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Combate ao Preconceito

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1° Módulo: Introdução
 
PRECONCEITO: POR QUE COMBATE-LO?
O Código de Ética do/a Assistente Social recusa enfaticamente o preconceito e a discriminação1. Essa orientação ética já seria suficiente para justificar a importância da reflexão proposta pelo CFESS nos cadernos Assistente social no combate ao preconceito.
O preconceito está presente em diversas práticas de discriminação contra formas de vida e modos de comportamento que não são aceitos em suas diferenças e particularidades. Mas os diferentes preconceitos – contra mulheres, negros/as, homossexuais, imigrantes, idosos/as, pessoas com deficiência, entre outros/as – comungam de uma mesma atitude, de um mesmo comportamento e forma de pensar.
Assim, a abordagem de qualquer forma particular de preconceito supõe a apreensão da natureza do preconceito, de suas raízes sociais e de sua dinâmica no interior da vida cotidiana, configurada pela alienação e pela sociabilidade do momento atual. Nessa perspectiva, este caderno oferece a base de fundamentação para a abordagem crítica do preconceito, seja qual for o seu objeto particular, visando ao conhecimento do seu significado e das suas implicações, das determinações históricas que facilitam a sua reprodução na direção de uma prática liberta de discriminações e intolerâncias.
Outra determinação justifica a relevância do combate ao preconceito: a realidade atual da sociedade brasileira, que evidencia a legitimação, por parte da sociedade, de um caldo de cultura ultraconservadora, expressa em práticas fascistas e irracionalistas. Manifestações cotidianas de ódio e violência contra quem pensa e age de forma diferente relevam um cenário assustador e regressivo, do ponto de vista político e civilizatório, em que a intolerância e a discriminação marcam presença obrigatória.
Essas condições sociais interferem na vida cotidiana, na subjetividade dos indivíduos, em seus valores e sentimentos, reproduzindo ideias, hábitos, modos de comportamento, que motivam a sua inserção em ações e movimentos coletivos que podem ou não reforçar o preconceito. O trabalho profissional, como parte do cotidiano, não sendo imune a essa conjuntura, ainda conta com uma herança conservadora em sua trajetória.
Entretanto, a trajetória do Serviço Social também conta com a luta contra o conservadorismo - um dos principais objetivos do projeto ético-político, objetivado no Código de Ética, nas Diretrizes Curriculares e na Lei de Regulamentação da Profissão. Sendo assim, o combate ao preconceito, inerente ao conservadorismo, é atual e necessário num cenário em que a luta de classes e a luta entre projetos societários e profissionais estão evidentes.
 2° Módulo: O sistema social de preconceitos
Para começo de conversa: DORALICE. QUEM FOI QUE DISSE?
Doralice é funcionária de uma loja de roupas femininas localizada no maior shopping de sua cidade. Seu cotidiano é semelhante ao de suas colegas: além de atender às exigências do trabalho, é preciso cuidar das tarefas domésticas e responder a uma série de compromissos financeiros, sociais e afetivos, além de encontrar tempo para o descanso e o lazer.
Ela não sabe como consegue dar conta de tanta coisa ao mesmo tempo. Mas não se interessa em saber, como costuma dizer: “não perco tempo pensando, faço!”. Esse pragmatismo funciona em grande parte de suas atividades. De fato, se parasse para refletir sobre cada uma não daria conta das demais. E Doralice confia cegamente em sua experiência para saber o que é certo e errado, o que deve ou não deve ser feito. Ela é cheia de certezas.
Doralice não expõe suas certezas políticas no trabalho, porque não é permitido. Mas, em outros espaços, afirma ser democrática e não esconde sua ojeriza pelas pessoas que defendem os direitos humanos. Como ela diz: “Direitos humanos de quem? De bandidos? Lugar de bandido é na cadeia”.
Na vida pessoal, Doralice é confrontada pelo seu filho adolescente, que discorda de suas ideias. Frente aos seus questionamentos, Doralice só tem uma resposta: “só podem ter feito lavagem cerebral nesse menino. Maldita hora que deixei ele entrar nessa universidade!”. Seu marido concorda com ela, mas, quando se trata de uma atividade de lazer, não chegam a um acordo. Ele adora filmes brasileiros; ela os detesta a priori. E a cada sugestão dele, responde: “não vi e não gostei”. Acabam assistindo a filmes americanos escolhidos por ela, sempre em shoppings, seu espaço de convivência preferido.
No trabalho, Doralice só conta com a amizade de Evelina, uma colega que pensa como ela. As demais acabaram se afastando, devido ao seu comportamento autoritário e principalmente para fugir dos seus comentários. Quando as duas conversam, o foco é sempre voltado ao julgamento do comportamento alheio. Durante o trabalho, compartilham comentários maldosos sobre as colegas e as clientes, com a certeza de que “a aparência diz tudo”. A idosa que procura um vestido tomara que caia é “indecente”; a jovem de cabelo verde deve ser uma “ladra”; a colega, cujo filho foi reprovado na escola, só pode ser “negligente”.
É certo que, em algum momento, alguém iria revidar, acusando- as de preconceituosas. E quando ocorreu com Doralice, ela não gostou. “Quem disse que sou preconceituosa?”, esbravejou. Ninguém quer ser identificado negativamente. É possível que Doralice não tenha consciência do significado e das implicações do seu comportamento? Não importa, mesmo inconscientemente, ele produz resultados objetivos, que interferem na vida social, o que veremos ao longo de nossa reflexão.
REFLETINDO SOBRE A VIDA COTIDIANA
Para entender as determinações do preconceito, é preciso explorar a vida cotidiana, sua estrutura e dinâmica, pois é nesse âmbito que ele se reproduz.
A vida cotidiana é necessária à reprodução social dos indivíduos. Não existe vida social sem cotidianidade. Ela responde às diferentes exigências de manutenção da vida do indivíduo, em sua dimensão singular: exigências da vida privada, do trabalho, do descanso e das atividades sociais sistemáticas de intercâmbio, como as de lazer, as religiosas, entre outras. Por isso, ela é heterogênea, demandando respostas a diferentes atividades, e hierárquica, na medida em que impõe a priorização de algumas, segundo as necessidades que atendem e sua valorização pelos indivíduos.
Para realizar todas as tarefas e atividades que fazem parte da vida cotidiana, é preciso que o indivíduo ponha em movimento todos os seus sentidos, habilidades, sentimentos, ideias e paixões. No entanto, isso não significa que possa realizar cada uma dessas capacidades com toda a sua intensidade. Nesse sentido, a dinâmica da vida cotidiana exige a realização de múltiplas atividades sem a possibilidade de dedicação a nenhuma delas. Por isso, a cotidianidade não é o espaço da práxis, nem da teorização, mas de práticas fragmentadas e de um modo de pensar que tende a estabelecer uma unidade imediata entre o pensamento e a ação.
A dinâmica da vida cotidiana se caracteriza também pelo pragmatismo: as atividades devem ser realizadas de forma imediata, para que alcancem êxito. E uma vez aprendendo que certa forma de agir teve êxito, desencadeia- se outra característica da vida cotidiana: a constituição de modelos de avaliação e de comportamentos que passam a ser reproduzidos em situações semelhantes de forma repetitiva e espontânea.
Na medida em que repetimos uma forma de comportamento ou uma avaliação sobre a realidade porque elas “deram certo” em algumas situações, tendemos a generalizá-las para todas as situações. Assim, a ultrageneralização também faz parte da vida cotidiana.
A ultrageneralização, somada à unidade entre pensamento e ação e à fixação imediata na aparência da realidade, facilita a construção de estereótipos e analogias incorporados pela tradição e pelos costumes e sua reprodução como verdades inquestionáveis. Essa forma de pensar, presente na vida cotidiana, corresponde ao senso comum, que segundo Chauí, apresenta as seguintes características:
• Subjetivismo: os sentimentos e opiniões de indivíduos e grupos são reproduzidos como se fossem universaise valessem para todos os tempos e situações;
• Ajuizador: juízo imediato de situações por parte de indivíduos, grupos e classes, tendo por parâmetros a sua percepção de mundo;
• Heterogêneo: diferencia fatos e pessoas por percebê-los como diversos, mas sem indagar se isso é apenas uma aparência;
• Individualizador: cada coisa, fato ou indivíduo é visto como algo isolado e autônomo; sem história, passado ou contexto social;
• Generalizador: pela maneira como separa e junta coisas, fatos e pessoas, tende a reunir numa só ideia ou opinião coisas, pessoas e fatos semelhantes, sem indagar se isso seria apenas uma aparência. Diferencia sem perguntar sobre a diferença e reúne sem indagar sobre a semelhança;
• Causalista: para organizar o que separou e reuniu, tende a estabelecer relações de causa e efeito. (CHAUI, 1996/1997, p. 116,117).
Como observamos, as características do senso comum são inerentes à dinâmica da vida cotidiana. Ou seja, a heterogeneidade, a imediaticidade, a empiria e a ultrageneralização da vida cotidiana alimentam o conhecimento do senso comum, baseado em relações de causa e efeito, em juízos imediatos que generalizam opiniões, sentimentos e visões de mundo particulares, tratando-as como universais e verdadeiras, e, ao mesmo tempo, desconectando as situações da história.
A dinâmica da vida cotidiana se reproduz pela repetição de um ritmo fixo e de um mesmo modo de vida. Essa rigidez penetra também nos juízos de valor que precedem as demandas práticas da vida cotidiana. Julgamos qual é o melhor caminho, a forma mais eficaz, o comportamento mais correto para alcançar os objetivos postos cotidianamente, baseados em experiências e analogias que tendem a se transformar em verdades inquestionáveis.
