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Aula 01 - Flavia Piovesan

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AULA 1
Nós vamos invocar a teoria geral dos DH trabalhando três vértices. 
Teoria Geral dos DH: um marco introdutório. 
Aqui eu gostaria de começar com um referencial teórico, que é o professor Herrera Flores. Ele vê os DH como processos, que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana. Então começo com essa ideia. DH como processos que abrem, inauguram espaços de luta pela dignidade humana. Então retomo aqui o referencial teórico do professor Flores e esta ideia de DH processos que abrem, inauguram espaços de luta pela dignidade humana.
E aqui me parece que essa narrativa compreende três dimensões fundamentais para compreensão dos DH. A primeira delas: DH como processos. Processos normativos, políticos, sociais, econômicos, culturais, ou seja, nós estamos aqui centrando nosso foco na dimensão mais normativa, tendo em vista a natureza do nosso curso de especialização. Mas os DH transcendem pela sua transversalidade a dimensão normativa. Carrega múltiplas dimensões e é por isso que me agrada essa ideia de processos. Processos abertos, processos dinâmicos, processos plurais, complexos, não lineares, a história dos DH não compreende uma linha reta, apenas da progressividade, ainda que nós sempre devamos fomentar. O que nós observamos na realidade são luzes e sombras, avanços e recuos nesse processo de construção e reconstrução dos DH. Lembro aqui dois outros autores: Hanna Arednt, quando afirma que a cidadania não é um dado, é um construído. Lembro ainda Bobbio: DH nascem quando devem e quando podem nascer, não nascem todos de uma vez e nem de uma vez por todas.
Então, vejam, essa visão de DH como processos nos permite dialogar Herrera Flores com Bobbio e Hanna Arendt, como referenciais teóricos que também convergem nesta visão que os direitos humanos tem sua própria travessia, sua própria história. Se nós tomarmos hoje a Declaração Universal de 1948, nós vamos perceber que, passadas décadas, os 30 artigos hão de ser ressignificados e há novos temas que emergem no mundo contemporâneo. Por exemplo, o direito ao desenvolvimento sustentável, tampouco era imaginado como direito em 1948. O direito a água hoje se debate tanto o direito a água. Uma nova reivindicação. O direito ao meio ambiente, como direito que envolve um pacto intergeracional. Portanto nós somos hospedes temporários do planeta terra e isso demanda um acordo, um pacto entre gerações. Devemos deixar o planeta habitável e sadio para nossos filhos, netos, etc.
Eu tenho a honra na OEA de servir como relatora para a temática dos direitos as pessoas LGBTI. É fundamental ter essa visão que hoje nos temos o direito de transexuais, o direito ao reconhecimento de novas identidades de gênero. São novos temas. Também inimaginados em 1948, quando não era pensada a cirurgia para mudança de sexo e etc. O tema da tecnologia. O acesso a tecnologia hoje é vital num mundo em que se há uma digitalização profunda. O grau de digitalização que chegamos agora era planejado para os próximos 10 anos. Ou seja, levaria 10 anos para obter os resultados que tivemos nesse período de pandemia. A internet como direito humano. Nos sabemos que no brasil em média 70% da população tem acesso a internet hoje. Há o tema das desigualdades digitais. Na Europa, 85% está online e 15% offline. Já na África ocorre o oposto: 15% online e 85% offline.
DH um direito que se constrói e reconstrói. São construídos históricos e sua vitalidade depende da ação de cada um de nós. 
Além disso, vejam, de acordo com Herrera Flores, os direitos humanos também são processos que abrem, inauguram processos de luta. Não há DH sem ações emancipatórias. Portanto sem lutas sociais. DH demandam mobilização, demanda lutas por direito, por justiça. Não há DH sem lutas emancipatórias. É muito interessante perceber é que o nosso trabalho todo tem como oxigênio e força motriz as vítimas e a sua luta por direitos e por justiças. A sociedade civil organizada, num international network que por vezes envolve a vítima, organizações locais e organizações transnacionais. 
Alguns indicadores como, por exemplo, o número de países que aboliu a pena de morte. Então se nós avaliarmos o número de países que tinham pena de morte em 1970 e agora, observamos que cada vez mais há um declínio de países que adotam esse tipo de pena. O empoderamento das mulheres. Cada vez mais nós não somos ainda 50% na esfera política do brasil, mas estamos crescendo. Não há desenvolvimento sem o protagonismo das mulheres. As curvas apontam que nós mulheres, cada vez nos empoderamos com maior acesos a saúde, educação, mercado de trabalho e empoderamos político. 
Na OEA, em 2018, 35 países, 11 criminalizavam práticas homossexuais. Hoje são 9. No mundo ainda há 70. Há um declínio. cada vez menos países criminalizam práticas LGBT. 
O tema de mortes evitáveis por mulheres, subnutrição...se nós avaliarmos e tomarmos a linha do tempo, nos perceberemos avanços notáveis. Então, questiono: o que está por trás de cada avanço? Se há avanços sensíveis no campo civilizatório, o que estaria por explicar esses avanços?
Por detrás de cada avanço, há lutas emancipatórias por direitos e por justiça. Há a seguinte equação: anger, hope and believe you can make a difference. Portanto, a indignação, a esperança resiliente e as ações emancipatórias. E assim caminha as causas dos DH.
E finalmente uma terceira alusão: a dignidade humana. Eu diria que esse é o fundamento ético dos DH, é o ponto de partida e de chegada, de qualquer leitura a respeito de DH. Esse é o grande fundamento, o grande vetor, o grande princípio. A dignidade inerente a toda e qualquer pessoa. Nos vamos aprofundar essa discussão quando adentrarmos na Declaração Universal de 1948. Mas vocês perceberão na jurisprudência internacional, é muito comum se deparar com a seguinte construção interpretativa. A Convenção Americana de DH é um living instrument. A Convenção europeia de DH é um living instrument, que deve ser ressignificado a luz de novos tempos e valores, sempre tendo em vista a proteção e salvaguarda a dignidade humana. Então esse é o ponto de partida e de chegada. Ou seja, centralidade máxima da dignidade humana. Então para nós que defendemos DH: a dignidade é o nosso mantra.
Uma outra reflexão relevante, ainda introdutória, os DH celebram o idioma da alteridade. E aqui eu gostaria de dialogar com dois outros autores: Nancy Fraser e Ronald Dworkin. Nancy Fraser traz essa ideia de DH como idioma da alteridade. E Ronald Dworkin afirma que a ética dos DH simboliza ver no outro um igual. Um igual em consideração e respeito, uma pessoa dotada de todo o direito de exercer suas potencialidades, de forma plena, autônoma, sem hostilidade, sem opressão. Dworkin chega a essa visão: ver e ter no outro um igual. A própria Declaração Universal de 1948 nos diz isso no primeiro artigo. Todos somos livres e iguais em dignidade, direitos e respeito.
A nossa visão é muito inspirada na Declaração. Nos veremos que a Declaração fundamenta na ideia da universalidade dos DH, da indivisibilidade, da interdependência, da interrelação, tendo a dignidade humana como fundamento dos DH. Mas na Comissão nos trabalhamos também com o tema interseccionalidade. Trabalhamos com pessoas e grupos em especial situação de vulnerabilidade. Temos relatorias temáticas. 
Eu sempre repito o tema do idioma da alteridade. Se nos avaliarmos a experiencia totalitária do nazismo, que levou 18 milhões a campos de concentrações. Hanna Arednt nos alerta: os campos de concentração não eram campos de condenados. A pergunta não era: o que cometeram essas pessoas? E sim: quem são essas pessoas, esvaziadas de qualquer humanidade?
A lógica da barbárie e da destruição, aniquilou o sentido de dignidade e humanidade. Essas pessoas foram consideradas descartáveis, supérfluas. E com isso nos temos a barbárie totalitária, temos a arquitetura da destruição, temos os campos de extermínio.
Então se nos avaliarmos toda essa ótica da destruição genocida. O legado da II Guerra. Se nós avaliarmos o legado da escravidão, que coisificou afrodescentespor séculos. Sendo o brasil o último pais do mundo ocidental a abolir a escravidão. Se nos lembrarmos aqui a intolerância com relação as mulheres, a ótica machista patriarcal. 
Aprendi que as mulheres trans tem expectativa de vida aos 35 anos. Ao passo que as mulheres, em geral, na américa latina, tem expectativa de vida que chega aos 80 anos. O que pode explicar que as mulheres trans tenham essa expectativa? A cultura transfobica, homofóbica. Ou seja, aonde quero chegar? Se nós avaliarmos o que pode ter em comum, que pontes posso construir entre a experiencia totalitária, entre a experiencia dramática da escravidão, entre a experiencia do racismo, sexismo, homofobia, xenofobia e outras intolerâncias? O que posso perceber é que a ótica da intolerância que nega ao outro a condição de sujeito de direito. Entao a ótica da intolerância trabalha o eu versus o outro e esse outro por ser diferente é semeada uma doutrina de superioridade baseada em diferenças. Diferenças entre brancos e negros, homens e mulheres, heteros e LGBTI, entre brancos e indígenas, e por aí vai.
Quando eu tomo a diferença que pode trazer esses critérios de raça, etnia, idade, gênero, e eu tomo essa diferença para aniquilar o outro, para reduzir o outro, par retirar do outro a condição de humanidade. Ou para ver no outro um ser despido de qualquer dignidade. aí nós temos instaurado o palco das mais graves violações a DH. Então esse ó grande impasse e é por isso que me parece toa importante trabalhar o tema da alteridade e ver no outro um igual em dignidade e direitos e respeito.
Então dedico a minha vida ao artigo 1º da Declaração é a ideologia de que todos somos livres e iguais em dignidade, direitos e respeito. Os DH não entram em quarentena. 
