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Análise sintática e a influência dos fatores semânticos, pragmáticos, discursivos e contextuais APRESENTAÇÃO Os aspectos semânticos, pragmáticos e discursivos atuam para a constituição de sentido do texto. Na relação entre eles, percebe-se que o entendimento de um texto está além da interpretação das palavras, do sentido delas e da relação sintática estabelecida entre elas. São disciplinas que, no processo de interpretação de frases, complementam-se e elucidam a relação dos sujeitos com a língua em uso, sobretudo com a inserção da abordagem pragmática de funcionamento da língua, no sentido de explicar a língua em uso. Ou seja, é a disciplina que se dedica a mostrar para os leitores que há muito “dito” no que não foi explicitamente enunciado. Dessa forma, esta Unidade de Aprendizagem objetiva tratar de algumas temáticas envolvidas nas influências dos fatores semânticos, pragmáticos, discursivos e contextuais para análise sintática. Dessa forma, será descrita a relação entre sintaxe, semântica e pragmática; será tratada a questão das frases relacionadas aos aspectos discursivos e textuais e, por fim, serão apresentadas as teorias da implicatura e da relevância. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever a relação entre sintaxe, semântica e pragmática.• Interpretar frases relacionadas aos aspectos discursivos e textuais.• Definir as teorias da implicatura e da relevância.• DESAFIO Semântica e pragmática desafiam os sujeitos a um processo de interpretação mais amplo. A semântica, como um ramo da linguística, está voltada para a investigação do significado das sentenças. Logo, o semanticista busca a descrição do conhecimento semântico que o falante tem de determinada língua. INFOGRÁFICO Entender a relação entre pragmática, semântica e gramática pressupõe um reconhecimento dos autores que foram, ao longo do tempo, dedicando-se a construir conhecimento sobre essas disciplinas, possibilitando, com cada uma das contribuições, um avanço para o campo da linguística, no sentido de ampliar as teorias sobre funcionamentos da língua e apresentar fundamentos para a sintaxe, para a semântica e para a pragmática. Entre os autores, destaca-se, no Infográfico a seguir, um recorte dedicado a três autores importantes (Peirce, Morris e Bühler), os quais contribuíram, sob perspectivas diferentes, para o entendimento da relação entre três subdisciplinas da linguística: pragmática, semântica e gramática. CONTEÚDO DO LIVRO Desde os anos 1970, discutir sobre arquitetura linguística esteve em alta. Com modificações nas abordagens ao longo do tempo, muitos pesquisadores concentraram os seus estudos em análises teóricas, outros em observações empíricas. Sobretudo, nos anos 1980, há um olhar empírico para os fenômenos da língua. Nos anos 1990, renova-se o interesse pela abordagem teórica, e a inter-relação das disciplinas é reforçada. Nesse contexto, três subdisciplinas da linguística se entrelaçam para explicar os funcionamentos da língua e da linguagem: a semântica, a pragmática e a gramática. Mas qual é a relação dessas disciplinas para a análise sintática da língua? Leia o capítulo Análise sintática e a influência dos fatores semânticos, pragmáticos, discursivos e contextuais, da obra Psicolinguística, e entenda um pouco mais sobre essas áreas e a abordagem de cada uma, como forma de colaboração para o entendimento de fenômenos comuns a elas. Boa leitura. PSICOLINGUÍSTICA Nadia Studzinski Estima de Castro Análise sintática e a influência dos fatores semânticos, pragmáticos, discursivos e contextuais Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever a relação entre sintaxe, semântica e pragmática. Interpretar frases com base nos aspectos discursivos e textuais. Definir as teorias da implicatura e da relevância. Introdução Neste capítulo, você vai estudar a análise sintática e ver como ela é in- fluenciada pelos fatores semânticos, pragmáticos, discursivos e textuais. Para tanto, você vai conhecer a relação que se estabelece entre sintaxe, semântica e pragmática. Além disso, você vai ver como interpretar frases a partir dos aspectos discursivos e textuais. Por fim, você vai conhecer as teorias da implicatura e da relevância. Sintaxe, semântica e pragmática O funcionamento da linguagem, centrada no falante, baseia-se em três aspec- tos fundamentais: a capacidade natural de acionar a ligação entre esquemas cognitivos e linguagem; o saber de uma língua particular; e a atuação lin- guística em um evento