Acontece que, na dinâmica da vida cotidiana, tendemos a identificar o correto com o verdadeiro. Ou seja, a exigência de sermos pragmáticos, para dar conta de todas as tarefas e atividades, nos leva a repetir as mesmas ações que, pela experiência, podem levar ao êxito, considerando- as corretas para serem aplicadas em qualquer situação. Assim, o que se revela correto, útil, o que leva ao êxito, passa a ser identificado como verdadeiro.
Nas atividades que supõem a relação dos humanos com os objetos da natureza, como as de produção e consumo, a própria atividade explicita a correção e a veracidade de uma generalização, como explica Heller (1998):
Se generalizarmos incorretamente, a própria atividade nos corrigirá. O produto que fabricamos será de má qualidade, ficaremos doentes por termos comido alguma coisa inadequada, etc. Teremos que alterar imediatamente nossa conduta e formar um novo juízo provisório a fim de nos orientarmos corretamente no meio ambiente (Idem, p. 46).
Porém, quando se trata das relações sociais, envolvendo juízos de valor sobre os comportamentos dos indivíduos, sobre as relações sociais estabelecidas entre eles, a generalização torna-se problemática. Se a “verdade” destes juízos provisórios não for verificada na prática ou pela reflexão, dará espaço para a reprodução de preconceitos.
Assim, os juízos de valor objetivados nesta dinâmica expressam nossa visão de mundo e nossos valores, mas os realiza de modo imediato, espontâneo, repetitivo e ultrageneralizador. Por isso, são juízos provisórios que podem ou não ser refutados.
Como afirma Heller, a rigidez do comportamento e do pensamento é relativa e, embora inevitável, o grau de ultrageneralização não é sempre o mesmo, tendo condições de se modificar na prática:
Toda ultra generalização é um juízo provisório ou regra provisória de comportamento: provisória porque se antecipa à atividade possível e nem sempre, muito pelo contrário, encontra confirmação no infinito processo da prática. (HELLER, 2000, p. 44).
Assim, existem duas possibilidades de responder às situações que cotidianamente interpelam nossa interpretação e julgamento:
1. suspendemos temporariamente os juízos provisórios e investigamos se eles correspondem à realidade objetiva, ou seja, buscamos constatar, pela reflexão, pela discussão, pelo recurso teórico e pela prática, se nosso entendimento imediato é verdadeiro ou não;
2. não suspendemos nossos juízos provisórios, porque não estamos interessados/ as em questionar nossa primeira impressão e nosso juízo sobre a situação. Temos convicção de que nossa apreensão imediata é verdadeira.
Quando os juízos provisórios não são contestados e verificados, estamos em face do preconceito, isto é, da reificação de pré-conceitos (juízos provisórios) em verdades inquestionáveis.
Portanto, o problema do preconceito não reside na existência de juízos provisórios, pois eles são inevitáveis na dinâmica da vida cotidiana e porque todo contato com a realidade põe em movimento nossa experiência de vida, incluindo conhecimentos e julgamentos de valor. O problema está na permanência e rigidez dos juízos provisórios e na negação das mediações que podem confirmá-los ou não.
O SISTEMA SOCIAL DE PRECONCEITOS
A dinâmica da vida cotidiana favorece a reprodução do senso comum, com suas analogias e estereótipos, dando lugar aos preconceitos. Mas, embora o hábito e a repetição, a unidade entre o pensamento e a ação alimentem a reprodução do senso comum e dos preconceitos, sua origem é social. Os indivíduos vinculam-se aos preconceitos na vida cotidiana pelo fato de “na própria sociedade predominarem – embora em outro plano e com variações – sistemas de preconceitos estereotipados e estereótipos de comportamento carregados de preconceitos” (HELLER, 2000, p. 50).
Para Chauí, “quando o senso comum se cristaliza como modo de pensar e de sentir de uma sociedade, forma o sistema de preconceitos” (CHAUI, 1996/1997, p.117). Nesse sentido, cabe investigar o conteúdo e a função do sistema de preconceitos difundidos socialmente através do senso comum e da vida cotidiana.
Grande parte dos preconceitos gerados no senso comum refere-se a orientações de conduta transmitidas por meio de máximas e provérbios que se popularizam por se configurarem como advertências ou conselhos oriundos de uma sabedoria acumulada pela experiência e reproduzidos como senso comum.
Todos nós, em algum momento da nossa socialização, tivemos contato com esses conselhos e máximas. Quem já não ouviu dizer: “cada macaco no seu galho”; “tal pai tal filho”; “mais vale um pássaro na mão do que dois voando”? É possível que, em dada situação, tenhamos pensado que seria apropriado afirmar: “diz-me com quem andas que te direi quem és”
ou que “o hábito faz o monge”. Não somos imunes à incorporação dessas “verdades”, mas podemos nos imunizar contra esse dogmatismo do senso comum.
De que modo? Colocando uma interrogação em cada uma dessas máximas, é possível verificar que elas não se sustentam na realidade social e na vida prática dos indivíduos.
Se analisarmos as máximas reproduzidas pelo senso comum, veremos que elas desempenham uma função social de orientação moral e política, pois se referem a condutas tidas como corretas e verdadeiras. São veículos de difusão de normas de comportamento orientadas por valores indicativos de uma determinada visão de mundo, de uma moral e de uma ideologia. Assim, máximas como o “lugar da mulher é na cozinha”, ou “cada macaco no seu galho” expressam um sistema de preconceitos alicerçado socialmente numa cultura conservadora, machista, classista, autoritária e discriminatória.
Portanto, o sistema social de preconceitos é veiculado ideologicamente, tendo como espaços de reprodução fundamentais a cultura e a moral dominantes. Por meio da cultura, disseminam preconceitos que expressam o modo dominante de pensar e de se comportar, de valorar os objetos e as relações sociais.
Segundo Dallari, os preconceitos podem se objetivar de forma direta ou indireta.
Os diretos se afirmam abertamente, facilitando a sua identificação e seu enfrentamento. Trata-se “de um comportamento que expõe abertamente os seus preconceitos, às vezes até com orgulho e arrogância, como se estivesse afirmando uma que ninguém pode pôr em dúvida” (DALLARI, 1996/1997, p. 89).
Para o autor, aparentemente,esse comportamento direto é mais nocivo, porque é irredutível, mas, na verdade, o maior risco encontra-se no preconceito indireto: “atuação disfarçada, sinuosa, que se esconde por traz de uma fachada de neutralidade, objetividade e respeito igual para todos os seres humanos” (Ibidem). Dallari se refere ao preconceito contra os direitos humanos, como exemplo desse comportamento disfarçado: as pessoas que detestam os que defendem direitos humanos e justiça social, mas não dizem as suas razões verdadeiras:
Entendem que essa pregação põe em risco o patrimônio dos que desfrutam de melhor condição econômica [...] tomando como ponto de partida que os defensores de direitos humanos são pessoas perigosas e nocivas, que não respeitam os direitos dos outros e põem em risco a estabilidade social (Idem, p. 90).
Não existem elementos objetivos que comprovem a suposição acima, mas, como todo pensamento preconceituoso, essa conclusão é estabelecida a priori sem qualquer informação ou análise. E acaba sendo legitimado socialmente, pois oculta seus motivos, fingindo que é um pensamento neutro, “invocando uma preocupação respeitável – a defesa da sociedade – para tentar justificar uma atitude essencialmente injusta” (Ibidem).
Para o autor, as raízes do preconceito são: a ignorância, a educação domesticadora, a intolerância, o egoísmo e o medo. O ignorante, a “presa mais fácil do preconceito”, é aquele “que não quer saber”. Como exemplo da ignorância, cita o preconceito social contra os índios.
O povo brasileiro conhece muito pouco, praticamente nada, a respeito dos grupos de indígenas que habitam o território brasileiro. E apesar de inúmeras denúncias de violência contra os índios, que são, provavelmente, a minoria mais indefesa, e, sem dúvida, uma das mais agredidas do Brasil, muitas pessoas aceitam com facilidade as mentiras e distorções que aparecem na grande imprensa [...] E ainda aceita a imagem do índio ‘selvagem’, feroz, cometendo as maiores brutalidades, necessitando, portanto, ser aculturado rapidamente para que se torne um civilizado e aprender talvez com os exemplos da civilização branca europeia e cristã, que produziu o nazismo e a carnificina na Bósnia. Assim, o preconceito colabora para o genocídio dos índios (Idem, p.92).
Dallari considera que o medo é uma das mais frequentes manifestações de preconceito: “contra famílias pobres ou pessoas sem instrução superior, contra imigrantes nacionais e internacionais”. Nesse sentido, afirma que as correntes conservadoras manipulam o medo e controlam os meios de comunicação, difundindo o preconceito de que “os partidos de esquerda são inimigos da propriedade privada, da família e da religião, do progresso e da paz social” (Idem, p. 95)2.
O preconceito se constitui por meio da permanência de julgamentos de valor provisórios. Embora os julgamentos de valor não se restrinjam à moral - pois também avaliamos politicamente, esteticamente, etc. – a avaliação preconceituosa tende a ser moralista, julgando diferentes situações com parâmetros morais.