O que nos podemos perceber é que há grupos e pessoas em especial situação de vulnerabilidade. E vejam vocês o campo da letalidade com relação ao COVID-19. A morte tem uma cara. Na região, em geral, essa cara é de afrodescentes e povos indígenas. Até EUA, a letalidade do vírus com relação aos hispânicos e afrodescentes é duas a três vezes maior, se comparada a dos brancos. 
E agora vamos avançar ao ponto 2. Lembro que vamos focar em três vértices: o primeiro introdutório, com reflexões preliminares, que nos alimentam para o ponto 2, que é justamente voltado a Declaração Universal de DH. Então vejam, vocês, passamos agora ao exame da Declaração Universal e todo seu significado, simbologia e impacto.
Qual é a voz da Declaração? Eu lembro Herrera Flores: o texto e o contexto. Para nos analisarmos a Declaração, é preciso analisar o contexto do qual ela emerge.
Ponto 2: DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE DIREITOS HUMANOS
E aí mais uma vez gostaria de invocar Hanna Arendt. Ela nos lembra que a II Guerra traz uma simbologia. A II Guerra traz como simbologia a ruptura com os DH. Portanto, volto aqui, há todo um legado da barbárie totalitária. É muito interessante nos estudos sobre o totalitarismo de Hanna Arendt, quando ela diz que o totalitarismo se assemelha a uma cebola, em que há camadas, e que o individuo que faz parte desse regime perde a sua visão crítica. BANALIDADE DO MAL. 
Volto a essa percepção da II Guerra como uma ruptura com os DH. Ao passo que o pós guerra significaria a esperança de reconstrução dos DH. 
Na literatura do direito internacional é muito comum essa paisagem, ou seja, há um direito internacional pré e pós 1945. Então, 1945 seria o divisor de águas e haveria por assim dizer um direito internacional pré e pós 1945. Notem, tamanha foi a consequência e impacto da segunda guerra mundial.
Na arena pré 1945, fundamentalmente estados eram os atores e personagens da ordem internacional. No pós 1945 temos uma democratização dos atores internacionais. Surge, por exemplo, a ONU com a carta de 1945. Surge a OEA. Então há o que eu sempre penso em tempos pandêmicos, qual será o legado do COVID 19. O legado da Segunda Guerra, se nós avaliamos hoje a OMS, a OMC, a ONU, a OEA. Foi tudo uma arquitetura do pós guerra. Ou seja, voltada a dar resposta no campo da promoção dos DH, no campo do fomento a cooperação internacional social econômica, a temática sensível de paz e segurança internacional. Então, nós temos toda essa arquitetura do pós guerra criada no pós 1945.
Temos as organizações internacionais. Aqui, a título exemplificativo: ONU e OEA. Temos cada vez mais a sociedade civil internacional vitalizada. E temos indivíduos, por exemplo, que podem acionar mecanismos internacionais de promoção e proteção dos DH. Na Comissão Interamericana, nós temos o sistema de casos. Então, indivíduos podem encaminhar... qualquer pessoa ou grupo de pessoas pode encaminhar à Comissão denúncia de violação de Direitos. Claro que há requisitos de admissibilidade, mas é previsto o direito de petição. Qualquer pessoa pode acionar o sistema europeu. Há esse acesso direto de 850 milhões de indivíduos a corte europeia de DH. São exemplos. Então é muito importante trabalhar com essa ideia de ruptura e reconstrução. E é justamente no marco de reconstrução que nasce a Declaração Universal de 1948. 
A Declaração Universal de 1948 nasce num contexto geopolítico muito distinto do contexto atual. Hoje nós temos em média 200 estados. À época, tínhamos, em média, 60 estados. A própria África, na época, apenas apresentava como estados Egito e Etiópia. Hoje nós temos mais de 50 estados na África. O fato é que a Declaração Universal espelha o consenso do pós guerra. Vejam, a Declaração Universal nasce como um código consensual forte e sem votos vencidos. Há um consenso com relação ao mínimo ético irredutível a ser protegido por todos e todas. Ou seja, a ambição a universalidade. Então, aqui gostaria de mergulhar analiticamente na Declaração Universal. Então, os convido agora justamente para avaliarmos qual é a sua contribuição, qual é o seu impacto, qual é a sua voz, o seu legado.
Então, vejam, a Declaração Universal, entendo eu, e isso é fundamental para nossa disciplina, inaugura, o que eu qualificaria de concepção contemporânea de DH. O que viria a ser essa concepção contemporânea de DH?
A concepção contemporânea de DH responde a três perguntas: Quem tem direitos? Por que direitos? E quais direitos?
Quais são as respostas da Declaração Universal de DH de 1948?
Vejam, quem tem direitos? Qual é a resposta da Declaração? Toda e qualquer pessoa, porque a condição de humanidade é o requisito único e exclusivo para titularidade de direitos. Com isso, rompe-se com a equação nazista, que condicionava a titularidade de direitos a uma raça específica; a raça pura ariana. Portanto havia uma doutrina de superioridade baseada em diferenças raciais. E havia todo um ímpeto de purificação da raça humana com a primazia, prevalência da raça pura ariana. Com essa primeira reflexão, nós temos a resposta da Declaração de que os DH são universais. Por quê? Porque a condição de humanidade, a condição humana passa a ser o requisito único para a titularidade de direitos. Então, reitero, para a Declaração, basta ser pessoa para ter direitos. A condição de humanidade é o requisito único e exclusivo para a titularidade de direitos. 
Então nós vamos problematizar essa questão mais adiante no ponto 3, quando adentrarmos nos desafios contemporâneos. Então nós vamos ver que há uma crítica dos relativistas culturais, entendendo que não haveria uma ética universal, porque haveria um pluralismo de culturas e o pluralismo cultural apontaria a um pluralismo moral. Cada sociedade constrói a sua visão de dignidade, a sua visão de direitos. E que essa visão da Declaração seria uma visão etnocêntrica, pautada na arrogância do mundo ocidental. Então vamos pautar essa crítica, como também Peter Singer e outros criticam, eu diria, o viés antropocêntrico da Declaração. Porque, para a Declaração, a condição humana é o componente único, o requisito único para se ter direitos. 
E há toda uma linha hoje: animal rights. Qual é o foco dessa linha de pesquisa? Toda e qualquer espécie viva deveria ser titular de direitos. Porque haveria o direito ao não sofrimento e esse direito nãodeveria ser restrito aos humanos racionais. Muito aqui o referencial Kantiano é lembrado. 
Um segundo legado. Por que direitos? E aqui a Declaração nos traz a seguinte resposta: dignidade humana. A dignidade é inerente a condição humana. A dignidade não é um valor extrínseco, condicionada a raça, nacionalidade, a condição social-econômica de alguém. Não. A dignidade é valor intrínseco a condição humana. Portanto, a ideia de dignidade humana... devo realçar que aqui um referencial teórico sempre apontado é Kant. Toda visão kantiana a dignidade humana; como individuo, como único, irrepetível, dotado de racionalidade, inventividade, liberdade, autonomia, capacidade de fazer escolhas. E, portanto, um indivíduo deve ser um fim em si mesmo, jamais um meio. Rechaçando aqui a visão utilitarista, ou seja, a esta caneta eu posso atribuir um preço. E eu posso substituir essa caneta preta pela verde. E posso negociar e trocar a verde pela azul. Agora, a vocês, alunos e alunas, a cada um de nós não se atribui um preço, senão a dignidade. Não há a possibilidade de afastar o valor infinito de toda e qualquer pessoa. Portanto, essa visão kantiana é inspiradora da Declaração Universal e lembro que, na ótica contemporânea, há toda uma literatura que hoje diz “olha, a visão kantiana merece nosso respeito, mas ela deve ser atualizada, porque o mundo é mais complexo. Vamos tratar das dignidades no plural. Vamos trabalhar não com a visão atomizada de dignidade, mas também com coletividades. Vamos contextualizar a dignidade. Vamos trazer a dimensão comunitarista, além da dimensão intrínseca e da dimensão de autonomia”. 
E a terceira pergunta: quais direitos? Aí sugiro a vocês o exercício de passarem os olhos em cada um dos trinta artigos da Declaração Universal e tecerem suas próprias conclusões. Quais direitos estariam a adentrar nesse mínimo ético irredutível? É muito interessante aqui porque a Declaração traz a visão de que os DH são indivisíveis, interdependentes e interrelacionados. Então, reitero: DH são indivisíveis, interdependentes e interrelacionados.
O que significa a indivisibilidade, a interdependência e a interrelação entre os DH? Notem, pela primeira vez na história da humanidade, há um texto ambicioso, que é a Declaração Universal, que soma duas heranças: a herança liberal e a herança social da cidadania. Soma, de um lado, os direitos civis e políticos. Quais são os direitos político e civis clássicos? Direito vida, as liberdades de religião, de pensamento, de expressão, de circulação, nacionalidade, participação política, proibição da tortura, proibição da escravidão. Então nós temos os direitos civis e políticos – os blue rights – somados aos direitos econômicos, sociais e culturais (DESC). Eu aqui coloco DESC e não DESCA, hoje a dimensão ambiental. Eu não coloco “A”, porque em 1948 não há qualquer artigo dos 30 que proteja o direito ao meio ambiente, porque não era reivindicado como tal na década de 40. Essa reivindicação moral surge na década de 1970. Então vejam, os DESC envolvem o que? O direito a saúde, a educação, trabalho, bem-estar, participação cultural. Então, pela primeira vez, nós temos essa aliança, essa somatória, essa conjugação de direitos civis e políticos + DESC. 
Mais do que isso, a Declaração prevê a paridade entre eles. Não há hierarquia entre eles. Tão grave quanto sofrer uma violação a sua liberdade de expressão ou religiosa, é sofrer uma violação aos direitos a educação, saúde e trabalho. Não há hierarquia entre os direitos, estão em pé de igualdade e devem receber a mesma ênfase e importância. E mais do que isso: há essa interrelação. A efetividade dos direitos civis e políticos demandam a efetividade dos DESC. Ao passo que a efetividade dos DESC demanda a efetividade dos direitos civis e políticos.
