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Thaís Morghana - UFPE-CAA Abortamento INTRODUÇÃO Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), abortamento é definido como a interrupção da gestação com feto com idade gestacional inferior a 20 semanas ou pesando menos de 500 gramas. Espontâneo: sem ação deliberada de qualquer natureza. Provocado ou induzido: resultante de interferência intencional. Precoce: perda até 12 semanas de gestação. Tardio: perda entre 12 e 20 semanas de gestação. Subclínico: ocorre antes da próxima falha menstrual. Clínico: ocorre após confirmação da gravidez por beta-hCG ou USG. Cerca de 15 a 20% das gestações clinicamente diagnosticadas vão resultar em abortamento. ETIOLOGIA ANORMALIDADES CROMOSSÔMICAS Corresponde a 50 a 80% dos abortamentos precoces. E tem como fator de risco a idade materna avançada. A trissomia autossômica é a alteração mais frequente, acometendo principalmente os cromossomos 16, 22, 21, 15, 13, 2 e 14. A monossomia do cromossomo X é a segunda alteração mais frequente, e ocorre pela falta de um cromossomo sexual paterno, não havendo correlação com a idade materna. A triploidia geralmente está associada aos cariótipos 69 (XXY ou XXX), devido à fecundação por 2 espermatozóides (dispermia) ou pela duplicação do genoma do espermatozoide. Em casos de abortamento habitual, cerca de 3-5% dos casais apresentam alterações cromossômicas, sendo mais frequente a alteração na translocação balanceada, além de translocação robertsoniana, mosaicismo do cromossomo X e inversões. Outra causa cromossômica é a presença de aneuploidia recorrente em conceptos de casais com cariótipo normal. ALTERAÇÕES ENDÓCRINAS Insuficiência lútea: o corpo lúteo é incapaz de manter a produção hormonal e endócrina. O diagnóstico é pela biópsia endometrial e a dosagem sérica de progesterona. Não há comprovação da existência dessa condição e o tratamento com progesterona não é eficaz. Doenças da tireóide: hipo e hipertireoidismo podem ser fatores de risco para abortamento. A relação dos anticorpos antitireoidianos com o abortamento habitual é controverso. DM insulinodependente: fator de risco para abortamento nos casos de doença não controlada. Síndrome dos ovários policísticos: o abortamento em pacientes com SOP está associado a maior resistência à insulina, com consequente hiperinsulinemia e elevação do hormônio luteinizante obesidade e hiperandrogenismo. INFECÇÕES As infecções maternas podem ocasionar abortamento por lesões da decídua, da placenta, das membranas ovulares e do produto conceptual. As infecções mais associadas são rubéola, parvovirose, CMV, herpes simples, hepatite B, HIV, ITU, sífilis, toxoplasmose e malária. ALTERAÇÕES ANATÔMICAS Incompetência istmocervical: se caracteriza por perda fetal recorrente no segundo trimestre da gravidez, em consequência de insuficiência do sistema de oclusão do colo uterino. Pode ser devido a um defeito estrutural ou funcional. ● Cerca de 10-20% dos abortamentos habituais. ● Geralmente, ocorre dilatação cervical indolor, ausência de sangramento, protrusão das membranas ovulares na vagina e posterior rotura de membranas, seguida de expulsão fetal. ● Fatores etiológicos: trauma (dilatação e curetagem, laceração pós-parto ou pós-abortamento, amputação do colo), origem congênita (alteração do colágeno ou exposição ao diestilbestrol). ● Diagnóstico: história de perdas recorrentes no segundo trimestre ou partos prematuros, USG Thaís Morghana - UFPE-CAA transvaginal para avaliar comprimento do cérvix, forma do canal cervical e presença de protrusão. ● É sugestivo de incompetência o comprimento < 25 mm com história prévia de abortamento, ou < 20 mm como fator isolado. ● Tratamento: cerclagem pela técnica de McDonald modificada por Pontes. Miomas: podem ocorrer deciduação deficiente na