Ao mesmo tempo, o preconceito pode se manifestar na moral, na política, na cultura, partindo de diferentes classes, grupos sociais e indivíduos, em situações que reproduzam o dogmatismo, o autoritarismo, o julgamento provisório baseado em avaliações parciais e estereótipos, sob diversas referências de valor. O que caracteriza tais avaliações, além das citadas acima, é a intolerância em face do outro e o julgamento prévio de sua conduta, sem a análise da totalidade de sua prática concreta.
Dallari se refere à intolerância analisando os meios de comunicação:
Da maneira mais leviana são feitas afirmações preconceituosas, como se fosse a transmissão de uma verdade cuidosamente apuradas e isentas de qualquer dúvida. Reputações pessoais adquiridas através de uma vida honrada são destruídas pela manipulação dos preconceitos, sem a possibilidade de defesa, desde que se trate de alguém que, de alguma forma, se ponha contra as ideias e convicções dos proprietários e controladores dos orgaõs de comunicação (Idem, p.94).
Heller (1988) afirma que a maioria dos preconceitos são originários das classes dominantes. Por isso, diz que a práxis política efetiva só pode ter êxito quando se coloca na altura de um pensamento sem preconceitos, capaz de ver, com clareza, o que é possível fazer em dada situação concreta.
3° Módulo: Enfrentando o preconceito
Afinal, POR QUE COMBATER O PRECONCEITO?
Como dissemos, uma das razões que justificam a recusa do preconceito é dada pela ética profissional. Nosso código é enfático a esse respeito. Podemos dizer também que a orientação teórica da nossa formação, objetivada nas Diretrizes Curriculares, também exige essa recusa, uma vez que o preconceito nega a razão crítica, a teoria, apoiando-se no senso comum, tornando-se facilmente cooptada pela ideologia dominante de evidente caráter conservador/reacionário no contexto atual.
Para ressaltar a relevância de romper com os preconceituosos, é importante situar as suas implicações.
a) Impedimento da liberdade e da autonomia
Todas as ações e atividades humanas exigem escolhas entre alternativas. Na vida cotidiana, nossas escolhas tendem a se orientar para as nossas necessidades singulares imediatas, limitando a liberdade e a autonomia. Por que limitam? Porque uma escolha mais livre e autônoma supõe o conhecimento das alternativas possíveis, a consciência do seu significado e de suas implicações sociais e uma decisão legitimada por motivações e exigências éticas, políticas, teóricas e práticas voltadas à totalidade social. Portanto, o sistema de preconceitos impede as escolhas autônomas e conscientes, estreitando e deformando a margem real das nossas alternativas e da nossa liberdade (HELLER, 2000).
b) Negação do conhecimento crítico
Na medida em que se apoia, de forma dogmática, em “verdades” inquestionáveis, obtidas através da aparência da realidade, da generalização de fatos conhecidos, de crenças conservadas pela tradição cultural, pela ideologia dominante e pelo senso comum, o preconceito impede o conhecimento crítico e abrangente das determinações da realidade, de suas conexões e contradições.
c) Dominação de classe e violação de direitos
O sistema de preconceitos tem origem de classe e se reproduz através de mitos que expressam os valores e a visão de mundo das classes dominantes sobre classes, extratos, grupos e indivíduos que se encontram despossuídos da riqueza socialmente produzida e do poder dominante. Exemplo disso são os mitos que concebem os “pobres’ como naturalmente violentos e as classes trabalhadoras como “classes perigosas”, ou os que afirmam a supremacia da raça branca e a inteligência superior dos homens. Assimilados pelo senso comum como “verdades” e reproduzidos em práticas preconceituosas, os mitos contribuem para o adensamento de uma cultura conservadora e irracionalista, para a dominação, a discriminação e a violação de direitos, individuais, sociais, culturais, econômicos.
d) Conservadorismo e irracionalismo
Por sua natureza de conhecimento apriorístico baseado no senso comum, em estereótipos e generalizações, em julgamentos provisórios que recusam o questionamento crítico, o preconceito nega a razão e tende a reproduzir as tendências de pensamento e de comportamento que se tornaram “verdades” e mitos, devido à sua conservação, pela tradição e pelos costumes de determinada sociedade e cultura. Por essas características, o preconceito é irracionalista e conservador, especialmente em sociedades como a brasileira, cuja cultura é historicamente conservadora. Além disso, como vimos anteriormente, o preconceito é concebido de forma positiva pelo conservadorismo.
e) Discriminação e intolerância
O preconceito se objetiva através da negação do outro, da discriminação, da intolerância, do desrespeito ao outro, da violência contra o outro por questões de inserção de classe social, identidade de gênero, etnia, idade, condição física, orientação sexual, religião – todas elas inscritas em nosso Código de Ética como discriminações que não podem ser aceitas,de acordo com os princípios do código. A atitude de fé sustenta a base emocional dos preconceitos, produzindo intolerâncias que, movidas pelo par amor/ ódio, exclui os outros de modo autoritário e intolerante.
f) Moralismo
Ao julgar qualquer situação partindo dos pares de valor bom/mau, certo/ errado, e segundo modelos pré-concebidos de comportamento, a atitude preconceituosa enquadra moralmente os comportamentos políticos, estéticos, científicos, deixando de avaliar sua natureza e reproduzindo o moralismo: uma forma de alienação moral.
g) Conformismo
A vida cotidiana coloca a necessidade de responder a múltiplas tarefas e atividades heterogêneas e que tendemos a realizá-las de modo pragmático e generalizador, com base em experiências conhecidas. Nessa dinâmica, incorporamos e reproduzimos normas e valores que servem de orientação para nossas decisões. Na cotidianidade, essa assimilação tende a ser pragmática e generalizante, propiciando a produção do conformismo, que impede ou limita as nossas decisões e escolhas. O caráter dogmático do preconceito supõe uma atitude conformista em relação a valores e normas, a ideias e comportamentos tratadas como verdades inquestionáveis.
h) Retrocesso de conquistas sociais e lutas históricas
Objetivando-se através de discriminações, intolerâncias, contribuindo para a negação e violação de direitos, para a disseminação de mitos irracionalistas, de ideias e valores favorecedores de várias dimensões de dominação, o preconceito também viola princípios éticos e políticos valorosos para assistentes sociais e o conjunto das forças sociais emancipatórias e democráticas, pois são princípios construídos nas lutas históricas contra a opressão, na direção da liberdade.
i) Humilhação e sofrimento
Os indivíduos vitimizados pelo preconceito são atingidos em diferentes níveis de humilhação e sofrimento, que interferem na totalidade de suas vidas, em sua subjetividade e sociabilidade, acarretando prejuízos físicos, emocionais, psicológicos, que podem se objetivar de forma mais ou menos violenta. Entre outros elementos, isso se explica especialmente porque o preconceito se traduz pela negação daquilo que constitui centralmente sua identidade como sujeito. É sua condição de existência que passa a ser rechaçada e tomada como objeto que supostamente justificaria sua negação: a mulher por ser mulher, o negro por ser negro, o índio por índio, o homossexual por ser homossexual, entre outros. Assim, a (re)produção das múltiplas formas de preconceito carrega consigo potencialmente múltiplas formas de violência, cujas consequências revelam- se por meio da humilhação e do sofrimento. A defesa prática da diversidade humana se coloca, portanto, como meio fundamental de combate aos preconceitos, precisamente porque contribui para a defesa da afirmação do outro em suas diferenças. Cabe aqui lembrar que diferença não é sinônimo de desigualdade, mas indicativa das diversas possibilidades de constituição humana, que somente nos enriquecem como gênero humano.
j) Alienação
Por todas as implicações apontadas, o preconceito é uma forma de alienação, que se objetiva em relação: 1) ao próprio sujeito, que não se apropria do conhecimento necessário à avaliação de seus juízos provisórios, permanecendo ignorante em relação a ele mesmo e às implicações de suas ações e que se empobrece ao não ampliar sua consciência, suas escolhas e sua margem de liberdade; 2) ao sujeito em sua relação com os outros, na medida em que ele os aliena de diferentes formas - de sua humanidade, de seus direitos, etc.
l) Implicações profissionais
As implicações aqui assinaladas não esgotam as inúmeras conseqüências que podem se reproduzir a partir de práticas preconceituosas. E quando ocorrem no espaço da intervenção profissional, negam os princípios e valores que regem a ética profissional, contribuem para o retrocesso das conquistas objetivadas no projeto ético-político do Serviço Social e atingem, diretamente, os/as usuários/as, restringindo as suas escolhas, negando os seus direitos, promovendo sua exposição a situações de humilhação  e desrespeito, limitando seus direitos e contribuindo para a (re) produção da subalternidade.
ENFRENTANDO O PRECONCEITO
Embora a vida cotidiana seja imprescindível e apresente uma tendência a reproduzir o sistema de preconceitos socialmente construído, não é necessário que seja sempre assim. Não é necessário que tenhamos antipatia ou desprezo pelo outro porque ele pensa de modo diferente; não é imprescindível que julguemos o caráter do outro pela sua aparência nem que ignoremos os seus direitos porque ele se comporta de forma diversa da nossa.
Como vimos, o sistema de preconceitos exerce uma função social de controle e dominação. E não é possível romper radicalmente com o sistema social de preconceitos nesta sociedade, pois, para isso, seria preciso superar a separação existente entre os indivíduos e o humano-genérico, a existência de classes sociais e de interesses de dominação de classe, ou seja, superar a sociedade burguesa em sua totalidade.
Mas mesmo nessa sociedade, é possível combater o preconceito, individual e coletivamente. Para isso, é preciso entender que a vida cotidiana comporta momentos de “suspensão” temporárias, que permitem ao indivíduo sair de sua singularidade, motivado por exigências de caráter humano- genérico, que ampliam a sua consciência do “nós”, enriquecendo o indivíduo de valores, motivações e exigências voltadas ao coletivo, à sociedade, à humanidade.