comunicativo (NEVES, 2017). Assim, a vivência em determinada língua emerge pelo reconhecimento de uma capacidade de que os sujeitos são dotados, a de produzir linguagem. Contudo, também está em jogo o reconhecimento de que os indivíduos são naturalmente levados a apossar-se de uma língua natural de expressão, sobretudo pela vida em comunidade e de acordo com a sua capacidade de produzir linguagem. Dessa forma, os sujeitos se engajam na vida em comunidade atuando com a língua que dominam. Inclusive, ao dominá-la (e aperfeiçoá-la), eles se tornam aptos a interpretar o contexto em que estão inseridos e a adaptar a linguagem de acordo com as exigências de cada ambiente. Por exemplo, você se comunica em um bar (entre amigos) da mesma forma que se expressa em uma reunião de negócios (com colegas de trabalho e gestores)? Para responder a essa pergunta, considere linguagem verbal e não verbal. Como você deve ter concluído, salvo raras exceções, a forma de utilizar a linguagem depende do espaço em que ela é praticada. É nessa complexidade que se percebe o poder do componente que é adicionado ao fazer da linguagem, ou seja, o componente de atuação linguística em si, comumente chamado “pragmático”. É esse “fazer” que, na ação multiplicadora da linguagem, ativa a posse do “saber” de uma língua natural, mediante aquele “poder” do mecanismo gerador do falante. Nesse movimento, é possível perceber a relação entre os componentes que cons- tituem a língua. São eles: a sintaxe, a semântica e a pragmática (NEVES, 2017). O uso moderno do termo “pragmática” pode ser atribuído ao filósofo Charles Morris (1938). Ele estava interessado em esboçar (seguindo Locke e Peirce) a forma geral de uma ciência dos signos (semiótica). Na semiótica, Morris identificou três ramos de investigação distintos: sintática ou sintaxe, semântica e pragmática. Cada um deles colabora para o entendimento dos aspectos do uso da linguagem e é essencial para compreendê-la como um sistema (LEVINSON, 2007). A gramática de determinada língua inclui as operações internas à oração, por exemplo, a constituição sintática da predicação e a sua contraparte se- mântica (com entidades como agente e paciente). Mas ela também inclui as determinações interacionais que motivam e configuram a força ilocucionária da frase enunciada (com entidades como tema e rema, além de entidades semântico-pragmáticas), todas operadas na sintaxe (NEVES, 2017). Assim, fica evidente a inter-relação entre semântica, sintática e pragmática. A pragmática é percebida em dois níveis, que você pode ver a seguir. Considere o caráter pragmático como o componente interacional da língua. Análise sintática e a influência dos fatores semânticos, pragmáticos, discursivos e contextuais2 1. Nível que se resolve mais internamente ao enunciado (por exemplo, o em- pacotamento da informação e a organização de seu fluxo, na textualidade). 2. Nível propriamente motivador e direcionador do ato de linguagem (as deter- minações interlocutivas envolvidas na interpessoalidade) (NEVES, 2017). Como você pode perceber, o entendimento na comunicação entre os sujeitos só é possível se os enunciados são constituídos pelas três análises. Quando, por alguma razão, a proposta enunciada é barrada por um dos níveis, ela ou não é adequadamente interpretada, ou nãoé aceita. Observe o exemplo a seguir: Os filhos de Fred são hippies, mas ele não tem nenhum filho. Quando se depara com essa construção, o ouvinte/leitor muito prova- velmente sente estranhamento. Mas por quê? Sintaticamente, a frase está construída de forma correta; cada um dos elementos pode ser interpretado semanticamente, pois existe na língua portuguesa. E quanto ao caráter prag- mático dessa construção? A sintaxe trata da relação formal dos signos entre si. A semântica, por sua vez, estuda a relação dos signos com os objetos aos quais eles são aplicáveis. Já a pragmática representa o estudo da relação dos signos com os intérpretes; ou seja, envolve o contexto em uso. No cotidiano, os sujeitos não percebem conscientemente a presença desses fatores na análise e na validação dos enunciados. Mas esse movimento acontece a todo instante. Os enunciados que você produz e aqueles que lê/ouve são avaliados por essa tríade. Quando incorpora os três, o enunciado passa a ter sentido. Evi- dentemente, isso está diretamente relacionado com o contexto social e cultural de produção. Ou seja, determinada estrutura pode ser construída fora dos padrões da gramática normativa da língua, mas fazer total sentido no contexto de