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Conteúdo: INTRODUÇÃO AO SERVIÇO SOCIAL Vanessa Azevedo Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094 I61 Introdução ao serviço social [recurso eletrônico] / Michele Clos ... [et al.] ; [revisão técnica: Marcia Paul Waquil]. – Porto Alegre : SAGAH, 2017. Editado como livro impresso em 2017. ISBN 978-85-9502-133-4 1. Serviço social. I. Clos, Michele. CDU 364 Revisão técnica: Marcia Paul Waquil Assistente Social (PUCRS) Mestre em Educação (PUCRS) Doutora em Educação (UFRGS) A cultura pro� ssional Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identi� car a in� uência da cultura de caridade no trabalho pro� ssional. Reconhecer a in� uência do conservadorismo no trabalho pro� ssional. Discutir a in� uência da teoria social crítica sobre o trabalho pro� ssional. Introdução Neste texto, você vai estudar a cultura profissional do serviço social. Principalmente sobre a influência da cultura da caridade, que ainda é associada à identidade do assistente social, bem como a influência do conservadorismo histórico relacionado às ações do profissional de serviço social e a importância da influência da teoria social crítica na compreensão da sociedade sobre a intervenção do serviço social na atual realidade. A cultura de caridade no trabalho profissional A cultura da caridade acompanha o serviço social desde o início da profi ssão. Para entender as raízes dessa cultura, é preciso que você conheça os quatro principais fatores que constituíram essa cultura que ainda é muito presente nas atividades do profi ssional de serviço social: A origem do serviço social: a cultura da caridade desenvolvida no serviço social é atribuída à sua gênese. Segundo Sposati (2008), após a chamada crise mundial do capital, o Estado teve de se reposicionar diante da sociedade, o que o fez repensar também as condições da força de trabalho. Foi nesse momento que surgiu a necessidade de um profissional para responder às tensões sociais da época. A influência da Igreja: o serviço social tem seus laços com a Igreja católica, visto que a profissão surgiu a partir da intervenção religiosa cuja missão social era impor a paz política e fazer caridade aos mais necessitados (ESTEVÃO, 2007). Identidade atribuída: os assistentes sociais têm sua identidade as- sociada a um profissional que ajuda, que auxilia, que dá assistência (YAZBEK, 2009), não levando em conta os novos processos e proce- dimentos que envolvem o perfil profissional dos assistentes sociais. Na atualidade, o profissional do serviço social desempenha um papel de mediação entre sociedade e Estado. O vínculo da política de assistência social com as primeiras damas do estado: outro fator relacionado à cultura da caridade é o fato de a assistência social ter sido atribuída às primeiras damas do Estado após a constitucionalização política do serviço social. Quando a LBA (Legião Brasileira de Assistência) iniciou seus trabalhos em 1942, a assistência começou a ser realizada pelas primeiras damas dos soldados da Segunda Guerra Mundial, e posteriormente a assistência social passou a ser voltada para a população mais pobre e a envolver ações pontuais, como ajuda financeira e material (SANTOS, 2013). Figura 1. Sistematização da cultura da caridade. A in�uência da Igreja Identidade atribuída O vínculo da política de assistência social com as primeiras damas do estado A origem do serviço social Cultura da caridade A partir desses quatro fatores, você pôde conhecer as raízes da cultura da caridade, frequentemente associada às atividades da profissão do serviço A cultura profissional2 social. As práticas assistencialistas ainda se assemelham à caridade, como, por exemplo, ações de doação de agasalhos e de alimentos que são promovidas não somente por assistentes sociais, mas por entidades que se vinculam à política de assistência. Um forte exemplo da cultura da caridade ainda presente no serviço social, gira em torno das campanhas do agasalho às quais os assistentes sociais são chamados a contribuir com a organização, arrecadação e distribuição dos donativos as populações mais vulneráveis. Fonte: SpeedKingz / Shutterstock.com Na origem da profissão, as ações dos assistentes sociais foram associadas à caridade. Com o decorrer do tempo, e após mudanças teóricas da profissão, os assistentes sociais passaram a trabalhar na busca da garantia dos direitos da classe trabalhadora, tendo como foco: liberdade, expansão dos direitos sociais, emancipação da classe trabalhadora, equidade, justiça social, defesa dos direitos humanos, entre outros. 3A cultura profissional A influência do conservadorismo no trabalho profissional O conservadorismo foi arraigado ao serviço social brasileiro principalmente a partir do intercâmbio de conhecimento (década de 1940) com o serviço social norte-americano, fundamentado em uma proposta de trabalho “[...] permeada pelo caráter conservador da teoria social positivista [...]” (YAZBEK, 2009, p. 151). A aproximação com a teoria positivista deu ao serviço social um suporte teórico-metodológico. Essa perspectiva teórica analítica positivista abordou as relações sociais no campo do imediatismo. O positivismo trabalha com as relações aparentes dos fatos; considera o contexto individual e ignora o contexto abrangente (YAZBEK, 2009). Do ponto de vista positivista, a questão social é compreendida como um “[...] problema social, fato social, fenômeno social desvinculado da forma com que a sociedade produz e reproduz as relações sociais [...]” (BEHRING, 2009, p. 318). É nesse contexto que se dá o que Iamamoto (1992) define como arranjo teórico doutrinário, que nada mais é do que a união do discurso humanista cristão, já concebido pela profissão em sua gênese, e o aporte teórico positivista. O serviço social nunca deixou de ter uma raiz conservadora, pois foi voltado para a manutenção do status quo, que reproduz intervenções conservadoras como: a focalização, seletividade, o assistencialismo e o próprio fortalecimento do capital. O conservadorismo como forma de pensamento e experiência prática é resultado de um contramovimento aos avanços da modernidade e, nesse sentido, suas reações são restauradoras e preservadoras, particularmente de ordem capitalista (YAZBEK, 2009). A cultura profissional4 A influência da teoria social crítica sobre o trabalho profissional Para compreender o processo de reconceituação da profi ssão do assistente social, é importante contextualizar os períodos históricos mais relevantes para o serviço social. Para tanto, este estudo irá começar pela década de 70, o período em que nasceu o movimento de reconceituação. O movimento surgiu no contexto da ditadura militar, a partir da luta