Buscar

unid_2C Politica

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 97 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 97 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 97 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

58
Unidade II
Unidade II
5 ESTADO, HISTÓRIA E ELEMENTOS ESSENCIAIS
Imersos nas formas-Estado, compreenderemos facilmente que as 
sociedades indígenas recorram a poderosos mecanismos para inibir o pleno 
desenvolvimento delas – que já estão lá e atuam, presentes na aparente 
ausência. Da mesma forma e inversamente, as sociedades indígenas nos 
concederão as grades de inteligibilidade para que compreendamos a 
atuação das forças antiestado entre nós, inibidas e, contudo, presentes na 
aparente ausência. Tudo estará em tudo e reciprocamente [...]: Estado entre 
os indígenas; antiestado entre nós; Clastres nos dilemas da antropologia 
contemporânea e às avessas (BARBOSA, 2004, p. 533-534).
Aproveitamos o diapasão dessa citação e seguimos pelos olhares disciplinares que miram os principais 
traços e as bases do Estado; traços radicais, como aqueles trazidos por antropólogos (Maurice Godelier e 
Pierre Clastres) e geógrafos (como Paul Claval), e sofisticados, como o da sociologia de Pierre Bourdieu. 
Esses homens abrem caminho para os cientistas políticos (politólogos) e para economistas (como Robert 
Heilbroner, da economia política).
É preciso que se diga, alinhando-nos com Atilio A. Boron (1994), que houve expansões e 
retrações históricas das estruturas estatais, o que é corroborado pelas afirmações que destacamos 
de Paul Claval. 
Atilio A. Boron acusa certa negação de sua realidade, principalmente no caso dos britânicos, 
advertindo que “a realidade social existe independentemente de nossas capacidades intelectuais para 
apreendê-la” (1994, p. 244). O autor menciona o positivismo reinante (em David Easton, por exemplo), 
que considera imprestáveis poder e Estado ao desenvolvimento da pesquisa política. Claro, visto que não 
são tangíveis, a não ser como expressão de relações: são tipos, emergem com as forças sociais.
Boron (1994) fala de formações estatais tardias (Alemanha e Itália) em contraposição às anglo-saxãs 
(Estados Unidos da América e Reino Unido), nas quais a iniciativa burguesa inibiu o aparato estatal... 
O Estado, que desde os anos 1930 foi um meio ideal de lidar com a crise, 
foi convertido ideologicamente no “bode expiatório” e concebido como o 
fator que a originou. Antes, nos fatídicos anos 1930, isso fazia parte da 
solução. Agora se tornou – nas versões mais ululantes do neoliberalismo – a 
totalidade do problema (BORON, 1994, p. 187).
59
CIÊNCIA POLÍTICA
Quanto à América Latina, sistema tributário pauperizador e não devolutivo, Boron acentua:
Números sobre a tendência dos salários reais falam por si sobre o alcance 
do processo de pauperização sofrido por vastos setores das populares 
classes latino-americanas. É evidente que esta regressão salarial deve ter 
um impacto profundo, tanto na economia como na política de nossos 
países. Mas o que gostaríamos de destacar com esses dados é a magnitude 
da lacuna que separa as necessidades humanas básicas – de crescentes 
contingentes da população – da capacidade efetiva de intervenção do 
Estado suscetível de produzir políticas compensatórias ou corretivas dos 
desequilíbrios gerados pelo capitalismo selvagem. Isso pode ser expresso 
graficamente com a metáfora das tesouras: as demandas geradas na 
sociedade civil, as insatisfações, as privações e os sofrimentos provocados 
tanto pela crise como pelos testes neoliberais postos em prática na região 
deram origem a uma verdadeira barragem de reivindicações, facilitada, 
por outro lado, pelo clima permissivo das sociedades que reiniciam 
sua longa marcha rumo à democracia. Nestas condições, no entanto, 
a mesma crise que potencializa as renovadas demandas sociais reduz 
significativamente as capacidades do Estado para produzir as políticas 
necessárias para resolver, ou pelo menos aliviar, as dificuldades aludidas. 
O resultado é um acúmulo alarmante de tensões que poderiam levar a 
um quadro de ingovernabilidade generalizada do regime democrático, sua 
deslegitimação acelerada e sua provável desestabilização, com os riscos de 
uma inesperada reintegração de governos autoritários de diferentes tipos 
(BORON, 1994, p. 195).
Atilio A. Boron (1994, p. 200) faz considerações sobre as dívidas externas insustentáveis “que a 
América Latina não pode pagar”, promovendo transferências de gigantescas quantias, e acrescenta a mais 
importante das constatações de seu livro, que “estes dados [o levantamento exaustivo apresentado] 
demonstram, apesar da gritaria neoliberal, a persistente importância do Estado e do gasto social nos 
capitalismos metropolitanos”.
Numa análise mais pormenorizada, pode-se comprovar que nem o 
presidente Ronald Reagan nem a primeira-ministra Margaret Thatcher 
cumpriram suas promessas de efetivar cortes drásticos nos orçamentos 
fiscais. Se algo foi provado com a sua gestão é que mesmo o discurso mais 
neoliberal não conseguiu ressuscitar os mortos diligentemente enterrados 
por Keynes há mais de meio século. Os ideólogos e propagandistas das 
virtudes do mercado podem falar, mas suas palavras desaparecem no 
ar antes da verdade efetiva das coisas. Se o Estado continua a pesar na 
economia, é porque a acumulação capitalista foi “estatificada” e exige 
cada vez mais o apoio dos poderes públicos para sobreviver. A história 
do déficit fenomenal do governo dos EUA é demasiado conhecida 
para se repetir mais uma vez: em 1985, era equivalente a 5,3% do 
60
Unidade II
PIB, enquanto a do Reino Unido, por outro lado, era de 3,1%. Como 
os déficits aberrantemente keynesianos se reconciliam com um discurso 
dogmaticamente neoliberal? (BORON, 1994, p. 201).
Para nossa “perplexidade” diante das declarações sobre a agonia e morte do Estado, pesquisadores 
sustentam o seguinte: “como resultado do declínio das políticas econômicas neoliberais e da crise que 
atravessam a maioria das economias latino-americanas, o papel econômico do Estado se verá fortalecido” 
(BORON, 1994, p. 203).
Claudia Costin define de modo bem direto Estado, Estado nacional e suas partes principais. 
Em sua versão moderna, o Estado contém um conjunto de organismos de 
decisão (Parlamento e governo) e de execução (Administração Pública). 
Nessa concepção, a organização estatal possui uma dimensão legiferante, 
associada à produção de normas que regerão a vida social, e uma dimensão 
administrativa, associada ao cotidiano da gestão das instituições e das 
relações políticas. Assim, o Estado é mais amplo que o governo ou que a 
Administração Pública, como veremos um pouco mais adiante.
Numa outra classificação, o Estado é integrado por três poderes, a que 
correspondem três funções básicas: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. 
