Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ENERGÉTICA DAS VIAS METABÓLICAS VISÃO GERAL Os organismos vivos realizam diversos processos metabólicos fundamentais para a sua sobrevivência. A todo momento estão ocorrendo inúmeros mecanismos bioquímicos que envolvem transdução energética e conversão de energia de uma forma para outra. Os organismos obtêm energia através da alimentação, mais precisamente, da digestão dos macronutrientes. Essa energia é vastamente utilizada pelas células para que elas possam permanecer vivas, crescer e se reproduzir. A partir dela, as células sintetizam macromoléculas complexas mediante polimerização de biomoléculas simples, criam gradientes de concentração, gradientes elétricos, geram movimento, calor e até mesmo luz. As transduções de energia que ocorrem nos sistemas biológicos obedecem às leis químicas e físicas que governam os processos naturais. Dessa forma, o conhecimento das leis da termodinâmica são fundamentais para a compreensão da bioquímica das células. A primeira lei da termodinâmica é conhecida como princípio da conservação de energia. Ela estabelece que o somatório total da energia no universo é constante, isto é, a energia pode mudar de forma ou ser transportada para outro lugar, mas jamais pode ser criada ou destruída. Já a segunda lei da termodinâmica diz que o universo sempre tende para o aumento da desordem. Aqui é necessário a introdução do conceito de entropia, S, que é a expressão quantitativa da aleatoriedade ou desordem de um sistema. Portanto, pode-se dizer que a segunda lei da termodinâmica determina que os processos naturais são favorecidos com o aumento de entropia. Os organismos biológicos estão em constante interação com o meio ambiente. A todo o momento, eles se auto-organizam ao passo que realizam troca energética e de matéria com o meio que o cerca. Os processos que ocorrem tanto no âmbito microscópico quanto no macroscópico são intimamente correlacionados. Além da entropia, existem outros dois conceitos termodinâmicos essenciais: a entalpia e a energia livre de Gibbs. A entalpia, H, é o conteúdo de calor do sistema. Ela reflete a quantidade e o tipo de ligações químicas existentes entre os reagentes e os produtos. Reações que liberam calor são exotérmicas, enquanto que reações que absorvem energia, endotérmicas. A quantidade de energia capaz de realizar trabalho durante uma reação a temperatura e pressão constantes é conhecida como energia livre de Gibbs. Nas condições biológicas, esses conceitos se relacionam pela equação: ΔG = ΔH - T.ΔS MUDANÇAS NA ENERGIA LIVRE DE GIBBS A energia livre de Gibbs, G, é a quantidade de energia capaz de realizar trabalho biológico durante uma reação a temperatura e pressão constantes. Essa energia pode ser usada para predizer os sentidos das reações, a constante de equilíbrio e a quantidade de trabalho que elas podem realizar. Em uma reação química, a medida em que os produtos estão sendo formados, parte dos reagentes são restaurados. Essa variação de concentração permanece até que o equilíbrio químico seja atingido e as velocidades da reação no sentido direto e inverso se igualem. Na natureza, os sistemas tendem a atingir o equilíbrio, sendo a energia livre de Gibbs uma forma de expressar a força motriz que representa essa tendência. A variação de energia livre de gibbs em condições padrão representa uma forma matemática alternativa de representar a constante de equilíbrio de um sistema. Um sistema que tende a seguir a reação no sentido direto, tem uma constante de equilíbrio maior que 1 e o ΔG negativo. Essas reações se transformam de modo a liberar energia livre e são classificadas como exergônicas. Já as reações que possuem constante de equilíbrio menor que 1, tenderão a seguir pelo sentido inverso e terão ΔG positivo, sendo chamadas de endergônicas. Reações que ocorrem mediante realização de trabalho, exergônicas, acontecem espontaneamente na natureza. A variação de energia livre negativa significa que o conteúdo de energia livre dos reagentes é maior do que o dos produtos. Ou seja, a força motriz para atingir o equilíbrio induz que essa reação ocorra espontaneamente. Por outro lado, as reações endergônicas possuem variação de energia livre positiva. Os produtos contêm mais energia livre do que os reagentes, o que faz com que o sentido inverso da reação seja favorecido para atingir o equilíbrio. Dessa forma, tais reações não são espontâneas em condições padrão. Para que elas venham a acontecer, é necessário que seja fornecida energia ao sistema. Embora pareça contraditório, muitas reações com variação positiva de energia livre ocorrem nas células cotidianamente. Para que essas reações desfavoráveis procedam, é necessário que seja adotada uma via metabólica alternativa, a qual passe por outras