Para o enfrentamento da pandemia, nós devemos ter o enfoque dos DH no marco da sua indivisibilidade, interdependência e interrelação. Nunca se fez tão claro essa interdependência e interrelação. E eu dou dois exemplos: a nossa liberdade de circulação está em certo grau restringida em nome do direito social a saúde. No momento que não há vacina, nós somos a vacina. Nós só iremos recuperar na sua integridade, os nossos direitos civis, liberdade de locomoção, quando o direito a saúde for efetivado. Quando o direito a saúde coletiva for efetivado, nós recuperaremos nossos direitos civis.
Para que o direito a saúde seja assegurado, é necessário o direito à informação, que é um direito civil básico. Se nós não tivermos o acesso à informação sólida, transparente, confiável, nós não temos elementos para enfrentar e prevenir a pandemia. Os direitos impactam um ao outro. 
Portanto, a Declaração Universal traz grandes avanços ao unir direitos civis e políticos + DESC. Ao olhar para trás, só existia o discurso social ou discurso liberal.
A declaração francesa e a declaração americana: qual era a narrativa? Discurso liberal da cidadania. Liberdade, propriedade, segurança e resistência a opressão. Propriedade vista como sagrada (Francesa). Em nenhum momento, esses textos tratavam do tema da justiça social, da igualdade material, dos DESC, da saúde, educação, trabalho, moradia...totalmente invisibilizados.
Num outro extremo, ao avançarmos na história, declaração da URSS, nós percebemos outra narrativa. O tema é o combate a propriedade privada, dos meios de produção, o combate à exploração econômica, justiça social. Em nenhum dos dispositivos, há menção sobre liberdades.
O que quero dizer? Se os direitos civis e políticos traduzem, em especial, a bandeira da liberdade. E se os DESC traduzem a bandeira da igualdade, vejam, esse é o lema de 1948. Havia uma tensão: de um outro igualdade e do outro liberdade. A Declaração diz: igualdade E liberdade. Não há um sem a outra...esse é o lema de 1948.
Com a lente de 2020, surge o tema da solidariedade.
O que é importante perceber? A partir de 1945, deflagra-se o processo de internacionalização dos DH, isto é, cada vez mais os DH se projetam a arena internacional como um tema de legítimo interesse da comunidade internacional. É adotada a Carta de São Francisco, que cria a ONU e em 1948, nasce a Declaração Universal. Em dezembro de 1948, a ONU adota a convenção para prevenção e repressão ao crime de genocídio. Em 1966, na linha de juridicizar a Declaração são adotados o pacto internacional dos direitos civis e políticos e o pacto internacional dos DESC. Temos na década de 60, a convenção racial sobre eliminação da discriminação racial que inaugura todo o sistema especial de proteção. Em 1979, a convenção sobre eliminação da discriminação sobre a mulher, adotamos a convenção contra a tortura, a convenção que protege as crianças, a convenção que protege as pessoas com deficiência.
Então volto ao ponto de partida. Ponto 1: Direitos Humanos como processo.
O que é a concepção contemporânea dos DH? Universais, interdependentes, interrelacionados e indivisíveis e tem por fundamento o valor da dignidade humana. Esta concepção contemporânea impacta e nutre e inspira e move todo o processo de internacionalização dos DH. Todas as dezenas de tratados que foram adotados pós 1948 bebem dessa fonte.
Se alguém toma, por exemplo, a convenção da ONU sobre a eliminação da discriminação contra a mulher vai perceber que está sendo incorporada esta visão, de que os direitos humanos são universais, indivisíveis. A preocupação em combater a discriminação contra a mulher tanto no que se refere ao exercício dos direitos civis e políticos, como no que se refere ao exercício dos DESC.
Se alguém toma, por exemplo, a convenção mais recente de 2006 para proteger a pessoa com deficiência também se inspira neste ideário. Universalidade, a visão integral e holística dos DH. Importante assegurar a pessoa com deficiência os direitos civis, políticos, DESC.
Eu lembraria que na arquitetura protetiva dos DH, no direito internacional dos DH, o mantra, o cerne que confere sentido e eu diria até unidade a essa arquitetura é o lema de 1948, é justamente a concepção contemporânea de DH, que vem a sersemeada em 1948.
Mas vocês podem indagar: em 1948 o mundo era outro. Havia em média 60 Estados, agora temos 200. Esse consenso ainda se mantem? E eu lembraria, a título de observação, que em 1993 houve uma grande conferência de DH em Viena. 
Se a Declaração foi subscrita por 43 Estados, com 9 abstenções, a Declaração de DH de Viena foi subscrita por mais de 170 Estados. O Brasil subscreveu ambas. 
Viena, então, em 1993, anos depois de 1948, com uma base consensual mais alargada envolvendo mais de 170 Estados corrobora esse lema: DH são universais, interdependentes, interrelacionados, indivisíveis.
Ponto 3 – Desafios Contemporâneos
Já trouxemos aqui todos as reflexões preliminares. DH como processo que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana. DH como idioma da alteridade. Transitamos para a Declaração Universal, focando no seu legado emancipatório. Agora o enfoque são os desafios, que trarei sete desafios. 
Nesse momento, eu gostaria de compartilhar com vocês um dos capítulos do meu livro, em que eu teço um exame comparativo dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano. E justamente no primeiro capítulo traz o desafio os desafios contemporâneos dos DH.
Afinal de contas, por que temos direitos? Então esse é o debate mais instigante, mais complexo, mais profundo a respeito dos DH, que é justamente o fundamento dos DH. 
UNIVERSALISMO VERSUS RELATIVISMO
Qual seria a resposta dos universalistas? Para eles, o fundamento dos DH, a fonte dos DH seria uma só: a dignidade humana. Ou seja, é a visão da Declaração. A dignidade como valor intrínseco a condição humana por sermos pessoas. A condição de humanidade nos faz ter direitos porque nós carregamos intrinsecamente o valor da dignidade humana. Então aí os universalistas dirão: há um mínimo ético universal a ser protegido.
Ao passo que os relativistas dirão que isso é uma arrogância etnocêntrica do mundo ocidental. Afinal de contas, para os relativistas, a história do mundo é uma história do pluralismo de cultura. Cada cultura possui o seu discurso sobre os direitos. E, portanto, há um pluralismo cultural e esse pluralismo cultural impediria a formação de uma moral universal. Não há moral universal, arrematam os relativistas, já que a história do mundo é história de uma pluralidade de culturas. E essas culturas produzem seus próprios valores. Então, temos aqui a resposta relativista a essa pergunta: a cultura. A cultura é o que nos faz. Portanto, essa seria a visão relativista.
Vejam, esse é um dos temas mais complexos. Inclusive se nós avaliarmos o vocábulo “cultura” nós vamos encontrar mais de 500 interpretações. Então para os relativistas a cultura é o que nos faz, participa da formação do ser humano. Ao passo que os universalistas dirão “o indivíduo e suas escolhas são mais importantes do que uma cultura a se preservar”.
Então este é o debate que eu gostaria de ilustrar com alguns exemplos:
1) No caso do Brasil, a matéria “Congresso regula infanticídio indígena”. No brasil, há povos que cometem o chamado soterramento de crianças indígenas: crianças com deficiência, filhos de mães solteiros e quando há gêmeos. A pergunta é: esses infanticídios merecem nosso respeito ou viola os DH?
2) Condenada a 17 anos a mãe de adolescente Mauritânia acusada por sua filha de ter obrigado a mesma a se casar. A filha tinha 14 anos e foi obrigada a casar com um homem de 70 anos. Então, vejam, o casamento arranjado: é uma cultura local e merece nosso respeito ou viola DH? 
3) Marriage in Pakistan. Isso é cultura e merece nosso respeito ou viola DH?
4) Uganda. Anos atrás debatia uma lei que pune gays com a morte. Pena capital para aqueles que cometam “homossexualismo” agravado. Punir gays com a morte é uma cultura e merece nosso respeito ou viola DH?
5) Female Genital Mutilation. Seis estados criminalizaram a FGM, principalmente os Estados Muçulmanos. Mas ainda há países que perpetuam essa prática. Filme e livro: Na Flor do Deserto. Até a década 1970 não havia língua escrita na Somália. 
Aqui eu gostaria de invocar outras vozes. Uma delas é Boaventura de Souza Santos. No seu texto “Concepção Multicultural dos DH”. Esse é um texto muito interessante em que ele defende o diálogo intercultural. Ele diz o seguinte: “defende uma concepção multicultural dos DH, inspirada no diálogo entre culturas, a compor um multiculturalismo emancipatório”. Esse diálogo partilha da diversidade que há entre as culturas e também na incompletude de cada cultura e da sua abertura as demais, sem hierarquia ou subordinação, evitando, o que ele diria o canibalismo cultural. Ou seja, evitando um localismo globalizado e um globalismo localizado. Essa visão de Boaventura está alinhada a visão de outro autor, Bhikhu Parekh, que defende um universalismo pluralista, não etnocêntrico, baseado no diálogo intercultural. 
Nós temos que construir esse diálogo. Universalismo não deve ser imposto, que seja construído a partir de diálogos, tensões, mesclas, intercruzamentos.
Human Rights and Asian Values: será que a Declaração Universal está em compatibilidade com o budismo, hinduísmo, confucionismo? A conclusão dele é que sim. Deve se afastar interpretações autoritárias dos valores asiáticos, porque essas visões de mundo também defendem a tolerância, liberdade e diversidade.
Outro autor, islâmico, se pergunta se é possível dialogar a Declaração Universal com o mundo islâmico? Ele também entende que sim, a partir de uma nova interpretação do islamismo e da sharia. 
A professora tece sua visão: entendo que o horizonte dialógico talvez seja a resposta, horizonte pautado no diálogo intercultural e aqui lembrando que o diálogo nos transforma. O diálogo destemido, livre, liberto, ele nos transforma, ele nos toca e deixa algo em nós.