O primeiro estabelece as leis a serem seguidas por uma sociedade. O Executivo, 
por sua vez, tem por responsabilidade impor e fiscalizar a aplicação dessas 
leis, além de regulamentar, nas bases por elas previstas, a legislação aprovada 
pelo Legislativo, implementar políticas públicas, coletar impostos para o 
desempenho das funções do Estado e de seus componentes. O Judiciário, por 
fim, detém a capacidade de julgar, na maioria dos casos, a correta aplicação 
da lei e das penas correspondentes a seu desrespeito.
Investido desses três poderes, o Estado possui um caráter ambíguo: designa 
o comando da comunidade, como autoridade soberana que se exerce sobre 
um povo e um território determinados e, ao mesmo tempo, representa, 
por meio de uma pessoa que o encarna, a Nação. Essa pessoa é o chefe 
de Estado, correspondente, num país como o nosso, ao presidente, e, num 
regime monarquista como o inglês, ao rei ou à rainha.
[...]
Bresser-Pereira (2004, p. 4) estabelece uma distinção entre Estado-nação 
e Estado. Para ele, enquanto o Estado-nação é o “ente político soberano 
no concerto das demais nações, o Estado é a organização que, dentro 
desse país”, tem o poder de legislar e tributar a sociedade. O autor associa 
ao Estado tanto uma dimensão de organização com “poder extroverso 
sobre a sociedade que lhe dá origem e legitimidade” quanto o sistema 
constitucional-legal,“dotado de coercibilidade sobre todos os membros do 
Estado nacional” (COSTIN, 2010, p. 8-15).
61
CIÊNCIA POLÍTICA
O Estado possui uma administração pública, fixada pelo Decreto-lei nº 200 de 1967:
Uma definição operacional de Administração Pública decorre do que vimos 
anteriormente sobre o Estado. Inclui o conjunto de órgãos, funcionários 
e procedimentos utilizados pelos três poderes que integram o Estado, para 
realizar suas funções econômicas e os papéis que a sociedade lhe atribuiu no 
momento histórico em consideração. Assim, temos dois qualificativos para 
associar a esta afirmação: a Administração Pública não existe só no Executivo 
e ela muda constantemente, pois as expectativas da sociedade em relação a 
ela e às disputas que se fazem na esfera política para fazer valer propostas 
diferentes de atuação estatal também são cambiantes (COSTIN, 2010, p. 27).
Claudia Costin cita Bresser-Pereira para tipificar a Administração Pública em três formas históricas:
Segundo Bresser-Pereira (1998, p. 20-22), há três formas de administrar o 
Estado: a administração patrimonialista, a administração pública burocrática 
e a administração pública gerencial, que outros autores chamam de 
pós-burocrática. O autor tira o qualificativo de pública da administração 
patrimonialista, pois esta não visaria o interesse público (2010, p. 31).
A autora também apresenta em seu livro os modos básicos de alimentação do aparelho estatal, via 
tributos, e de gastos públicos, via orçamento.
Depois de definir Estado e de contextualizá-lo juridicamente, vamos situá-lo no tempo com o excerto 
a seguir. 
Evolução histórica do Estado
Como vimos, o Estado não existiu sempre. Surgiu num determinado momento histórico 
em razão de uma série de fatores sociais, políticos, econômicos etc., com o objetivo de 
organizar a sociedade sob uma nova estrutura institucional de poder. Para analisarmos 
as formas históricas assumidas pelo Estado, retomamos a tipologia utilizada por Norberto 
Bobbio em seu Estado, Governo e Sociedade, que inclui esta sequência: Estado feudal, 
Estado estamental, Estado absoluto, Estado representativo.
O Estado feudal pode parecer a muitos uma contradição em termos, mas trata-se, 
evidentemente, de uma forma de Estado em que há uma fragmentação do poder em 
múltiplos agregados sociais e, por outro lado, a concentração de diferentes funções diretivas 
nas mãos das mesmas pessoas. Ao poder “central” do rei caberia apenas a organização do 
Exército e a estruturação da defesa do território, ao passo que o protagonismo político 
pertenceu aos senhores feudais.
O Estado estamental – outra categoria nessa tipologia baseada na evolução histórica – 
caracteriza-se pela constituição de órgãos colegiados que reúnem indivíduos possuidores 
62
Unidade II
da mesma condição social, os estamentos, que detêm os mesmos direitos e privilégios 
diante do poder soberano. Essa forma de Estado difere do Estado feudal em virtude da 
transformação das relações pessoais entre os indivíduos, além da própria relação entre as 
instituições, pois as assembleias de estamento surgem como contrapoder ao rei e aos seus 
funcionários. Posteriormente, o absolutismo tenderá a acabar com essa contraposição de 
poderes a partir da ênfase na ideia de poder soberano e absoluto.
O Estado absoluto surge com a concentração e centralização de poderes num determinado 
território, tendo como referencial a figura do monarca. Com o fim da fragmentação do poder 
político, pode-se pensar na constituição dos Estados-nação, com o exercício da soberania 
sobre um território e suas gentes.
A soberania se expressa agora no poder de ditar leis sobre uma coletividade, no poder do 
uso exclusivo da força para proteção contra ameaças externas e imposição da ordem, e no 
poder de coletar impostos que é assegurado ao rei e elimina poderes autônomos estranhos 
a ele. Em outros termos, o poder de cidades, sociedades comerciais ou corporações só pode 
existir mediante autorização do poder central ao qual se subordinam, ganhando relevo 
termos como “centralização”, “soberania” e “contrato social”.
O Estado representativo aparece na Europa na sequência da Revolução Gloriosa de 1688 e 
da Revolução Francesa de 1789 e, nos Estados Unidos, após a consolidação da independência 
no século XVIII. O conceito de representação associa-se à ideia de que um corpo escolhido 
por cidadãos age em nome destes, e tal corpo é escolhido por meio de um procedimento 
eleitoral racionalmente estabelecido. Trata-se, antes de tudo, do Parlamento, em que um 
conjunto de representantes é eleito para decidir que leis deverão governar aquela sociedade 
e, mais especificamente, que políticas públicas serão implementadas. Inclui também o Poder 
Executivo, em que o presidente ou primeiro-ministro age representando a coletividade que 
lhe outorgou o poder para tanto, por um período especificado, mas equilibrando seu poder 
com o do corpo Legislativo.
No regime representativo, o poder conferido aos representantes pode ser retirado, 
seja por uma não renovação do mandato no momento das eleições, seja por decisão 
dos demais representantes, caso alguma lei que rege a conduta dos parlamentares ou 
do chefe do Executivo tenha sido burlada, justificando, assim, a cassação do mandato, 
no caso dos membros do Poder Legislativo, ou o impeachment, no caso do presidente. 
Eleições parlamentares que mostrem um novo desejo dos eleitores podem levar, no sistema 
parlamentarista, à nova escolha de primeiro-ministro.
A democracia representativa é realizada através de uma representação concentrada 
que se divide nos poderes Executivo e Legislativo. É importante salientar a análise de 
Pitkin sobre o tema, que realiza uma reflexão histórica e semântica do conceito de 
representação. Segundo a autora, “representação” tem sua origem na palavra latina 
representare, que significa “tornar presente ou manifesto; ou apresentar novamente” 
(PITKIN, 2006, p. 17). Por outro lado, em virtude da complexidade da representação, 
63
CIÊNCIA POLÍTICA
surgem desafios sobre como tornar presente o que não está efetivamente presente. 