reações intermediárias termodinamicamente favoráveis que vão fornecer a energia suficiente para a transformação. As variações de energia livre são aditivas. Logo, no caso de reações químicas sequenciais a variação da energia livre geral vai ser igual ao somatório do ΔG de cada reação. Além disso, outra confusão muito comum é achar que, por ser favorável, uma reação vai ocorrer sempre, o que não é verdade. Muitas vezes as reações possuem energia de ativação mais alta do que a energia disponível no sistema, sendo muito lentas. Nessas circunstâncias faz-se necessário enzimas para catalisá-las, reduzindo a sua energia de ativação, para que ocorram em um tempo biologicamente útil. REAÇÕES ACOPLADAS O metabolismo é um conjunto de todas as transformações químicas que ocorrem em uma célula ou no organismo. Essa série de reações se dá por meio de catálise e regulação enzimática e constituem as vias metabólicas. As vias metabólicas possuem diversas etapas consecutivas que compartilham um intermediário em comum. O produto de uma reação vai ser o reagente da reação seguinte. Dessa forma, as reações acopladas estabelecem uma íntima relação de dependência uma das outras. Existem duas fases principais no metabolismo: o catabolismo e o anabolismo. O catabolismo é a fase de degradação, na qual as macromoléculas presentes nos alimentos são convertidas em produtos menores e mais simples. Essas vias são primordiais para obtenção de energia, que vai ser conservada na forma de ATP ou transportadores de elétrons ou hidrogênio reduzidos. O anabolismo é a fase inversa, na qual ocorre a biossíntese de macromoléculas complexas a partir de substratos mais simples. Nessa fase há gasto da energia acumulada na forma de ATP ou nas coenzimas redox. As reações acopladas de uma via metabólica são dependentes uma das outras. A inibição ou estimulação de uma reação gera um efeito em cadeia em toda a via metabólica. Por exemplo, dada uma via metabólica A + B ⇌ AB + C → ABC, a inibição da primeira reação, resultaria na formação de menos ABC, uma vez que haveriam menos substratos AB e C para sua síntese. De maneira análoga, o estímulo da primeira reação geraria um excesso de AB e C e, portanto, um aumento na síntese de ABC. As diferentes vias metabólicas são independentes mas altamente reguladas pela ação enzimática. A maioria das células possuem enzimas específicas para síntese e outras para a degradação de uma biomolécula. Quando uma via é estimulada, a outra passa a ser inibida e vice-versa. Além disso, é fundamental que uma das reações seja termodinamicamente favorável para que ela não seja irreversível e que a substância se comprometa com determinada via metabólica. A coordenação dessas reações é fundamental para o funcionamento adequado das células e do organismo. A regulação do metabolismo é extremamente complexa e integrada. Ela depende de diversos fatores como, concentração das substâncias, energia, constantes de equilíbrio e ΔG, presença de cofatores e ação enzimática. CICLO DE ATP-ADP A adenosina trifosfato, ATP, é principal molécula transportadora de energia nas células. A energia obtida através do catabolismo dos nutrientes é usada para sintetizar ATP a partirde ADP e fosfato inorgânico. O ATP conserva essa energia que prontamente pode ser utilizada pelo organismo caso surja alguma demanda energética para processos anabólicos, transporte ativo de substâncias por meio de membranas, e para realizar movimento mecânico. Essa doação de energia se dá pela transferência de fosfato ou hidrólise do ATP em ADP ou fosfato inorgânico ou, em alguns casos, em AMP e 2 fosfatos inorgânicos. Em uma primeira análise, pode surgir a dúvida de como a quebra de ligação covalente, que é um processo endotérmico, resultaria em uma liberação de energia. Experimentalmente, observou-se que a variação de energia livre da hidrólise de ATP é grande e negativa. Essa reação é favorável porque a separação de um dos três grupos fosfatos da molécula de ATP alivia a repulsão eletrostática das cargas negativas desses grupos. Outro fator contribuinte é o fato do fosfato liberado poder ser estabilizado por ressonância, o que não era possível antes no ATP. Ademais, o maior grau de solvatação nos produtos da hidrólise do que no ATP contribuem com a estabilização dos produtos em relação ao substrato. É necessário elucidar que a hidrólise do ATP por si só, gera liberação de calor e, portanto, não é isso que vai impulsionar os processos químicos em um sistema isotérmico. Essa é uma forma simplificada de explicar o processo. Na verdade, uma parte do ATP vai ser transferida covalentemente para uma molécula do substrato ou para uma enzima de modo a aumentar o conteúdo energético. Posteriormente, a porção transferida na primeira etapa é deslocada. Em resumo, o ATP faz com que o composto