Essa possibilidade, dada por atividades sociais práticas e teóricas, propicia que o indivíduo retorne à dinâmica da vida cotidiana enriquecido. As mesmas tarefas e atividades cotidianas podem ser realizadas de modo diferente, especialmente em relação ao acúmulo crítico dado pela reflexão teórica que transforma o modo de pensar do indivíduo, amplia sua consciência e sua crítica à dinâmica da cotidianidade.
O combate ao preconceito no âmbito do exercício profissional supõe, entre outras exigências:
1. compromisso ético com os valores e princípios da ética profissional;
2. postura crítica necessária à refutação dos julgamentos provisórios e à crítica da ideologia dominante;
3. conhecimento teórico que oriente essa refutação, dando fundamentação ao entendimento das situações particulares em sua relação com a totalidade sócio-histórica, em suas conexões e contradições;
4. conhecimento ético que desvele o significado dos valores, da moral profissional, do preconceito de suas bases de sustentação social e de suas consequências para os/as usuários/as dos serviços sociais;
5. participação coletiva nos debates e iniciativas da categoria que ampliem a consciência ético politica, adensem a compreensão teórica e motivem a práxis social e política;
6. participação em diferentes atividades sociais, políticas, artísticas e culturais, que alimentem motivações capazes de elevar a consciência acima das necessidades singulares, dirigindo-a para exigências humano- genéricas emancipatórias.
Principalmente, é preciso reconhecer que é possível dar uma direção à nossa vida, mesmo que ela não seja a ideal, tendo em vista os limites da sociabilidade burguesa. É importante compreender que esta direção é guiada por valores que não foram inventados por nós: foram construídos nas lutas históricas das classes, dos grupos e indivíduos que buscaram romper com as opressões, as alienações e discriminações. A luta contra o preconceito é individual e coletiva; é uma pequena mediação no universo das lutas históricas pela liberdade e emancipação humana, mas indispensável ao alcance de ambas.
4° Módulo: Legislação e uso de psicoativos
VOCÊ SABIA QUE TODOS/ AS NÓS SOMOS USUARIOS/ AS DE ALGUM TIPO DE DROGA?
Drogas são usadas por mulheres e homens desde os primórdios da humanidade. Algumas substâncias encontradas na natureza ou sintetizadas em laboratório possuem propriedades psicoativas que serviram/servem a inúmeras necessidades humanas: tratar doenças; aliviar “sofrimentos” do corpo e da “alma”; alterar a disposição física e mental; melhorar o humor; controlara ansiedade; regular o sono, o apetite; alterar os sentidos e a percepção; estimular a criatividade e a sensibilidade; compor ritos culturais, religiosos, de interação social ou de convivência. As motivações para o uso de psicoativos (drogas) respondem, assim, a inúmeras necessidades sociais. Motivações que são socialmente determinadas e que transformam o modo como os indivíduos sociais se relacionam com os diferentes psicoativos (naturais ou sintéticos), alterando seu significado e padrões de consumo. Portanto, o uso de psicoativos pode: estar associado a indicações cientificamente comprovadas, decorrer de autoadministração; ser esporádico, ocasional, recreativo, abusivo ou dependente. O uso de psicoativos (drogas) é, portanto, uma prática social – profundamente alterada pela lógica mercantil e alienante da sociedade capitalista madura - que requer da/o assistente social compreensão crítica, dada sua complexidade e a multiplicidade de determinações históricas que alteram seus padrões e significados. Do ponto de vista profissional, é preciso apreender o caráter histórico dessa prática, superando explicações mistificadoras e estigmatizantes, frequentemente reproduzidas pelas visões do senso comum.
DROGAS OU PSICOATIVOS?
Embora o termo droga seja o mais usado no cotidiano, os termos psicotrópico e psicoativo são mais adequados para designar as substâncias/produtos que agem preferencialmente no Sistema Nervoso Central (SNC), estimulando, deprimindo ou perturbando suas funções (propriedades que tornam os psicotrópicos/psicoativos substâncias passíveis de abuso e dependência). O termo droga tem sido usado de maneira inadvertida, contribuindo com visões mistificadoras sobre o uso e as/os usuárias/os de psicoativos, bem como com a reprodução acrítica de juízos de valor estigmatizantes.
Vejamos alguns exemplos de como isso ocorre. Culturalmente, o termo droga foi se distanciando de seu significado original (folha seca em holandês antigo, droog) e passou a ser usado como sinônimo de “algo que é em si” ruim e nocivo, e para designar quase que exclusivamente os psicoativos ilícitos (as drogas ilegais). Desse modo, o uso cotidiano do termo droga, desenraizado de seu significado original, tem contribuído para fomentar algumas confusões e reducionismos. Por exemplo, a associação entre o termo droga e os psicoativos ilícitos contribui para banalizar os danos sociais e de saúde associados ao uso de psicoativos lícitos, como tabaco, álcool e medicamentos. Do mesmo modo, contribui para naturalizar o caráter lícito ou ilícito dos psicoativos, ocultando os reais interesses que levam à proibição de determinadas substâncias. Muitas vezes, o uso do termo droga expressa uma visão que pretende atribuir às substâncias em si um poder de dominação abismal. Poder que, mesmo nas situações de dependência severa, é cientificamente infundado, já que o uso, o abuso ou a dependência de psicoativos resultam de interações que envolvem determinada substância, o indivíduo singular e condições sociais particulares. O termo droga tem contribuído também para naturalizar um tratamento desigual entre usuárias/os de psicoativos, já que as pessoas que usam psicoativos lícitos são geralmente tratadas como sujeitos de direitos, ao passo em que, às/aos usuárias/os de psicoativos ilícitos, é relegada a condição culturalmente condenável de viciadas e drogadas. Essa desigualdade de tratamento, associada ao termo droga, longe de ser um preciosismo linguístico, produz impactos sociais que não podem ser minimizados. Pensemos nos efeitos culturais estigmatizantes produzidos por termos como leproso, aidético, mongolóide, menor, carente, incapaz, entre tantos outros que já foram suplantados. Por isso, no cotidiano profissional, é importante atentar para o significado de termos que expressam preconceitos, reducionismos e estigmas. A adoção de termos científicos na linguagem profissional, desde que acessíveis à população atendida, assegura uma compreensão diferenciada do senso comum e, portanto, uma postura coerente com os valores éticos e políticos do projeto hegemônico do Serviço social brasileiro.
Qual o termo mais adequado a se usar: drogada/o, viciada/o ou usuária/o de psicoativo?
Assim como a palavra droga, os termos drogada/o e viciada/o estão saturados de visões estigmatizantes, incompatíveis com a ética das/os assistentes sociais e com a linguagem profissional, que é uma linguagem especializada, ou seja, teoricamente fundamentada. Dizer que uma pessoa é usuária de psicoativo significa reconhecer que esta prática é uma entre as inúmeras práticas, atividades, escolhas, possibilidades e potencialidades daquela pessoa. No entanto, dizer que uma pessoa é drogada comumente significa dar ênfase ao caráter ilícito da substância usada e, sobretudo, significa reduzir toda a trajetória e a biografia daquela pessoa ao uso de “drogas”. É como se esta prática social - o uso de psicoativo - aniquilasse a totalidade de sua personalidade, de suas escolhas, de sua moralidade, de sua condição social e profissional, reduzindo- a à condição de drogada. Não por acaso, os termos drogada/o, viciada/o são usados apenas para as/os usuárias/os dos psicoativos ilícitos, não sendo comum que pessoas que fazem uso, mesmo que dependente, de tabaco, cafeína, medicamento ou álcool sejam chamadas de drogadas ou viciadas. Algo similar ocorre com o termo viciada/o. Filosófica e culturalmente, vício é o oposto de virtude, portanto, afirmar que uma pessoa é viciada é o mesmo que dizer que ela não tem virtude. Portanto, o termo usuária/o de psicoativo é mais coerente com a linguagem e a ética profissionais.
Um pouco mais sobre os termos ‘Proibicionismo’ e ‘Uso de Psicoativos’
A chamada “guerra às drogas” (proibicionismo) introduziu no imaginário social a ideia de que a proibição é a “melhor alternativa” para responder aos danos sociais e de saúde decorrentes do uso de psicoativos ilícitos. No entanto, a história tem demonstrado exatamente o oposto, pois o saldo do proibicionismo – que está na base de tratados e convenções internacionais e leis nacionais – é desastroso. O proibicionismo não foi capaz de eliminar a oferta e a procura por psicoativos ilegais, contribuiu para a emergência e crescimento do mercado ilícito internacional (narcotráfico) e sua direta associação com redes de corrupção, criminalidade e violência, que aprofundam a questão social. Além disso, no Brasil, a “guerra às drogas” tem legitimado a administração armada de territórios considerados perigosos, o extermínio da juventude pobre e negra e o crescimento exorbitante do encarceramento, afetando especialmente segmentos da classe trabalhadora empobrecida. Pesquisadores/as, profissionais da saúde, segmentos vinculados à luta antimanicomial e de defesa dos direitos humanos questionam, há várias décadas e com base em argumentos críticos e fundamentados, os reais interesses que estão na base da ideologia do proibicionismo. Demonstram que tal política serve muito mais à coerção, criminalização da pobreza e militarização da vida social do que efetivamente à perspectiva da saúde coletiva e de proteção integral à infância e à juventude. Desse modo, a ideologia do proibicionismo tem se mostrado extremamente funcional à legitimação da redução do Estado Social e da ampliação do Estado Penal, contribuindo em muitos aspectos para a barbárie contemporânea. Esses e outros aspectos da chamada “guerra às drogas” merecem ser apreendidos criticamente pelas/os assistentes sociais, uma vez que o trabalho profissional se vincula à defesa da democracia, da justiça social com equidade, dos direitos humanos e ao combate de todas as formas de preconceito e de violação de direitos.