Desse modo, a ausência do representado é atenuada por meio de mecanismos em que 
a atuação do representante seja publicizada e, de certa forma, passível de controle, o 
que não quer dizer que esse controle seja absoluto e que não haja uma margem de 
autonomia nas ações do representante.
Por essa razão, segundo Manin (1995), é possível identificar três sentidos no âmbito da 
democracia representativa:
• Significa que as decisões devam ser realizadas por representantes cuja legitimidade 
advém da lei ou do voto, pois, embora o povo não governe, “ele não está confinado 
ao papel de designar e autorizar os que governam. Como o governo representativo 
se fundamenta em eleições repetidas, o povo tem condições de exercer uma certa 
influência sobre as decisões do governo” (p. 8).
• Afasta a ideia de poder absoluto, na medida em que o representante deve agir 
nos limites impostos pelos representados, desfrutando de relativa margem de 
autonomia. Por outro lado, isso não quer dizer que o representante deva fazer o que 
o representado determina. O que possibilita essa relação conflituosa é a liberdade de 
opinião, que atenua a não vinculação do governante às opiniões do governado, já 
que a “liberdade de opinião surge, assim, como contrapartida à ausência do direito 
de instrução” (p. 12).
• Significa uma alternativa à complexidade moderna, na qual não há mais espaços 
para modelos democrático-participativos diretos, a exemplo da polis grega. Assim, “a 
vontade popular se torna um componente reconhecido do ambiente que cerca uma 
decisão” (p. 12), tendo em vista que a seleção de representantes ocorre por meio de 
um procedimento eleitoral.
Como avanço histórico, o Estado representativo introduziu a ideia de que o indivíduo 
precede o Estado. Ao contrário do Estado estamental, em que a representação se faz por 
categorias ou corporações, aqui indivíduos singulares (inicialmente, esclareceBobbio, só 
os proprietários) detêm direitos naturais e por lei que podem, inclusive, fazer valer contra 
o Estado. Esse reconhecimento dos direitos do homem e do cidadão representou uma 
revolução no relacionamento entre governantes e governados.
Para Bobbio, a evolução da democracia representativa caminhou lado a lado com 
o alargamento dos direitos políticos até a introdução do sufrágio universal. Mas tal 
complexidade trouxe como consequência a necessidade de se formarem partidos e 
associações, [então], ao organizarem as eleições, levou à perda da noção originária de 
representação, a qual já não seria mais dos indivíduos singulares, e sim das agremiações 
que acabam recebendo “uma delegação em branco dos eleitores”.
Mesmo com esses problemas, o Estado representativo é hoje ao menos a referência, 
mesmo em constituições de países com modelos marcadamente autoritários. Procura-se 
64
Unidade II
manter, no texto do ordenamento jurídico da maior parte dos países, ao menos a referência 
ao Estado representativo.
A partir de outros pressupostos, Bresser-Pereira acrescenta à tipologia o Estado social, 
marca de uma evolução que, na sequência das manifestações socialistas do fim do século XIX e, 
mais recentemente, após a crise de 1929 e suas graves implicações na qualidade de vida 
das populações europeia e americana, tornou o cidadão portador de direitos sociais e o 
aparelho estatal uma fonte de atendimento das necessidades a ele associadas.
Mais precisamente, em decorrência da mudança nas relações sociais causada, em 
especial, pela industrialização, buscou-se um novo tipo de Estado, que reconhecesse as 
desigualdades sociais. A falta de condições salubres de trabalho, a ausência de direitos 
trabalhistas e a exploração foram os problemas que o direito social procurou resolver. 
Exigiu-se, para tal, uma atuação positiva por parte do Estado no âmbito das relações 
privadas. Predomina, no Estado social, a preocupação de proteger o homem do próprio 
homem e, para tal, o Estado deve ser o ator redutor de diferenças sociais, praticando uma 
verdadeira justiça distributiva.
Na concepção de Bresser-Pereira, o Estado social apresentaria três versões: o Estado do 
bem-estar, o Estado desenvolvimentista e o Estado comunista. As propostas estruturam 
sistemas bastante distintos entre si, mas com uma preocupação comum: dotar o Estado 
de competências para promover maior igualdade econômica entre cidadãos que, para a 
etapa mais recente do Estado representativo, já contariam com igualdade de direitos civis e 
políticos. Isso envolve um fortalecimento das capacidades de formulação e implementação 
de políticas sociais e, ao mesmo tempo, uma ênfase na promoção do desenvolvimento e 
no apoio à indústria local. Além disso, estabelece-se um diálogo firme e constante com 
sindicatos e associações de trabalhadores.
A crise do Estado no início dos anos 1980 e a posterior derrocada da União Soviética 
e das economias dos regimes do Leste Europeu trouxeram um profundo questionamento 
do Estado social. Criticava-se sua dependência de uma carga tributária elevada, a inibir 
a produtividade e a saúde financeira das mesmas empresas locais que se pretendia 
impulsionar, e sua desvinculação com uma lógica de trabalho como fator de crescimento 
humano. Acreditava-se que auxílios pecuniários dissociados de esforço pessoal levariam 
à dependência e à acomodação do ser humano. Outros criticam a insuficiência do 
Estado social em resolver os problemas a que se propõe, criando atenuantes, como 
salário-desemprego, em vez de combater o desemprego, ajudas em espécie ou dinheiro 
em vez de criar reais oportunidades.
Mas Peter Lindert (2002, p. 2) demonstra que não há evidências estatísticas de que os 
Estados com modelos sólidos de bem-estar social financiados por uma carga tributária 
relativamente elevada tenham experimentado reduções no crescimento do seu PIB e 
da produtividade. Isso se deve, segundo ele, entre outros fatores, à constituição de uma 
competência para desenhar desincentivos à evasão do trabalho por parte da juventude, à 
65
CIÊNCIA POLÍTICA
seleção de um mix de impostos mais favorável ao crescimento e ao efeito positivo do gasto 
social sobre o crescimento. Não apenas a educação aumenta o PIB per capita, mas outros 
gastos sociais também o fazem.
Em seu modelo predominante hoje em dia, o Estado pode ser diferenciado, no entanto, 
pelas diferentes tarefas e papéis que assume, o que, por sua vez, resulta também de uma 
evolução histórica.
Há pouco consenso nessa matéria. Mas, nos tempos em que a expressão Estado começou 
a ser utilizada, com Maquiavel, o papel do Estado era percebido, sobretudo, como o de 
prover segurança à população para conduzir suas atividades diante de agressões externas ou 
crimes internos, cabendo às entidades religiosas registrar os nascimentos e óbitos, acudir os 
necessitados e, para quem quisesse integrar seus quadros, a educação necessária para tanto.
Outros recebiam educação de preceptores contratados. O controle de contratos privados 
surge inicialmente mais relacionado à cobrança de impostos do que à sua garantia. Além 
disso, a função judiciária já era exercida antes desse período. O soberano, mesmo antes 
de se pensar em separação de poderes, atuava muitas vezes como árbitro em desavenças 
entre seus súditos, no perdão de dívidas entre particulares ou para com o Tesouro Real, e 
estabelecia sentenças para crimes.