passe a ter mais energia livre para liberar durante as transformações subsequentes e, portanto, sua ocorrência seja favorecida. A disponibilidade de ATP é regulada pela célula por ação enzimática. Apesar de ser termodinamicamente mais instável do que os produtos da sua hidrólise, o ATP não doa espontaneamente grupos fosforil para água ou para outras moléculas aceptoras. A clivagem do ATP tem uma alta energia de ativação e, por isso, requer a presença de enzimas específicas para reduzir a energia de ativação. Embora o ATP seja a principal moeda energética nas células, outros trisfosfatos de nucleosídeos e outros compostos de alta energia também fornecem energia para uma variedade de processos metabólicos. O fosfoenolpiruvato pode sofrer hidrólise e gerar a forma endólica do piruvato, que pode converter-se na forma cetônica mais estável. O produto dessa reação é mais estável em relação ao substrato, o que contribui para elevada energia livre padrão dessa reação. A fosfocreatina possui uma ligação P--N que pode ser hidrolisada para formar creatina livre e fosfato inorgânico. A estabilização por ressonância dos produtos favorece a reação no sentido direto, tendo uma grande variação de energia livre padrão negativa. Essa substância é usada para repor o ATP nos músculos. A hidrólise dos tioesteres geram produtos que são estabilizados por ressonância. Os tioésteres sofrem menos estabilização do que os ésteres de oxigênio e, por isso, a diferença de energia livre entre os subtratos e os produtos da hidrólise é maior. Portanto, a variação de energia livre padrão dessas reações é elevada e negativa. Um importante tioéster do metabolismo é o acetil-CoA, envolvidos em muitos processos como na respiração celular. A hidrólise de outros nucleosídeos trifosfatados também possuem uma grande variação de energia livre negativa. O trifosfato de guanosina, GTP, é muito utilizado durante as etapas ribossômicas de síntese proteica. O trifosfato de citosina, CTP, na síntese de lipídeos. O trifosfato de uridina, UTP, na síntese de polissacarídeos. COENZIMAS REDOX As reações de oxirredução são muito importantes no metabolismo dos organismos. Elas são caracterizadas por envolverem transferência de elétrons entre as espécies químicas. Em reações redox, uma espécie vai oxidar ao doar elétrons para outra espécie que vai reduzir ao recebê-los. O fluxo de elétrons resultantes das reações de oxirredução é responsável por todo o trabalho realizado pelos organismos. Nos seres heterótrofos os elétrons vão vim da oxidação dos nutrientes. Os elétrons perpassam de diversos intermediários metabólicos para transportadores de elétrons especializados, em reações catalisadas enzimaticamente. Os transportadores de elétrons, por sua vez, doam-nos para as espécies com maior afinidade. O fluxo exergônico de elétrons gera uma força eletromotriz (fem) que fornece energia para uma gama de transdutores moleculares de energia que podem gerar trabalho biológico. A ação dos transportadores é fundamental para o metabolismo das células. O NAD, NADP, FMN e FAD são coenzimas solúveis que sofrem oxidações e reduções reverversíveis a medida em que transduzem os elétrons. O NAD e o NADP possuem mais mobilidade de uma enzima para outra, enquanto que o FMN e FAD são fortemente ligados às enzimas. O dinucleotídeo de nicotinamida-adenina, NAD, e o dincucleotídeo de nicotinamida-adenina-fosfato, NADP, podem sofrer redução reversível do anel de nicotinamida. Quando o substrato sofre oxidação (desidrogenação), a forma oxidada do nucleotídeo recebe um íon hidreto e é reduzida a NADH ou NADPH e o segundo próton retirado do substrato é solvatado pela água. No organismo, geralmente há uma maior concentração de NADPH do que NADP+, o que favorece a transferência do hidreto para algum susbtrato. Já o NAD+ está mais presente do que o NADH, o que favorece a transferência do hidreto do substrato para o NAD+. Dessa forma, o NAD+ geralmente atua em oxidação, no catabolismo, enquanto que o NADPH atua na redução, no anabolsimo. O mononucleotídeo de flavina, FMN, e o dinucleotídeo de flavina-adenina, FAD, são coenzimas usadas pelas flavoproteínas. Eles sofrem redução reversível, recebendo um ou dois elétrons na forma de um ou dois átomos de hidrogênio de um substrato, gerando FADH2 ou FMNH2 quando totalmente reduzidos. Essas coenzimas estão envolvidas em uma maior diversidade de processos do que a NAD e a NADP, e podem servir até como receptores de luz em criptocromos e fotoliases. REFERÊNCIAS HARVEY, R. A.; FERRIER, D. R. Bioquímica ilustrada. Tradução André Krumel Portella... et al. 5. ed. Porto Alegre: ARTMED, 2012 NELSON, David L. Princípios de bioquímica de Lehninger. [Coordenação da tradução de] Ana Beatriz Gorini da Veiga et al. 6. ed. Porto Alegre : ARTMED, 2014.
Compartilhar