LEGISLAÇÃO E USO DE PSICOATIVOS
No Brasil, é a Lei Federal 11.343, de 23 de agosto de 2006, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad) e define penas para quem adquire, guarda, transporta ou porta substâncias não autorizadas2, mesmo que para uso próprio. Há penas previstas também, mesmo que para uso próprio, para quem semeia, cultivae colhe substâncias não autorizadas que produzem dependência. O caráter proibicionista dessa lei tem sido amplamente questionado: pela manutenção da hegemonia da “guerra às drogas”, cujo fracasso já é mundialmente reconhecido; pela imprecisão sobre a quantidade de substância não autorizada que leva à tipificação do crime de tráfico; por contribuir com o aumento da violência e do encarceramento, que atinge especialmente negras/os e pobres; por não contribuir com a redução de danos sociais e de saúde decorrentes do uso das substâncias não autorizadas. Apesar de seu caráter proibicionista, e em decorrência de mobilização social, a Lei Federal 11.343/2006 não pôde deixar de reconhecer a complexidade do fenômeno, a cidadania e os direitos humanos dos/as usuários/as de psicoativos, indicando diretrizes e objetivos de prevenção, de “reinserção” social e de redução de danos sociais e de saúde.
DIREITOS E USO DE PSICOATIVOS
A condição de sujeito de direitos não pode ser anulada, reduzida ou ignorada em decorrência do uso de psicoativos, independentemente do caráter lícito ou ilícito da substância consumida. No âmbito das políticas sociais, a saúde é a que mais avançou na garantia dos direitos das/os usuárias/os de psicoativos, reconhecendo a complexidade e as determinações sociais que incidem sobre o fenômeno, a condição de cidadania e os direitos humanos das/os consumidoras/es de psicoativos. Direitos que resultaram da luta pela democratização da saúde e que estão promulgados nas Legislações do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Reforma Psiquiátrica3. A política do Ministério da Saúde para Atenção Integral à Saúde das/os Usuárias/os de Álcool e Outras Drogas (2003), o Decreto 7.508/2011 e a Portaria 3.088 do Ministério da Saúde, de 2011, que institui a Rede de Atenção Psicossocial no âmbito do SUS, são referências indispensáveis para ações em saúde junto às/aos usuárias/os de psicoativos, bem como para orientar os parâmetros e os princípios de intervenção nas demais políticas sociais. Do mesmo modo, as abordagens de Redução de Danos são referências importantes para o trabalho da/o assistente social nas diferentes áreas de atuação profissional. A Redução de Danos é um paradigma que articula estratégias de cuidados e de redução de danos sociais e de saúde decorrentes do consumo de psicoativos. Estratégias e medidas pautadas no reconhecimento da complexidade do fenômeno do uso de psicoativos, na perspectiva da saúde coletiva, em princípios éticos e de universalidade, integralidade e intersetorialidade da seguridade social brasileira.
Assistentes sociais no combate ao preconceito e à violação de direitos das/os usuárias/os de psicoativos
Integrando distintos processos de trabalho, o/a assistente social é um/a dos/as profissionais com competência para formular análises fundamentadas e responder, de forma qualificada e na perspectiva dos direitos, às necessidades apresentadas pelas/os usuárias/os das diferentes políticas sociais. O fenômeno do consumo de psicoativos pode se configurar como conteúdo transversal que incide sobre demandas, requisições ou normas institucionais cotidianas, das quais a/o assistente social participa. Por isso, independentemente da área de atuação profissional, cabe à/ao assistente social contribuir com a superação de preconceitos e de perspectivas moralizantes, que contribuem para a violação de direitos das/os usuárias/os de psicoativos.
Vejamos algumas situações recorrentes em algumas áreas de atuação profissional, sobre as quais a/o assistente social pode interferir em defesa dos direitos das/os consumidoras/ es de psicoativos.
Na Saúde: muitos/as usuários/as de psicoativos, especialmente de substâncias ilícitas, são vítimas de preconceito e relatam violação de direitos quando os agravos à saúde [agudos ou crônicos] decorrentes do uso de psicoativos são negligenciados:
1. abscessos causados por uso injetável de psicoativos que são drenados sem o uso de anestésicos locais, que poderiam reduzir a dor;
2. prolongamento do tempo de espera para atendimento, quando se identifica alguma alteração de comportamento atribuída ao consumo de psicoativos;
3. realização de procedimentos sem o devido esclarecimento à/ao interessada/ o, violando princípios éticos de cuidados à saúde, pela suposição de que o “consumo de psicoativo” anula a autonomia e a capacidade de decisão da/o paciente;
4. desrespeito e banalização das demais necessidades de saúde da/o paciente, que não seja o tratamento do uso de psicoativos (adoção de procedimentos e normas que dificultam ou impedem o acesso à informação, aos preservativos ou insumos previstos nas estratégias de Redução de Danos);
5. resistência e negligência  na implementação das abordagens de Redução de Danos (mesmo após sua adoção como marco teórico e ético-político da Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral à Saúde dos Usuários de Álcool e Outras Drogas - MS, 2003);
6. adoção de medidas e procedimentos que contrariam os princípios e diretrizes da Reforma Psiquiátrica (internação involuntária, internações de longo prazo e com restrição de visitas que violam o direito à convivência, internações baseadas na conversão religiosa e na imposição de trabalhos forçados4).
Na Assistência Social:
1. obstaculização do acesso à programas e direitos socioassistenciais, quando o uso de psicoativos, sobretudo os ilícitos, é constatado pelas equipes;
2. horários de atendimento, critérios rígidos e burocratizados, contrários às perspectivas de flexibilização e da baixa exigência que orientam as práticas de acolhimento, em face das situações de vulnerabilidade e do perfil das/os usuárias/os de psicoativos;
3. interdição do acesso aos equipamentos que oferecem abrigo, alimentação
e higiene pessoal às/aos usuárias/os que estão sob efeito de psicoativos;
4. interdição do acesso a programas de transferência de renda, numa perspectiva de controle moral sobre a destinação dos recursos (se será usado para compra de psicoativos, por exemplo).
No Sistema sociojurídico: pareceres e decisões jurídicas orientadas por visões moralizantes, que arbitram sobre o uso de psicoativos, sobretudo os ilícitos, como prática necessariamente incapacitante. Visões que geram inúmeras formas de violação de direitos quando, por exemplo, determinam, por força de decisão judicial, medidas:
1. contrárias àquelas adotadas e investidas pelas equipes profissionais que realizavam o acompanhamento da situação antes de sua judicialização (internações involuntárias de pacientes que estavam sendo acompanhadas/os por equipes de saúde e de assistência em Consultórios de Rua, em Programas de Redução de Danos, em Centros de Referência Especializados para População em Situação de Rua, em Centros de Referência Psicossocial Álcool e Drogas, entre outros);
2. contrárias aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, suspendendo o poder familiar pelo fato exclusivo de serem usuárias de psicoativos, sobretudo os ilícitos (há orientações jurídicas que determinam o abrigamento compulsório logo após o parto, para fins de adoção de crianças geradas por mulheres usuárias de crack, por exemplo);
3. contrárias aos princípios, diretrizes e direitos humanos das/os usuárias/ os de psicoativos, sobretudo ilícitos, assegurados nas legislações sociais, violando medidas de proteção social baseadas na universalidade de acesso, na integralidade e intersetorialidade da seguridade social constitucionalmente assegurada.
Há inúmeros exemplos de como a execução das políticas sociais e o sistema de justiça brasileiros podem efetivar medidas orientadas por préconceitos e concepções moralizantes, que contribuem para a reprodução de estigmas e violação de direitos, sobretudo das/os usuárias/os de psicoativos ilícitos. Por isso, compete à/ao assistente social identificar, no cotidiano do seu trabalho, concepções, procedimentos, normas e critérios que revelam preconceitos e violam direitos das/os usuárias/os de psicoativos, investindo seus conhecimentos e competências, em articulação com outros profissionais que atuam na perspectivados direitos, para superação dessa realidade.
5° Módulo: Preconceito e Discriminação racial
VAMOS FALAR SOBRE RACISMO!
Embora a ciência tenha comprovado que, do ponto de vista biológico, não há raças e sim uma única raça, a humana, os índices de desigualdades raciais tendem a revelar o quão distante estão as conclusões da ciência genética, da realidade vivida pelas pessoas que carregam em seus corpos as marcas de ancestralidade africana. Em sociedades em que manifestações racistas convivem com o discurso da democracia racial, os mecanismos jurídicos que condenam tais atitudes não têm dado conta da magnitude do preconceito e da discriminação racial.
Em todas as esferas da vida social, as populações negra e indígena são as que mais aparecem em desvantagens socioeconômicas e de representação em espaços de poder e decisão. Inúmeras pesquisas retratam que, na saúde, por exemplo, são as mulheres negras que representam os maiores índices de mortalidade materna. São elas também que exercem, majoritariamente, os trabalhos domésticos e recebem os mais baixos salários. Na educação, são os/as negros/as que ingressam mais tardiamente aos espaços escolares e são os/as que saem (“evadem”) mais precocemente.