Um segundo desafio que trabalho nesse texto é: LAICIDADE ESTATAL X FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO
Parece-me aqui que vivemos um grande drama na atualidade na ordem global, regional e local com os fundamentalismos. E eu coloco no plural. Como lembra Boaventura, o fundamentalista entende que ele possui uma noção de verdade e esta verdade deve ser expandida. Há que se converter o outro a luz da minha verdade, há posse do fundamento. Esse é um tema sensível na atualidade, porque nós temos hoje fundamentalismo político, religioso, em suma, nós temos diversas manifestações dos fundamentalismos.
E é claro, os fundamentalismos não dialogam com essa visão de abertura, não compreendem o diálogo, porque vivem no seu hermetismo e ainda mais, se tratando de religião, que nós temos o elemento de sacralidade. A luz dos DH, há liberdade religiosa. Nós temos o direito de ter uma religião, de não ter qualquer religião e de mudar de religião. Mas o locus da religião é um e não se pode confundir com o locus do Estado. O Estado deve ser democrático, pluralista, laico, em que haja a rígida separação entre a razão pública e secular e os dogmas religiosos do sagrado. 
As religiões habitam o nosso mundo interior, mas não podem impactar e comprometer a razão pública e secular do Estado, numa arena pluralista, em que todas as religiões devem merecer igual consideração e profundo respeito.
Como as democracias morrem? Extreme polarization. Impactam e comprometem as próprias democracias. Preocupação com as vertentes dos fundamentalismos. 
No Brasil, a Constituição Imperial previa a religião católica apostólica romana como religião oficial do Império. E com a República, partimos para a laicidade estatal.
TERCEIRO DESAFIO: DIREITO AO DESENVOLVIMENTO VERSUS ASSIMETRIAS GLOBAIS
Nós vivemos em um mundo totalmente desigual. Um mundo em que os 15% mais ricos concentram 85% da riqueza mundial, ao passo que os 85% mais pobres detém apenas 15% da renda mundial. 70% da população mundial vive em países em desenvolvimento. 
O Haiti é o país mais pobre do hemisfério ocidental. E ao mesmo tempo, essa mesma região tem países como EUA e Canadá. Então temos países muito diferentes e isso aponta as assimetrias globais e ao solidarismo global.
Vejam que, na ONU, se adota a agenda 20-30, com as metas de desenvolvimentosustentável, inclusivo. Ou seja, baseado nas 17 metas do desenvolvimento sustentável, desde a questão de equidade de gênero, combate a pobreza extrema, a questão das tecnologias, proteção ambiental, dentre outros temas. 
Direito ao Desenvolvimento – umbrella right. Muito vago???
A literatura sobre desenvolvimento vinha dos economistas até 1970. Desenvolvimento associado ao PIB: desenvolvimento econômico. A partir da década de 80, com a Declaração da ONU sobre direito ao desenvolvimento: há o human rights approach to development e também o development approach to human rights. Ou seja, há uma ressignificação do direito ao desenvolvimento a partir de três dimensões. A primeira delas é um desenvolvimento que atende as necessidades básicas de justiça social, consagrando que a pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento e deve ser ativa participante e beneficiaria do direito ao desenvolvimento. Então, vejam, não só nós extraímos a necessidade de atender a justiça social, tendo na pessoa o sujeito do desenvolvimento, como ainda a pessoa deve ser ativa participante e beneficiária do direito ao desenvolvimento. Aí o componente democrático e a democracia requer luz e não opacidade. Requer direito a informação, requer transparência, requer accountability, no que se refere, por exemplo, a gestão e orçamento das políticas públicas e também a todo o processo de construção e implementação dessas políticas. E mais do que isso, uma terceira dimensão, além da dimensão justiça social, componente democrático, há a dimensão da cooperação internacional. Ou seja, é fundamental a cooperação internacional, para que, com base no solidarismo global, os países em desenvolvimento possam avançar na construção dos DH.
Temos situações dramáticas no mundo hoje. Países africanos sem respirador, na Venezuela há apenas 4. Nunca foi tão crucial o direito ao desenvolvimento.
E com isso vamos ao quarto desafio que tem a ver com uma pauta que se avizinha ao terceiro desafio.
QUARTO DESAFIO: PROTEÇÃO DOS DESC VERSUS DILEMAS DA GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA
Vejam, todo o consenso de Washington com as políticas de austeridade levaram a questionar o alcance do Estado com um novo marco regulatório estatal com todo um olhar com relação ao mercado e as instituições do Bretton Woods.
Para Habermas: essas políticas da década de 90, pautadas por programas de privatização em excesso, austeridade econômica, creditando apenas na força do livre mercado, permitiram que hoje sejam os Estados se achem incorporados aos mercados e não a economia política as fronteiras estatais.
Se nós tomarmos as 100 maiores economias mundiais, 69 serão transnacionais e 31 serão Estados. Ou seja, há transnacionais cujo faturamento anual excede muito o PIB de Estados. Então este é um tema emergente na pauta dos DH. 
Para Flavia Piovesan: entende que não há como desmantelar o Estado. Esse não é o caminho para responder aos problemas atuais. Há que se redefinir o papel do Estado no que se refere à promoção da igualdade, ao combate as desigualdades, à transformação das estruturas socioeconômicas.
Pandemia demanda Estado forte. Nunca aplaudimos tanto o SUS.
Peculiaridades da nossa região. América Latina é a mais desigual e injusta do planeta.
O COVID estampa nossas debilidades e desafios estruturais e nos convida a uma ação transformadora. Como criar políticas públicas, como criar reformas tributarias econômicas e financeiras, capazes de reduzir a desigualdade extrema que marca nossa região?
QUINTO DESAFIO: RESPEITO A ADVERSIDADE VERSUS INTOLERANCIAS 
Aqui eu dialogaria com toda a primeira parte da nossa aula, ou seja, os DH como idioma da alteridade. Ver no outro um igual em consideração e respeito. O que nós podemos perceber é que há grupos e pessoas em situação de vulnerabilidade, justamente porque a sua diversidade, a sua diferença é tomada como elemento para reduzir direitos.
Vejam que muito recentemente houve um ganho extraordinário, uma decisão histórica da suprema corte dos EUA a fim de proibir que critérios discriminatórios baseados em orientação sexual possam ser autorizados para efeitos trabalhistas, demissionais, etc. Ou seja, proibindo que pessoa sejam demitidas, percam seu trabalho por razão da sua orientação sexual.
Mas o fato é que a exclusão, a pobreza na região tenha sua face. Há um processo de etinização e feminização da pobreza. Nós vamos comentar mais adiante, mas na nossa região nós temos em média 25% de afrodescendentes e 10% de povos indígenas. E todos os indicadores sociais, de todos os 35 países apontam um padrão histórico, estruturante, de discriminação e exclusão de povos afrodescendentes e indígenas na nossa região. A própria letalidade do COVID É UM indicador que aponta a esse desafio.
Então vejam, fundamental é trabalhar a diversidade como riqueza da humanidade. Lembro aqui Hanna Arednt. Todos somos únicos e diversos. A diversidade e a unicidade existencial marcam, enriquecem, louvam a história da humanidade. Fundamental valorizar a diversidade, enriquecer a condição de humanidade.
Nancy Fraser tem uma reflexão que me parece muito lúcida, em que ela trabalha no que se refere a concepção de justiça, o que ela chama de 3 R. A justiça como redistribuição, a justiça como reconhecimento de identidades, a justiça como representação.
E ela diz, olha “a concepção de justiça não pode ficar confinada a lente socioeconômica.” É claro, quando nos lidamos com os desafios anteriores, no que se refere as assimetrias globais, a pauta do desenvolvimento, o tema dos dilemas da globalização, os DESC..É claro que todos nos percebemos e compartilhamos da necessidade de transformar estruturas socioeconômicas, de assegurar a igualdade e a justiça socioeconômica. Claro, o Estado é necessário para enfrentar as desigualdades e promover as igualdades. Mas, somente apor da redistribuição (justiça vista pela lente socioeconômica) é insuficiente. O que nós temos que trabalhar com a dimensão da justiça cultural, pautada no reconhecimento de identidades. Então isso nos diz muito bem Nancy Fraser, na seguinte argumentação: “ora, o direito a redistribuição requer medidas que enfrentem a injustiça econômica, a injustiça da marginalização das desigualdades econômicas por meio da transformação nas estruturas socioeconômicas e por meio da adoção de uma política de redistribuição. De igual modo, o reconhecimento (2º dimensão da justiça) requer medidas que enfrentem a injustiça cultural, a injustiça do preconceito, os padrões discriminatórios, por meio da transformação cultural, por meio da adoção de uma política de reconhecimento. É a luz dessa política de reconhecimento que se pretende avançar na reavaliação positiva de identidades discriminadas, negadas, desrespeitadas, na desconstrução de estereótipo e preconceitos e na valorização da diversidade cultural.
SEXTO DESAFIO: COMBATE AO TERRORISMO VERSUS PRESERVAÇÃO DAS LIBERDADES
E eu lembro de toda agenda pós 11 de setembro, que impactou o aparato civilizatório de direitos, liberdades e garantias sob o clamor da segurança máxima. Temos pesquisas que apontam que a agenda do pós 11 de setembro trouxe uma agenda global tendencialmente restritiva de direitos e liberdades.
Então houve um aumento de países que ampliam pena de morte, países que tecem discriminações, que afrontam o devido processo legal: o direito ao julgamento público e justo, que admitem a extradição sema garantia de direitos, que restringem liberdades como de reunião e expressão.