pelo resgate da democracia. Os assistentes sociais assumiram as inquietações vividas pela sociedade e, dessa forma, questionaram a ordem vigente. O movimento de reconceituação criticou o serviço social tradicional e repensou o papel de- senvolvido pela profissão no que diz respeito à questão social (NETTO, 2007). Nesse contexto, surgiu um novo posicionamento profissional diante da expansão capitalista vivenciada no país. O novo posicionamento fez repensar as condições da força de trabalho e, assim, analisar a relação existente entre o serviço social e a Igreja. Foi então que surgiram ideias de ruptura com o conservadorismo. Com essa nova posição, os assistentes sociais buscavam uma revisão te- órica, metodológica, operativa e política para a profissão, tendo como base a teoria social crítica de Marx. A partir disso, os assistentes sociais passaram a direcionar seu compromisso profissional para o projeto societário voltado para as classes subalternas, distanciando-se da perspectiva positivista que a profissão sustentava historicamente (SANTOS, 2013). No entanto, era peculiar da ditadura intervir nas atividades profissionais do serviço social,e foi com essas intervenções que muitos assistentes so- ciais acabaram se posicionando de forma acrítica e despolitizada, agindo em consonância com a ação disciplinadora do Estado ditatorial da época. Como consequência, a ação profissional reafirmou o conservadorismo tradicional, adequando-se às exigências da ditadura, que buscava controlar as classes trabalhadoras. Isso caracterizou o maior retrocesso da história do serviço social (SANTOS, 2013). Em 1979, ocorreu em São Paulo o III Congresso Brasileiro de Assis- tentes Sociais com o tema “As Políticas e os Movimentos Populares” que denunciavam os problemas da população. O congresso foi conhecido como congresso da virada, isso porque, depois de anos de interferência militar, foi o primeiro encontro em que não houve a interferência de autoridades do regime, livrando-se assim das amarras da ditadura (ESTEVÃO, 2007). Já na década de 1980, ocorreram a redemocratização e a conquista da constituição cidadã, que proporcionou legalmente políticas públicas a serem 5A cultura profissional desenvolvidas e consolidadas nos anos seguintes como, SUS (sistema único de saúde) e SUAS (sistema único de assistência social). Na década de 1990, o serviço social rompeu com conservadorismo após mudanças na orientação teórica- metodológica da teoria social. A partir de então, o profissional passou a intervir socialmente de acordo o projeto ético- -político profissional, bem como o Código de Ética de 1993. Desse modo, os assistentes sociais passaram a atuar em intervenções ligadas ao compromisso com os valores sociais e à busca pela emancipação da classe trabalhadora (BARROCO, 2008). A influência da teoria social crítica oportunizou aos profissionais do serviço social uma visão crítica de suas responsabilidades, expandindo a visão desses profissionais para além do imediato. E, desse modo, qualificou os assistentes sociais tornando-os capazes de realizar uma leitura crítica da realidade. A cultura profissional6 BARROCO, Maria Lucia Silva. Ética e serviço social: fundamentos ontológicos. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2008 BEHRING, E. Política social no contexto da crise capitalista. In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Serviço social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS, 2009. p. 301-322. ESTEVÃO, A. M. R. O que é serviço social. São Paulo: Brasiliense, 2007. IAMAMOTO, M. V. Renovação e conservadorismo no serviço social: ensaios críticos. São Paulo: Cortez., 1992. NETTO, J. P. La Reconceptualización continúa viva: 40 años después. In: ALAYÓN, N. (Org.). Trabajo social latinoamericano: a 40 años de la reconceptualización. 2. ed. Buenos Aires: Espacio Editorial, 2007. SANTOS. S. N. Serviço social: apropriação da teoria social marxista e formação profis- sional crítica. In: SIMPÓSIO MINEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS, 3., 2013, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: CRESS 6ª Região, 2013. SPOSATI, A. O. Assistência na trajetória das políticas brasileiras: uma questão em análise. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2008. YAZBEK, M. C. Fundamentos históricos e teórico-metodológicos do serviço social. In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Serviço social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS, 2009. v. 1, p. 143-163. 7A cultura profissional Conteúdo: Conteúdo: INTRODUÇÃO AO SERVIÇO SOCIAL Vanessa Azevedo Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094 I61 Introdução ao serviço social [recurso eletrônico] / Michele Clos ... [et al.] ; [revisão técnica: Marcia Paul Waquil]. – Porto Alegre : SAGAH, 2017. Editado como livro impresso em 2017. ISBN 978-85-9502-133-4 1. Serviço social. I. Clos, Michele. CDU 364 Revisão técnica: Marcia Paul Waquil Assistente Social (PUCRS) Mestre em Educação (PUCRS) Doutora em Educação (UFRGS) A formação profissional Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Apontar as Diretrizes Curriculares para o curso de serviço social. Reconhecer os diferentes elementos que compõem a formação pro� ssional. Discutir os desa� os na formação em serviço social na atualidade. Introdução Neste capítulo você vai ver uma análise histórica do desenvolvimento do serviço social como área de estudo, tendo como base as Diretrizes Curriculares do curso. Você também vai conhecer os elementos que compõem a formação profissional do assistente social (isto é, as princi- pais etapas que devem ser superadas na graduação), bem como refletir sobre os desafios a serem enfrentados na atuação em campo após a preparação acadêmica. Diretrizes curriculares do serviço social A formação profi ssional do assistente social teve início no Brasil na década de 1930 com a instituição da primeira Escola de Serviço Social, em 1936, na cidade de São Paulo. O currículo de 1936, para Faleiros (2000, p. 116), “[...] é um currículo fragmentado, centrado no disciplinamento da força de trabalho através dos valores cristãos e controle paramédico e parajurídico”. Com efeito, segundo Sá (1995, p. 78-79), [...] ao se tomar como base as matérias ofertadas naquele momento, percebe-se que eram divididos, segundo os critérios estabelecidos na época, em científicos, teóricos e práticos, traduzidos nas seguintes disci- plinas: Economia, Sociologia, Psicologia, Higiene, Anatomia, Estatística, Direito, Serviço Social, Técnica, Enfermagem, Português, Lógica, Moral, Psicologia dos Anormais, Higiene do Trabalho, Puericultura, Direito do Menor, Psicotécnica.. Este currículo, no entanto, vai se modificando e