Em relação ao acesso à justiça, a desigualdade se mantém. As penas mais duras são aplicadas aos/às negros/as, mesmo quando cometem os mesmos crimes praticados por brancos/as.
Os/as jovens negros/as são as maiores vítimas de homicídios no país. A invisibilização e naturalização dessas mortes revelam que o “silêncio” existente não se configura, apenas, em omissão, fato este que já seria grave violação de direitos humanos, mas, sobretudo, em ação, ou seja, ação de consentir, de permitir, de deixar matar e deixar morrer.
Situando esse debate no campo da ética profissional, Brites (2011) considera que a luta contra o racismo, a homofobia, o machismo, é uma exigência ética e política para a atuação profissional, pois se trata de uma luta em defesa da igualdade e, portanto, uma luta que contribui para o desenvolvimento particular de determinadas orientações de valor que são fundamentais e necessárias para o enfrentamento da desigualdade e da barbárie produzidas pela sociabilidade burguesa.
Assim, com vistas a contribuir para uma intervenção profissional comprometida com a defesa da garantia de direitos e com as lutas coletivas de enfretamento ao racismo e de suas múltiplas expressões na vida social, apresentaremos alguns conceitos, ainda que em forma de síntese, que podem ser úteis para as nossas intervenções no campo profissional e em estudos relativos à temática étnico-racial.
 RAÇA: POR QUE E QUANDO USAR?
O conceito de raça que é, muitas vezes, utilizado em uma conotação biologicista, ultrapassada, conservadora e sem fundamentação científica, deve ser compreendido hoje como uma construção sócio-histórica, despido de qualquer elaboração com bases biológicas. Raça, entendida nesta perspectiva, é uma categoria complexa, multifacetada e indispensável ao debate sobre discriminação racial e racismo. E a sua apropriação,  sob a perspectiva da totalidade social, se faz premente e necessária no âmbito dos estudos e reflexões acerca do racismo nas sociedades contemporâneas.
Para D’Adesky (2001) existe certo consenso na afirmativa de que raça remete simbolicamente a uma origem comum. Para o autor, seja qual for seu grau de indeterminação, ela evidencia a continuidade das descendências, o parentesco pelo sangue, a hereditariedade das características fisiológicas, e mesmo das psicológicas e sociais. Todavia, do ponto de vista da biologia genética, a ideia de raça é desprovida de conteúdo de valor científico. A ciência afirma que não existem “raças”, no plural, e sim raça. Todas as pessoas descendem de uma única raça: a Raça Humana.
Todavia, é importante destacar a importância dos movimentos sociais negro e antirracista nesse processo de abandono da concepção biológica do termo raça e de sua ressignificação como uma categoria fundamental para análise das relações e desigualdades étnico-raciais.
E ETNIA? Não é a mesma coisa que raça?
Devido à tragédia do nazismo, muitos/as pesquisadores/as, com vistas a superar a ideia de raça no sentido biológico, passaram a utilizar o termo etnia, ao se referirem a povos como os judeus, índios, negros, entre outros grupos. Para Gomes (2005, p. 50) “A intenção era enfatizar que os grupos humanos não eram marcados por características biológicas herdadas dos seus pais, mães e ancestrais mas, sim, por processos históricos e culturais”.
Para Cashmore (2000, p. 198), não há relação entre os dois conceitos raça e etnia, embora reconheça que, na atualidade, haja, muitas vezes, uma superposição dos dois, “à medida que um grupo, denominado de raça, é frequentemente expulso das principais esferas da sociedade e obrigado a suportar duras provações, sendo essas as condições que contribuem para o crescimento de um grupo étnico”.
Munanga (2003, p. 12), por sua vez, destaca que pode haver, dentro de um mesmo grupo “identificado” como sendo raça branca, negra ou amarela, várias etnias em sua composição, isto é, “uma etnia é um conjunto de indivíduos que, histórica ou mitologicamente, têm um ancestral comum; têm uma língua em comum, uma mesma religião ou cosmovisão; uma mesma cultura e moram geograficamente num mesmo território”.
Nessa perspectiva, utilizamos a expressão “relações étnico-raciais”, quando nos referimos a relações sociais baseadas na condição de raça ou etnia, compreendendo, desta forma, ambas as categorias.
COR: para que e por que é utilizada no Censo e nos sistemas de informação?
Em um país miscigenado como o que vivemos, formado por uma forte e rica diversidade étnico-racial, pessoas com cores, culturas, sociabilidades e até línguas, muitas vezes diferentes, podem gerar certa dificuldade ou resistência em relação ao registro do quesito cor nos instrumentos de identificação e sistemas de informação. Entretanto, essa não é uma situação nova na história do país. Desde o primeiro censo de população realizado no país em 1872, o quesito cor estava presente, tendo quatro opções de resposta: “branco”, “preto”, “pardo” e “caboclo”.
Embora essas categorias de classificação de “cor” não sejam consenso e estejam sempre em discussão pelos órgãos oficiais e censos demográficos, continuam sendo necessárias para o registro de informação sobre a composição e perfil étnico-racial da população, bem como para a formulação de politicas públicas, sobretudo das políticas voltadas para enfrentamento das desigualdades étnico-raciais.
Nesse sentido, é fundamental que conste nos formulários e documentos de registro de informação dos serviços públicos e de atendimento à população o quesito “cor”, e que este seja corretamente preenchido (autodeclaração). As categorias que devem constar, nesses instrumentos, são as utilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): branca, preta, parda, amarela e indígena.
Ainda hoje, há, por parte dos/as profissionais e também da população usuária, certo constrangimento e/ou resistência em perguntar ou responder sobre o quesito “cor”. Vale ressaltar que a cor das pessoas sempre funcionou, em sociedades com traços fortemente racistas, como um elemento de negação de acesso a direitos, tais como inserção no mercado de trabalho, ascensão profissional, melhor remuneração, bom atendimento nos serviços de saúde e educação.
Todavia, com vistas à superação desta realidade de violações, o quesito “cor” deve ser apreendido e utilizado como importante categoria de análise das relações étnico-raciais no país e como informação relevante e indispensável no processo de garantia de direitos e de geração de políticas para equidade.
RACISMO
É a crença na existência de raças e sua hierarquização. É a ideia de que há raças e de que elas são naturalmente inferiores ou superiores a outras, em uma relação fundada na ideologia de dominação. As características fenotípicas são utilizadas como justificativa para atribuição de valores positivos ou negativos, atribuindo a essas diferenças a justificativapara a inferiorização de uma raça em relação à outra.
O Brasil é signatário de inúmeros pactos internacionais de defesa dos direitos humanos e combate ao racismo. Na Constituição Federal brasileira, de 1988, em seu artigo 5º, inciso XLII, é considerado crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei. A lei federal nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, conhecida como “Lei Caó”, foi aprovada com vistas a regulamentar a disposição constitucional, definindo os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor: “Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” (BRASIL, 1989).
O racismo se manifesta de diferentes formas, desde atitudes no âmbito das relações individuais, a relações estruturais e institucionalizadas. Manifesta-se tanto em ações concretas de discriminação racial, como em atitudes de omissão frente a injustiças decorrentes da condição étnico- racial. É gerador de múltiplas violências, guerras, desigualdade racial, perseguição religiosa, extermínio. E pode estar subjacente a idéias preconceituosas e a práticas de discriminação, segregação, isolamento social e aniquilamentos.
Uma das expressões do racismo, também conhecido como discriminação indireta, é o institucional. O racismo institucional está presente em diversos espaços públicos e privados. Está nas relações de poder instituído, expresso através de atitudes discriminatórias e de violação de direitos. Por estar, muitas vezes, naturalizado nas práticas cotidianas institucionais, naturaliza comportamentos e ideias preconceituosas, contribuindo, fortemente, para a geração e/ou manutenção das desigualdades étnico-raciais.
Para Eurico (2013), o racismo institucional possui duas dimensões interdependentes e correlacionadas: a da político-programática e a das relações interpessoais. Em relação a primeira, ela compreende as ações que impedem a formulação, implementação e avaliação de políticas públicas no combate ao racismo, bem como a visibilidade do racismo nas práticas cotidianas e nas rotinas administrativas. E a segunda compreende as relações estabelecidas entre gestores/as e trabalhadores/as, entre estes e outros trabalhadores/as e usuários/as, sempre pautadas em atitudes discriminatórias.
PRECONCEITO RACIAL
O preconceito é um julgamento antecipado, que fazemos contra uma pessoa, grupos de indivíduos ou povos, em decorrência de sua origem, cultura, religião, fenótipos ou simplesmente por não conhecermos ou termos algum contato e convivência. Aparece em opiniões formadas, muitas vezes, a partir de estereótipos e sem fundamentação concreta.
Munanga (2005) nos chama a atenção para não incorrermos no equívoco de acreditar que o preconceito é apenas decorrente da ignorância das pessoas. E neste caso, o preconceito estaria circunscrito no campo das relações individuais, particularizado, produto da falta de informação, educação e conhecimento sobre outras culturas. Para o autor, essa maneira de relacionar o preconceito com a ignorância das pessoas “põe o peso mais nos ombros dos indivíduos do que nos da sociedade” (MUNANGA, 2005, p.18).