Fica, então, o apelo, o quanto a promoção e proteção dos DH sob o primado do Estado de Direito é essencial para a prevenção do terrorismo. Aqui lembro Agamben, quando traz essa visão de que o estado de exceção passa a criar uma normalidade, passa a se transformar numa normalidade. Então esse é um ponto muito sensível e eu compartilharia inclusive na agenda internacional nós temos uma jurisprudência inspiradora da corte europeia, da corte interamericana de DH, que fundamentalmente convergem em dizer: o direito a segurança é um direito humano fundamental, mas em nome dele não podemos sacrificarde forma excessiva as nossas liberdades públicas. E aí vale recorrer ao princípio da proporcionalidade. Isso eu digo a vocês, é um exercício muito importante, no campo da pandemia, a comissão tem adotado essa lógica. Avaliar o princípio da proporcionalidade. Quando o que está em jogo é a redução de direitos...imaginemos o seguinte: nossas liberdades têm alcance X, só que para combater o terrorismo, temos uma redução. Essa redução há de percorrer o princípio da proporcionalidade. Nós temos que fazer o teste baseado nas três perguntas: a medida é necessária? É adequada? É proporcional em sentido estrito ou houve um abuso na contenção do direito..se sacrificou um direito em nome do outro?
No campo da pandemia, mais de 94 países decretaram restrição e suspensão de direitos para combater a pandemia. Na nossa região, mais de 13 países que notificaram a OEA oficialmente. Isso tem uma base jurídica, que é a convenção americana de DH, artigo 27. Mas o que a Comissão frisa é que as medidas restritivas de direitos devem responder ao princípio da legalidade, proporcionalidade estrita e da temporalidade. No caso da pós pandemia, pós COVID, nele não será tolerável as restrições em nome de um direito maior - o direito a vida e a saúde coletiva – nós, então, estamos renunciando, restringindo o alcance das nossas liberdades por um ato de solidariedade.
E eu termino com último desafio, que muito tem a ver com a agenda da COVID 19.
SÉTIMO DESAFIO: MULTILATERALISMO VERSUS UNILATERALISMO
Sou uma crente no multilateralismo, porque acredito que a força do direito há de vencer o direito da força. E eu até brincava que faço parte do clube que defende “é melhor o mundo com a ONU do que sem a ONU, com a OMS do que sem a OMS, com a OEA do que sem OEA”. Ainda que eu tenha a visão crítica construtiva de que sempre há espaços para democratização, racionalização, fortalecimento e aprimoramento dessas institucionalidades. Mas me parece crucial esse debate, até porque nós vivemos hoje uma narrativa, vindo de um populismo autoritário que habita nosso globo em alguns países. Eu lembro que há estudos que apontam que há uma tendência em endossar alternativas não democráticas. Seja no Brasil, no México, Argentina, no mundo..há um apoio a democracia direta e representativa, mas muitos ainda, infelizmente, endossam narrativas autoritárias. 
Eu entendo que o unilateralismo tem apelo ao localismo. Ao passado que o multilateralismo aponta a uma ótica globalista. Vejam, o nacionalismo extremo, como por exemplo “America first”, Brexit, Polônia, Brasil, Hungria. O que nós percebemos? O populismo autoritário tem uma incapacidade de lidar com pluralismo, com o dissenso. Com a liberdade de imprensa, com a liberdade de expressão. E há essa preocupação do alarmante declínio da democracia em virtude da afronta aos direitos civis e políticos, com a ascensão desses regimes populistas e que se valem do aumento da polarização, fomentando o discurso do ódio, da intolerância, da xenofobia, e assim por diante.
Eu até entendo, vendo a região, que nós podemos perceber que há três vertentes desse localismo. Há um localismo mais xenófobo, mais protecionista, que busca criminalizar o migrante. Trump e Brexit. Soberania absoluta, rejeição a ideologia do globalismo, adoção do patriotismo de uma maneira muito reducionista.
Há países que adotam uma corrente de um localismo despótico autoritário, que em nome da soberania nacional buscam esconder graves violações aos DH. Temos casos na Venezuela, Cuba, Nicarágua, que sempre criticam de forma voraz o monitoramento internacional, inclusive atacam a Comissão entendendo que a Comissão estaria a favor do imperialismo. Ao passo que a Comissão entende que os DH se protejam na arena internacional e que há legitimidade de atua de acordo com o mandato.
Há países que adotam um localismo messiânico, paroquial, baseado nos valores culturais. No Brasil, temos Olavo de Carvalho, que acusa os organismos internacionais de manipular a agenda local. Que seria necessário refundar a soberania. 
Volto a insistir na importância de fortalecer o multilateralismo, a cooperação e articulação internacional num mundo em que cada vez mais as ameaças globais demandam respostas globais. Como é o caso da pandemia, proteção ao meio ambiente, combate a corrupção cada vez mais transnacionalizada, combate ao terrorismo, o tema da mobilidade humana, direito cibernético. São temas que se projetam a arena internacional.
Também penso que é fundamental fortalecer o ativismo e a capacidade transformadora da sociedade civil. Esse civismo cosmopolita, pautado numa cidadania que é local, regional e global. Fortalecer a ótica multilateralista, a ideia de uma comunidade internacional, guiada por valores, princípios, standards. E tendo como foco a tríade dos DH, Estado de Direito e democracia.
“No single leader can destroy democracy” - Steven Levitsky
Eu gostaria de encerrar apenas trazendo o desafio do COVID 19 e trabalhando aqui dois pontos. Como compreender o COVID 19 na nossa região e seu impacto? O vírus já atravessou várias geografias e eis que o epicentro é a região das américas. Dois países nesse epicentro, hoje, Brasil e EUA, correspondem a 8% da população mundial, mas a 38% dos óbitos. A comissão tem monitorado e o que se percebe é que a pandemia escancarou, agravou os desafios estruturais da nossa região. E eu citaria três. 1) É a região mais desigual do mundo. 30% vive na pobreza, 11 na pobreza extrema, 25% não tem acesso a água potável, 53% está na informalidade. 2) Padrão discriminatório. É histórico, estrutural, em relação a afrodescendentes e povos indígenas. 3) Dilemas da nossa democracia. Menos da metade da população endossa a democracia. As instituições com maior confiabilidade são igrejas e forças armadas. Ao passo que partidos políticos e parlamento estão numa situação bastante crítica. 
E aí vem o COVID. E qual tem sido nossa resposta no campo dos DH? A Comissão Interamericana, e os convido a ler a recomendação nº 1 de 2020, que nós adotamos com 85 recomendações a Estados. E nós miramos cada qual desses desafios estruturais e respondemos com a linguagem dos DH, justamente fortalecendo os deveres dos Estados em matéria de DH, as obrigações jurídico internacionais assumidas pelos Estados. No que se refere a desigualdade extrema, qual foi nossa voz? Potencializar os DESCA, ou seja, prioridade total ao direito a saúde e vida. Políticas publicas alinhadas a ciência. Direito a informação. E, numa segunda parte, ao lidar com o tema da discriminação, trazemos recomendações afetas a grupos e pessoas em situação de vulnerabilidade. Tendo um olhar cuidadoso as mulheres. Ampliou em mais de 40% a incidência da violência doméstica em tempos de confinamento. Em relação aos povos indígenas, há o tema da imunidade desses povos sendo bastante reduzida e da alta letalidade desses povos. Então cabe a Comissão dar visibilidade, dar voz, ampliar a voz desses grupos, e com a gramática dos direitos apontar ao dever de proteção reforçada desses grupos. Os Estados hao de atuar e há uma série de recomendações nesse sentido.
E finalmente, o que nós dizíamos e que tem a ver com o desafio 6. O tema das restrições de direitos. Para o sistema interamericano, a liberdade de expressão, o pluralismo, o dissenso é a pedra angular de qualquer democracia. Portanto, a própria convenção permite a restrição e suspensão de direitos em tempos excepcionais, de urgência, pandêmicos. Mas eu volto a insistir, essa restrição deve ser feita na justa medida, a luz dos princípios da proporcionalidade, legalidade e temporalidade. Houve um ímpeto de alguns países, em restringir o direito a informação. A Comissão tem sido firme em demandar o acesso a informação, como elemento crucial até para a prevenção da pandemia. No Brasil tivemos esse debate, mas o STF afastou o ímpeto de restringir o alcance da lei de acesso a informação. Há países que ainda criminalizam a voz critica as políticas estatais com relação a pandemia. A comissão tem se pronunciado constantemente com relação a Venezuela, Cuba,Nicarágua, que colocam jornalistas na cadeia. 
Insisto na importância da liberdade de imprensa, expressão, informação, e que o combate a pandemia deve ser feito com estrito rigor e com respeito as molduras do Estado Democrático de Direito. 
AULA 2
Na primeira parte da nossa disciplina, o enfoque foi a teoria geral dos DH. De forma que trabalhamos aqui três inquietudes: as reflexões preliminares a respeito do conceito dos DH, num segundo momento nos concentramos na Declaração Universal de 1948 e todo seu legado e percorremos os desafios contemporâneos da pauta dos DH, com inquietudes, compreendendo os desafios mencionados na primeira aula. 
Agora nos transitamos para a temática da constitucionalização dos DH. Então nesta primeira parte nos importa avaliar como a CF DE 88 trata dos DH. Qual é o grau de proteção conferida pela CF aos DH? E mais do que isso, vamos avaliar como a CF de 88 acolhe, recepciona os tratados internacionais de DH. E vamos fechar indagando acerca da emergência de um novo paradigma jurídico. E aí vamos provocar com a emergência do paradigma multinível, ou seja, tratar dos DH a luz das esfera local, regional e global, como esferas permeáveis, aos empréstimos, as incidências, aos impactos, influencias mutuas e reciprocas, de modo que, nesta segunda parte da aula, nós percorreremos três questões centrais.
Nosso grande tema é a constitucionalização dos DH.