região de implantação do ovo e rápido crescimento tumoral. O mioma pode ter seu suprimento sanguíneo comprometido e sofrer necrose tumoral com liberação de citocinas e consequentemente, provocar contratilidade uterina e abortamento. Malformações uterinas: as principais são útero unicorno, didelfo, septado, bicorno e arqueado, e ocorrem devido às anomalias de fusão dos ductos de Muller. Causam abortamento habitual tardio, restrição do crescimento fetal, prematuridade, apresentações anômalas e hemorragia pós-parto. ● O tratamento com correção cirúrgica não tem evidências de benefício na prevenção de novos abortamentos. Sinéquias uterinas (síndrome de Asherman): as aderências intrauterinas, geralmente secundárias a curetagens pós-abortamento infectado, podem interferir no processo de implantação ovular. ● Geralmente as mulheres apresentam diminuição do fluxo menstrual ou amenorréia. ● Diagnóstico: histerossalpingografia ou histeroscopia. ● Tratamento: lise das aderências sob visão histeroscópica. ALTERAÇÕES IMUNOLÓGICAS Síndrome antifosfolípide (SAF): caracteriza-se pela presença de anticorpos como anticardiolipina, anticoagulante lúpico e anti-beta-2-glicoproteína 1. Esses anticorpos estão associados a abortamento habitual, restrição do crescimento fetal, prematuridade, DHEG, DPP e óbito fetal. ● Os anticorpos antifosfolipídicos são responsáveis por fenômenos trombóticos, tanto arteriais como venosos. ● As perdas fetais ocorrem principalmente no 2º trimestre, devido a trombose e infartos placentários, com consequente hipóxia fetoplacentária. ● Diagnóstico: pelo menos 1 critério clínico e 1 laboratorial. Critérios clínicos 1. Um ou mais episódios de trombose arterial, venosa ou de pequenos vasos ocorrendo em qualquer tecido ou órgão, objetivamente comprovada por imagem ou histopatologia e sem evidência de inflamação na parede dos vasos. 2. ≥ 1 mortes intrauterinas de fetos morfologicamente normais após dez semanas de gravidez. 3. ≥ 1 partos prematuros de fetos morfologicamente normais com < 34 semanas, em decorrência de eclâmpsia, pré-eclâmpsia ou insuficiência placentária. 4. ≥ 3 abortamentos espontâneos consecutivos com < 10 semanas, excluindo-se anormalidades anatômicas e hormonais, bem como anomalias cromossômicas maternas e paternas. Critérios laboratoriais 1. Anticorpos anticardiolipina: IgG ou IgM presentes em quantidade moderada a alta (acima de 40 GPL ou MPL) em duas situações espaçadas por pelo menos 12 semanas. 2. Anticorpo lúpus anticoagulante: encontrado em duas ou mais situações espaçadas por pelo menos 12 semanas entre elas. 3. Anticorpo anti beta2-glicoproteína I: IgG ou IgM em altos títulos (≥ percentil 99) em duas ou mais ocasiões com intervalo de no mínimo 12 semanas. ● Tratamento: Thaís Morghana - UFPE-CAA - Heparina não fracionada: 5.000-10.000 UI 12/12h por via subcutânea OU - Heparina de baixo peso molecular: enoxaparina 40 mg/dia ou 1 mg/kg/dia; dalteparina 5.000 UI/dia ou 100 UI/kg/dia - AAS: 100 mg/dia por via oral TROMBOFILIAS HEREDITÁRIAS ● Há um maior risco de abortamento em pacientes com trombofilias hereditárias, como fator V de Leiden, mutação do gene da protrombina e deficiências da antitrombina e das proteínas C e S. ● A literatura a respeito da associação de trombofilias hereditárias e abortamento habitual é controversa. FATORES DE RISCO ● Tabagismo: mulheres que fumam mais de 10 cigarros/dia têm maior risco de abortamento. ● Álcool: o consumo moderado ou excessivo se relaciona a maior risco de abortamento e teratogênese. ● Cocaína ● Trauma: o abortamento pode ser devido a queda ou trauma abdominal direto. ● Idade materna avançada. ● Medicações: misoprostol, retinóides, metotrexato. FORMAS CLÍNICAS AMEAÇA DE ABORTAMENTO Ocorre em 15 a 20% de todas as gestações, sendo que a probabilidade de evolução para