Progressivamente as instituições religiosas e, em alguns casos, as próprias comunidades 
(como no caso americano) foram se responsabilizando pela oferta de educação a um número 
maior de crianças e jovens, independentemente de vocações religiosas. 
O antigo reino da Prússia foi o primeiro país a introduzir, inspirado por Martinho Lutero, 
a educação pública gratuita e compulsória, de oito anos de duração, para todas as crianças, 
ainda no século XVIII. A essas alturas, as primeiras escolas públicas americanas já existiam e 
conviviam com escolas comunitárias e privadas. Na França, onde já existia um sem-número 
de escolas religiosas, o sistema público foi introduzido nos anos 1880, por Jules Ferry, junto 
com um processo vigoroso de laicização do ensino (WEREBE, 2004). No Brasil, o governo 
provisório de Deodoro da Fonseca institui, em 1890, o “ensino leigo e livre, em todos os 
níveis e gratuito no primário” (Decreto nº 501/1890). Na ocasião, apenas 12% das crianças em 
idade escolar tinham acesso à educação. Vamos demorar mais 106 anos para universalizar o 
ensino fundamental.
A saúde surge como preocupação do Poder Público bem antes disso. Os romanos já 
apresentavam obras de saneamento, afastando os dejetos humanos de áreas de concentração 
de pessoas. Posteriormente, epidemias mereceram atenção de governos, como foi o caso 
da peste negra, que levou à infrutífera queima de cadáveres, seguida pela mais eficiente 
queima de bairros inteiros. Da mesma forma, o Estado passou a estabelecer, especialmente 
a partir dos séculos XVIII e XIX, condições para o estabelecimento de cemitérios, venda de 
alimentos e destinação do lixo num introito ao que se chama hoje de Vigilância Sanitária. 
Nesse sentido, fez construir também esgotos (como o famoso de Londres, cuja obra se 
66
Unidade II
fez na sequência da epidemia de cólera de 1854) e aterros sanitários. Pouco a pouco, a 
partir do século XIX, o Estado começou a vacinar para prevenir doenças, ao mesmo tempo 
que em muitos países se estabelecia um sistema de vigilância epidemiológica. Essas novas 
atribuições demandaram a constituição de uma rede de novos equipamentos públicos, em 
adição a hospitais, inicialmente operados por ordens religiosas a partir de contribuições 
filantrópicas. Aqui no Brasil tivemos as Santas Casas de Misericórdia, a primeira datando 
de 1540, de criação apoiada pelo imperador, mas efetivamente não públicas. O mesmo 
movimento seguiu o Québec um século mais tarde, com a criação do Hotel-Dieu du 
Précieux-Sang, em 1639, e o Hotel-Dieu de Montreal, em 1640. No século XX, o Estadopassou a possuir hospitais, ambulatórios e centros de higiene posteriormente chamados de 
centros de saúde.
Outra atividade assumida pelo Estado desde os seus primórdios, embora não com 
exclusividade, foi a de construção de estradas. No auge do Império Romano, uma vasta rede 
de estradas interligava rotas comerciais e permitia o deslocamento de tropas na Europa, no 
norte da África, na Anatólia, na Índia e na China.
O Império Chinês fora responsável pela construção do segmento que interligava a China 
à Anatólia e à Índia, conhecida como “rota da seda”. Essa porção tinha uma existência 
de aproximadamente 1.400 anos quando das viagens de Marco Polo (1270 a 1290 da 
era comum), certamente sua fase mais importante. As companhias comerciais, com seus 
exércitos privados, as guildas, os senhores feudais, a Igreja (inclusive na coordenação das 
cruzadas), as empresas e mesmo os proprietários individuais fizeram construir estradas para 
facilitar o comércio, apoiar movimentação de tropas ou integrar partes distintas de uma 
mesma propriedade. Mas, essa função foi percebida durante a maior parte do tempo como 
uma atribuição do Poder Público, mais modernamente concedida a empresas de construção 
civil, mediante contratos de concessão ou, mais recentemente, parcerias público-privadas 
(outra modalidade de concessão).
As primeiras estradas brasileiras foram construídas no século XIX. Nos anos 1920 temos nossas 
primeiras rodovias. A primeira rodovia pavimentada foi inaugurada em 1928, a Rio-Petrópolis.
Juntam-se às estradas a construção de outras obras de infraestrutura para 
desenvolvimento, como portos, ferrovias (que curiosamente surgem no Brasil como 
empreendimento privado, de propriedade do Barão de Mauá), sistema de ruamento urbano, 
usinas de geração, distribuição e transmissão de energia elétrica e, mais recentemente, 
aeroportos e empresas de telecomunicações.
Mas as atividades do Estado na promoção do desenvolvimento não se restringem a obras 
de infraestrutura. Incluem a formulação de uma política econômica adequada à atração de 
investimentos e promoção do comércio, um sistema de arbitragem de disputas comerciais 
estruturado e confiável, um regime de patentes que favoreça a inovação e dê segurança a 
quem nela desejar investir. Além disso, pode conter uma política industrial que favoreça e 
financie empreendimentos nacionais.
67
CIÊNCIA POLÍTICA
Cada vez mais o Estado tem sido chamado, nos países em desenvolvimento, a assumir 
um importante papel no incentivo à competitividade do que neles é produzido. Esse papel, 
no entanto, deve ser equilibrado com duas outras funções do Poder Público: a redistributiva 
e a estabilizadora.
Em situações de pobreza e desigualdades sociais, políticas compensatórias podem 
completar os investimentos públicos em saúde e educação. Isso, por outro lado, gera um 
impacto, em termos de carga tributária, que encarece os produtos nacionais e rouba-lhes 
a competitividade e a possibilidade de criação de empregos – o que agrava a situação 
social. Da mesma maneira, a política industrial pode, dependendo de seu desenho, levar a 
desequilíbrios orçamentários, que, por sua vez, acarretam inflação, endividamento ou ônus 
a políticas sociais.
Recentemente, o Estado vem se retirando da produção direta de bens e serviços para 
o mercado. Isso se deve a uma combinação de fatores: o surgimento de um conjunto de 
empresas em condições de assumir a direção de empresas públicas que anteriormente 
ofereciam esses bens, a crise fiscal que resultou no esgotamento da capacidade de 
investimento do setor público e uma visão ideológica de defesa da redução do tamanho do 
Estado (o que se convencionou chamar de neoliberalismo).
Mas é interessante observar que, se o Estado se retirou da atividade produtiva em 
diferentes setores, ele retornou com outras atribuições, geralmente associadas à regulação 
de serviços públicos concedidos, em mercados que tendem à formação de monopólios. No 
Brasil, em energia elétrica, área em que muitas empresas de distribuição foram privatizadas, 
foi criada a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), com funcionários de carreira e 
independência para atuar no segmento. Da mesma forma, em telecomunicações, a Anatel 
(Agência Nacional de Telecomunicações) se propõe a regular a atuação das empresas que 
receberam a concessão de serviços de telecomunicações.