Aqui, a primeira reflexão central: CONSTITUIÇÃO DE 1988 E DIREITOS HUMANOS
Eu começo frisando que as CF são o que nós somos como sociedade, mas, sobretudo, o que nós desejamos ser. Portanto, aqui nós podemos captar um balanço, mas, sobretudo, uma lente prospectiva, desejosa, uma lente que ambiciona a construção de sociedades mais justas, igualitárias, no marco de um Estado Democrático de Direito. A CF de 88 carrega uma forte simbologia. E aí começamos nosso ponto de partida. E essa simbologia vem porque é ela, marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos, portanto tem essa dupla simbologia. É um marco jurídico, seja da transição democrática, seja da institucionalização dos direitos humanos no Brasil. Tal como falávamos que há um direito internacional pré e pós 1945, podemos dizer que há um direito dos DH pre e pós 1988. A carta de 88 permite a transição a democracia e confere ênfase extraordinária a proteção dos DH. Vejam que esse texto nasce em um contexto histórico em que nós estávamos erodindo o regime militar ditatorial. Na verdade houve um processo de distensão, um próprio desgaste do autoritarismo, da ditadura militar, que permitiu também o resgate do tecido social e isto culminou com uma transição lenta e gradual rumo a democracia.
Vejam, vivemos 21 anos de arbítrio, em que os mais básicos direitos foram violados, censura, atos institucionais, uma afronta a separação dos poderes, uma afronta ao federalismo, uma afronta a direitos mais básicos, como direito a integridade física e psíquica, já que a tortura era uma prática generalizada e institucionalizada pelo regime militar. Direitos como liberdade de expressão, de reunião, foram absolutamente asfixiados. Pessoas foram perseguidas pelo que pensavam, de modo que sofremos por 21 anos a asfixiado regime militar ditatorial.
Convido a todos e creio que é um dever cívico a leitura do Relatório da Comissão Nacional da Verdade. Sugiro a leitura do último capítulo.
A CF, quando inaugura seu texto, já tece uma escolha decisiva em prol do Estado Democrático de Direito.
Não bastando aqui a CF ser um marco jurídico da transição democrática, também é um marco jurídico da institucionalização dos DH. Jamais houve na nossa história constitucional, um texto tão primoroso, tão cuidadoso, tão generoso na proteção dos DH. É como se nós tivéssemos aqui, esta visão no que se refere aos DH: divisor de águas em 1988, já que tivemos impactos sensíveis no âmbito doméstico e internacional.
No âmbito internacional, o estado brasileiro passa então a ratificar os principais tratados de DH. Tratados como os pactos da ONU em matéria de direitos civis e políticos, DESC, que foram adotados em 1966 e são ratificados em 1992. A Convenção americana de 1969 é adotada em 1992. O Brasil reconhece a competência jurisdicional da corte interamericana em 1998. Ratifica a convenção contra a tortura, ratifica o estatuto de Roma, ratifica a convenção para a proteção das pessoas com deficiência, até conferindo hierarquia constitucional.
De modo que no âmbito internacional, o estado brasileiro se reinsere, na medida em que passa a ratificar os principais tratados de DH.
No âmbito nacional, o pós 1988, é marcado pela mais vasta produção normativa a respeito dos DH. Então se nós avaliarmos as leis que são tão relevantes para a proteção dos DH, como, por exemplo, a lei que combate o racismo, que é de 1989. É a primeira vez, a CF no artigo 5º estabelece que racismo é crime. Crime inafiançável, imprescritível, sujeito a pena de reclusão. E aí vem a lei 7716 de 1989. Racismo até então era mera contravenção penal e com a CF de 1988 passa a ser crime. Crime para o qual todo o rigor é conferido. É um crime que não admite fiança para obtenção da liberdade provisória, tampouco admite que a prescrição seja causa extintiva da punibilidade. A tortura vem também da decorrência da CF, na medida que a CF prevê sua punição. Crime também inafiançável, insuscetível de graça ou anistia. E que pela tortura devem responder os mandantes, os executores e os que podendo evitar, se omitiram. Tardamos, uma vez mais, mais de 400 anos para punir tais atos.
O ECA, o Estatuto do Idoso, a lei que reconhece como mortos os desaparecidos políticos, prevendo indenização a seus familiares, a Lei Maria da Penha -> decorrem da CF. 
O pós 1988 é marcado por leis cruciais na proteção dos DH. A CF reinventa o marco normativo afeto dos DH, impulsionando avanços notáveis, no âmbito internacional. Brasil ratificando os principais tratados e no âmbito doméstico, brasil adotando marcos jurídico cruciais para o trato dos DH.
Vejam, não bastando isso, a CF empresta ênfase extraordinária a proteção dos DH. E eu trago aqui cinco argumentos. 
1) Topografia Constitucional – se nós tivéssemos as CF anteriores empilhadas, e fizéssemos o exercício de observar o sumario de cada uma delas, observaríamos que é a primeira que prioriza direitos e garantias, para num segundo momento tratar do estado e da sua organização e da organização dos poderes. Portanto, há uma mudança topográfica e geográfica constitucional. Os textos anteriores primeiro tratavam do Estado, para só depois tratar dos direitos e garantias. Tomo como exemplo a carta de 1967 que apenas no artigo 153 contemplava direitos e garantias individuais. Ao passo que a nossa traz direitos e garantias fundamentais já nos artigos 5º a 17. Então essa mudança de topografia constitucional dialoga com o que o Bobbio fala “há diversas maneiras de se entender o mundo, lentes, perspectivas. Há a perspectiva ex part principis, que vê o mundo pelo olhar do príncipe. É o olhar estadocêntrico, que enfatiza os deveres dos súditos. E há uma outra lente, que é a lente ex part Populi, que vê o mundo a partir o olhar da cidadania, que não foca mais nos deveres súditos e, sim, nos direitos dos cidadãos. Então há uma mudança de paradigma aqui, que eu creio que é espelhada pela nova geografia constitucional.
2) Artigo 1º, inciso III, da CF – que consagra como princípio fundamental do estado democrático do direito a dignidade humana. Até então, todos os estudos feitos acerca da dignidade humana estavam ali concentrados numa visão jus naturalista. É como se houvesse esse anseio por justiça, algo abstrato. Mas a CF veicula pela porta do positivismo jurídico a proteção a dignidade da pessoa humana. A própria ideia de princípios até 1988 estava alocada no CC na lei de introdução ao código civil que foi revogada, que dizia apenas assim “na omissão da lei, o interprete há que se valer de outras fontes, entre elas o costume, analogia, princípios gerais do direito, jurisprudência”. Conclusão: até 1988, a ideia deprincípios estava aterrizada no direito privada, na lei de introdução ao código civil e os princípios eram apenas fontes secundarias da ordem jurídica. Qual é a inovação? A partir de 1988, de fontes secundarias e supletivas, os princípios passam a ser fonte primária, com grande fundamentalidade. Não há como interpretar a carta de 1988 sem aqui extrair sua principiologia, nós temos que captar a racionalidade, a ideologia da CF de 1988, seus valores, para então compreender o texto de 1988. Portanto, temos aí a dignidade humana como vetor central, princípio fundamental do estado democrático de direito, como seu alicerce. Então aqui se diz no artigo 1º, que a República Federativa do Brasil constitui se em estado democrático de direito e tem como fundamentos, e aí temos aí: a dignidade da pessoa humana. 
3) Cláusula pétrea -> artigo 60, § 4º, IV -> é a primeira vez que uma constituição brasileira petrifica direitos e garantias individuais. Vejam que na CF de 1967, petrificados eram a federação e a república. Com a carta de 1988, nós temos de transformador: a CF petrifica os direitos e garantias individuais. Então aqui gostaria de realçar a importância dessa cláusula. Não poderão ocorrer limitações, restrições, no que se refere aos direitos e garantias. Qualquer alteração só pode ser acolhida no sentido de alongar, fortalecer, aprimorar, expandir o grau de proteção dos direitos e das garantias.
4) Ampliação de direitos e garantias -> A CF de 1988 passa a contemplar novos direitos. Novos direitos jamais vistos no constitucionalismo brasileiro até então. Eu citaria, por exemplo, o direito a celeridade processual – razoável duração do processo. No campo dos direitos sociais: o direito à moradia, alimentação, transporte. Também devo salientar no campo das garantias, chegamos em 1988 com três delas: habeas corpus, mandado de segurança e ação popular. Saímos de 1988 com o dobro: habeas data, mandado de injunção, mandado de segurança coletivo, objeto da ação popular foi alargado, tal como ainda o objeto da ação civil pública. Então, a carta de 1988 estende, amplia direitos e garantias.
5) Princípio da prevalência dos DH => artigo 4º, inciso II. Pela primeira vez na história constitucional, o texto consagra princípios a reger o brasil no âmbito internacional. Quando o Império se formava e nós adotamos a primeira CF que foi outorgada, qual era a preocupação do brasil que se formava? A preocupação com a independência nacional, soberania, igualdade entre os estados, com a não intervenção. Ou seja, nos nascíamos e estávamos em processo de formação do estado nacional e isso refletia nos princípios peculiares que regiam o Brasil no âmbito internacional. Eis que com a CF de 1891, adotamos o regime republicano. E com ele veio um outro ingrediente, que impactou a política internacional brasileira: a vocação pacifista, a defesa da paz. Ou seja, aqui também preocupação com a solução pacífica das controversas. O que ocorre em 1988? Inovações incríveis do artigo 4º: inciso II, VII, IX, X. O princípio da prevalência dos DH desponta como princípio orientador do brasil no âmbito internacional.
PONTO 2 – CONSTITUICAO DE 1988 E TRATADOS DE PROTEÇÃO DOS DH
Artigo 5º, § 2º - clausula de abertura constitucional
O que é uma cláusula de abertura constitucional? Como nós vamos trazer no ponto 3 sobre a emergência de um novo paradigma jurídico. Nós vivemos um momento em que emergem processos, como, por exemplo, o da internacionalização do direito constitucional, da constitucionalização do direito internacional, o da humanização do direito internacional, o da internacionalização dos DH. São processos abertos, dinâmicos, multifacetados, complexos, que impactam o paradigma jurídico tradicional. Então nós vamos ai fechar aqui mais adiante com essa reflexão.