enunciação. Como explica Neves (2017), para os estudiosos cognitivistas da linguagem, os itens lexicais e as expressões não são significativos intrinsecamente; pelo contrário, têm o seu significado construído no ato de linguagem. Ou seja, é nos (diversos) contextos de uso que os processos cognitivos ativam a interpretação dos itens ou das expressões, segundo a base de conceitos e convenções já disponível para balizamento da interpretação e de acordo com o conhecimento incorporado pelos sujeitos. Veja: Fica evidente a noção de que os significados convencionais, aparentemente associados às unidades linguísticas, são simples gatilhos para o processo de interpretação, que é acionado exatamente na interação verbal. Não há como não entender que o contexto de uso é o disparador desse processo, englobada, aí, a própria intenção do falante (NEVES, 2017, documento on-line). 3Análise sintática e a influência dos fatores semânticos, pragmáticos, discursivos e contextuais Para entender melhor, leia a frase a seguir: Era elegante como um manequim de vitrine e ocupado como telefone de bicheiro (NEVES, 2017). Isoladamente, a frase pode parecer estranha. Primeiro, porque há co- ordenação de dois adjetivos (“elegante” e “ocupado”). Em segundo lugar, porque a frase estabelece comparações semânticas que não são usadas de forma habitual: “elegante como um manequim de vitrine”; “ocupado como telefone de bicheiro”. No geral, depois de lê-la, o leitor para alguns segundos diante da frase a fim de estabelecer sentido. Ele recorre à sua memória para resgatar a relação entre os elementos e, então, conferir sentido a eles. Muito provavelmente, se enunciada em determinado contexto, a construção pode ter sentido cômico, por exemplo. Assim, entrelaçam-se as análises sintática, semântica e de produção de efeitos na linguagem (pragmática). O conteúdo cognitivo compartilhado transita por esses componentes para fazer sentido no mundo. Na saída do enunciado, o leitor é conduzido pelo arranjo linguístico dos elementos (sintaxe), em conjunto com os sentidos (semântica); esse arranjo engaja o interlocutor para que seja cumprido de forma eficiente o objetivo da sociocomunicação (pragmática), conforme conclui Neves (2017). A seguir, veja alguns conceitos importantes. Semântica: estudo do sentido das palavras e da interpretação das sentenças pro- duzidas em determinada língua. Agente e paciente: papéis temáticos. O agente e o paciente se fazem presentes com o emprego de verbos de ação. O agente é aquele que age, sujeito do verbo. Já o paciente é aquele que “sofre” a ação do verbo. Interação: troca de informações em que a emissão modifica de alguma forma o receptor. Força ilocucionária: força de um ato completo de fala. Em enunciados, é a entrega do conteúdo proposto. Tema: é o tópico de um enunciado, aquilo sobre o que ou quem se fala. É a infor- mação compartilhada. Rema: é o objetivo, a informação nova, os desdobramentos do tema. Análise sintática e a influência dos fatores semânticos, pragmáticos, discursivos e contextuais4 Interpretação de frases Interpretar frases considerando os aspectos discursivos e textuais pressupõe o entendimento sobre o processo de leitura (e não apenas o entendimento da palavra). Quando pensa em leitura, talvez você imagine alguém lendo um jornal, uma revista, um folheto, uma mensagem no WhatsApp, um e-mail; mas pense também na língua brasileira de sinais (Libras), na arte, nos gestos (linguagem não verbal). O ato de ler é usualmente relacionado com a leitura da palavra, e o leitor é visto como decodifi cador. Mas basta decifrar palavras para que a leitura aconteça? Então, como explicar afi rmações tais como: “a leitura dos gestos”, “a interpretação das expressões faciais”, “ler o espaço que nos cerca”? Os sujeitos respondem aos acontecimentos do mundo de acordo com a interpre- tação que fazem deles. Considere, por exemplo, as situações em que você recebe uma informação por escrito. A interpretação é livre, e uma mera mensagem pode ser lida com tom de agressividade. Mas quem incorpora esse tom à mensagem é você, o leitor. O conteúdo passa a ter sentido quando o sujeito estabelece uma ligação com a mensagem, com o objeto. Até o momento da leitura, o texto é apenas mais um elemento no mundo, mas, de repente, o sujeito lê, interpreta e confere sentido àquilo que até então representava apenas mais uma informação. A interpretação acontece quando o sujeito acrescenta ao ato de ler algo de si além do gesto mecânico de decifrar sinais (MARTINS, 1988). Portanto, o processo de interpretar frases está relacionado com os aspectos discursivos e textuais. São esses elementos que ajudam as pessoas a interpretar, de forma que seja possível conferir sentido para as frases que lhes são apresentadas de acordo com os con- textos sociais, culturais, estéticos e políticos. Considere as duas situações a seguir. Contexto 1: você está em casa conversando com familiares sobre a troca do piso. Então, você se depara com a seguinte afirmação: “Eu gostaria de trocar o piso frio por madeira”. Contexto 2: você está no meio da floresta, fazendo uma trilha, e alguém grita “Madeeeira!”