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Livro — A Nova Razão do Mundo (Parte I) Autores — Pierre Dardot e Christian Laval Capítulo 3 — O ordoliberalismo entre “política econômica” e “política de sociedade” Inicialmente, os autores explicam que o ordoliberalismo pressupõe uma economia baseada em uma ordem estabelecida em nível constitucional, que consagra certa política econômica. Ainda segundo os autores, a ordem da economia remete à defesa da ordem da concorrência, a qual está longe de ser uma ordem natural, motivo pelo qual deve ser regulada por uma política ordenadora. Para tanto, é necessário que haja um quadro institucional adequado ao bom funcionamento da ordem econômica. Em 1948, Eucken, um dos expoentes dessa corrente, escreveu um artigo para demonstrar o quão era ruim a manutenção de uma economia dirigida. O economista defendia o rompimento com a política de ordenação do governo em favor da adoção de uma ordem de concorrência, segundo a qual a ordem econômica baseada no mecanismo dos preços seria mais eficiente na desconcentração do poder econômico. O ordoliberalismo surge em oposição ao modelo econômico dirigente adotado no estado totalitário nazista, buscando-se uma ordem liberal capaz de atender aos reclamos da justiça social e da dignidade humana. Para isso, é fundamental o estado de direito, que chancela as diversas ordens da sociedade, inclusive a econômica. Para os ordoliberais, a ordem de mercado é parte integrante de um conjunto coerente de instituições conformes com a moral, ou seja, rompem com a ideia naturalista do free trade, mostrando que toda atividade de produção e troca é exercida dentro de um quadro de uma constituição econômica específica e de uma estrutura social construída. Eucken explica que os clássicos viam como solução para a política econômica a ordem natural, por meio da qual a concorrência estabelece automaticamente os preços, ou seja, entendiam que não havia a necessidade de uma política determinada pela ordenação na economia para prosperar. A partir dessa política do laissez-faire, emergiram danos importantes. De forma ainda mais categórica, Ropke enfatiza que uma economia de mercado satisfatória não advém da omissão institucional, ao contrário, por ser particularmente difícil, exige uma atuação positiva a ser cumprida. Entre as críticas às ilusões naturalistas, surgem dois grupos principais: o primeiro formado por juristas da Escola de Freiburg (Walter Eucken e Franz Bohm) e o segundo defensor de um liberalismo de inspiração sociológica (Alfred Muller-Armack, Wilhelm Ropke e Alexander von Rustow). O primeiro grupo priorizava como fundamento da economia de mercado o quadro político-jurídico fundado nas regras do jogo institucional consignados na constituição. Já o segundo grupo dava ênfase ao quadro social em que a atividade econômica deve se desenvolver. Para o primeiro grupo, o crescimento econômico propiciaria o progresso social, enquanto, para o segundo grupo, era importante combater a desintegração social promovida pelo processo do mercado e, portanto, o Estado precisaria atuar para reintegrar os indivíduos em suas comunidades. Dessa forma, ficou claro que o primeiro grupo enunciava uma política econômica, enquanto o segundo grupo, uma política de sociedade. Capítulo 4 — O homem empresarial Os autores, neste capítulo, buscam destacar a figura do empreendedor dentro da economia neoliberal. Com ênfase nos estudos dos austro- americanos Mises e Hayek, os autores realçam o papel da ação individual na máquina econômica, que tenderia ao equilíbrio quando não houvesse qualquer intervenção estatal, baseado no princípio do laisse-faire. Para Mises e Hayek, a construção da concorrência se dá a partir do empreendedorismo, que é fundamental à ordem capitalista. Portanto, a proposta do neoliberalismo terá como diferencial, em relação ao ordoliberalismo, o resgate da dimensão homem-empresa da corrente neoclássica. Enquanto o programa neoclássico privilegia um mercado sem intervencionismo (concorrência pura e perfeita), o neoliberalismo privilegia a conduta do sujeito econômico no processo de descoberta de novas oportunidade de lucro na concorrência de mercado (concorrencialismo neoliberal). Esse novo pensamento é propagado pela doutrina austríaca que enfatiza a dimensão agonística de competição e rivalidade, que coloca o empreendedor como principal sujeito da vida econômica, este movido pelo espírito empresarial, podendo sofrer limitação somente através da atuação do Estado. A valorização do empreendedorismo e a sua implementação do mercado são partes importantes da racionalidade neoliberal. A figura do homem econômico ganha um aspecto dinâmico e mais ativo. Citando Jean- Baptiste Say, os autores explicam a divisão do trabalho em três funções proposta por ele: a do especialista que produz conhecimento, a do empreendedor que põe em prática tais conhecimentos para produzir novas utilidades e a do operário que executa a operação produtiva. O empreendedor é tido como o agente principal da produção, pois ele quem implementa as operações de criação dos produtos e de comercialização. São tidos como audaciosos e perseverantes. Para Joseph Schumpter, a ciência econômica não deve privilegiar a imobilidade, mas estimular uma evolução econômica que resulte de rompimentos ligados a nova combinações produtivas, técnicas e comerciais. Esse ponto de vida dinâmico que privilegia descontinuidades acentua a figura da empresa como local dessas novas combinações e do empreendedor como personagem ativo e criativo que se opõe aos métodos tradicionais. Portanto, ele possui função central nos rompimentos sucessivos dos estados econômicos, uma vez que a inovação é inseparável da concorrência. Entretanto, os autores fazem uma advertência interessante. Comentam que Schumpter não é um militante neoliberal, pois, em sua obra Capitalismo, socialismo e democracia, deixa claro que o empreendedorismo conduzirá a sociedade a um estado estacionário, pois a inovação não provoca mais rompimentos, ao revés, tornou-se rotina. Com o neoschumpterismo, impulsionado por Peter Drucker, surge a concepção de sociedade empresarial, baseada na difusão do espírito do empreendedorismo e da gestão empresarial, partindo de uma economia de empreendedores em direção a uma sociedade de empreendedores. Por fim, concluem que o espírito de empreendimento será uma prioridade dos sistemas educacionais nos países ocidentais, a fim de estimular cada indivíduo a ser empreendedor por si e de si mesmo, moldando dessa forma a imagem do homem econômico contemporâneo. No entanto, criticam a fobia que a corrente neoliberal tem em relação à presença do Estado ao concebê-la apenas como uma atividade coercitiva. Para os autores, o governo do Estado deve ser compreendido, positivamente, como um articulador apto a auxiliar o indivíduo em suas decisões e ações, em vez de contrariá-lo ou de criar-lhe obstáculos. Além disso, o recurso da coerção estatal deveria ser encarado como estratégico na defesa do próprio direito de mercado ou do direito privado, como propôs Hayek.