Mas eu já lanço essa argumentação. As CF latino-americanas carregam clausulas de abertura, elas dialogam com o processo de internacionalização dos DH. Como já trouxemos no bloco anterior, a luz da teoria geral do s DH, há um direito internacional pré e pós 1945. O pós 1945, em razão das duas guerras, isso acaba nutrindo a formação de uma arquitetura protetiva internacional dos DH, projetando os DH a tema de legítimo interesse da comunidade internacional. Com a adoção da Declaração Universal de 1948, com a adoção dos pactos da ONU em matéria de direitos civis e políticos e DESC, e com as mais diversas convenções e objetos. Combate a tortura, ao racismo, proteção dos direitos humanos das crianças, mulheres, pessoas com deficiência.
O fato é que as constituições contemporâneas contemplam clausulas de abertura permitem o diálogo entre o direito interno e o processo de internacionalização dos DH. A nossa cláusula de abertura está no artigo 5º, §2º, quando a CF nos diz que os direitos e garantias expressos nessa CF não excluem outros. Indaga-se, quais outros? os direitos decorrentes do regime dos princípios que ela adota oi dos tratados internacionais que o Brasil for parte.
Então, vejam, o §2º, na qualidade de cláusula de abertura, no meu entendimento, estabelece três categorias de direitos:
1) expressos na CF, estampadas, escritos, explicitados;
2) implícitos, que decorrem do regime ou dos princípios que o texto adota;
3) Direitos internacionais, que são aqueles enunciados nos tratados dos quais o Brasil é parte
Na tese de Flavia Piovesan, a luz do artigo 5º, §2º, a CF estaria a emprestar aos tratados de DH uma hierarquia constitucional. Ao passo que aos tratados tradicionais, como os comerciais de exportação, esses tratados não seriam alcançados pelo artigo 5º, §2º, teriam hierarquia infraconstitucional. E esse regime jurídico misto ainda envolveria o tema da aplicação, porque, entendo eu, a luz do artigo 5º, §1º, a CF estabelece o princípio da aplicabilidade imediata de todas as normas que veiculem direitos e garantias. Portanto, há um “warning”, ali do texto, para que toda e qualquer normatividade a respeito de direitos e garantias tenha aplicação imediata. E aí, defendo eu, que isso permitiria, no regime jurídico misto, a incorporação automática dos tratados de DH. Ou seja, após a ratificação, ele já operaria efeitos no âmbito doméstico.
Então aqui, tomo a liberdade de sintetizar esta minha teoria do regime jurídico misto. Qual é a síntese? O regime jurídico misto afirmaria que os tratados de DH teriam hierarquia constitucional e incorporação automática, com fundamento artigo 5º, §1 e §2º, ao passo que os tratados tradicionais, de cunho comercial, teriam hierarquia constitucional, senão infraconstitucional e tampouco teriam incorporação automática. Porque os §1 e §2º só se referem e só alcançam os tratados de DH e não os tratados de exportação de laranja, abacaxi ou abacate
Então vejam, esse é um tema que divide o STF. A jurisprudência do STF a respeito desse tema tem sido oscilante. O RE 80004/1977 -> nesse recurso extraordinário o STF lança a tese da paridade hierárquica entre tratado e lei federal. Qual era o caso referente ao RE 80004/1977? Vejam, era um caso que envolvia matéria comercial. O Brasil era parte da convenção de Viena sobre notas promissórias e letras de câmbio. O presidente expede um Decreto-lei a posteriori, conflitante com a convenção, e este conflito chega em grau de RE ao STF. A pergunta é: STF, o que merece prevalecer? O tratado ratificado antes ou o Decreto-lei expedido depois, na medida em que conflitam? O STF, em votação não unanime, acolheu a tese da paridade hierárquica. Entendeu que tratado e lei estão em pé de igualdade, em termos hierárquicos. E se assim o é, norma posterior revoga anterior com ela incompatível. De modo que, a que veio depois, foi justamente o Decreto-lei confere prevalência ao Decreto-lei, para perplexidade geral dos internacionalistas, por alguns argumentos: 
No direito internacional a convenção de Viena sobre o direito dos tratados e há uma regrinha básica: pacta sunt servanda. O pactuado deve ser cumprido de boa-fé. Portanto, o jogo é simples. No livre e pleno exercício de sua soberania, um Estado ratifica um tratado, contraiobrigações jurídico-vinculantes e deve cumpri-lo de boa-fé. Portanto, este é o regramento básico e o que foi estarrecedor para a cultura internacionalista do Brasil, quando se depara com este julgamento do STF de 1977 foi perceber que suprema corte do país estava dando primazia a um ilícito internacional. Mas nós poderíamos ponderar, 1977, ditadura, CF de 1967, matéria comercial, eu imaginava que bastava a CF de 1988, que a sua promulgação de imediato causará uma mudança na jurisprudência do STF. Qual não foi a minha desilusão quando o STF corroborou este entendimento a luz da CF 1988 por década, até 2008. Apenas 20 anos da promulgação da CF de 1988 é que vem o julgamento do RE 466343/2008. O tema aqui é DH. Qual foi o olhar do supremo nesse RE? O tema aqui era a prisão civil do depositário infiel e vejam, o artigo 5º da CF prevê que a regra é a proibição da prisão civil, salvo duas exceções: devedor de alimentos e o caso do depositário infiel. A regra civilizatória a proibição de prisão por dívida. Ninguém deve pagar com sua liberdade uma dívida civilmente contraída, salvo na hipótese de alimentos. E isso tem sido a ótica internacional. E o que ocorre? O Brasil adota a CF 88 e em 1992 ratifica a convenção americana, que proíbe a prisão civil por dívidas e não traz a exceção da prisão civil do depositário infiel. Então o tema era como fica a prisão civil do depositário fiel. Depois de muitos debates, qual foi a visão do STF?
Então vejam, o RE 466343/2008 expos ao STF a seguinte polemica. Eu começaria pelos consensos e depois dissensos. O primeiro consenso foi, ora, com relação aos tratados de DH, nós temos que lidar com o artigo 5º, §2º. Aqui é uma clausula constitucional de abertura, a CF estabelece que os direitos e garantia expressos nesta CF não excluem outros, decorrentes do regime ou dos princípios que ela adota ou dos tratados internacionais dos quais o Brasil seja parte, de modo que não há como ignorar essa clausula de abertura. Não há como ignorar que a CF de 1988 se abre por essa cláusula ao processo de internacionalização dos DH. Então essa foi a primeira visão. E se assim o é, os ministros, de forma consensual, concordaram que a tese da paridade hierárquica entre tratado e lei não poderiam incidir nos tratados de DH. Então houve um consenso de que a jurisprudência do 80004/1977 não se aplica aos tratados de DH. Por quê? Porque eles têm o regime jurídico especial e privilegiado. E que regime jurídico especial e privilegiado seria esse? E eu até escrevi um artigo sobre esse tema: entre o trapézio e a pirâmide.
 A maioria do STF teve a visão piramidal e a minoria a visão trapezial. Como o julgamento foi em 2008, nós temos a esperança de que o trapézio possa se colocar como tese majoritária do STF. Na visão piramidal, liderada pelo ministro Gilmar mendes: 
Isto é, os tratados de DH teriam hierarquia infraconstitucional, mas supralegal, isto é, estariam abaixo da CF, mas acima das leis.
 CF + Tratados
Na visão minoritária, liderada pelo ministro Celso de Melo, temos: 
Ou seja, na visão trapezial, as leis estão aqui embaixo.
 CF e os tratados estão em pé de igualdade no ápice deste trapézio.
De modo que os parâmetros constitucionais devem ser somar aos parâmetros convencionais, internacionais. 
Qual é a boa nova? Seja na visão trapezial ou piramidal, inaugura-se um novo tema no direito brasileiro e esse tema e o controle de convencionalidade. Isto é, na visão piramidal, vejam vocês, ainda que os tratados de DH não tenham patamar constitucional, eles estão acima das leis. A consequência jurídica é que toda e qualquer lei há de ser interpretada a luz dos parâmetros constitucionais, mas também a luz dos parâmetros internacionais. Na visão trapezial, idem, a CF se alia aos tratados internacionais e sua jurisprudência. E qualquer hermenêutica, qualquer aventura e desafio hermenêutico, há de contemplar não só o controle de constitucionalidade, mas o controle de convencionaldiade. E assim eu encerro trazendo o ponto 3. Nós vamos fechar essa primeira parte da aula, aludindo a emergência de um novo paradigma jurídico. E aqui eu gostaria de aludir a um trabalho que apresentei na Alemanha há alguns anos. Claro que há várias visões sobre o que está acontecendo. O que defendo nesse artigo? Que existe um novo paradigma a nortear a cultura jurídica latino americana, no qual, aos parâmetros constitucionais somam-se os parâmetros convencionais, na composição de um trapézio aberto ao diálogo, aos empréstimos, a interdisciplinaridade, a ressignificar o fenômeno jurídico sob a inspiração do chamado human rights approach. Esse artigo tece a seguinte tese: eu digo aqui que, por mais de um século, a cultura jurídica latino americana tem adotado um paradigma jurídico fundado em três caraterísticas essenciais. Primeira característica é a pirâmide, com a CF no ápice da ordem jurídica, tendo como maior referencial teórico Hans Kelsen, na afirmação de um sistema jurídico endógeno e autorreferencial. Eu aqui tomo a liberdade de lembrar que Hans Kelsen tem sido equivocadamente interpretado na américa latina, já que sua doutrina defende o monismo com a primazia do direito internacional. Nesta visão piramidal, há o hermetismo de um direito purificado. A luz da teoria pura do direito, o direito deve se purificar dos elementos que lhes sejam estranhos. Portanto, há um hermetismo do direito purificado com ênfase apenas no ângulo interno da ordem jurídica, na dimensão estritamente normativa, mediante um dogmatismo jurídico afastar elementos considerados impuros do direito. E eu diria ainda que, nessa lente, vige o chamado “state approach”. Nesta lente, nós dialogamos com Bobbio e justamente vigora aqui, a lente ex part principi, radicada no Estado e nos deveres dos súditos, ou seja, os conceitos estruturais e fundantes aqui são a soberania do Estado no âmbito externo e a segurança nacional, no âmbito interno.
