se pede. Texto 1 O maior crime do Dinheiro é este: ele é o grande corruptor, o grande envenenador das almas, o grande prostituidor das consciências. É o seu crime formidável e terrível. Portas, que se conservam fechadas, resistindo ao duro embate de um aríete de ferro, abrem-se ao tímido e quase indistinto bater de uma moedinha de ouro... (Olavo Bilac) Texto 2 Na primeira noite eles se aproximam e colhem uma flor de nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão’ e não dizemos nada. Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e, conhecendo nosso medo arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, Já não podemos dizer nada. (Eduardo Alves da Costa) 1-Após a leitura dos dois textos, classifique-os como figurativos (predomínio de figuras) ou temáticos, predomínio de temas (noções abstratas). Justifique sua resposta com elementos do texto. 2- Explique, com suas palavras, o conteúdo dos dois textos. UNIDADE 4 - DESCRIÇÃO CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Explicitar as categorias da descrição Explicitar os princípios que regem a descrição Já abordamos, nas unidades anteriores, o conceito de descrição. Neste momento, vamos detalhar as categorias e os princípios que regem esse modo de organização discursiva. Descrever é transmitir a imagem de um objeto, de uma pessoa, de um espaço por meio de palavras. É a apresentação de um mundo construído. Esse conceito é de consenso. Porém, muito mais do que saber o que é descrever, é importante conhecer os princípios que a regem, bem como suas categorias, sua estrutura. ESTUDANDO E REFLETINDO Fiorin & Savioli (1996:242) estabelecem os princípios que regem a descrição, como se pode verificar abaixo. 1- Focalizar estados e não transformações, pois não pode ocorrer progressão temporal, ou seja, antes e depois; 2- Ter um discurso figurativo, já que se destina a identificar os seres do mundo natural, nomeando-os, localizando-os, atribuindo-lhes qualidades que os singularizam. Aqui, é prudente inserirmos a distinção entre descrição e definição. Para tanto, observe os exemplos abaixo. 1- A Igreja Matriz de São Domingos é rosa. Sua torre central é bem alta e apresenta uma arquitetura com detalhes. Suas laterais são mais largas que a nave central, destacando-se, à direita, a imagem de seu fundador, Monsenhor Albino e Silva. 2- Igreja: Edifício destinado ao culto de uma religião. Comunidade de fiéis de determinada religião. Autoridade religiosa. Em 1, observamos um exemplo de descrição, que consiste na enumeração de caracteres próprios dos seres animados ou inanimados, coisas, cenários, ambientes, costumes sociais, ruídos, odores, sabores ou impressões táteis. Diferentemente, em 2, estamos diante de uma definição que estabelece a caracterização geral de um objeto, um ser, um sentimento. Vamos entender bem isso. Para tanto, leia a descrição e a definição de objetos explicitados abaixo. DEFINIÇÃO DESCRIÇÃO Cadeira - peça de mobiliário que consiste num assento com costas, e, às vezes, com braços, dobrável ou não, para uma pessoa. Cadeira - De embuia, com assento estofado, quatro pernas, com duas travessas nas costas, envernizada. Navio - embarcação de grande porte. Navio - tinha o casco preto, era baixo, um ar de navio fantasma, muito vagaroso. Mulher - pessoas do sexo feminino, após a puberdade. Mulher - Não era bonita; loira, nariz arrebitado, não muito alta, gorda. Percebeu a diferença? É fácil, não é? A definição exibe características gerais, comuns a todos da espécie enfocada; a descrição particulariza, concentra-se, portanto, nas qualidades e estados individualizados. 3- Ter um componente narrativo implícito, pois o que se privilegia são os estados decorrentes das transformações. Sabe o que significa isso? Ora, se na descrição não há antes e depois, mas apenas o momento da produção da descrição, é claro que esse momento é decorrente de um estado anterior. Vamos supor que seleciono para descrição os alunos em uma sala de aula e produzo o seguinte texto: “Os alunos estão sentados nas carteiras. Leem, atentamente, o texto entregue pelo professor. Estão uniformizados e em silêncio”. Se, agora, estão na sala, antes não estavam. Portanto, o fato de estarem na sala de aula é decorrente do fato de antes, estarem no pátio, por exemplo. 4- Apresenta os elementos sem uma relação de causalidade entre si. Se o foco da descrição é apresentar as qualidades e estados do objeto descrito, poderá haver inversão da ordem. Vamos tomar o exemplo acima. Esse mesmo texto poderia ser apresentado da seguinte maneira: “Os alunos estão uniformizados, sentados nas carteiras. Em silêncio, leem o texto entregue pelo professor”. Como deve ter percebido, alterei a ordem da descrição, sem prejuízo do conteúdo. Os princípios que regem a descrição podem ser resumidos como: Focalizar estados e não transformações; Ter um discurso figurativo; Ter um componente narrativo implícito; Apresentar os elementos sem uma relação de causalidade entre si; Ter como tempos verbais o presente e o imperfeito; Apresentar progressão temática por expansão de características e qualidades do objeto descrito. 5- Os tempos verbais mais apropriados para a descrição são o presente e o imperfeito, como verificamos nos exemplos abaixo. 