abortamento espontâneo é de 50%. ● Quadro clínico: sangramento vaginal de pequena intensidade associado a cólicas leves ou ausentes. O colo permanece fechado, vitalidade ovular preservada e útero compatível com a IG. ● Exame ginecológico: afastar lesões, pólipos e vaginites agudas. ● Laboratorial: beta-hCG dentro da normalidade. ● Exame de imagem: USG sem alterações significativas, o saco gestacional encontra-se íntegroe, caso já seja possível visualizar o embrião, os batimentos cardíacos estarão presentes. Há a presença de hematoma subcoriônico em cerca de 4-40% dos casos. ● Tratamento: - Repouso no leito, adm de hCG, uso de relaxantes musculares e suplementação com vitaminas: muito usados na prática clínica, mas não tem evidências de alta qualidade. - Progestágeno via oral: os estudos realizados mostraram benefício no uso da medicação. Porém, eles têm um número pequeno de casos avaliados e baixa qualidade metodológica. - Imunoglobulina anti-D: usada na prevenção de aloimunização Rh em casos de ameaça de abortamento após 12 semanas de gestação. ABORTAMENTO INEVITÁVEL Ainda não foi expelido nenhum material, mas a ocorrência do abortamento é certa. Pode evoluir para um abortamento completo ou incompleto. ● Quadro clínico: presença de um ovo íntegro, mas inviável, colo aberto e a bolsa amniótica pode estar herniada. Há sangramento vaginal, que pode ser intenso, e dor em cólica. O volume uterino pode ser incompatível com a IG. O beta-hCG é positivo, mas reduzido e decrescente. ● Exame de imagem: USG com sinais de descolamento decidual, formação de hematoma retrocorial, saco gestacional irregular, com presença ou não de batimentos cardíacos fetal ● A maioria dos casos tem resolução espontânea em 72h. ● Tratamento: conduta conservadora ou esvaziamento uterino. ABORTAMENTO COMPLETO Já ocorreu a expulsão espontânea e total do feto e dos anexos. ● Quadro clínico: rapidamente o útero se contrai e o sangramento e as cólicas diminuem de intensidade. O colo uterino fecha em poucas horas. ● Exame de imagem: pode não haver evidência de conteúdo uterino ou uma mínima quantidade de conteúdo heterogêneo e líquido. A espessura endometrial de até 15 mm é indicativa de abortamento completo. ● Tratamento: acompanhamento ambulatorial. Administração de imunoglobulina anti-Rh em gestantes Rh- não sensibilizadas. Thaís Morghana - UFPE-CAA ABORTAMENTO INCOMPLETO Ocorre a eliminação parcial dos produtos da concepção. Mais frequente após 10 semanas de gestação. ● Quadro clínico: o sangramento vaginal pode ser intermitente, volume uterino menor que o esperado para a IG, e o colo pode estar fechado ou aberto. - Em alguns casos, percebe-se a presença de material ovular ao toque e o colo aberto, com sangramento moderado e cólicas moderadas. - Em outros casos, ocorre a eliminação quase total dos produtos ovulares. As cólicas e o sangramento regridem substancialmente. ● Exame laboratorial: beta-hCG geralmente negativo. ● Exame de imagem: visualizam-se ecos endometriais heterogêneos e mal definidos. A espessura endometrial é maior que 15 mm. ● Tratamento: esvaziamento uterino por curetagem ou aspiração manual intrauterina. ABORTAMENTO RETIDO Denomina-se aborto retido a morte embrionária ou fetal antes de 20 semanas, associada à retenção do produto conceptual por período prolongado de tempo, por vezes dias ou semanas. ● Quadro clínico: as pacientes relatam cessação dos sintomas da gravidez. Pode haver sangramento vaginal de pequena quantidade. O volume uterino é menor que o esperado para a IG e o colo está fechado. ● Exame de imagem: USG mostra irregularidade do saco gestacional, alterações da vesícula vitelínica e ausência de atividade cardíaca em embrião com comprimento cabeça-nádega ≥ 7 mm. Repete-se o exame após 7-15 dias para confirmação diagnóstica. ● Tratamento: esvaziamento