Entendo que esse paradigma do passado sofre um declínio, uma crise. E aí surgem vozes, leituras e propostas. De modo que, com toda humildade, divido com vocês uma possiblidade, uma resposta para essa crise paradigmática. Entendo eu que estamos transitando para um outro paradigma, em que o antigo já se foi e o novo esta por emergir. E aqui, entendo eu, que o novo paradigma a guiar a cultura jurídico latino americana, por sua vez, adota tres outras características essenciais. Temos aqui um trapézio poroso. Nesse trapézio poroso, temos, no ápice, a CF e os trados de DH e todas a jurisprudência protetiva internacional. Não só os tratados secamente falando, mas todo o repertorio jurisprudencial. Vejam, aqui há o repúdio a um sistema jurídico endógeno e autorreferencial.
Eu queria lembrar a vocês, já disse da clausula de abertura da nossa CF. mas se nós formos a nossa região, nós vamos encontrar na Argentina, a constituição, que após a reforma de 1994, no seu artigo 75, §22, estabelece que os tratados de DH tem hierarquia constitucional, complementando direitos e garantias constitucionalmente previstos. Se nós tomarmos, por exemplo, uma decisão da corte constitucional do Peru em 2005, também há ali o endosso a hierarquia constitucional dos tratados de DH. A constituição da Colômbia de 1991, reformada em 1997, no seu artigo 93 prevê a hierarquia especial dos tratados de DH. Equador, Bolívia, México também estabelecem não só hierarquia constitucional dos tratados de DH, a sua incorporação automática e a intepretação pro persona. 
Portanto, o que observo é que há diversas clausulas de abertura, com maior ou menor grau de refinamento. A nossa falou pouco, mas é uma cláusula construída a seu tempo. Que a seu tempo foi visionaria. E que demanda cabeças visionarias para potencializar a sua efetividade.
No trapézio poroso, o direito passa a ser “impuro”: diálogo interno e externo. Há permeabilidade do direito, mediante diálogo entre jurisdições, empréstimos constitucionais, interdisciplinaridade,e diálogo do direito com outros saberes e outros atores.
Eu tomo um indicador aqui: audiências públicas. Parece que elas sempre fizeram parte do nosso panorama constitucional. Em 2007, o STF convocou a primeira audiência pública. O tema era, aquela época, o uso de células tronco para pesquisa cientifica. E o STF decidiu ampliar o debate, ou seja, saiu do âmbito estritamente normativo para ressignificar o programa normativo constitucional a luz das pontes dialógicas, com outros saberes e outros atores. 
E finalmente transitamos do state approach para o human rights approach. Então aqui temos essa transição paradigmática. No human rights approach, temos um prisma que abarca, não mais uma soberania absoluta do Estado e sim uma soberania popular. E não mais a segurança nacional, senão a segurança cidadã, no âmbito interno. Tendo como fonte, dialogando uma vez mais dialogando com Bobbio, não mais a lente ex parte principi, mas a lente ex part Populi, radicada na cidadania, do direito dos cidadãos, na expressão de Bobbio.
Com isso, gostaria de fechar esse segundo modulo, em que trabalhamos o tema da constitucionalização dos DH, percorrendo como a CF de 1988 protege os DH, como a carta de 1988 recepciona os tratados de proteção dos DH e de que maneira há a emergência de um novo paradigma jurídico, que é capaz de transitar da pirâmide ao trapézio, de um direito puro para um direito impuro, que dialoga a esfera interna com outros saberes e outros atores e que é capaz ainda de permitir a transição do state approach para o human rights approach, tendo na dignidade humana a centralidade desse novo paradigma jurídico. 
Voltamos com o tema da internacionalização dos DH.
INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DH
Três serão as nossas preocupações centrais.
Em um primeiro momento, uma noção introdutória do que eu chamo de sistema jurídico multinível. Vamos entender o que é esse sistema. Em um segundo momento, vamos nos concentrar no sistema interamericano de proteção dos DH. E vamos fechar nossa aula com o impacto transformador do sistema interamericano.
Então, vejam, o que é o sistema jurídico multinível? Nós vamos defender que a proteção dos DH hoje se dá em três esferas. Então até aqui vou ampliar para que fique mais claro e mais visível.
Então no campo introdutório nós estamos tecendo essa tese, essa afirmação. Que a proteção dos DH hoje, no século XXI, se dá a luz do sistema jurídico multinível. O que significa dizer que a proteção dos DH se dá no âmbito global, regional e local/nacional. E a luz do nosso trapézio poroso, permeável aos debates, conversas, interações, incidências mutuas e reciprocas, cada qual dessas esferas, vejam, eu aqui pontilho para justamente apontar a permeabilidade dessas esferas e os seus diálogos, interações e impactos mútuos e recíprocos, lembrando que a fonte aqui inspiradora é o vetor, valor central da dignidade humana.
Então, eu creio que todos os assuntos hoje contemporâneos mereceriam esse olhar. Por exemplo, quem vai tratar do tema do direito ao meio ambiente há de tratar a luz da lente brasileira, avaliando quais são as nossas instituições, as nossas respostas, as nossas leis, a proteção constitucional. Avaliar as ordens regionais e também os compromissos globais. 
Quem vai tratar hoje, por exemplo, do direito penal, há toda uma ótica do direito penal internacional. Quem vai examinar o tema da corrupção, cada vez mais transnacionalizada. O tema da mobilidade humana, o tema da internet, o tema da COVID 19. Cada vez mais temas globais, desafios globais demandam respostas globais. Então, é assim que eu vejo o estudo, a pesquisa, o ensino do direito no século XXI, um ensino capaz de ter essa visão holística, que aproxime a ordem internacional e a ordem interna. Não mais ordens muradas, cada qual no seu gueto, mas ordens que dialogam, interagem, que impactam, que tenham influência mútua e recíproca. 
Vejam, vocês, no âmbito dos DH, nós temos no âmbito global, as Nações Unidas. E é justamente essa organização criada no pós guerra, em 1945, que tem com um dos seus propósitos, além de promover a paz e a segurança internacional, promover a cooperação no campo social e econômico, a ONU também tem como ambição promover os DH no âmbito universal. E com isso a ONU tem cada vez mais gerado tratados, instrumentos protetivos internacionais. Então aqui afirmamos que a ONU fomenta o chamado sistema global de proteção dos DH. Há tratados que são ratificados, como é o caso da convenção da criança, por mais de 190 Estados partes. Vejam, a convenção sobre a eliminação da discriminação racial, convenção sobre a eliminação da discriminação contra a mulher. Então nós temos no âmbito do sistema global, tratados de alcance geral, que são destinados a toda e qualquer pessoa, independentemente da sua raça, etnia, diversidade sexual, gênero, idade. E há tratados que respondem e protegem grupos e pessoas em situação de vulnerabilidade. 
Então temos a proteção geral e a proteção especial no âmbito do sistema global. Mais uma vez eu rememoro ao nosso primeiro diálogo. A ONU nasce, tal como a Declaração Universal, em resposta a barbárie totalitária. Então na medida que os DH, dialogando com Hanna Arendt, se veem rechaçados pela lógica da destruição humana, da barbárie totalitária do nazismo, e há toda esperança da reconstrução desses direitos no pós guerra. Aí temos a ONU criada em 1945, a Declaração adotada em 1948, temos a convenção para prevenção e repressão do crime de genocídio e temos cada vez mais o DH projetados a arena internacional. Temos o processo de internacionalização dos DH, como tema de legítimo interesse da comunidade internacional.
Por sua vez, claro, isso vai acabar impactando a nossa clássica de soberania do estado. Porque aqui, se nós fizemos uma revisão da literatura, o que é soberania do estado, quem escreveu sobre o tema? Nós veremos que uma das vozes mais ecoadas é a voz de Jean Bodin, que dizia “o soberano tem poder supremo, maior e poderoso”. Ou seja, frente ao qual todos e demais poderes se curvam. É a ideia da soberania absoluta do estado, que, ao seu tempo, serviu para formar os estados nacionais. O que ocorre hoje? Cada vez mais, alguns dizem, há flexibilização da soberania; outros dizem: há relativização da soberania; outros atentam: a soberania tinha como titular o Estado, agora é o povo. Saímos da soberania absoluta do estado e caminhamos para a soberania popular. Há muitas visões. 
Bevenutti: a soberania do passado é como se imaginássemos latifúndios, com muros e cercas. Hoje nós temos um grande edifício, com apartamentos de diferentes tamanhos, mas com áreas comuns, onde as pessoas deliberam sobre esses espaços. Cada vez mais temos a soberania compartilhada, com o fortalecimento do multilateralismo, o locus decisório é deslocado para a arena global.
Então nós temos todo esse processo de internacionalização dos DH, que enseja a flexibilização ou a reconceptualização da ideia de soberania do estado. E mais do que isso, cada vez mais, e essa é a minha visão, se consolida o indivíduo como sujeito do direito internacional, como nós vamos trazer. 
Nos sistemas regionais, nós temos o processo de regionalização, e daí nascem os sistemas regionais. Vejam, sistemas regionais, temos de maneira consolidada, no âmbito da Europa, américa e África. Sistema regional europeu, interamericano e africano, cada qual com sua história, travessia, identidade, institucionalidade, gramática de DH, atores.
Cada região foi criando o seu sistema regional próprio, a partir de suas lutas por direito e por justiça. Com menor ou maior institucionalidade. Cada região tem sua agenda de direitos. A agenda europeia é muito diferente da africana, que, por sua vez, é muito diferente da interamericana.
A regionalização ainda é muito tímida. Nós temos dois países no mundo, Índia e China, que juntos equivalem a um terço da população mundial. E não há ainda, de forma consolidada, um sistema asiático de proteção dos DH. Até há uma luta, um empenho grande de ONGs, que clamam pela criação de um sistema asiático de proteção dos DH,

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