O preconceito racial é um sentimento abominável e deve ser combatido por todos/as que atuam e defendem a diversidade e os direitos humanos. Ele pode estar subjacente a várias atitudes e comportamentos e presente em discursos, símbolos e expressões, sem contudo, ser percebido de forma explícita. Configura-se, muitas vezes, como espécie de “mimetismo” no campo das relações pessoais, o que dificulta a sua identificação. Entretanto, quando expresso, torna-se mais violento e opressivo. Pode se manifestar por meio da omissão, quando há o silenciamento frente a violações de direitos e à manutenção de privilégios de uns em detrimento dos direitos de outros, ou por uma ação direta que, neste caso, denominamos discriminação.
DISCRIMINAÇÃO RACIAL
Pelo Estatuto da Igualdade Racial (2010) é assim definida:
Discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada (BRASIL, 2010).
A discriminação racial é a materialização concreta do preconceito. Manifesta-se no âmbito das relações sociais, podendo se apresentar de diferentes formas e situações. Desde atitudes de hostilidade expressas com palavras (escritas ou faladas) a símbolos que criam ou reforçam estereótipos racistas. Aparecida Bento (2002, p. 3), contudo, chama a atenção para não restringirmos a discriminação racial apenas como um produto do preconceito. Para a autora, a noção de privilégio é essencial. E isso ocorre “independentemente do fato de ser intencional ou apoiada em preconceito”, pois a “discriminação racial pode ter origem em outros processos sociais e psicológicos que extrapolam o preconceito”.
A discriminação racial viola direitos, produzindo e ampliando a desigualdade. Retira das pessoas a dignidade, alija do acesso a bens e serviços, expõe a situações vexatórias, humilha, invisibiliza, causa isolamento social. Trata-se de uma situação concreta ou de ameaça aos direitos e à dignidade humana.
INTOLERÂNCIA RELIGIOSA
Conforme a Constituição Federal brasileira de 1988, vivemos em um Estado Democrático de Direito e laico. Ressalta-se que a laicidade do Estado brasileiro está assegurada desde a primeira Constituição republicana, datada de 1891. E o que é um Estado laico? É um Estado não confessional, que não se fundamenta em princípios, dogmas ou “leis” religiosas. Não se baseia em livros, símbolos ou qualquer ato de cunho religioso. Não tem as suas deliberações e intervenções norteadas por orientações e determinações da igreja, nem por qualquer outro segmento religioso. Ao contrário de Estados teocráticos, que governam a partir de princípios e dogmas religiosos, o Estado laico tem como princípio fundante, seguir o que preconiza a Constituição Federal. Em um Estado laico, não existe religião oficial e é assegurado a todas as religiões o direito à livre manifestação e expressão religiosa.
Segundo a Constituição brasileira, é garantida, dentre os direitos e deveres individuais e coletivos, a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, “sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantias, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (Art.5º, VI). E assegurada “a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva” ( Art. 5º, VII).
A intolerância religiosa é o desrespeito à fé e à prática religiosa de outra pessoa. É quando a livre expressão de crença do/a outro/a é impedida de se manifestar, por ser diferente daquilo em que acreditamos. A intolerância pode ocorrer de diferentes formas: quando desprezamos ou desqualificamos os princípios religiosos distintos dos nossos; quando reforçamos estereótipos negativos em relação aos símbolos e mitologias sagradas de alguma religião; quando impedimos a realização de cultos e rituais sagrados, mesmo quando estes ocorrem em espaços reservados para esse fim; quando, a partir de um segmento religioso hegemônico, agimos de modo a invisibilizar a diversidade de crença e expressões religiosas; quando desistoricizamos a humanidade impondo valores de cunho religioso como “verdade única” e imutável. Quando, em nome de uma fé, se autorizam, por ação ou omissão, violações, que podem se expressar desde o isolamento social do/a outro/a (“guetização”) à morte, seja ela simbólica ou física.
No Brasil, historicamente, as religiões de matriz africana sofrem com discursos e práticas de intolerância religiosa, que, pelo seu grau de violência, vão para além de atitudes de desrespeito e/ou aceitação, se configurando em ações que extrapolam o que compreendemos como intolerância. Nessesentido, o Estatuto da Igualdade Racial determina que o poder público adote “as medidas necessárias para o combate à intolerância com as religiões de matrizes africanas e à discriminação de seus seguidores” (Art.26).
VOCÊ SABE O QUE SÃO AS POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA?
As politicas de ação afirmativa para os países pioneiros em sua implementação (Índia, Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Alemanha, Austrália, Nova Zelândia e Malásia, entre outros), visavam oferecer, aos grupos historicamente discriminados, um tratamento diferenciado para compensar/ reparar as desvantagens perante as práticas de racismo e de outras formas de discriminação.
Na definição de Vinagre (2009), as políticas de ação afirmativa têm como objetivo a garantia de direitos de grupos socialmente em situação desigual e de desvantagem histórica. Essas políticas discriminam positivamente, para reparar danos e dívidas historicamente produzidas e herdadas de uma estrutura socioeconômica que produz determinações contraditórias.
A Constituição Federal tem sido invocada por quem se opõe à adoção das políticas de ação afirmativa, por meio do artigo que preconiza a igualdade perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, como justificativa para a não implementação dessas políticas. A igualdade, nesse sentido, é concebida como um direito formal abstrato, sem a apropriação das mediações existentes na realidade concreta dos indivíduos sociais. O que se defende, nessa perspectiva, é uma igualdade abstrata, que reforça e amplia a desigualdade em todas as suas expressões.
Por outro lado, há uma outra concepção, que credita às ações afirmativas o poder de superar o racismo e a discriminação racial. Aqui, o que vemos, é um superdimensionamento do sentido e alcance dessas políticas. Elas não têm esse objetivo nem condições concretas para eliminação de algo que não está na superfície das relações sociais, mas que, ao contrário, está na estrutura delas. É necessário, portanto, compreender que as políticas de ação afirmativa, que buscam reduzir as desigualdades étnico-raciais, possuem suas limitações, no que tange à sua abrangência e impacto, assim como qualquer política nos marcos da sociabilidade burguesa.
No ano de 2010, por ocasião do 39º Encontro Nacional do Conjunto CFESSCRESS, a categoria de assistentes sociais aprovou a posição favorável às políticas de ação afirmativa como importante estratégia em defesa da diversidade humana e contra o racismo.
Portanto, o fortalecimento das lutas populares no empenho para a eliminação de todas as formas de preconceito, a defesa intransigente dos direitos humanos e o reconhecimento da liberdade como valor ético central devem constituir os princípios que nortearão a defesa das ações afirmativas.
O que assistentes sociais têm a ver com isso?
É no âmbito da defesa de direitos que a/o profissional de Serviço Social é convocada/o a intervir. E nesse terreno arenoso da intervenção, constituído de tensões e contradições, o/a assistente social se defrontará com os limites e possibilidades de garantir direitos nos marcos da sociedade de classes. Nesse sentido, faz-se necessária a apreensão crítica acerca dessa realidade e a apropriação de conhecimentos sobre o fenômeno do racismo e de suas diversas expressões na vida social. Esse processo contribuirá para o fortalecimento do projeto ético-politico profissional, sobretudo no que tange à sua direção política, que busca construir outra sociabilidade, com valores emancipatórios, cujas relações humanas sejam livres de qualquer exploração, opressão e discriminação de classe, racial e patriarcal.
São inúmeras as lutas até aqui travadas. Em algumas obtivemos sucesso, outras, mais complexas e em conjunturas adversas, ainda estão em processo. Ademais, nos limites dessa sociedade de classes, muitas outras ainda estão por vir, mais duras e violentas, talvez. Mas como nos diz Angela Davis (2015): “a estrada para a liberdade, o caminho da libertação é marcado pela resistência em cada encruzilhada”. Assim, em tempos sombrios, como o que vivemos, com inúmeros retrocessos no campo da democracia e dos direitos, precisamos seguir, navegando contra a correnteza. E embora, “envoltos em tempestades”, marchemos pela construção de outra sociabilidade, livre de preconceitos e de qualquer discriminação, justa, igualitária, verdadeiramente democrática.
6° Módulo: Transexuais e Travestis
QUE TANTO BARULHO É ESSE SOBRE GENERO?
Neste caderno, você poderá conhecer um pouco mais sobre o preconceito e a discriminação relacionados à identidade de gênero. Certamente, em algum momento da sua trajetória, você já ouviu falar da sigla LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais). Ela se popularizou na última década, tanto nas discussões do movimento social que luta contra a homofobia e suas variantes (lesbofobia, travestifobia, transfobia), quanto nos documentos oficiais que estabelecem políticas públicas em âmbito nacional, nos estados e municípios.
Apesar de apontar para um grande campo que costumamos chamar de diversidade sexual e de gênero, a sigla agrupa uma variedade de identidades sociais que, embora sejam conformadas por expressões semelhantes do preconceito, também tem características próprias, histórias e demandas distintas por direitos.
É importante dizer desde já, no entanto, que, mesmo sobre aquelas pessoas que não se declaram homossexuais ou bissexuais (por efetivamente não serem ou por não apreciarem estes conceitos), a homofobia muitas vezes se abate, porque ela pode se nutrir também da simples suposição da homossexualidade ou bissexualidade de uma pessoa.
Frequentemente, o preconceito e a discriminação de natureza homofóbica estão baseados em estereótipos sobre o que deve ser uma “mulher verdadeira” ou um “homem verdadeiro”. Isto ocorre, porque vivemos em uma ordem social firmada no binarismo de gênero. O binarismo de gênero é uma ideologia constituída pela afirmação de que mulheres e homens são radicalmente distintos e que esta distinção está fundada nos corpos biológicos e que, portanto, ela é imutável e inquestionável. Como qualquer ideologia, ele produz um ocultamento da realidade social, destinado a esconder das pessoas o modo real como as relações sociais são produzidas.