Primeiramente, tais agências se situam na interface entre Estado e governo e não 
se submetem à hierarquia funcional, orçamentária e decisória da Administração Pública 
clássica. Em segundo lugar, o que reforça essa liberdade de decisão das agências é o 
próprio arcabouço jurídico-normativo presente nas diversas legislações de cada uma 
delas. Em linhas gerais, algumas características presentes nas agências são centrais para 
o seu desenvolvimento institucional autônomo, tais como: a) mandatos dos diretores não 
coincidentes com os mandatos do chefe do poder executivo que os nomeou; b) garantias 
em relação à demissibilidade ad nutum; c) autonomia funcional e financeira que permita 
se organizar livremente; d) impossibilidade de reforma de suas decisões pela Administração 
Pública direta. Em terceiro lugar, as agências reguladoras se distinguem também do ponto de 
vista do conteúdo da decisão. No contexto regulatório, opera-se uma desconcentração das 
competências e atribuições, de modo que à Administração Pública caiba proferir decisões 
políticas, ao passo que às agências caiba proferir as decisões técnicas.
68
Unidade II
O conjunto das atividades públicas desenvolvidas hoje nos países com Estado estruturado 
contempla ainda a fiscalização, a diplomacia, a defesa e o policiamento – atividades que, 
junto com a regulação, são normalmente definidas como exclusivas de Estado. A segurança 
dos cidadãos diante de agressões externas ou crimes internos, a representação da nação 
e de seus interesses no exterior, a arrecadação de impostos vitais para a implantação de 
políticas públicas e a verificação da conduta de empresas e particulares quanto a leis e políticas 
públicas que protegem o ambiente, a saúde da população e dos rebanhos ou a correta 
aplicação dos recursos da seguridade social são algumas dessas atividades que o Estado 
precisa desempenhar para manter uma sociedade organizada e protegida em seus direitos 
(inclusive os chamados direitos republicanos).
Fonte: Costin (2010, p. 8-15).
 Saiba mais
Para se aprofundar no assunto, leia a obra de Claudia Costin:
COSTIN, C. Administração pública. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
6 TEORIA GERAL DO ESTADO
Todo esse processo – constituição de um campo; autonomização desse 
campo em relação a outras necessidades; constituição de uma necessidade 
específica em relação à necessidade econômica e doméstica; constituição 
de uma reprodução específica de tipo burocrática, específica em relação à 
reprodução doméstica, familiar; constituição de uma necessidade específica 
em relação à necessidade religiosa – é inseparável de um processo de 
concentração e de constituição de uma nova forma de recursos que são do 
universal, em todo caso, de um grau de universalização superior àqueles que 
existiam antes. Passa-se do pequeno mercado local ao mercado nacional, 
seja no nível econômico, seja no simbólico. A gênese do Estado é, no fundo, 
inseparável da constituição de um monopólio do universal, sendo a cultura 
o exemplo por excelência (BOURDIEU, 2012).
Tradicionalmente se distinguem dos processos de formação do Estado: um 
exógeno contra a empresa e o outro endógeno. O processo exógeno remete 
a fenômenos de conquista de uma empresa por outra e à implantação de 
uma instituição dominante sobre as populações conquistadas por parte 
da população conquistadora. O processo endógeno remete à constituição 
progressiva de formas de dominação exercida por uma parte da sociedade 
sobre os demais membros (GODELIER, 1980, p. 667).
69
CIÊNCIA POLÍTICA
As reflexões de Claval, Bourdieu e Clastres levam-nos a considerar o Estado como alternativa 
organizacionalde encaminhamento do poder.
O que Gustavo Baptista Barbosa (2004) destaca e propõe discutir do trabalho de Pierre Clastres é a 
variedade histórica, raramente tratada (comumente ignorada) como possibilidade em ciência política 
e no direito. 
Na verdade, o tratamento que ele reservará ao “Estado” permite-nos desterritorialização 
complementar de seu conceito de “sociedade”. O Estado, afirma Clastres, “não é o Eliseu, a Casa Branca, 
o Kremlin”, mas o “acionamento efetivo da relação de poder”: é o que nos faculta, por exemplo, afiançar 
que haverá Estado entre os primitivos, presente na aparente ausência (BARBOSA, 2004, p. 537).
O autor traz tal possibilidade como uma força organizadora da realidade; isto é, saber, conhecer, 
o que pode fazer toda a diferença na hora de planejar e intervir na realidade. As façanhas de outros 
povos devem nos esclarecer tanto sobre o alcance da razão quanto sobre a riqueza de combinações 
e convenções entre pessoas. É quando fala em revolucionar o conhecimento, evocando o feito de 
Copérnico, ao mostrar o poder inusitado de um chefe indígena quando comparado a nossas formas de 
poder estatal, por exemplo:
A “revolução copernicana” a que Clastres nos convida, em Copérnico e os 
Selvagens, exige que pensemos “dívida” e “guerra” em sua positividade, e 
não como reflexos da falta de fé, leis e reis, que condenariam as sociedades 
primitivas a um estádio aquém do político. A dívida evidencia o lugar do 
político nos grupos indígenas, ao produzir, num só movimento, um chefe 
sem poder e uma sociedade sem Estado, sem corpo político que paire acima 
dela, portanto. Será o mesmo fito que perseguirão a máquina produtiva e a 
máquina de guerra dos primitivos, ambas resguardando a totalidade una das 
sociedades primitivas, isto é, mantendo-as como todo homogêneo e evitando 
a emergência do Um, do Estado, da distinção entre um “chefe-que-ordena” 
e um “grupo-que-obedece” (BARBOSA, 2004, p. 549).
Raciocínio similar acontece quando o antropólogo brasileiro considera a dimensão econômica das 
organizações sociais/societais.
A máquina produtiva primitiva persegue um ideal de autarquia, porque 
opera segundo uma lógica do centrífugo, exatamente como a máquina 
de guerra. Opondo os grupos, os conflitos armados conspiram contra sua 
unificação e permitem a cada um manter a sua totalidade una contra o 
princípio unificador do Um, o Estado: as sociedades primitivas exigem uma 
leitura de Hobbes às avessas (BARBOSA, 2004, p. 549).
Borbosa aponta que Pierre Clastres não faz ciência política convencional, 
70
Unidade II
Clastres jamais fez ciência de Estado. Não exatamente no sentido de 
que não tenha constituído uma sociologia política. Ainda que não tenha 
propriamente instituído uma escola, – Clastres “pertence a uma família 
de espíritos sem espírito de família” [afirma Meunier] –, fundou, sim, uma 
sociologia política, só que de outro modo e a partir de outra perspectiva. 
Trata-se aí do sentido mesmo da revolução copernicana por ele proposta, 
ao proceder ao deslocamento da privação para a oposição e identificar, nas 
sociedades indígenas, não ausências – de fé, leis e reis –, mas presenças 
e vontades afirmativas contra a economia e o Estado. A asserção acerca 
do estatuto plenamente político das sociedades indígenas assenta-se 
numa aposta: a de que é possível escapar ao guarda-chuva do Estado e 
pensar fora das fronteiras por ele impostas, o que, no limite, culminará com 
o questionamento da própria instituição como princípio inescapável de 
organização social (BARBOSA, 2004, p. 551).