. Qual é a sua reação nos dois contextos quando apresentado à palavra “ma- deira”? A reação é a mesma? Muito provavelmente, no segundo contexto, você vai correr para preservar a sua vida, certo? Mas o que possibilitou essa conclusão? Primeiro, os textos que descrevem cada contexto não são apenas escritos; tam- bém podem ser orais, gestuais, audíveis e visíveis. Segundo, os textos não são um simples agrupamento de palavras, pois precisam fazer sentido no contexto (que pode ser o do emissor ou o do receptor). Portanto, o contexto pode ser 5Análise sintática e a influência dos fatores semânticos, pragmáticos, discursivos e contextuais explícito, ou seja, analisado pelas palavras e frases que estão registradas por escrito; mas também pode estar implícito. Neste caso, o contexto está relacionado com o espaço de produção do texto. É por essa razão que a palavra “madeira” é interpretada de forma diferente em cada um dos contextos. Para a abordagem tradicionalista da leitura e da intepretação, os signifi- cados construídos estão contidos na superfície do texto, ou seja, nos signos linguísticos que compõem o texto. Nessa interpretação, o leitor não é ativo, e a ele cabe apenas o papel de decodificar palavras e agrupá-las para que tenham sentido. Essa leitura é marcada pela decodificação, e o elemento semântico do processo está relacionado com o conhecimento dos significados de cada palavra. Assim, o sentido já está no texto, e o leitor precisa descobri-lo. Contudo, com a incorporação de aspectos discursivos, como valorização do contextosocial e observação do contexto cultural, surge uma forma diferente de interpretação, pois linguagem e discurso englobam ideologias. Assim, o texto (as frases) é entendido como produto de práticas discursivas, as quais incluem produção, distribuição e interpretação. Isso acontece de forma complexa, e o significado de um texto é construído não apenas a partir das palavras impres- sas no papel, mas também a partir do modo como essas palavras são usadas em um contexto social particular. Com base nesses conceitos, a concepção de discurso inclui três dimensões: texto, prática discursiva e prática social (BRAHIM; BRUZ; SILVA, 2013). Texto: manifestação linguística que objetiva apresentar as ideias de um autor para a interpretação do receptor, de acordo com conhecimentos linguísticos, culturais e sociais compartilhados por ambos. Prática discursiva: ocorre por meio de textos. Língua, linguagem, contexto, relação e texto estão presentes na produção textual para se ter como resultado uma atividade comunicativa. Prática social: o discurso como prática social está na produção de textos com o objetivo de ressaltar a linguagem como instrumento de ação no mundo. Está em jogo o discurso como formulação de textos para prática e ação social. Os aspectos discursivos e textuais na análise e na interpretação de textos ampliam o entendimento do processo de leitura. A partir deles, considera-se que ler um texto é estabelecer um diálogo com a finalidade de compreender uma informação. Para isso, é necessário considerar as relações sintáticas (análise dos termos da frase de acordo com a posição que ocupam) e semânticas (causa Análise sintática e a influência dos fatores semânticos, pragmáticos, discursivos e contextuais6 e efeito, oposição, concessão, tempo, etc.), bem como a visão de mundo do emissor (aspecto discursivo). Dessa forma, considere a interpretação de frases como um processo interativo. Afinal, o leitor utiliza diferentes níveis de conhecimento que estão em interação: conhecimento linguístico, textual e de mundo. O conhecimento linguístico possibilita ao leitor a compreensão da estrutura linguística dos enunciados (pro- núncia, vocabulário, regras e usos da língua), permitindo a seleção do léxico mais adequado para o tema tratado. O conhecimento textual pressupõe que o leitor identifique as diferentes estruturas textuais. Ou seja, é o conhecimento dos