avançando ao longo da história, acompanhando as inúmeras mudanças na sociedade brasileira. A década de 1970 foi marcada pela crítica e reflexão sobre o Movimento de Reconceituação da profissão. São apontadas como críticas à Reconceituação o ecletismo teórico-metodológico, a ideologização em detrimento da com- preensão teórico-metodológica, a referência a manuais simplificadores do marxismo, e sua reprodução do economicismo e do determinismo histórico. Em contrapartida, a fase reflexiva sobre o Movimento de Reconceituação do Serviço Social proporcionou uma mudança ideológica da profissão, definida pela [...] transformação social no interesse das classes subalternas, criando vínculos com os movimentos sociais e os interesses de uma clientela fundamentalmente proletária (operários, camponeses e setores margi- nalizados) sem voz e sem vez no contexto elitista e autoritário do poder. (FALEIROS, 1997, p. 118). Em 1979, no III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, conhecido como o “Congresso da Virada”, assinala-se o posicionamento ético-político que se transformou em um marco decisivo no compromisso político e cole- tivo da categoria com os setores populares. Assim, a organização política da categoria se explicita na ruptura com o tradicionalismo profissional e no amadurecimento da reflexão de bases marxistas. Sob essa perspectiva, as seguintes reflexões marcaram esse período: a quem vem servindo o profissional do serviço social? Que interesses ele produz? Quais são as possibilidades de estar a serviço dos setores majo- ritários da sociedade? Assim, nos anos finais da década de 1970, em um contexto político-social marcado pela ditadura militar, a categoria dos assistentes sociais sentiu a necessidade premente de colocar em pauta uma revisão curricular. Desse modo, em 1979, a Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social (ABESS) apresentou uma proposta de currículo mínimo, a qual foi aprovada pelo Conselho Federal de Educação em 1982 e implantada no decorrer desse período. O objetivo maior da reforma curricular era promover a integração entre o serviço social e os movimentos sociais, já que a categoria identificava uma A formação profissional 2 certa desvinculação entre esses dois tópicos. Além disso, havia sido lançado um projeto de teoria, metodologia e história do serviço social. Essa nova proposta substituiu a anterior, a qual estabelecia adivisão do serviço social em caso, grupo e comunidade. Portanto, o currículo mínimo de 1982 reformulou o significado social da profissão, considerando a prática do assistente social como uma especialização do trabalho integrado em uma sociedade de classes. A década de 1980 foi marcada pela influência do filósofo marxista italiano Antonio Gramsci, que aparece em várias produções desse período, permitindo uma reinterpretação das possibilidades de ruptura. Essa influência é marcante na elaboração do currículo mínimo do curso de serviço social, assim como na elaboração do Código de Ética profissional de 1986. Antonio Gramsci foi um filósofo marxista, reconhecido principalmente pela sua teoria da hegemonia cultu- ral, que descreve como o Estado usa, nas sociedades ocidentais, as instituições culturais para conservar o poder. Para saber um pouco mais sobre sua vida e atuação, acesse o link ou utilize o código a seguir: <https://goo.gl/0S7mCh> Na década de 1990, as consequências da lógica excludente e destrutiva do capitalismo, aprofundadas no processo de globalização neoliberal, ficaram mais visíveis mundialmente, sobretudo no terceiro mundo. As condições socioeconômicas e ideopolíticas dos anos de 1990 atingiram diretamente a classe trabalhadora, rebatendo duplamente o serviço social: seus agentes são atingidos como cidadãos trabalhadores e também como profissionais viabilizadores de direitos sociais. É nesse contexto que ocorre a XXVIII Convenção Nacional da ABESS, em Londrina (PR), em outubro de 1993, a qual encaminhou a revisão curricular 3A formação profissional do curso de serviço social, que estava em vigor desde 1982. Entre os anos de 1994 e 1996, a categoria profissional continuou as discussões a fim de reavaliar e reformular o currículo mínimo de 1982, para que ele contemplasse os novos desenhos que a conjuntura do país apresentava. Desse modo, em 1995, na XXIX Convenção Nacional da Associação Brasileira de Serviço Social, foi aprovado o documento intitulado Proposta Básica para o Projeto de Formação Profissional. Em 1996, por meio de oficinas realizadas pelas universidades filiadas à ABESS em todo o Brasil, foi elaborado um segundo documento, intitulado Proposta Básica para o Projeto de Formação Profissional: Novos Subsídios para o Debate. Assim, as organizações representativas da profissão, ABESS, ENESSO e CFESS, contando com a colaboração de seus dirigentes e representantes, junto com o grupo de consultores de serviço social e pedagogia, elaboraram a Proposta Nacional de Currículo Mínimo para o curso de Serviço Social. Com base nesta proposta, foi desenvolvido o documento Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social, que ainda hoje orienta a formação dos assistentes sociais. Veja a seguir os pressupostos que nortearam a nova concepção da formação profissional: O Serviço Social se particulariza nas relações de produção e reprodução da vida social como uma profissão interventiva no âmbito da questão social, expressa pelas contradições do desenvolvimento do capitalismo monopolista; A relação do Serviço Social com a questão social – fundamento bá- sico de sua existência – é mediatizada por um conjunto de processos sócio-históricos e teórico-metodológicos constitutivos de seu processo de trabalho; O agravamento da questão social em face das particularidades do processo de reestruturação produtiva no Brasil, nos marcos da ideologia neoliberal, determina uma inflexão no campo profissional do Serviço Social. Essa inflexão é resultante de novas requisições postas pelo re- ordenamento do capital e do trabalho, pela reforma do Estado e pelo movimento de organização das classes trabalhadoras, com amplas re- percussões no mercado profissional de trabalho; A formação profissional 4 O processo de trabalho do Serviço Social é determinado pelas con- figurações estruturais e conjunturais da questão social e pelas formas históricas de seu enfrentamento, permeadas pela ação dos trabalhadores, do capital e do Estado, através das políticas e lutas sociais (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL, 1996, p. 5-6). Constam ainda nesse documento as diretrizes curriculares da formação profissional, que implicam a capacitação teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa para: Apreensão crítica do