6- Presença de progressão temática. Todo texto deve progredir tematicamente e essa progressão pode estar ligada à progressão temporal ou às relações lógicas manifestadas no texto. A descrição se caracteriza justamente por não apresentar uma progressão temática aliada à progressão temporal e à lógica. Na verdade, nesse modo de organização discursiva, como os enunciados estão justapostos entre si, pois são simultâneos a uma única referência temporal, evidencia-se uma progressão a que denominamos progressão por expansão, já que o texto progride na medida em que expande predicados referentes ao objeto descrito, como se constata no fragmento abaixo. A tarde adoçava o seu esplendor de estio. Uma aragem trazia, como ofertados, perfumes das flores silvestres. As ramagens moviam um aceno de doce acolhimento, as suas folhas vivas e reluzentes. Toda passarinhada cantava, num alvoroço de alegria e de louvor. As águas correntes, saltantes, luzidias despendiam um brilho mais vivo, numa pressa animada. (A cidade e as serras, Eça de Queirós) O substantivo tarde permite-nos recuperar a referência temporal à tarde. Trata-se de um pretérito (passado), a partir do qual estão ordenados os acontecimentos adoçava, trazia, moviam, cortava, despendiam, empregados no imperfeito. Todos os acontecimentos expressos por tal tempo são simultâneos entre si, caracterizando, desse modo, a permanência da referência temporal. Quanto à progressão temática, observa-se que há uma série de elementos justapostos (aragem, ramagens, passarinhada, águas) para formar o quadro descritivo de uma tarde, evidenciando, portanto, uma progressão por expansão, já que não se constata uma ordem necessária de colocação nem implicação lógica entre os enunciados dispostos no texto. Passamos, agora, para as categorias da descrição. Sabe o que é isso? Nada mais, nada menos que a estrutura dessa modalidade de texto. Segundo Martins e Marquesi (2002), o texto descritivo apresenta as seguintes categorias: o que é, como é e como está. A categoria 1- o que é- trata-se do objeto que está sendo descrito. A categoria 2- como é- observamos o conjunto de predicações que diferenciam o ser descrito dentre os demais seres da mesma classe, individualizando-o. Aqui, sim, entram as características que diferenciam o objeto descrito dos demais de sua espécie. Na categoria 3- como está, há as relações particularizantes, responsáveis por produzir a especificidade do ser descrito no tempo. Trata-se do recorte temporal em que se visa a um único tempo, diferenciando-se do texto narrativo que apresenta cronologia temporal. É a ausência de progressão temporal sobre o que já abordamos. BUSCANDO SABERES As três categorias abordadas acima podem ser definidas no texto abaixo. ANOITECER É a hora em que o sino toca, mas aqui não há sinos; há somente buzinas, sirenes roucas, apitos aflitos, pungentes, trágicos, uivando escuro segredo; desta hora tenho medo. (Anoitecer, Drummond) Na categoria 1, o objeto descrito é o anoitecer. Chama-nos a atenção que o sujeito produtor desse texto, na verdade, aborda dois espaços em que ocorre o fenômeno anoitecer: um em que o sino toca, remetendo-nos à paz; outro espaço, que, imediatamente, é negado pelo sujeito (mas aqui não há sinos); o outro espaço em que se coloca o descritor é caracterizado por buzinas, barulho. Na categoria 2, devemos opor esses dois espaços, conforme se observa abaixo. É nessa oposição que vamos particularizar o anoitecer descrito. Espaço 1- Anoitecer Espaço 2- Anoitecer Hora em que o sino toca Não há sinos Não há buzinas Há buzinas Não há sirenes Há sirenes roucas, apitos Pela escolha lexical efetuada pelo produtor do texto, somos levados a concluir que o anoitecer, no objeto descrito, espaço 2, é caracterizado por uma correria, agitação, como se constata nas figuras (elementos concretos do mundo natural) buzinas, apitos, sirenes que integram os enunciados justapostos e simultâneos à referência presente estabelecida, evidenciando a permanência da mesma por todo o texto. Enunciação é o ato produtor do enunciado. É o momento em que o sujeito se apodera da língua, no momento presente, e profere um enunciado. Trata-se de um ato abstrato. Por essa razão, é a partir do enunciado que podemos verificar as marcas da enunciação. Lembra-se do texto Debaixo da Ponte? O narrador começa o texto da seguinte maneira: “Moravam debaixo da ponte. Oficialmente, não é lugar onde se more”. Ora, oficialmente não é lugar onde se more é o ato da enunciação projetado no texto. Se tomarmos o exemplo: Infelizmente, o Japão foi devassado pelo terremoto e pela Tsunami, a palavra infelizmente é o ato da enunciação. Finalmente, na categoria como está, observamos a dinamicidade, pois tudo acontece de maneira rápida. Pela descrição subjetiva, somos levados a opor paz X agitação. A paz encontra-se explicitada em sino e tocar, remetendo-nos a um outro espaço que não é o da enunciação, espaço onde se encontra o sujeito. Nesse, o que predomina é a agitação. Portanto, no tempo e espaço da enunciação, surge a correria que se opõe a outro espaço, caracterizado pela paz. Essa oposição está corroborada no elemento linguístico de oposição mas. O último verso apresenta uma interpretação da realidade, pois o narrador emite seu juízo de valor desta hora tenho medo, evidenciando, portanto, o modo de organização discursiva próprio da dissertação. INTERAGINDO COM O CONHECIMENTO Questões 1- Escolha um objeto de sua preferência. Descreva-o e, em seguida, dê a sua definição. 