Tocando no ponto nodal de nossa questão, a de tomar, contrariamente ao verdadeiro espírito 
científico, as instituições cristalizadas, como é o caso do Estado, ao modo de dados inamovíveis e 
eternos, temos que 
Tanto a chamada antropologia política quanto a filosofia política viciaram-se 
muito cedo no ponto de vista do Estado e tenderam a conduzir a atenção 
para a análise da ordem, da coesão e das instâncias de controle. Entretanto, 
tal privilégio denuncia precisamente certa consagração da perspectiva do 
Estado, como se se aceitasse como “necessidade antecipadamente dada 
aquilo que talvez só exista como seu modo próprio de operação”. O círculo, 
dessa maneira, fecha-se em discutível filosofia da história, à qual Clastres 
confronta uma etnologia que nos exclui nem tanto como objetos, mas como 
pontos de vista (BARBOSA, 2004, p. 552).
Quanto ao poder associado às classificações, Barbosa cita a ideia de Clastres sobre a inadequação 
das tipologias transplantadas da realidade conhecida pela ciência europeia para todas as outras partes 
do mundo:
Apesar de a tradição das gerações mortas pesar como pesadelo sobre o 
espírito das novas, muito cedo os trópicos imporiam suas particularidades 
aos antropólogos que aqui desembarcaram a partir da década de 1960. 
O instrumental analítico de inspiração fortesiana que muitos traziam em 
sua bagagem logo revelaria suas insuficiências. “As tipologias britânicas 
das sociedades africanas são possivelmente pertinentes para o continente 
negro; não servem de modelo para a América”, antecipa Clastres. Salvo no 
caso de raras exceções, a equação tradicional que reduz o poder à coerção 
e à relação comando-obediência – precisamente nossa concepção do que 
deva ser a política – não funciona na América, e, por detrás da recusa 
da etnologia em reconhecer o caráter eminentemente político do poder 
71
CIÊNCIA POLÍTICA
não potente característico das sociedades ameríndias, esconde-se, em 
eterna espreita, o “adversário sempre vivaz” da pesquisa antropológica, o 
etnocentrismo, que, ao fazer de nós mesmos inescapáveis telos de todos 
os grupamentos humanos, “mediatiza todo olhar sobre as diferenças para 
identificá-las e finalmente aboli-las”. Se as sociedades indígenas rejeitam o 
poder político como coerção ou violência, tal negação não necessariamente 
traduz um vazio. “Algo existe na ausência”, assegura Clastres. Pode-se pensar 
o político sem a violência, mas não há como pensar o social sem o político 
(BARBOSA, 2004, p. 552).
É muito oportuno que o pensamento ocidental volte-se sobre si mesmo à procura das falhas 
proporcionadas pelo etnocentrismo, tão colado nas perspectivas ingênuas. 
 Observação
Formalistas apegados na lógica elementar são europocêntricos.
Étienne de La Boétie promove um deslizamento da história para a lógica 
e espanta-se que tantos tenham se sujeitado a só um e que o tenham 
feito de bom grado: “[Q]ue malencontro foi este que tanto desnaturou o 
homem, o único nascido, de verdade, para viver livremente […]?” (La Boétie, 
em 1576). O assombro deve-se ao fato de que, ainda que as sociedades a 
que se refere La Boétie lhe fornecessem apenas exemplos do malencontro, 
ao menos no terreno da lógica poderia imaginar-se que tudo pudesse 
processar-se de outro modo. Clastres proporá outro deslizamento, da 
lógica de volta para a história – o que, por ironia, demonstrará que o 
Estado não é historicamente inelutável. 
Seu espanto diferencia-se do de La Boétie. Ele pergunta-se: por que 
Jyvukugi, o “chefe” dos Guayaki em Arroyo Moroti, obrigava-se a ir de tapy 
em tapy notificar seu povo daquilo de que todos já tinham conhecimento, 
porque previamente informados pelo paraguaio que se encontrava à frente 
do acampamento? (BARBOSA, 2004, p. 556).
O autor assevera que nossas concepções de Estado são muito arraigadas e não nos damos conta das 
possibilidades reais de combinação de sociedades humanas.
Presenciamos aí, sob nossos olhos, um “não Estado” em operação, que 
confere nova inteligibilidade ao Estado, também em operação, e já entre nós 
(e não apenas). Ensina Clastres: o Estado não é “os ministérios, o Eliseu, a 
Casa Branca, o Kremlin. […] O Estado é o exercício do poder político”. Diante 
de um poder que se exerce, a pergunta “como isto funciona?” é mais profícua 
do que as alternativas, e muito mais ambiciosa: “o que isto significa?” ou “de 
onde isto vem?”.
72
Unidade II
Isso funciona pela concorrência de máquinassociais e figuras subjetivas 
específicas, que fazem isso funcionar. O mesmo vale para um poder que 
não se exerce.
[No] poder que não se exerce, o “não Estado” opera por meio de máquinas 
sociais e figuras subjetivas que conjuram diuturnamente a possibilidade 
da emergência da divisão no seio do grupo. As sociedades contra o Estado 
recorrem a estratégias próprias e lançam mão de vigorosos mecanismos – 
como a guerra, a economia, a religião, a linguagem e a própria “subjetivação” 
de seus “chefes – de forma a evitar que surjam nelas o mau desejo de 
comandar e, como sua necessária contrapartida, o de obedecer. E vemos, 
assim, o quanto há de político no desejo (BARBOSA, 2004, p. 556-557).
Barbosa destaca mais um pouco da riqueza da vida humana contraposta a soluções de outros 
períodos e necessidades.
Hobbes e os selvagens. Desse embate, surge o “Contra-Hobbes” de Clastres: sói 
pensar a guerra de outra forma. Não mais como sintoma de estado associal (ou, 
pior, pré-social, em raciocínio que de novo nos eleva a telos inescapável dos grupos 
indígenas) e de caos inclemente, mas como mecanismo mesmo de instituição 
do cosmos social primitivo. A guerra, como máquina antiestado por excelência, 
preserva a lógica do múltiplo, característica dos grupos indígenas, e conspira 
contra o Um: há uma socialidade que se institui na e pela guerra, o que nos 
obriga ao saudável exercício intelectual de, por um lado, evitar os maniqueísmos 
dialeticamente excludentes e, por outro, pensar guerra e sociedade a um só tempo. 
Para Clastres, a politeia selvagem, forma original da política, institui-se na e pela 
guerra, não porque a guerra atraia a troca e clame o nascimento da razão, mas 
porque, na e pela guerra, passamos de “lobos a homens”. A comunidade primitiva 
inscreve sua ordem política num território de onde se exclui violentamente o 
Outro, e isto demarca sua política externa; sua política interna conspirará para 
sua afirmação como unidade homogênea, impedindo a emergência de qualquer 
clivagem em seu seio, de qualquer divisão entre dominantes e dominados.