processo histórico como totalidade; Investigação sobre a formação histórica e os processos sociais con- temporâneos que conformam a sociedade brasileira, no sentido de apreender as particularidades da constituição e desenvolvimento do capitalismo e do Serviço Social no país; Apreensão do signi� cado social da pro� ssão desvelando as possibi- lidades de ações contidas na realidade; Apreensão das demandas – consolidadas e emergentes – postas ao Serviço Social via mercado de trabalho, visando a formular respostas pro� ssionais que potenciem o enfrentamento da questão social, con- siderando as novas articulações entre público e privado; Exercício pro� ssional cumprindo as competências e atribuições previstas na legislação pro� ssional em vigor. En� m, as diretrizes propostas são permanentes construções de conteúdos (teóricos, ético-políticos e culturais) para a intervenção pro� ssional nos processos sociais que estejam organizados de forma dinâmica. A apreensão desses novos pressupostos partiu de um de- bate teórico-metodológico que permite a re� exão crítica do ideário pro� ssional (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL, 1996, p. 6-7). 5A formação profissional Elementos da formação profissional A formação dos assistentes sociais segue as Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social, por meio da Resolução CNE/CES 15, de 13 de março de 2002, e da Resolução nº 2, de 18 de junho de 2007, que orientam a formulação do projeto pedagógico dos cursos. As Diretrizes estabelecem três núcleos de fundamentação, bem como as matérias básicas e as atividades indispensáveis integradoras do currículo. Você vai ver mais detalhes sobre cada um desses tópicos a seguir. 1) Núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social: tem o objetivo de compreender o ser social, situado historicamente na constituição e no desenvolvimento da sociedade burguesa, frente ao seu movimento con- traditório. O trabalho é a categoria fundamental da reprodução da vida social. Essa categoria é tratada como a práxis, pois possui a condição de desenvolver a sociabilidade, a consciência, a universalidade e a capacidade de criar valores, escolhas e novas necessidades e, como tal, desenvolver a liberdade. Na sociedade burguesa, em suas configurações de divisão social do trabalho, propriedade privada, divisão de classes e de saber, relação de exploração e dominação e formas de alienação e resistência, a implicação teórico-meto- Até a segunda metade da década de 1990, a entidade era conhecida como ABESS (Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social), mas, a partir de 1996, passou a utilizar a atual denominação ABEPSS, pois incorporou o Centro de Documentação e Pesquisa em Políticas Sociais (CEDEPSS). Os objetivos dessa fusão foram fortalecer a indissociabilidade entre en- sino, pesquisa e extensão na formação profissional; articular a graduação e a pós-graduação; fortalecer a natureza científica da entidade; dar maior orga- nicidade à pesquisa, o que culminou, em 2010, na criação dos Grupos Temáticos de Pesquisa (GTPs). Para saber mais sobre a ABEPSS, acesse o link ou utilize o código a seguir: <https://goo.gl/nQxewl> A formação profissional 6 dológica reconhece as dimensões culturais, ético-políticas e ideológicas dos processos sociais. “A práxis não tem como objeto somente a matéria; também supõe formas de intera- ção cultural entre os homens. Para transformar a realidade produzindo um mundo histórico-social, os homens interagem entre si e tendem a influir uns sobre os outros, buscando produzir finalidades coletivas. [...] Nesse sentido, a vida social seconstitui a partir de várias formas de práxis, cuja base ontológica primária é dada pela práxis produtiva objetivada pelo trabalho.” (BARROCO, 2001, p. 30). 2) Núcleo de fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade brasileira: tem o objetivo de (re)conhecer a constituição econômica, social, política e cultural da sociedade brasileira, a partir das características históricas próprias que regem a sua formação, e o desenvolvimento rural e urbano em suas diversidades locais e regionais (especialmente no que tange às questões agrárias e agrícolas, elas são vistas como uma característica particular no desenvolvimento do Brasil). Na sociedade capitalista, o objeto de análise desse núcleo é a nova confi- guração do mundo do trabalho e, portanto, a compreensão das relações entre Estado e sociedade. Outra missão deste núcleo é apreender o significado do Serviço Social a partir do seu caráter contraditório e de suas dinâmicas organizacionais e institucionais nas esferas estatais e privadas, bem como os diferentes projetos políticos existentes na sociedade brasileira. Ou seja, o núcleo de fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade brasileira busca a constante análise conjuntural da sociedade. 3) Núcleo dos fundamentos do trabalho profissional: aborda as dimensões constitutivas do trabalho profissional, que são: o objeto (sob o qual incide a ação transformadora); os meios de trabalho (que potencializam a ação humana sobre o objeto); o próprio trabalho (como atividade direcionada a uma finalidade); e o produto do trabalho e suas implicações materiais, ídeo-políticas e econômicas. Apreender o serviço social como especialização do trabalho coletivo e reconhecer o caráter interventivo do assistente social pressupõem a capacitação crítico-analítica das competências teórico-metodológicas, técnico-operativa e 7A formação profissional ético-política. Essas competências permitem ao profissional colocar-se diante das situações, vislumbrando com clareza os projetos societários em questão, seus vínculos de classe e seu próprio processo de trabalho. Matérias básicas As matérias básicas se dividem em disciplinas, seminários temáticos, ofi cinas/ laboratórios, atividades complementares e outros componentes curriculares, que tenham articulação mais orgânica entre os elementos investigativo, analí- tico, produtor de conhecimento e propositivo, e materializem-se nos processos de trabalho constitutivos do agir profi ssional. Veja no quadro a seguir as matérias básicas propostas pelas Diretrizes Curriculares. Fonte: Faleiros (2000). Sociologia Ciência política Filosofia Economia política Psicologia Direito Antropologia Política social Formação sócio- histórica do Brasil Acumulação capitalista e desigualdades sociais Fundamentos históricos e teórico- metodológicos do serviço social Processo de trabalho do serviço social Pesquisa em serviço social Administração e planejamento em serviço social Ética profissional Quadro 1. Matérias básicas do currículo do curso de serviço social. Atividades integradoras do currículo Estágio supervisionado O estágio supervisionado é desenvolvido durante o período letivo, com o objetivo de capacitar o aluno ao exercício da profi ssão. Essa etapa pressupõe A formação profissional 8 a supervisão sistemática desse aluno pelo professor orientador acadêmico e pelo assistente social do campo de estágio, o supervisor de campo. Deve ser elaborado um plano de estágio envolvendo a academia, o campo e o aluno. Este planejamento terá de utilizar como referência a Lei de Regulamentação da Profi ssão e o seu Código de Ética. Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) Este é o momento de síntese e expressão da totalidade da formação profi ssional, preferencialmente a partir da prática de estágio. O TCC nada mais é do que uma monografi a elaborada sob a orientação de um professor e avaliada por uma banca examinadora. Esse trabalho é indispensável para a obtenção da aprovação no curso de serviço social. Desafios na formação do assistente social São muitos os desafi os na formação profi ssional do assistente social, partindo das transformações em curso no cenário nacional que apontam para a neces- sidade de reforma do aparelho do Estado, tendo como princípio a busca pela efi ciência na gestão das políticas públicas, na articulação e no equilíbrio do desenvolvimento econômico e social com foco no cidadão. Sob essa perspec- tiva, o curso de serviço social está inserido a fi m de capacitar e qualifi car os futuros profi ssionais. Para tanto, o Estado brasileiro precisa ampliar sua interlocução com a sociedade, incluindo, nas políticas públicas, as proposições que dela emergem. E, é frente aos novos paradigmas de proteção social, cidadania e de enfren- tamento da exclusão social, que as proposições emergentes da sociedade, no atual momento histórico, se revestem de caráter transformador. Os direitos sociais contidos na Constituição Federal de 1988 e demais leis sociais posteriores (Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS, Estatuto da Criança e do Adolescente, Política Nacional do Idoso, entre outras) são aspi- rações sociais consolidadas, expressões bem-acabadas do quanto avançamos em termos de uma cidadania estendida. Sob esse enfoque, destacam-se os avanços introduzidos na política de Assistência Social, que passou a integrar a Seguridade Social em 1988, para pessoas ou grupos que se encontram em estado permanente ou temporário de vulnerabilidade social, em razão de privação econômica ou de outros fatores de vulnerabilidade. 9A formação profissional A política de Assistência Social, área privilegiada de atuação dos assistentes sociais, com a elaboração da Política Nacional de Assistência Social, se reveste de importância ímpar a fim de preparar diretrizes que nortearão as ações profissionais. Ao estabelecer princípios, objetivos, diretrizes e estratégias de ação, a Política de Assistência Social parte do pressuposto de que seus destinatários saem da condição de assistidos para a de cidadãos de direito, adotando estratégias de gestão calcadas no princípio de descentralização político-administrativa e buscando a participação por meio de organizações representativas, com perspectivas de visibilidade ao controle social e eman- cipação do indivíduo. Estas ações precisam ser pautadas pela interdisciplinaridade, um grande desafio à formação em serviço social, que tem se mostrado como um campo fértil para a superação de uma prática fragmentada e excludente. Os profissio- nais das políticas sociais, em vez de tentarem solucionar todos os problemas da população usuária como se eles fossem “gênios da lâmpada mágica” (afinal, nenhuma profissão por si só tem o poder de contemplar todos os problemas e as soluções decorrentes da complexidade societária estabelecida), devem, sim, unir esforços em prol da inclusão social dos usuários das políticas públicas. Contudo, a mera união do indivíduo com um trabalho em comum não estabelece uma equipe interdisciplinar, ou seja, a fórmula simples de so- matória de individualidades ou de sujeitos pensantes, que não apreendem a complexidade do problema/objeto, não é milagrosa nem redentora. Muito menos o será o ato de vontade, que leva um sujeito pensante a aderir a um projeto em parceria. A integração na interdisciplinaridade é mais do que uma obra do acaso: ela acontece por meio de um processo de interação social com o intuito de promover mudanças e transformações em busca da superação de problemas do cotidiano societário. A interdisciplinaridade é mais do que a mera justaposição de conteúdos. A interdisciplinaridade pressupõe interação. A regulação da economia de mercado de forma participativa entre Estado e sociedade representa outro grande desafio. Tanto o Estado quanto a sociedade são importantes para regular a economia de mercado a fim de provocar uma dinâmica reflexiva que possa produzir mais, e não menos, do que desejam e do que é necessário atodas as classes sociais. Precisamos de uma economia e de uma sociedade baseadas na participação, por meio da implantação e implementação de instituições, de sistemas e de uma arquitetura social mais ampla, a fim de melhorar o equilíbrio econômico e social e, por consequência, gerar uma cultura em que a humanidade comum e o instinto de cooperação consigam florescer. Aqui, a participação é entendida em termos de aceitação de responsabilidades, assim como de afirmação de direitos e mudanças culturais. A formação profissional 10 Se esses elementos forem incorporados adequadamente ao processo decisório dos atores que operam no mercado, as distorções negativas do capitalismo poderão ser remediadas. São necessários gatilhos que, embora modestos, gerem um poderoso efeito multiplicador. Assim, tanto os profissionais quanto os estudantes de serviço social não devem ter em mente que têm o poder de solucionar todos os problemas apre- sentados, trabalhando de forma pontual e fragmentada na tentativa de não se sentirem impotentes diante de situações que fogem à sua governabilidade, pois as expressões da questão social são fruto da estrutura societária. Por- tanto, é preciso lutar por um sistema político que pertença à sociedade e que não se situe acima dela. Podemos esperar que os governantes iniciem essas mudanças, mas, em última análise, seremos nós os responsáveis pela garantia de que eles cumpram suas promessas; enquanto isso, vamos nos empenhar para que os mecanismos existentes a partir da Constituição Cidadã tenham efetividade maior na sociedade, promovendo seus pressupostos de participação democrática e controle social. Para que tudo isso se realize, os assistentes sociais, como mediadores entre Estado e população atendida pelas políticas sociais, precisam levar em especial consideração os desejos, os valores, o cotidiano, bem como o contexto social, histórico e econômico da população usuária, a fim de construir uma cultura de cidadania emancipatória, em que não haja tutela dos indivíduos, mas, sim, que eles tenham liberdade de expressar o que é melhor para si dentro da realidade que vivenciam, potencializando e articulando seus saberes e suas ações. Dessa forma, o profissional escuta o sujeito e analisa a demanda no sentido mais amplo da ação. 11A formação profissional A formação profissional 12 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL. Diretrizes gerais para o curso de serviço social. Rio de Janeiro: ABEPSS, 1996. BARROCO, M. L. S. Ética e serviço social: fundamentos ontológicos. São Paulo: Cortez, 2001. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educa- ção Superior. Resolução CNE/CES 15, de 13 de março de 2002. Estabelece as Diretrizes Curriculares para os cursos de Serviço Social. Brasília: MEC, 2002. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES152002.pdf>. Acesso em: 24 maio 2017. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução nº 2, de 18 de junho de 2007. Dispõe sobre carga horária mínima e procedimentos relativos à integralização e duração dos cursos de graduação, bacharelados, na modalidade presencial.Brasília: MEC, 2007. Disponível em: <http:// portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/2007/rces002_07.pdf>. Acesso: 24 maio 2017. FALEIROS, V. P. Aonde nos levam as diretrizes curriculares? Temporalis, Brasília, v. 1, n. 2, p. 163-182, jul./dez. 2000. FALEIROS, V. P. Metodologia e ideologia do trabalho social. 9. ed. São Paulo: Cortez, 1997. SÁ, J. L. M. O conhecimento e currículo em serviço social. São Paulo: Cortez, 1995. Leituras recomendadas BEHRING, E.; R.; BOSCHETTI, I. Política social: fundamentos e história. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2011. IAMAMOTTO, M.; CARVALHO, R. Relações sociais e serviço social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 13. ed. São Paulo: Cortez, 2000. KOIKE, M. M. S. Formação profissional: trajetórias e desafios. Cadernos ABESS, São Paulo, n. 7, 1997. UNVERSIDADE DO VALE DOS SINOS. Proposta de reformulação curricular do curso de serviço social. São Leopoldo: UNISINOS, 1998. Conteúdo: Conteúdo: INTRODUÇÃO AO SERVIÇO SOCIAL Vanessa Azevedo O projeto ético- -político pro� ssional do serviço social Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identi� car as diferenças entre projeto pro� ssional, projeto societário e projeto ético-político. Reconhecer os componentes do projeto ético-político pro� ssional. Discutir a importância do projeto ético-político para a pro� ssão. Introdução Neste capítulo você vai conhecer um pouco mais sobre os projetos profissionais, societários e ético-políticos, aprendendo a identificá-los. Em especial, você vai conseguir reconhecer o projeto ético-político do serviço social, bem como seus componentes, e discutir a sua relevância para os assistentes sociais. Projetos em discussão Os setores de vanguarda profi ssional, que deram a direção social estratégica da profi ssão a partir dos anos de 1980, impulsionaram as discussões sobre a identidade do serviço social e garantiram a ele um perfi l crítico e transformador. A direção social estratégica do serviço social enfatiza o projeto ético-político dos profi ssionais, confi gurando o projeto profi ssional (SANTANA, 2000). O projeto profissional se materializa em três dimensões articuladas entre si, que são: a dimensão da produção de conhecimentos no interior do serviço social, que envolve o processo de reflexão teórico-crítico da profissão; a dimensão político organizativa da categoria, que abrange as entida- des representativas do serviço social, entre elas, o conjunto CFESS/ CRESS; e a dimensão jurídico-política da profissão, que relaciona o conjunto de leis e resoluções construídas ou partilhadas pela categoria. Essas dimensões, articuladas entre si, compõem o corpo material do projeto ético-político profissional, que deve ser compreendido como uma construção coletiva com uma determinada direção social que envolve valores, compro- missos sociais e princípios que estão em permanente discussão. O sucesso do projeto depende de análises precisas das condições subjetivas e objetivas da realidade para a sua execução, bem como de ações políticas coerentes com seus compromissos (BRAZ, 2000). Segundo Netto (1999), todo o projeto profissional tem uma dimensão ética que pressupõe normatizações, como aquelas estabelecidas no Código de Ética das profissões, porém Envolvem ainda as escolhas teóricas, ideológicas e políticas das categorias e dos profissionais – por isto a contemporânea designação dos projetos profissionais como projetos ético-políticos revela toda a sua razão de ser: uma identificação ética só adquire efetividade histórico-concreta quando se combina com uma direção político profissional (NETTO, 1999, p. 99). A dimensão política dos projetos profissionais advém da sua vinculação a projetos societários maiores. Os projetos societários configuram a imagem da sociedade a ser construída, que reclamam determinados valores para justificá-la e privilegiam certos meios (materiais e culturais) para concretizá-la (NETTO, 1999, p. 93). A luta em prol de uma nova ordem societária deve estar mediada, no âmbito da categoria, pela defesa da democracia, das políticas públicas e dos direitos sócio-políticos em oposição ao projeto neoliberal (BARROCO, 2001). Os projetos profissionais situam-se nas relações sociais e na divisão socio- técnica do trabalho e, portanto, são impulsionados por demandas contraditórias que constituem determinações históricas. Assim, eles expressam a capacidade de resposta da categoria profissional às demandas postas (SILVA, 1994). O projeto profissional do serviço social, ou o projeto ético-político, tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor ético central. A O projeto ético-político profissional do serviço social 2 liberdade aquié concebida como a possibilidade de escolher entre alternativas concretas, além de incluir o compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais. Consequentemente, o projeto pro- fissional vincula-se a um projeto societário, que propõe a construção de uma nova ordem social, sem dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero (BRAZ, 2000). Logo, o projeto profissional aqui proposto nega o projeto societário hoje hegemônico, e posiciona-se em favor da construção dessa nova ordem social que repudia qualquer forma de dominação ou exploração, tendo ainda como princípios a defesa dos direitos humanos, a recusa ao autoritarismo e ao pre- conceito, e o reconhecimento do pluralismo. Segundo Santana (2000, p. 81-82) No