2- Leia o texto abaixo e procure explicitar as suas categorias. Para isso, responda às questões: a) O que é? b) Como é? c) Como está? Cidadezinha Qualquer. Casas entre bananeiras Mulheres entre laranjeiras pomar, amor, cantar Um homem vai devagar Um cachorro vai devagar Um burro vai devagar Devagar... as janelas olham Eta vida besta, meu Deus. (Drummond) UNIDADE 5 - TIPOS DE DESCRIÇÃO CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Explicitar os tipos de descrição Elucidar os recursos linguísticos a serem empregados na descrição subjetiva Diante de um objeto a ser descrito, podemos fazê-lo de duas formas: objetiva e subjetiva. Sabe o que é isso? Não? Vamos aprender. Para isso, observe, atentamente, os dois textos abaixo. ESTUDANDO E REFLETINDO Texto 1- O olho ocupa um terço da cavidade orbitária. Mede 24 mm de diâmetro. Compreende porções de duas esferas: uma posterior e uma anterior. O nervo óptico emerge do globo ocular medialmente ao seu pólo posterior. Os pontos médios das pupilas ficam separados por uma distância de cerca de 60 mm. O diâmetro ântero- posterior do globo ocular pode ser maior - como na miopia - ou menor - como na hipermetropia - do que o normal. O globo ocular tem três camadas concêntricas: uma túnica fibrosa externa, protetora, que compreende a córnea e a esclera ou esclerótica; uma túnica pigmentada média, vascular, que compreende a íris, o corpo ciliar e a coróide, e uma túnica interna, denominada retina.(Anatomia, Gardener et alii..) Texto2- Mapa de anatomia: o Olho O Olho é uma espécie de globo, é um pequeno planeta com pinturas do lado de fora. Muitas pinturas: azuis, verdes, amarelas. É um globo brilhante: parece cristal, é como um aquário com plantas finamente desenhadas: algas, sargaços, miniaturas marinhas, areias, rochas, naufrágios e peixes de ouro. Mas por dentro há outras pinturas, que não se vêem: umas são imagem do mundo, outras são inventadas. O Olho é um teatro por dentro. E às vezes, sejam atores, sejam cenas, e às vezes, sejam imagem, sejam ausências, formam, no Olho, lágrimas. (Cecília Meireles) A leitura dos dois textos evidencia tratar-se do mesmo objeto: o olho. No entanto, a forma como esse objeto é apresentado é diferente. Cabe-nos questionar: diferente em quê? É simples. No primeiro texto, o olho é descrito, segundo suas características reais; no texto 2, diferentemente, o autor deixa de lado as especificidades reais e atém-se à maneira como ele vê o olho. Estamos diante dos dois tipos de descrição: objetiva e subjetiva. Vamos percorrer os caminhos da objetividade e subjetividade, que, certamente, você se depara no seu dia-a-dia, sem saber. A primeira coisa a assinalar é que objetividade e subjetividade relacionam-se ao uso da linguagem. Dizemos que a linguagem é objetiva, quando o emprego das palavras está em conformidade com o significado do dicionário. É a denotação, isto é, vínculo direto de significação, relação significativa objetiva entre referência e conceito. Um exemplo disso é o texto 1. Diferentemente, para o emprego da linguagem subjetiva, o produtor do texto deve utilizar-se da conotação, ou seja, conjunto de alterações ou ampliações que uma palavra agrega ao seu sentido denotado. Nesse caso, o produtor do texto não se atém às características reais do objeto, mas o apresenta como ele o vê. Assim, o olho, no poema de Cecília, é uma espécie de globo, é planeta com pinturas do lado de fora, em referência à cor dos olhos das pessoas, parece cristal, é aquário com plantas. Por dentro, há imagens não vistas, provavelmente, a nossa imaginação, é teatro. Lindo, não é? Eis a subjetividade. Resta uma pergunta: Como posso me utilizar da subjetividade? BUSCANDO SABERES Na língua, há recursos próprios para a subjetividade. São as figuras de linguagem. Dentre as várias possíveis, ater-nos-emos à comparação, à metáfora, à sinestesia e à hipérbole. Os nomes parecem complexos, mas os conceitos são simples. Vamos ao estudo da comparação. É claro que você sabe o que é isso. Afinal, na nossa vida diária, o que mais fazemos é comparar: preços, roupas, maridos, namorados e filhos. Vale lembrar que existe uma comparação gramatical, quando comparo seres da mesma natureza e comparação poética, em que os elementos comparados são de natureza diferente. Assim em: “Pedro é mais alto do que Paulo” é comparação gramatical, porém quando digo “Pedro é tão forte quanto um leão”, estamos diante da comparação poética. Metáfora é o emprego de uma palavra por outra. Mas como construir metáforas? Basta efetuar uma comparação em que o elemento linguístico que a expressa encontra-se omisso. Assim, pode-se dizer que a toda metáfora subjaz uma comparação, como se observa em: “Pedro é um leão”; “O olho é um teatro”; “O olho é um pequeno planeta”. Outro belo exemplo de metáfora é o verso de Fernando Pessoa: A morte é a curva da estrada/ Morrer é só não ser visto. Você consegue explicar essa metáfora? É simples, o autor fez uma comparação prévia entre curva da estrada, em que não se consegue visualizar o outro lado e a morte que também guarda seus mistérios do outro lado. Sinestesia é a combinação dos sentidos, como se observa em “Cheiro azedo do ar” (Graça Aranha), em que há a expressão do