“Como se faz um chefe? Com suas palavras – e também com o suor de seu 
próprio rosto. E o de suas mulheres, que a poliginia estrategicamente lhe 
concede” (CLASTRES, 1962, p. 33). Os três termos – palavras, bens e mulheres –, 
cuja troca havia-nos garantido a travessia definitiva da animalidade para 
a sociedade, servem-se agora a torções –, e não no terreno etéreo das 
mitologias, mas sob nossos olhos, assegurando-nos a passagem, também 
ela irrevogável, da sociedade para a socialidade política. 
Impede-se, desse modo, que se torne predominante um poder que já está lá, 
presente na aparente ausência (BARBOSA, 2004, p. 556-558).
73
CIÊNCIA POLÍTICA
Citando Deleuze e Guattari, Barbosa adverte:
Conjurar é preceder e, se as sociedades primitivas rejeitam o Estado, é 
porque ele já está lá: “sim”, concede Clastres, “o Estado existe nas sociedades 
primitivas”. De fato, quanto mais os arqueólogos escavam, mais descobrem o 
Estado (DELEUZE; GUATTARI, 1980, p. 23).
A presença diuturnamente conjurada do Estado nas sociedades primitivas, 
além de emprestar inteligibilidade ao funcionamento da politeia selvagem, 
aos mecanismos sociais primitivos e às figuras subjetivas específicas, por meio 
das quais ela opera, permite-nos ver o “não Estado” onde ele aparentemente 
não está e, ainda assim, atua entre nós.
Viabiliza-se, dessa maneira, uma antropologia que se entende como diálogo, 
como ponte – e de via dupla – lançada entre nossas sociedades e aquelas 
de “antes da partilha”. Exposta a absoluta vulnerabilidade dos dualismos 
ontológicos excludentes, que obrigam a que as sociedades ou tenham Estado 
ou não o tenham, que sua política ou se defina como segmentária ou como 
centralizada, que sejamos ou homens ou jaguares, e que os Bororo sejam 
ou Bororo ou araras; descartadas apriorística e prematuramente as férteis 
possibilidades de misturas e justaposições, novos horizontes descortinam-se 
para a análise, em indicação de que “fecundantes corrupções” podem – 
desde que pensemos contra a corrente – revelar potencialidades até então 
insuspeitas em “idiomas” antes tomados no radical isolamento de seu 
monadismo (BARBOSA, 2004, p. 559). 
Citando Meunier, o antropólogo acentua: 
Há, assim, um certo estado de Estado, constante e presente por toda parte, e 
um certo estado de guerra, também ele constante e presente por toda parte, 
um ou outro, inibidos ou potencializados, a depender da forma como se dá 
a operação dos mecanismos sociais e das figuras subjetivas por meio dos 
quais atuam. Num e noutro estado, entretanto, algo sempre ficará de fora, 
reclamando e impondo presença apesar da ausência aparente (BARBOSA, 
2004, p. 560).
Pierre Bourdieu contribui muito diretamente com o assunto que trazemos, do poder envolvido 
na própria construção das categorias religiosas/teológicas, filosóficas, científicas e jurídicas, tudo 
“devidamente” plasmado no mundo da vida, laboratório de aplicação (e legitimação) de produtos da 
“engenharia social” milenar, de controle das maiorias. 
74
Unidade II
 Lembrete
Gustavo Baptista Barbosa (2004) propõe discutirmos o trabalho de Pierre 
Clastres, acentuando a variedade histórica, raramente tratada (comumente 
ignorada) como possibilidade em ciência política e no direito.
A seguir destacamos um trecho das famosas aulas de Bourdieu nas quais aponta processos e 
estratégias de redefinição de organizações sociais locais em nome do “nacional” e do “internacional”.
As duas faces do Estado
Eu mesmo [Pierre Bourdieu], em todos os meus trabalhos anteriores sobre a escola, tinha 
completamente esquecido que a cultura legítima é a cultura de Estado... 
Essa concentração é ao mesmo tempo uma unificação e uma forma de universalização. 
Ali onde havia o diverso, o disperso, o local, há o único. Germaine Tillion e eu tínhamos 
comparado as unidades de medida nas diferentes aldeias cabilas numa área de 30 quilômetros: 
encontramos tantas unidades de medida quantas eram as aldeias. A criação de um padrão 
nacional e estatal de unidades de medida é um progresso no sentido da universalização: 
o sistema métrico é um padrão universal que supõe consenso, acordo sobre o sentido. Esse 
processo de concentração, de unificação, de integração é acompanhado por um processo 
de desapossamento, já que todos esses saberes e competências associados a essas medidas 
locais são desqualificados. Em outras palavras, o próprio processo pelo qual se ganha em 
universalidade é acompanhado por uma concentração da universalidade. Há os que querem 
o sistema métrico (os matemáticos) e os que são remetidos ao local. O próprio processo 
de constituição de recursos comuns é inseparável da constituição desses recursos comuns 
em capital monopolizado pelos que têm o monopólio da luta pelo monopólio do universal. 
Todo esse processo – constituição de um campo; autonomização desse campo em relação a 
outras necessidades; constituição de uma necessidade específica em relação à necessidade 
econômica e doméstica; constituição de uma reprodução específica de tipo burocrática, 
específica em relação à reprodução doméstica, familiar; constituição de uma necessidade 
específica em relação à necessidade religiosa – é inseparável de um processo de concentração 
e de constituição de uma nova forma de recursos que são do universal, em todo caso, de 
um grau de universalização superior àqueles que existiam antes. Passa-se do pequeno 
mercado local ao mercado nacional, seja no nível econômico, seja no simbólico. A gênese 
do Estado é, no fundo, inseparável da constituição de um monopólio do universal, sendo a 
cultura o exemplo por excelência.
Todos os trabalhos anteriores que fiz poderiam resumir-se assim: essa cultura é 
legítima porque se apresenta como universal, oferecida a todos, porque, em nome dessa 
universalidade, pode-se eliminar sem medo os que não a possuem. Essa cultura, que 
aparentemente une e na verdade divide, é um dos grandes instrumentos de dominação,75
CIÊNCIA POLÍTICA
visto que há os que têm o monopólio dessa cultura, monopólio terrível, já que não se pode 
reprovar a essa cultura o fato de ser particular. Mesmo a cultura científica apenas leva o 
paradoxo a seu limite. As condições da constituição desse universal, de sua acumulação, 
são inseparáveis das condições da constituição de uma casta, de uma nobreza de Estado, 
de “monopolizadores” do universal. A partir dessa análise, podemos nos dar como projeto 
universalizar as condições de acesso ao universal. Ainda assim, convém saber como é 
preciso para isso despossuir os “monopolizadores”? Vê-se bem que não é desse lado que 
se deve procurar.
Termino com uma parábola para ilustrar o que eu disse sobre o método e sobre o conteúdo. 
Há uns trinta anos, numa noite de Natal, fui, numa pequena aldeia bem no interior do Béarn, 
ver um modesto baile camponês. Alguns dançavam, outros não; um grupo de pessoas, mais 
velhas que as outras, de estilo camponês, não dançavam, conversavam entre si, assumiam 
uma atitude para justificar o fato de estarem ali sem dançar, para justificar sua presença 
insólita. Deveriam ser casados, já que os casados não dançam mais. O baile é um dos lugares 
de trocas matrimoniais: é o mercado dos bens simbólicos matrimoniais. Havia uma taxa 
muito elevada de solteiros: 50% na faixa de idade 25-35 anos. Tentei encontrar um sistema 
explicativo para esse fenômeno: é que havia um mercado local protegido, não unificado. 