diversos tipos de textos e de formas de composição do discurso (por exemplo, a noção de que frases expositivas são diferentes de frases narrativas). Por sua vez, o conhecimento de mundo também é parte integrante do processo de intepretação, pois está relacionado com o repertório cultural e de experiências/vivências do leitor. Isso possibilita ir além da frase e chegar ao sentido do que está sendo interpretado. Teorias da implicatura e da relevância A noção de implicatura conversacional é um dos pontos mais importantes da pragmática. Nesse campo, a implicatura conversacional também é denominada “teoria da implicatura”. A implicatura é considerada um exemplo paradigmático da natureza e da força das explicações pragmáticas dos fenômenos linguísticos. Para Levinson (2007), pode-se demostrar que as fontes dessa espécie de inferência pragmática se encontram fora da organização da língua, em alguns princípios gerais da interação cooperativa. Não obstante, esses princípios têm um efeito visível em vários pontos da estrutura da língua. Assim, o conceito de implicatura parece oferecer algumas explicações funcionais signifi cativas dos fatos linguísticos. A teoria da implicatura explica — e até certo ponto explicita — como é possível querer dizer (num sentido geral) mais do que é efetivamente “dito” (ou seja, mais do que se expressa literalmente pelo sentido convencional das expressões linguísticas enunciadas). Observe os exemplos de Levinson (2007): Pode me dizer as horas? Bem, o leiteiro já passou! 7Análise sintática e a influência dos fatores semânticos, pragmáticos, discursivos e contextuais Para o autor, é possível parafrasear da seguinte forma (considerando uma teoria semântica da língua): Você tem a capacidade de dizer-me as horas? Bom [partícula pragmática interpretada], o leiteiro passou em algum momento anterior ao tempo da fala. Evidentemente, o que está envolvido no processo de troca de informações, de forma implícita, é o seguinte: Você tem a capacidade de me dizer as horas do presente momento, como indicado de maneira padrão no relógio, e, se tiver, por favor, diga-me. Não, eu não sei a hora exata do presente momento, mas posso fornecer alguma informação a partir da qual você pode ser capaz de deduzir a hora aproximada, a saber, que o leiteiro já passou. O que conta mesmo no diálogo é o pedido básico de informação das horas e a tentativa de fornecer a informação solicitada. Portanto, a lacuna entre o que é dito literalmente e o que é comunicado é tão substancial que não se pode esperar que uma teoria semântica forneça mais do que uma pequena parte de uma explicação de como os sujeitos se comunicam usando a língua. A noção de implicatura promete, no entanto, preencher lacunas como as do exemplo. A ideia é explicar como ao menos parte do que aparece em itálico no exemplo anterior é efetivamente comunicado (LEVINSON, 2007). Assim, a noção de implicatura pressupõe saídas para dilemas da comunica- ção. Afinal, ela permite que se afirme que as expressões das línguas naturais realmente tendem a ter sentidos simples, estáveis e unitários (em muitos casos, pelo menos), mas que sobre esse núcleo semântico estável há muitas vezes uma camada pragmática instável, ligada ao contexto — isto é, um conjunto de implicaturas (LEVINSON, 2007). A teoria da relevância, por sua vez, é uma tentativa de explicar que a expres- são e o reconhecimento de intenções são características essenciais da maior parte da comunicação humana (verbal e não verbal). Ampliando a teoria da implicatura, ela destaca os fundamentos para um modelo inferencial de comunicação. Ou seja, apresenta uma alternativa para o modelo de código clássico, que delimita que um comunicador codifica a mensagem pretendida dentro de um sinal, o qual é decodificado pela audiência por meio de uma cópia idêntica do código Análise sintática e a influência dos fatores semânticos, pragmáticos, discursivos e contextuais8 (WILSON; SPERBER, 2005). A partir da proposta do modelo inferencial, o comunicador compartilha a sua intenção de comunicação com base em certo significado, o qual é inferido pelo receptor por meio das evidências fornecidas. Nesse contexto, o enunciado é uma peça de evidência codificada linguisti- camente, de tal forma que a compreensão envolve o elemento de decodificação. Contudo, o significado linguístico decodificado é somente um dos inputs para o processo de interpretação. Portanto, a pragmática inferencial objetiva explicar como o ouvinte infere significado com base nas evidências fornecidas. Já a