olfato (cheiro) e do paladar (azedo). Hipérbole é a figura que evidencia o exagero e Roberto Carlos nos dá um excelente exemplo: “Eu quero ter um milhão de amigos” Leia o poema de Drummond No meio do caminho e vamos entender a metáfora empregada por ele. No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra. Para a construção dessa metáfora, Drummond considerou a dureza da pedra, estendendo essa significação para os problemas, os percalços da vida. Assim, “no meio do caminho tinha uma pedra” associa-se a uma vida dura, cheia de obstáculos, os quais devemos transpor. Você sabia que em nossa conversa cotidiana, podemos construir metáforas? A atriz Patrícia Travassos, conversava sobre São Paulo, em um canal de TV e assim se pronunciou: “Quando olho São Paulo de um avião, vejo que São Paulo é uma plantação de prédios (grifo nosso)”. Ora, Patrícia construiu uma linda metáfora, pois comparou um campo repleto de plantação e estendeu esse significado para a cidade de São Paulo, repleta de prédios. INTERAGINDO COM O CONHECIMENTO Questões Leia o texto abaixo. Eu vejo uma gravura Eu vejo uma gravura, grande e rasa. No primeiro plano, uma casa. À direita da casa, outra casa. À esquerda da casa, outra casa. Lá no fundo da casa,outra casa. Em frente da casa, uma vala: Onde corre a lama, doutra casa. E no chão da casa,outra vala Onde corre o esgoto doutra casa. Esta casa que eu vejo, não se casa Com o que chamamos de uma casa. Pois as paredes são esburacadas, Onde passam aranhas e baratas. E os telhados são folhas de zinco. E podem cair a qualquer vento E matar a mulher que mora dentro E matar a criança, que está dentro Da mulher que mora nessa casa. Ou da mulher que mora noutra casa. É preciso pintar outra gravura Com casa de argamassa na paisagem Crianças cantando a segurança da vida construída à sua imagem. Reynaldo Jardim Questões para compreensão do texto 1- No texto, que palavra pode substituir o termo gravura? 2- Que aspecto de uma cidade é mostrado nesse texto? 3- Como são as ruas desse texto? 4- Que condições de higiene faltam às pessoas que vivem nessa gravura? 5- Nas casas do texto existe quintal? Retire do texto uma expressão que comprova a sua resposta. 6- Qual é o significado dos versos grifados em: E podem cair E matar a criança A qualquer vento. Que está dentro E matar a mulher Da mulher que mora Que mora dentro. Nessa casa 7- Qual é o tipo de linguagem empregada no texto? UNIDADE 6 - NARRAÇÃO CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Explicitar os princípios que regem o modo de organização discursiva da narração Já abordamos, nas unidades anteriores, o conceito de narração, entendendo-a como o relato de um fato, a apresentação de um mundo que se constrói gradativamente. Nesta unidade, elucidamos seus princípios. Vamos aprender? ESTUDANDO E REFLETINDO Fiorin & Savioli (1996:230) afirmam que a narração é regida pelos seguintes princípios básicos: ser um texto figurativo; focalizar as transformações de estado; apresentar como tempos verbais fundamentais os perfectivos; apresentar progressão temporal e progressão temática. Como você já aprendeu, texto figurativo é aquele em que há predomínio de elementos concretos presentes no mundo natural. Vamos, então, para os outros princípios. Transformação de estado é o princípio básico que rege esse modo de organização, já que narrar é apresentar um mundo que se constrói. Nessa construção de acontecimentos anteriores e posteriores, o que se evidencia é uma progressão temporal dos acontecimentos, implicando uma ordem cronológica de colocação dos enunciados. Diferentemente da descrição, em que se observa ausência da progressão temporal, evidenciada pela permanência da referência temporal, no modo de organização discursiva da narração, é a troca da referência temporal. Dessa maneira, os elementos dispostos no texto estão ordenados, a partir de referências temporais diferentes. Essa troca pode estar explicitada em elementos lingüísticos, tais como: depois, em seguida, minutos após, um dia, entre outros existentes na língua ou, simplesmente, ser inferida pelos próprios enunciados, quando há entre eles uma relação de causa e consequência. Tal inferência é possível, muitas vezes, graças ao nosso conhecimento de mundo. Assim, se dissermos ele se aproximou e tocou o garoto ferido, ainda que não tenhamos explicitada a progressão temporal por meio de expressões de tempo, a ordem dos enunciados é a responsável por ela, pois, é de nosso conhecimento que para se tocar algo, primeiro devemos nos aproximar e, depois, tocar. As duas ações: aproximar e tocar dão-se em tempos diferentes e não simultâneos, marcados pela conjunção aditiva e. Dessa maneira, um enunciado constitui a referência temporal para o seguinte, havendo uma relação de causa e conseqüência. BUSCANDO SABERES Para o exame da troca da referência temporal, analisamos dois textos: Pneumotórax, de Manuel Bandeira. PNEUMOTÓRAX Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos. A vida inteira que podia ter sido e que não foi. Tosse, tosse, tosse. Mandou chamar o médico: – Diga trinta e três. – trinta e três...trinta e três...trinta e três... – Respire. ............................................................................. – O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado. – Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? – Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino. (Pneumotórax, Manuel