uterino. ABORTAMENTO INFECTADO As bactérias envolvidas no abortamento infectado são aeróbias e anaeróbias, e merecem destaque: estreptococos beta-hemolíticos, Enterococcus spp, Escherichia coli, Peptostreptococcus spp, Bacteroides fragilis e Clostridium spp. ● Inicia com endometrite e pode progredir para peritonite, choque séptico, insuficiência renal, coagulopatia, síndrome da angústia respiratória e morte materna. ● Quadro clínico: - Quando a infecção é limitada à cavidade uterina e miométrio, a febre normalmente é baixa, com a paciente em bom estado geral, apresentando dores discretas e contínuas com algumas cólicas. Não há sinais de abdome agudo e o sangramento é escasso - Quando a infecção progride, o sangramento normalmente está associado a um líquido de odor fétido. A febre geralmente é alta (> 39°C), acompanhada de taquicardia, desidratação, paresia intestinal, anemia, dores constantes e espontâneas com defesa à palpação pélvica. O útero encontra-se amolecido, com redução da mobilidade e colo entreaberto, e o toque vaginal é muito dificultado pela presença da dor ● Exame de imagem: USG com imagens de restos ovulares e/ou coleções purulentas no fundo de saco de Douglas. ● Tratamento: internação hospitalar, com monitoração dos sinais vitais, correção da volemia e avaliação do estado hemodinâmico,do sistema de coagulação e da extensão do processo infecciosa. - Antibioticoterapia: gentamicina (1,5 mg/kg/dose 8/8h) ou amicacina (15 mg/kg/dia 8/8h) + Clindamicina (600 a 900 mg a cada 6 a 8 horas) ou metronidazol (500mg a 1g 6/6h). - Falha do tratamento: fazer ampicilina (500 mg a 1 g 6/6 h) ou penicilina cristalina (20 a 40 milhões de UI/dia). - Após resultados de cultura: direcionar a antibioticoterapia. - Esvaziamento uterino: sempre com administração de ocitocina antes e após o procedimento. - Histerectomia é indicada em casos de infecção disseminada ou refratária ao tratamento clínico. TRATAMENTO CONDUTA EXPECTANTE Thaís Morghana - UFPE-CAA ● A conduta expectante tem sido bem tolerada pelas mulheres, desde que devidamente esclarecidas sobre os riscos e benefícios desse tipo de tratamento. ● Geralmente, a eliminação do produto conceptual ocorre nas primeiras semanas de acompanhamento. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO ● O tratamento farmacológico é uma boa alternativa aos métodos cirúrgicos, principalmente no 1º trimestre. ● O misoprostol é um análogo sintético de prostaglandina E1, com efeitos na contratilidade uterina e no esvaecimento cervical. ● Para o tratamento da perda gestacional precoce, a maioria dos estudos preconiza a administração de 800 μg de misoprostol por via vaginal a cada 24 horas, por até 2 dias, com taxa de sucessO (abortamento completo) superior a 80% nos casos de aborto retido e gestação anembríonada. ● Outros protocolos: dose de 200 μg a cada 4 horas, 400 μg a cada 12 horas. ● A ocitocina pode ser indicada antes e após procedimento cirúrgico. TRATAMENTO CIRÚRGICO Curetagem uterina ● Indicada tanto no 1º quanto no 2º trimestre, com eficácia próxima a 100%. ● Indicada nos casos de sangramento moderado ou intenso, presença de infecção ou mulheres que não desejam a eliminação espontânea do concepto. ● É o procedimento com maior risco de perfuração uterina. Aspiração manual intrauterina (AMIU) ● Indicada em abortamento do 1º trimestre. ● O instrumental é composto por uma seringa de 60 mL de válvula simples ou dupla, que é acoplada à cânula de plástico flexível de espessura variável (3 a 12 mm). Aspiração à vácuo ● Semelhante à AMIU, porém necessita de sistema de vácuo para sua realização. REFERÊNCIAS CUNNINGHAM, F. Gary et al. Obstetrícia de Williams. 23. ed. Porto Alegre: AMGH, 2012. ZUGAIB, Marcelo. Obstetrícia. 3. ed. Barueri, SP: Manole, 2016.
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