Código de Ética da profissão, a dimensão política expressa-se por meio da defesa da equidade e da justiça, da consolidação da democracia como garantia de direitos civis, políticos e sociais e da democratização como processo de socialização da riqueza socialmente construída. Na dimensão específica da profissão, o Código de Ética prevê o compromisso com a competência, que deve fazer parte de um contínuo processo de aprimoramento, e a defesa da qualidade dos serviços prestados. A adesão aos princípios éticos instituídos pelo Código pressupõe um compromisso político com o seu projeto transformador, o que nem sempre acontece nos diversos cotidianos de atuação profissional. O projeto ético-político do serviço social, que avançou na década de 1980 e consolidou-se na década de 1990, foi tema do IX Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais em 1998. Essa proposta segue adiante na atualidade, e está fortemente tensionada pela política neoliberal. O projeto ético-político do serviço social O debate acerca da construção do novo projeto ético-político, que tinha o objetivo de mudar o rumo do serviço social, teve início na transição da década de 1970 para a de 1980, a partir do processo de recusa e crítica ao conserva- dorismo da profi ssão. O novo caminho adotou como base teórica a Teoria Crítica de tradição marxista. Essa teoria demonstra que a sociedade dispõe de existência em si e é, portanto, factual. Em contrapartida, a ação humana tem objetivos e metas a serem executadas e, por isso, é necessário um projeto para que possam ser alcançados. Esse projeto deve ser elaborado com base 3O projeto ético-político profissional do serviço social em valores que legitimem os meios de executá-lo, para que seus objetivos sejam satisfeitos. O projeto societário é coletivo e, portanto, tem propostas para o conjunto da sociedade. Para Netto (1999), os projetos societários são simultaneamente projetos de classe e A experiência histórica demonstra que, tendo sempre em seu núcleo a marca da classe social a cujos interesses essenciais respondem, os projetos societários constituem estruturas flexíveis e cambiantes: incorporam novas demandas e aspirações, transformam-se e se renovam conforme as conjunturas históricas e políticas. [...] a concorrência entre diferentes projetos societários é um fenômeno próprio da democracia política. [...] Todavia, também a experiência histórica demonstrou que, na ordem do capital, por razões econômico-sociais e culturais, mesmo num quadro de democracia política, os projetos societários que respondem aos interesses das classes trabalhadoras e subalternas sempre dispõe de condições menos favoráveis para enfrentar os projetos das classes proprietárias e politicamente dominantes (NETTO, 1999, p. 3). Os projetos profissionais, por sua vez, apresentam a autoimagem de uma categoria, a partir de valores que a legitimam socialmente. Além disso, de- limitam e priorizam objetivos, funções, formulam requisitos para o exercí- cio profissional, determinam normas de comportamento dos profissionais e criam bases para as relações com os usuários, com outras profissões e com organizações privadas e públicas. Os projetos profissionais são construídos por um sujeito coletivo. No serviço social, esse sujeito coletivo compreende o sistema CFESS/CRESS, a ABEPSS, a ENESSO, os sindicatos e as demais associações de assistentes sociais. O pluralismo nos projetos profissionais, segundo Netto (1999), é uma categoria inerente à sua construção, pois o sujeito coletivo constitui um uni- verso heterogêneo. Ainda segundo o autor, “[...] todo o corpo profissional é um campo de tensões e de lutas [...]” (NETTO, 1999, p. 5). Considerando o pluralismo, o projeto hegemônico supõe dois componentes: o imperativo e o indicativo. Os componentes imperativos são compulsórios para todos os que exercem a profissão. Por exemplo, no serviço social, os componentes imperativos são a formação acadêmica e a inscrição no Conselho Regional de Serviço Social (CRESS). Já os componentes indicativos são aqueles em que não há um consenso mínimo que garanta o seu cumprimento rigoroso. O projeto ético-político profissional do serviço social 4 Os códigos de ética profissionais são imperativos do exercício profissional, mas eles não se esgotam em si mesmos. A fundamentação em valores éticos, apresentada nos códigos, perpassa o projeto profissional como um todo, assim, não é um mero segmento dele. Os elementos éticos dos projetos profissionais não se limitam a normativas morais, direitos e deveres, mas envolvem as opções teóricas, ideológicas e políticas dos profissionais, daí a atual designação como projetos ético-políticos. Na conjuntura histórica da ditadura militar no Brasil, foi especialmente nos movimentos de resistência que a hegemonia conservadora do serviço social começou a ser discutida e transformada. Segundo Netto (1999, p. 10) É nesse contexto que o histórico conservadorismo do serviço social brasileiro, tantas vezes reciclado e metamorfoseado, confrontou-se pela primeira vez com uma conjuntura em que a sua dominância no corpo profissional (que, sofrendo as incidências do “modelo econômico” da ditadura, começa a reconhecer-se como inserido no conjunto das camadas trabalhadoras) podia ser contestada – uma vez que, no corpo profissional, repercutiam as exigências políticas e sociais postas na ordem do dia pela ruptura do regime ditatorial. A luta pela democracia na sociedade brasileira, encontrando eco no corpo profissional, criou o quadro ne- cessário para romper com o quase monopólio do conservadorismo no serviço social: no processo da derrota da ditadura se inscreveu a primeira condição – a condição política – para a constituição de um novo projeto profissional. No entanto, somente o componente político não era suficiente para a cons- trução do novo projeto profissional do serviço social. A produção teórica no serviço social teve início na década de 1980 e constituiu uma massa crítica considerável. A maior relevância na acumulação teórica do serviço social foi a ruptura com o conservadorismo teórico e metodológico, pois as matrizes utilizadas foram as de vertente marxista. O resultado dessa iniciativa foi um pluralismo de concepções teóricas e metodológicas sintonizadas com o projeto societário das massas trabalhadoras, ou seja, houve uma crítica radical às relações econômicas e sociais vigentes. Outro componente da construção do projeto ético-político do serviço social foi a reforma curricular de 1982. O esforço se deu no sentido de adequar a formação em nível de graduação às novas condições para o enfrentamento da questão social exigidas pela massa crítica em crescimento dentro da categoria profissional. O objetivo era a criação de um novo perfil profissional. 