Bandeira) O primeiro verso do texto acima apresenta um modo de organização discursiva próprio da descrição, com um narrador explicitando um determinado estado. No segundo verso, porém, observamos o modo de organização discursiva da narração, evidenciado na transformação. O momento de referência vida inteira é pretérito (passado). Em relação a ele, há o emprego do imperfeito podia ter sido, porém, com valor de futuro do pretérito, cujo efeito é o de indicar não uma hipótese, mas uma certeza, já que, em seguida, verificamos a sua negação, explicitada no emprego do perfeito foi. Na enumeração dos elementos que caracterizavam o estado do personagem, verifica-se a ausência de verbos, estando tais elementos separados por vírgulas (primeiro verso); expressos pela repetição do termo tosse (terceiro verso) e pela introdução do modificador vida inteira. Todos esses elementos possibilitam a leitura de um estado permanente do personagem. Na segunda estrofe, observamos a mudança para o modo de organização discursiva próprio da narração. Embora não tenhamos uma referência temporal explicitada num elemento como um dia, por exemplo, podemos recuperá-la a partir do enunciado mandou chamar o médico. Entre esse enunciado e os seguintes há uma troca de referência temporal, pois primeiro o médico veio, depois começou o exame. Essa troca encontra-se explicitada na fala do médico diga trinta e três e também nas demais mudanças de turno das falas que enunciam a voz do médico e do personagem. Tais mudanças obedecem a uma sucessão, cuja ordem não pode ser invertida. O personagem só diz trinta e três após a solicitação do médico. Em seguida, constatamos novamente uma ordem dada pelo médico, respire, cuja resposta está no verso seguinte, explicitada na linha pontilhada, remetendo à respiração, caracterizando, dessa maneira, uma nova troca de referência temporal. O recurso empregado para a indicação da troca da referência temporal se mantém até o final do texto, isto é, a mudança de turno de fala indica uma troca de referência e, consequentemente, uma progressão temporal, já que não se pode mudar a ordem dos atos enunciados. O último verso se caracteriza pelo emprego da figura ironia (afirma-se algo no texto, que se quer negar na enunciação), explicitada no ato de enunciação do médico, que produz um efeito de sentido de desenlace inesperado de uma situação que faz parte de nosso “script” da área médica, ao mesmo tempo que possibilita a recuperação do discurso do médico não tem jeito, você não tem cura. Como revelado nas análises efetuadas, diferentemente do modo de organização discursiva próprio da descrição, no específico da narração constata-se a troca da referência temporal, Quanto à progressão temática, pode-se afirmar que está aliada à progressão temporal. Dessa forma, à medida que o narrador vai apresentando os acontecimentos anteriores, concomitantes e posteriores, o tema progride e o mundo textual constrói um simulacro do mundo real. INTERAGINDO COM O CONHECIMENTO Leia o texto abaixo e responda ao que se pede O ACENDEDOR DE LAMPIÕES Lá vem o acendedor de lampiões da rua! Este mesmo que vem infatigavelmente, Parodiar o sol e associar-se à lua Quando a sombra da noite enegrece o poente! Um, dois, três lampiões, acende e continua Outros mais a acender imperturbavelmente, A medida que a noite aos poucos se acentua E a palidez da lua apenas se pressente. Triste ironia atroz que o senso humano irrita: - Ele que doira a noite e ilumina a cidade, Talvez não tenha luz na choupana em que habita, Tanta gente também nos outros Insinua Crenças, religiões, amor, felicidade, Como este acendedor de lampiões da rua! (Jorge de Lima) 1- Esse texto é figurativo? Justifique sua resposta. 2- Quais são os elementos indicadores de progressão temporal? 3- Pode-se afirmar que há uma passagem no texto em que o autor emite sua opinião. Qual é? Fórum Discuta com seus colegas o sentido dos versos: Tanta gente também nos outros Insinua Crenças, religiões, amor, felicidade, Como este acendedor de lampiões da rua! (Jorge de Lima) UNIDADE 7 - CATEGORIAS DA NARRAÇÃO CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Explicitar as categorias da narração Nesta unidade, objetivamos abordar as categorias que regem a narração. Por meio das categorias, pretendemos mostrar como está inadequado para o ensino o professor que orienta seu aluno, apenas, dizer: “uma história tem que ter começo, meio e fim”. Vamos, agora, seguir passo a passo a estrutura da narração. ESTUDANDO E REFLETINDO Pode-se afirmar que as categorias da narração são: introdução, complicação, desenvolvimento e conclusão. Mas como escrever um texto, considerando essas divisões? É fácil. A Introdução, também denominada situação inicial, é o ponto de partida. Normalmente, coloca-se na introdução sobre o que e sobre quem se conta a história. Você já pensou se nas novelas de TV tudo fosse resolvido sem nenhum problema? Não teria graça, pois em apenas um capítulo já teríamos a história completa. Imagine, agora, se a história de Chapeuzinho Vermelho fosse narrada da seguinte maneira: Era uma vez uma menina chamada Chapeuzinho Vermelho. Um dia a mãe lhe chamou e pediu para ela levar doces à vovó e que não fosse