É importante dizer que não se nega aqui a ideia de que existem distinções biológicas. O que defendemos (a partir de muitos estudos de várias áreas do conhecimento, principalmente as ciências sociais), é que as distinções biológicas não existem em absoluto. São múltiplas construções sociais que dão sentido aos nossos corpos e ao que eles fazem.
O binarismo de gênero dá suporte ao preconceito, a um critério de verdade e, com ele, a muitos privilégios e à desigualdade social própria do capitalismo, que vemos nos diferentes espaços de sociabilidade. Um dos privilégios mais comuns sustentados pelo binarismo é o que goza a maior parte do que está socialmente associado ao masculino, em detrimento da desvalorização da maior parte do que está associado ao feminino.
Uma das frações da população usuária do Serviço Social mais afetadas pelo caráter opressivo do binarismo de gênero, é aquela formada pelos/as que se autorreconhecem como mulheres transexuais, homens transexuais e as travestis, assim como aquelas pessoas que não se identificam com estas categorias, mas se recusam a ser percebidas somente como mulheres ou somente como homens (algumas destas últimas pessoas preferem ser reconhecidas como não binárias).
De uma maneira geral, podemos dizer que diferentes culturas e sociedades produziram classificações que deram origem a identidades de gênero, mas também podemos dizer que estas classificações sempre variaram muito. O que queremos ressaltar é que estas classificações mudam e é isto que apavora principalmente os/as conservadores/as, que desejam que seus privilégios sejam mantidos a qualquer preço.
A sociedade europeia ocidental, a partir do século 18, o mesmo período que coincide com o advento da burguesia, tendeu a uma classificação binária (mulheres ou homens), baseada na aparência externa da anatomia.Mais tarde, este processo se agudizou por meio do controle biomédico dos corpos (séc. 19).
Todavia, ao longo da história subsequente da própria Europa (e das diferentes sociedades que se produziram a partir do colonialismo europeu), existiram pessoas que não se sentiram confortáveis nas imposições sociais vinculadas ao sexo em que elas foram inseridas ao nascerem. Estas pessoas passaram a sofrer fortes opressões, por não corresponderem às normas sociais. Estas opressões tomaram diferentes formas: o ostracismo, o pauperismo, a violência física e a morte, o abandono, a discriminação, a prisão, o encarceramento em hospitais psiquiátricos, a medicalização forçada e a supressão até mesmo daqueles direitos já conquistados pela população em geral. A memória da existência destas pessoas também foi cuidadosamente apagada (de forma parcial ou total), como parte das opressões que vivenciaram.
A biomedicina, especialmente a partir do início do século 20, produziu todo um sistema de classificação tanto das sexualidades consideradas desviantes (fugiam ao padrão heterossexual e familista), quanto daquelas que não se enquadravam nas normas de gênero. Estes sistemas classificatórios, do qual ainda existem fortes resquícios, produziram categorias pelas quais passamos (até no senso comum) a identificar algumas destas pessoas, como “homossexual”, “bissexual” e “transexual”. Atualmente, elas ganham significados diferentes dos elaborados originalmente pela medicina, que tendia a classificá-las como doenças, desvios ou perversões, desautorizando com isso sua convivência social em condições minimamente dignas.
Imaginamos que você já tenha uma impressão do que sejam estas identidades ou até as conheça de perto, mas, de qualquer forma, apresentamos aqui uma primeira ideia sobre elas:
TRANSEXUAIS
São as pessoas que, tendo sido registradas no sexo masculino ou feminino ao nascerem, se identificam como sendo de outro gênero.
Uma pessoa que foi considerada do sexo masculino quando nasceu, mas que passou a se identificar (em qualquer momento da vida) como do sexo feminino, é uma mulher transexual (note que o que deve prevalecer é o respeito à identidade autoenunciada pelo sujeito). Da mesma forma, uma pessoa que foi considerada do sexo feminino quando nasceu, mas que passou a se identificar, em qualquer momento da vida, como do sexo masculino, é um homem transexual.
É muito comum que pessoas transexuais (ou pessoas trans) lancem mão de diferentes recursos estéticos para se sentirem bem no seu gênero (corte e investimentos nos cabelos, roupas, calçados, adornos, entre outros) e que isso é muito importante para o seu bem-estar, saúde mental e convívio social. Além disso, muitas delas também lançam mão de recursos biomédicos para viverem melhor, como tratamentos hormonais, cirurgias plásticas e outras cirurgias (inclusive as cirurgias de transgenitalização), mas isso não é uma regra que valha para todas as pessoas transexuais.
No Brasil, a exemplo de muitos outros países, desde 2008, o Ministério da Saúde, pressionado pelo movimento de transexuais e de seus/suas apoiadores/as, regulamentou o processo transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS). Este é um conjunto de procedimentos assistenciais dirigidos a quem precisa modificar seu corpo, para atingir determinadas características do gênero que afirma como o seu. Infelizmente, o acesso dos/as usuários/as a esses serviços ainda é insuficiente, em razão tanto dos ataques neoliberais sofridos pelo SUS no país, quanto por razões mais específicas relacionadas à história deste programa em especial.
Uma pessoa pode não ter uma aparência que você considere feminina (por exemplo, porque não mudou suas roupas ou calçados, não tem cabelos que você considere femininos e/ou tenha barba) e, ainda assim, ela pode ser considerada transexual, se este for o desejo dela. Ela pode ter esta aparência, porque não deseja de fato alterar ou porque ainda não pôde realizar estas mudanças (por motivos econômicos, por motivos de saúde, para preservar sua segurança na comunidade em que vive, para manter seu posto de trabalho ou por quaisquer outros motivos).
Além disso, há pessoas que reúnem todas as características de que falamos acima, como características da transexualidade, mas que não desejam ser chamadas de transexuais, preferindo ser reconhecidas como uma mulher ou como um homem, sem distinções complementares.
AS TRAVESTIS
As travestis são pessoas que, ao nascerem, foram registradas no sexo masculino, com base apenas no seu sexo genital, e que procuram inserir, em seus corpos, símbolos do que é socialmente convencionado como feminino.
As travestis tendem a se considerar como uma variante do feminino e, embora muitas vezes tenham características que efetivamente fazem com que as percebamos como muito femininas, elas tendem a não desejar modificações cirúrgicas de sua genitália, como algo importante na definição de sua feminilidade.
Algumas travestis dizem claramente que não desejam ser mulheres, embora permaneçam se percebendo como femininas. Não faz sentido e é ofensivo chamar a qualquer delas de “o travesti”. O tratamento mais respeitoso e coerente com o que a pessoa afirma é, portanto, “a travesti”.
Muitas travestis lançam mão de recursos estéticos para se sentirem bem no seu gênero (corte, pintura, apliques e outros investimentos nos cabelos, roupas, calçados, adornos, maquiagem, entre outros).
Também é comum que a maioria delas deseje ser reconhecida por um nome feminino e não com o nome de registro do nascimento.
Algumas travestis buscam recursos biomédicos para se sentir e viver melhor, como hormônios feminilizantes, depilação definitiva e cirurgias plásticas, mas isso também não é uma regra que valha para todas as travestis.
Infelizmente, é muito recente (e em grande medida ainda não é executado) o atendimento às necessidades de modificação corporal das travestis no SUS (Portaria MS nº 2.803/2013). Este fato contribuiu para, nas décadas anteriores e para que se mantenha atualmente, o recurso de muitas delas a serviços ilegais (fora de unidades de saúde e não regulados pela Vigilância Sanitária) para feminilizar seus corpos por meio do uso de silicone industrial, o que pode ter graves efeitos na sua saúde.
Muitas lideranças travestis, ao longo de anos de luta no Brasil, afirmaram que ser travesti não é fantasiar-se de mulher em eventos, tampouco durante uma parte do tempo. A travesti vive e se apresenta como tal nos mais diferentes espaços sociais.
Drag queens, drag kings, transformistas, performers
São artistas que costumam encenar performances e personagens do outro gênero, para fins de entretenimento e produção artística. Estas performances e personagens não são mantidas durante sua vida cotidiana.
Crossdressers
Este é um termo que se refere a pessoas que vestem roupa ou usam objetos associados ao sexo oposto, como por exemplo: acessórios, perucas, perfumes, maquiagens, por qualquer uma de muitas razões, desde vivenciar uma faceta feminina (para os homens), masculina (para as mulheres), por motivos profissionais, para obter satisfação emocional ou gratificação sexual momentânea, ou outras.
Nome Social
É comum que muitas pessoas transexuais desejem ser reconhecidas por um nome coerente com este gênero afirmado e não com o nome de registro inicial. É a este nome que a pessoa deseja ouvir quando é abordada, que chamamos de nome social.
O direito a usar o nome social e a ser tratado/a no gênero que solicita é facultado a transexuais, travestis e a outras pessoas (utilizando ou não estas identidades). O que precisa ser respeitado pelo/a assistente social e por todos/as os/as demais profissionais.
Além do cartão SUS na política de saúde, vem sendo reconhecido (por meio de portarias, resoluções, decretos e outros documentos públicos), tanto na esfera federal, quanto em alguns estados e municípios do país, o direito à utilização do nome social nas escolas/universidades, locais de trabalho e em outros espaços públicos e privados.
O CFESS, por meio da Resolução nº 615/2011, também possibilitou, a

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