5O projeto ético-político profissional do serviço social Essas conquistas, realizadas entre as décadas de 1970 e 1980, foram con- solidadas na elaboração do Código de Ética profissional em 1986, apesar de o debate sobre a dimensão ética profissional não ter tido relevância nesse período. Foi na década de 1990 que a dimensão ética se tornou relevante e foi amplamente discutida, resultando na revisão e na reformulação do Códigode Ética. As unilateralidades e os limites do texto de 1986 foram superados, dando espaço à acumulação teórica dos últimos 20 anos. Assim, o Código de Ética de 1993 foi o ápice do processo de construção do projeto ético-político do serviço social no Brasil. A partir de todos esses eventos, em síntese, as dimensões postas na cons- trução e efetivação do projeto ético-político do serviço social são evidenciadas no Quadro 1 a seguir. Dimensão Ca ra ct er ís ti ca s Política Competência profissional Relação com os usuários Ético- -política Posicionamento em favor da justiça social, na perspectiva da universalização do acesso a bens e a serviços relativos a políticas e programas sociais, bem como a garantia dos direitos civis, políticos e sociais das classes trabalhadoras. Aperfeiçoamento intelectual, com base em uma formação acadêmica qualificada e fundamentada em concepções teórico- metodológicas críticas, por meio da formação permanente e da constante preocupação investigativa. Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população, por meio da publicidade dos recursos institucionais, para a sua democratização e universalização, e a viabilidade à participação dos usuários nas decisões institucionais. Articulação com os segmentos de outras categorias profissionais e com movimentos engajados com a luta geral dos trabalhadores. Quadro 1. Dimensões e características do projeto ético-político do serviço social. O projeto ético-político profissional do serviço social 6 Desafios e possibilidades para o projeto ético-político O trabalho do assistente social tem como direção social um caráter histórico e mutável, pois, conforme o quadro social se modifi ca, surgem novas situações que obrigam a sua atualização. Além disso, o serviço social, embora venha adotando novos modos de ação, ainda faz uso de velhas práticas profi ssionais, dessa forma produzindo e reproduzindo a vida social. Na atual conjuntura, a preocupação do serviço social é afirmar as particu- laridades da profissão e sua intervenção, acompanhando as transformações sociais e a nova regulação com que se defrontam as políticas sociais. Assim, com a subalternização e precarização do trabalho, a intervenção do assis- tente social muda de aspecto. Essa nova configuração tem como destaques negativos a insegurança e a vulnerabilidade do trabalho; o desemprego; e a desregulamentação geral do trabalho. Além disso, o assistente social convive cotidianamente com outras questões, como os problemas da saúde pública, o envelhecimento sem recursos, etc., representando a discriminação e a vulne- rabilidade social dos usuários dos serviços. As organizações não governamentais, sem fins lucrativos, passam a exer- cer as atividades que não fazem parte da proposta de ação social do Estado neoliberal que, no âmbito da proteção social, conta apenas com projetos emer- genciais e pontuais visando a minimizar a ação negativa dos programas de ajuste estrutural. Assim, as organizações não governamentais buscam defender com mais amplitude os direitos dos cidadãos. Ajustes estruturais A ideologia neoliberal, em matéria econômica, é colocada em prática por meio do ajuste estrutural. Esses programas contêm políticas de estabilização para corrigir os desequilíbrios da economia. Além disso, abrangem políticas para melhorar a estrutura produtiva, as formas de produzir, as coisas com que se produz, as instituições, e tudo o que está relacionado com a produção e a comercialização. 7O projeto ético-político profissional do serviço social Inserido nesse contexto contraditório, o assistente social se vê diante da seguinte situação: se, por um lado, ele se depara com um Estado que não cumpre seu papel junto às classes subalternas, por outro, essa mesma defi- ciência o motiva cada vez mais a colocar em prática o projeto ético-político profissional, por meio de práticas democráticas, humanizadas e participativas. Ainda, na atualidade, é necessário construir um olhar crítico sobre o que não é governamental, e estabelecer diferenças entre público e privado nessa nova ordem societária. É no sentido de dar “[...] continuidade a direção sociopolítica do projeto profissional como processo de ruptura construído durante os últimos trinta anos [...]” (ABRAMIDES, 2007, p. 44) pelo serviço social brasileiro que os desafios se constituem e as possibilidades de atuação profissional são dimensionadas por métodos de trabalho publicizados e garantidores de direitos. O projeto ético-político profissional do serviço social 8 9O projeto ético-político profissional do serviço social ABRAMIDES, M. B. C. Desafios do projeto profissional de ruptura com o conservado- rismo. Serviço Social & Sociedade, ano 28, n. 91, p. 34-48, 2007. BARROCO, M. L. S. Ética e serviço social: fundamentos ontológicos. São Paulo: Cortez, 2001. BRAZ. M. Notas sobre o projeto ético-político da profissão. In: CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL 7. REGIÃO. Assistente social: ética e direitos. Rio de Janeiro, CRESS 7. Região, 2000. NETTO, J. P. A construção do projeto ético: político frente à crise contemporânea. In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Curso de capacitação em serviço social e política social. Brasília: CFESS, 1999. Módulo I. SANTANA, R. S. O desafio da implantação do projeto ético-político do Serviço Social. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 62, p. 73-92, mar. 2000. SILVA, O. S. O serviço social na conjuntura brasileira: demandas e respostas. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, ano 15, n. 44, p. 77-113, abr. 1994. Leituras recomendadas CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Código de ética do/a assistente social: lei 8.662/93. 9. ed. rev. e atual. Brasília: CFESS, 1993. Disponível em: <www.cfess.org.br/ arquivos/CEP2011_CFESS.pdf>. Acesso em: 31 maio 2017. OLIVEIRA, M. A. Os desafios éticos e políticos da sociedade brasileira. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 56, p. 23-33, 1998. YASBECK, M. C. O serviço social como especialização do trabalho coletivo. In: CON- SELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Capacitação em serviço social e política social. 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