pela estrada da floresta, pois o lobo mau estava à solta. Ela foi, seguindo o caminho indicado pela mãe e entregou o doce a vovó. Fica chata, não é? Claro, pois faltou um elemento que dá vida às histórias. Faltou a complicação. Complicação é a introdução de algo novo na história. Trata-se de um dado novo, de um acontecimento que quebra a situação inicial. Ora, já comentamos que a característica básica da narração é a mudança de estado das coisas e dos seres enfocados e, nesse caso, a complicação pode ser fundamental. Só para simplificar, a complicação na história de Chapeuzinho vermelho se inicia quando ela desobedece a mãe e encontra o lobo no caminho. A partir do momento em que a complicação é instaurada, deve-se efetuar o desenvolvimento da história, isto é, introduzimos ações e acontecimentos com vistas a resolver a situação instaurada na complicação. Entretanto, é preciso prestar atenção para o momento de resolução da complicação. É o clímax. Em outras palavras, é o momento crucial da complicação, em que um desfecho ou conclusão deve ser inserido. O desfecho vai depender do produtor do texto, ou ela retoma a introdução, ou podemos dar à história um novo desfecho. No caso de Chapeuzinho Vermelho, a conclusão ou desfecho retomou a situação inicial: a mãe, a menina e a vovó, vivendo harmonicamente. BUSCANDO SABERES É hora de colocarmos as categorias da narração em prática. Para isso, vamos examinar a Fábula de La Fontaine abaixo. “Um corvo pousou em uma árvore, com um bom pedaço de queijo no bico. Atraída pelo cheiro do queijo, aproximou-se da árvore uma raposa. Com muita vontade de comer aquele queijo, e sem condições de subir na árvore, afinal, não tinha asas, a raposa resolveu usar sua inteligência em benefício próprio. - Bom dia amigo Corvo!- disse bem matreira a raposa. O corvo olhou-a e fez uma saudação balançando a cabeça. - Ouvi falar que o rouxinol tem o canto mais belo de toda a floresta. Mas eu aposto que você, meu amigo, acaso cantasse, o faria melhor que qualquer outro animal. http://www.qdivertido.com.br/verconto.php?codigo=32 http://www.qdivertido.com.br/verconto.php?codigo=32 http://www.qdivertido.com.br/verconto.php?codigo=32 Sentindo-se desafiado e querendo provar seu valor, o corvo abriu o bico para cantar. Foi quando o queijo caiu-lhe da boca e foi direto ao chão. A raposa apanhou o queijo e agradeceu ao corvo: - Da próxima vez amigo, desconfie das bajulações! Moral da história: Desconfie dos bajuladores, esses sempre se aproveitam da situação, para tirar vantagem sobre você” A introdução nos coloca que a história a ser narrada é sobre um corvo que estava no alto de uma árvore com um pedaço de queijo e de uma raposa que se sentiu que queria o queijo para si. A complicação se instaura, no segundo parágrafo, pois, como diz o texto, a raposa não pode subir em árvores. Para o desenvolvimento e corroborando o fato de a raposa ser astuta, observamos que ela manipula o corvo (tenta levá-lo a fazer o que ela quer: derrubar o queijo). Para isso, realiza um programa de sedução, isto é, oferece ao corvo um objeto de valor: elogia-o e diz que sua voz é a mais bonita. O corvo cai na armadilha e fica vaidoso e desafiado. O clímax ocorre, quando o corvo derruba o queijo ao chão, propiciando, com isso, o desfecho: a raposa come o queijo e o que é pior, sanciona (julga), negativamente, o corvo, emitindo uma opinião um juízo de valor, evidenciando a dissertação. INTERAGINDO COM O CONHECIMENTO Leia o texto abaixo e responda ao que se pede O ACENDEDOR DE LAMPIÕES Lá vem o acendedor de lampiões da rua! Este mesmo que vem infatigavelmente, http://www.qdivertido.com.br/verconto.php?codigo=32 Parodiar o sol e associar-se à lua Quando a sombra da noite enegrece o poente! Um, dois, três lampiões, acende e continua Outros mais a acender imperturbavelmente, A medida que a noite aos poucos se acentua E a palidez da lua apenas se pressente. Triste ironia atroz que o senso humano irrita: - Ele que doira a noite e ilumina a cidade, Talvez não tenha luz na choupana em que habita, Tanta gente também nos outros Insinua Crenças, religiões, amor, felicidade, Como este acendedor de lampiões da rua! (Jorge de Lima) 1- Esse texto é figurativo? Justifique sua resposta. 2- Quais são os elementos indicadores de progressão temporal? 3- Pode-se afirmar que há uma passagem no texto em que o autor emite sua opinião. Qual é? Fórum Discuta com seus colegas o sentido dos versos: Tanta gente também nos outros Insinua Crenças, religiões, amor, felicidade, Como este acendedor de lampiões da rua! (Jorge de Lima) UNIDADE 8 - ELEMENTOS DA NARRAÇÃO CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Explicitar os elementos da narração Nesta unidade, vamos retomar, ainda que de forma sucinta, os principais elementos da narração: o narrador, o tempo, espaço e personagem, conteúdos já abordados na disciplina Teoria Literária. ESTUDANDO E REFLETINDO De maneira sintética, podemos afirmar que, para a produção de uma narração, há de existir: O que contar? Quando ocorreu? Onde ocorreu? Sobre quem contar? Como contar? As respostas a esses questionamentos são os elementos básicos sobre os quais abordamos a seguir. A narração é a construção de um mundo. Para tanto, é preciso que tenhamos um fato, um acontecimento (o que contar?) a ser narrado. Trata-se do