abordagem teórica da relevância é baseada em afirmações diferentes: os enun- ciados criam automaticamente expectativas que guiam o ouvinte na direção do significado do falante (WILSON; SPERBER, 2005). Parte-se da existência de alguns elementos que cooperam: veracidade, quantidade de informação, relevância, modo e clareza, conforme o Quadro 1. Assim, a interpretação é uma escolha do receptor, mas ele a faz de forma a satisfazer esses elementos. Veracidade Elemento que pressupõe que o sujeito não diz algo que não considera ser verdade. Ou seja, a ideia é que o sujeito não diz aquilo que considera falso. Quantidade de informação Essa máxima diz respeito à quantidade de informação necessária para que, além da interação, a compreensão se faça presente. Quando ela não é respeitada, as pessoas não sabem como agir em relação ao volume de informação, que pode ser pequeno ou excessivo. Relevância Esse pressuposto considera a adequação da informação ao contexto de interação. A mudança de tópico podeser necessária para que ocorra compreensão. Modo A máxima do modo está relacionada com as formas, ou seja, com a forma de expressão das ideias e das informações. Clareza Assim como a concisão, a precisão e a ordenação, a clareza faz parte do uso da linguagem e está incorporada na máxima do modo. É, diretamente, o uso da linguagem. Quadro 1. Exemplos de máximas da teoria da relevância Por fim, a afirmação central da teoria da relevância é que expectativas de relevância geradas por um enunciado são precisas e previsíveis o suficiente para guiar o ouvinte na direção do significado do falante. O objetivo é explicar 9Análise sintática e a influência dos fatores semânticos, pragmáticos, discursivos e contextuais em termos cognitivamente realísticos a que essas expectativas equivalem e como elas podem contribuir para uma abordagem empiricamente plausível da compreensão (WILSON; SPERBER, 2005). BRAHIM, A. C. S. M.; BRUZ, I. M.; SILVA, E. M. O. Interpretação textual e discursiva: o caminho para a leitura crítica de textos do livro didático de língua estrangeira. In: EDUCERE, 11., 2013. Anais [...]. Curitiba, 2013. Disponível em: https://educere.bruc.com. br/arquivo/pdf2013/6994_6548.pdf. Acesso em: 10 nov. 2019. LEVINSON, S. C. Pragmática. São Paulo: Martins Fontes, 2007. MARTINS, M. H. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1988. NEVES, Maria Helena de Moura. A interface sintaxe, semântica e pragmática no fun- cionalismo. D.E.L.T.A., v. 33, n. 1, 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/delta/ v33n1/1678-460X-delta-33-01-00025.pdf. Acesso em: 10 nov. 2019. WILSON, D.; SPERBER, D. Teoria da relevância. Linguagem em Discurso, v. 5, 2005. Dispo- nível em: http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/Linguagem_Discurso/ article/view/287. Acesso em: 10 nov. 2019. Leitura recomendada PHILOSOPHY - language: gricean pragmatics. [S. l.: s. n.], 2014. 1 vídeo (13 min). Pu- blicado pelo canal Wireless Philosophy. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=we6uSVf4qss. Acesso em: 10 nov. 2019. Os links para sites da Web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Análise sintática e a influência dos fatores semânticos, pragmáticos, discursivos e contextuais10 DICA DO PROFESSOR Os princípios que geram as implicaturas têm uma capacidade de explicação sobre os fatores aparentemente não relacionados com a cooperação no processo de comunicação. Dessa forma, a Teoria da Implicatura proposta por Grice é válida para entendimento de como as pessoas usam a língua. Essa teoria busca explicar o conjunto de suposições mais amplas que guiam a conduta da conversação. Dessa forma, para saber um pouco mais sobre essa teoria e ampliar o seu entendimento sobre o processo de comunicação, acesse a Dica do Professor a seguir. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! EXERCÍCIOS 1) O funcionamento da linguagem, em uma abordagem centrada no falante, está baseado em três aspectos fundamentais. Quais são eles? Assinale a alternativa correta: A) A capacidade de acionar códigos, o saber de uma língua particular e a atuação linguística em um evento comunicativo. B) A capacidade de acionar a ligação entre esquemas cognitivos e linguagem, o saber semântico de uma língua e a atuação linguística em um evento comunicativo. C) A capacidade de acionar a ligação entre esquemas cognitivos e linguagem, o saber de uma língua particular e a atuação sintática em um evento comunicativo. A capacidade de acionar a ligação entre esquemas cognitivos e linguagem, o saber de uma D) língua particular e a atuação linguística em um evento comunicativo. E) A capacidade de acionar a linguagem, o saber de uma língua e a atuação linguística em eventos de leitura e interpretação. 