enredo, ou seja, uma série de acontecimentos dispostos em uma ordem cronológica. Normalmente, narramos acontecimentos já ocorridos no tempo. Por essa razão, o tempo mais frequente da narração é o passado. No entanto, posso narrar um acontecimento que se dá no momento da minha fala, ou posso criar um acontecimento totalmente futuro. Parece confuso, mas não é não. Observe bem os dois textos abaixo. Sentimento do mar Passo pela padaria miserável e vejo se já tem pão fresco. As jogadas e os camarões estão aqui. Está aqui a garrafa de cachaça. Você vai mesmo? Pensei que fosse brincadeira sua. Arranja um chapéu de palha. Hoje vai fazer sol quente. Andamos na madrugada escura. Vamos calados, com os pés rangindo na areia. Vem por aqui, aí tem espinhos. Os mosquitos do mangue estão dormindo. Vem. Arrasto a canoa para dentro da água. A água está fria. Ainda é quase noite... O remo está úmido de sereno, sujo de areia. Senta ali na proa, virada para mim. Olha a água suja no fundo da canoa. Põe os pés em cima da poita. Eu estou dentro dágua até os joelhos, emprurro a canoa e salto para dentro. Uma espumarada de onda fria bate na minha cara. remo depressa, por causa da arrebentação. Fica sentada, não tem medo não. Firma aí. Segura dos lados. Não se mexa! Firme! Ôôôôi...Quase! Outra onda dá um balanço forte e joga um pouco de água dentro do barco. estou remando em pé, curvado para a direita, com esforço. A outra onda passa mansa, mansa, a proa bate nágua e avança. O remo está frio nas minhas mãos. Eu o mergulhei dentro dágua para limpar a areia. A água que escorre molha as mangas de meu paletó... (Sentimento do mar, Rubem Braga) O texto acima está estruturado segundo o modo de organização discursiva da narração. Nele, há a apresentação de um mundo que se constrói, cujos acontecimentos são presentes, agora. Nesse sentido, o narrador relata-nos os acontecimentos no exato momento em que ocorrem. No texto abaixo, todo o mundo se constrói a partir de um momento futuro (quando o senhor fizer crescer) e, a partir dele, há uma série de acontecimentos, todos futuros. Ressalte-se que narrações futuras são comuns nas profecias bíblicas, como se constata abaixo. VENTURA DE SIÃO NOS TEMPOS MESSIÂNICOS Naquele tempo, aquilo que o Senhor fizer crescer será o ornamento e a glória, e o fruto da terra será o orgulho e o ornato daqueles de Israel que foram salvos. O que restar de Sião, os sobreviventes de Jerusalém, serão chamados santos, todos os que estiverem computados entre os vivos em Jerusalém. Quando o Senhor tiver lavado a imundície das filhas de Sião, e apagado de Jerusalém as manchas de sangue pelo sopro do direito e pelo vento devastador, o Senhor virá estabelecer-se sobre todo o monte Sião e em suas assembléias, de dia como uma nuvem de fumaça, e de noite como um fogo flamejante. Porque sobre todos se estenderá a glória do Senhor, à guisa de sombra contra o calor do dia, e de refúgio e abrigo contra a procela e a chuva. (Bíblia Sagrada) Não importa se os acontecimentos que servirão de base para a construção do mundo que se quer narrar sejam passados, presentes ou futuros, o importante é saber como ordená-los. Na verdade, há dois modos de estruturação do tempo: o cronológico e o psicológico. O tempo cronológico é aquele que respeita a ordem natural dos acontecimentos. Ele é medido em horas, dias, anos ou séculos. Vamos verificar como o autor trabalha o tempo cronológico no texto abaixo. Tragédia Brasileira Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade, conheceu Maria Elvira na Lapa – prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria. Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura... Dava tudo o que ela queria. Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado. Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa. Viveram três anos assim. Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa. Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bom Sucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos... Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul. (Manuel Bandeira) No texto acima, é possível verificar a estrutura do tempo cronológico, presente na narração. Assim, a partir de um momento passado (Misael conheceu Maria Elvira na Lapa), há uma série de acontecimentos, cuja ordem obedece aos ponteiros de um relógio. Assim, após tê-la conhecido, tirou-a da vida, instalou-a num sobrado, pagou médico, dentista, manicura. Depois que Maria Elvira se viu bonita, arranjou um namorado e, como consequência, Misael mudou de casa. Viveram três anos assim: Maria Elvira arranjava namorado e Misael mudava de casa. Chama-nos a atenção a forma como o poeta evidencia a progressão do tempo, pois, ao invés de indicar a quantidade de namorados e de troca de lugares, simplesmente, ele enumera os locais onde os amantes moraram e pelos quais, obviamente, ele e Maria Elvira também moraram. Finalmente, ocorre o desfecho da história: ele mata Maria Elvira e, o que é mais estranho, o faz na Rua da Constituição, que, como sabemos, é o documento legal que assegura a liberdade e o livre arbítrio das pessoas. O tempo psicológico não obedece à ordem cronológica, não pode ser mensurado, pois se institui conforme o desejo ou a imaginação do narrador ou personagens. Então, esse tempo modifica a ordem dos acontecimentos do enredo. Tenho certeza de que você já instaurou muito tempo psicológico em suas narrações diárias, principalmente, quando está esperando o namorado ou namorada e dez minutos representam 10 horas; ou quando em uma festa, duas horas equivalem a dez minutos. Um bom exemplo de tempo psicológico é o texto abaixo, de Machado de Assis. “Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a Segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo, Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco. Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma Sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi..” [Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, cap. I – Óbito do autor] A considerar o tempo cronológico, o texto de Machado deveria conter, em primeiro lugar, o seu nascimento. No entanto, ele assinala ao leitor que isso, contar a vida pelo nascimento, é normal demais e que ele o fará a partir de sua morte. Narrador Todo texto é produzido por alguém, o seu autor. No entanto, há que se destacar que o autor delega a voz da narração a um ser criado por ele, denominado narrador. O narrador, então, é o responsável pelo relato da história e, evidentemente, não se confunde com o autor. Basicamente, os textos podem ser narrados em 1ª pessoa ou em 3ª pessoa. Sabe o que é isso? É simples. Um texto é narrado em primeira pessoa, quando seu narrador é um personagem da história. São os textos em “eu”. Já um texto é narrado em terceira pessoa, quando o narrador não é personagem, mas está encarregado, simplesmente, de apresentar os fatos. Você já estudou isso em Teoria Literária e sabe que narrar em 1ª ou em 3ª pessoa é adotar-se um ponto de vista, a partir do qual se narra, se relata o acontecimento. Ao adotar a primeira pessoa, narrador = personagem, todos os fatos são apresentados a partir do ponto de vista de uma personagem. Nesse caso, dizemos que há uma focalização parcial interna, é a visão dele, narrador personagem que é colocada em cena, conforme Fiorin & Saviolli, 1996. O texto Sentimento do mar, introduzido acima, é narrado em primeira pessoa. Nele, o narrador é o personagem que dialoga com outra e relata todas as suas impressões sobre um passeio no mar. Como a narração dos acontecimentos se dá no presente, a visão do leitor se estabelece a partir desse relato do personagem. No texto, sentimento do mar Sentimento do mar Passo pela padaria miserável e vejo se já tem pão fresco. As jogadas e os camarões estão aqui. Está aqui a garrafa de cachaça. Você vai mesmo? Pensei que fosse brincadeira sua. Arranja um chapéu de palha. Hoje vai fazer sol quente. Andamos na madrugada escura. Vamos calados, com os pés rangindo na areia. Vem por aqui, aí tem espinhos. Os mosquitos do mangue estão dormindo. Vem. Arrasto a canoa para dentro da água. A água está fria. Ainda é quase noite... O remo está úmido de sereno, sujo de areia. Senta ali na proa, virada para mim. Olha a água suja no fundo da canoa. Põe os pés em cima da poita. Eu estou dentro dágua até os joelhos, empurro a canoa e salto para dentro... (Sentimento do mar, Rubem Braga) O narrador em terceira pessoa pode ser de dois tipos: observador e onisciente. O narrador observador apresenta os acontecimentos, tal qual ocorrem no horizonte da história, o narrador é observador. Neste caso, ele limita-se a relatar o que vê. De acordo com Fiorin & Saviolli (op. Cit.), trata-se de focalização parcial externa, isto é, só temos conhecimento das ações dos personagens e não conseguimos acessar seus pensamentos e sentimentos, como podemos observar abaixo, no texto Uma Vela para Dario, de Dalton Trevisan. Dario vinha apressado, guarda-chuva no braço esquerdo e, assim que dobrou a esquina, diminuiu o passo até parar, encostando-se à parede de uma casa. Por ela escorregando, sentou-se na calçada, ainda úmida de chuva, e descansou na pedra o cachimbo. Dois ou três passantes rodearam-no e indagaram se não se sentia bem. Dario abriu a boca, moveu os lábios, não se ouviu resposta. O senhor gordo, de branco, sugeriu que devia sofrer de ataque. Ele reclinou-se mais um pouco, estendido agora na calçada, e o cachimbo tinha apagado. O rapaz de bigode pediu aos outros que se afastassem e o deixassem respirar. Abriu-lhe o paletó, o colarinho, a gravata e a cinta. Quando lhe retiraram os sapatos, Dario roncou feio e bolhas de espuma surgiram no canto da boca. No fragmento acima, o narrador nos apresenta os acontecimentos a partir de uma visão externa. Na verdade, nós, leitores, temos a impressão de que existe alguém com uma filmadora, passando-nos a imagem do que acontece. Ele não interfere nos fatos, não emite opinião, não entra no pensamento da personagem. O narrador onisciente conhece toda a história do começo ao fim e, por isso, introduz pensamentos das personagens. Ele sabe o que elas pensam e até como vão reagir diante de certas cenas. Nas palavras dos autores citados acima, trata-se de focalização total, ou seja, ele sabe mais que as personagens, ele paira acima dos acontecimentos, vê tudo e tudo mostra ao leitor, como se pode depreender no fragmento abaixo. (...) Então o boi se lembra dos seus tempos de carreiro, das toras que puxou, da disposição e da saúde que o promoveram a boi de guia de doze juntas respeitadas. Pinheiro de chifre, foi-lhe
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