2) De acordo com os estudiosos cognitivistas da linguagem, evidencia-se que os itens lexicais e as expressões não são significativos intrinsecamente, pelo contrário, têm o seu significado construído ___________. Assinale a alternativa que preenche corretamente a lacuna: A) na leitura B) no ato de interpretação C) no ato da linguagem D) previamente pelo ouvinte E) no texto 3) Ao se incorporar aspectos discursivos, como: valorização do contexto social, observação do contexto cultural, entre outros, passa-se para uma forma diferente de interpretação, pois linguagem e discurso incorporam ideologias. Isso acontece de forma complexa, por quê? Assinale a alternativa que apresenta a resposta correta para esse questionamento: A) Isso acontece de forma complexa, porque o significado de um texto é construído pela análise pragmática do contexto de produção, estando o texto presente no momento de produção e sem relação com o contexto. B) Isso acontece de forma complexa, porque o significado de um texto é construído não apenas a partir das palavras impressas no papel, mas também pela análise sintática das estruturas, sem relação com a semântica textual. C) Isso acontece de forma simples, porque o significado de um texto é construído a partir das palavras impressas no papel, sem interferência do contexto social. D) Isso acontece de forma complexa, porque o significado de um texto é construído a partir das palavras impressas no papel. E) Isso acontece de forma complexa, porque o significado de um texto é construído não apenas a partir de palavras impressas no papel, mas também de como essas palavras são usadas em um contexto social. 4) A interpretação de frases, como um processo interativo, utiliza diferentes níveis de conhecimento. Quais são eles? Assinale a alternativa que apresenta todos eles: A) Conhecimento linguístico, textual e de mundo. B) Conhecimento sintático e semântico. C) Conhecimento pragmático e textual. D) Conhecimento da sintaxe da língua e interpretação de mundo. E) Conhecimento linguístico e entendimento do funcionamento da língua. Sobre a Teoria da Implicatura, assinale verdadeiro (V) ou falso (F) para afirmações a seguir: 5) ( ) A Teoria da Implicatura explica como o que é "dito" expressa literalmente tudo o que se pretende no ato de comunicação. ( ) O conceito de Implicatura oferece algumas explicações funcionais para os fatos linguísticos. ( ) A Teoria da Implicatura objetiva ir além da teoria semântica, no sentido de que promete preencher as lacunas deixadas por aquela, no intuito de explicar como nos comunicamos usando a língua. A) F – F – F B) V – F – V C) F – V – V D) V – V – F E) V – V – V NA PRÁTICA O processo de interpretação de frases e de textos está limitado ao alinhamento de palavras e, consequentemente, à interpretação da relação entre as palavras que são postas e escolhidas para composição do texto? Ou seja, o processo de interpretação está apenas relacionado com elementos internos do texto? E o discurso? De que forma ele é parte integrante do processo de interpretação? Exatamente, a interpretação de frases está relacionada com aspectos discursivos e textuais. Para entender um pouco mais sobre essa afirmação, acesse o material a seguir e observe o exemplo proposto e a sua análise. SAIBA MAIS Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Gramática: Fonologia, Morfologia, Sintaxe, Semântica E Estilística Veja no vídeo a seguir como estudar gramática, o que é fonologia, o que é morfologia, o que é sintaxe, o que é semântica, o que é estilística Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Autoria e aprendizagem da escrita A tese defendida por Márcia Vescovi trata do tema autoria e aprendizagem da escrita. No Capítulo 2, a autora trata da seguinte temática: a constituição do sentidodo texto – além do objeto linguístico. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Contribuições da Teoria da Relevância para a prática de interpretação de textos: uma ilustração por meio de textos de humor Neste texto, os autores Marcos Goldnadel e Rita de Cássia Oliveira explicam um pouco sobre as Contribuições da Teoria da Relevância para a prática de interpretação de textos: uma ilustração por meio de textos de humor. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!
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