Quando o que chamamos de Estado se constitui, há uma unificação do mercado econômico 
para a qual o Estado contribui por sua política e uma unificação do mercado das trocas 
simbólicas, isto é, o mercado da postura, das maneiras, da roupa, da pessoa, da identidade, 
da apresentação. Aquelas pessoas tinham um mercado protegido, de base local, sobre o qual 
tinham um controle, o que permitia uma espécie de endogamia organizada pelas famílias. 
Os produtos do modo de reprodução camponês tinham suas chances naquele mercado: eles 
permaneciam vendáveis e encontravam as moças. Na lógica do modelo que evoquei, o que 
acontecia naquele baile era resultante da unificação do mercado das trocas simbólicas, que 
fazia com que o paraquedista da pequena cidade vizinha, que ia para lá dando-se ares de 
importante, fosse um produto desqualificante, que tirava valor desse concorrente que é o 
camponês. Em outras palavras, a unificação do mercado, que pode se apresentar como um 
progresso, ao menos para as pessoas que emigram, ou seja, para as mulheres e todos os 
dominados, pode ter um efeito liberador. A escola transmite uma postura corporal diferente, 
maneiras de se vestir etc.; e o estudante tem um valor matrimonial nesse novo mercado 
unificado, ao passo que os camponeses são desclassificados. Aí reside toda a ambiguidade 
desse processo de universalização. Do ponto de vista das moças do campo que partem para 
a cidade, que se casam com um carteiro etc., há um acesso ao universal.
Mas esse grau de universalização superior é inseparável do efeito de dominação. Publiquei 
recentemente um artigo, espécie de releitura de minha análise do celibato no Béarn, daquilo 
que eu tinha dito na época, que intitulei, para me divertir, “Reprodução proibida”. Mostro 
que essa unificação do mercado tem como efeito proibir de fato a reprodução biológica 
e social a toda uma categoria de pessoas. Na mesma época, trabalhei sobre um material 
encontrado por acaso: os registros das deliberações comunais de uma pequena aldeia de 
duzentos habitantes durante a Revolução Francesa. Nessa região, os homens votavam por 
unanimidade. Chegam os decretos dizendo que é preciso votar por maioria. Eles deliberam, 
76
Unidade II
há resistências, há um campo e outro campo. Pouco a pouco, a maioria vence: ela tem 
atrás de si o universal. Houve grandes discussões em torno desse problema levantado 
por Tocqueville numa lógica continuidade/descontinuidade da Revolução. Resta um 
verdadeiro problema histórico: qual é a força específica do universal? Os procedimentos 
políticos desses camponeses de tradições milenares muito coerentes foram varridos pela 
força do universal, como se eles estivessem se inclinado diante de alguma coisa mais forte 
logicamente: vinda da cidade, apresentada em discurso explícito, metódica e não prática. 
Tornaram-se provincianos, locais. Os relatórios das deliberações passam a ser: “Tendo o 
prefeito decidido…”, “O conselho municipal se reuniu…”. A universalização tem como reverso 
um desapossamento e uma monopolização. A gênese do Estado é a gênese de um lugar 
de gestão do universal, e ao mesmo tempo de um monopólio do universal, e de um conjunto de 
agentes que participam do monopólio de fato dessa coisa que, por definição, é o universal.
[...]
Antes de mais nada, farei uma distinção entre o enfoque que chamo genético e o 
enfoque histórico comum.
[...].
Primeiro ponto, portanto, distinguir o enfoque genético do enfoque histórico ordinário; 
segundo, tentar mostrar em que o enfoque genético é especialmente indispensável. Por 
que, tratando-se de um fenômeno como o Estado, o sociólogo é obrigado a se fazer 
historiador, arriscando-se, é claro, a cometer um dos atos mais fortemente tabus no trabalho 
científico, que é o ato sacrílego que consiste em transgredir uma fronteira sagrada entre 
disciplinas? O sociólogo se expõe a que todos os especialistas lhe batam nos dedos e, como 
assinalei, os especialistas são extremamente numerosos. Dito isto, se o enfoque genético 
se impõe é porque me parece que, nesse caso particular, ele é, digamos, não o único, mas 
um dos instrumentos maiores de ruptura. Retomando as indicações bem conhecidas de 
Gaston Bachelard, para quem o fato científico é necessariamente “conquistado” e depois 
“construído”, penso que a fase de conquista dos fatos contra as ideias recebidas e o sentido 
comum, no quadro de uma instituição como o Estado, implica necessariamente o recurso à 
análise histórica.
Uma das análises que eu tinha feito bem longamente dizia respeito a essa tradição 
que vai de Hegel a Durkheim e que consiste em desenvolver uma teoria do Estado que, 
a meu ver, não passa de uma projeção da representação que o teórico tem de seu papel 
no mundo social. Durkheim é característico desse paralogismo ao qual os sociólogos são 
com muita frequência expostos, e que consiste em projetar no objeto, sobre o objeto, seu 
próprio pensamento do objeto, que é justamente o produto do objeto. Para evitar pensar o 
Estado com um pensamento de Estado, o sociólogo deve evitar pensar a sociedade com um 
pensamento produzido pela sociedade. Ora, a menos de se crer em a prioris, em pensamentos 
transcendentes que escapam à história, é de imaginar que só temos, para pensar o mundo 
social, um pensamento que é produto do mundo social no sentido muito amplo, isto é, desde 
77
CIÊNCIA POLÍTICA
o senso comum até o senso comum erudito. No caso do Estado, sente-se particularmente 
essa antinomia da pesquisa em ciências sociais e talvez da pesquisa em geral, antinomia 
que vem do fato de que, se nada se sabe, nada se vê, e se se sabe corre-se o risco de se ver 
apenas o que se sabe.
O pesquisador totalmente desprovido de instrumentos de pensamento, que ignora os 
debates em curso, as discussões científicas, as contribuições, que não sabe quem é Norbert 
Elias etc., arrrisca-se, seja a ser ingênuo, seja a reinventar o já conhecido, mas, se ele conhece, 
arrisca-se a ficar prisioneiro de seu conhecimento. Um dos problemas que se apresentam a 
todo pesquisador, em especial nas ciências sociais, consiste em saber e em saber se livrar dos 
saberes. É fácil dizer, nos discursos epistemológicos sobre a arte de inventar leem-se coisas 
assim, mas na prática é formidavelmente difícil. Um dos recursos maiores da profissão de 
pesquisador consiste em encontrar astúcias – astúcias da razão científica, se posso dizer – 
que permitam, justamente, contornar, pôr em suspenso todos esses pressupostos que são 
assumidos pelo fato de que nosso pensamento é o produto do queestudamos e de que 
nosso pensamento tem aderências de todo tipo. “Aderências” é melhor que “adesão”, pois 
isso seria fácil demais se se tratasse simplesmente de adesão. Sempre se diz: “É difícil porque 
as pessoas têm vieses políticos”; ora, está ao alcance do primeiro que aparece saber que, 
sendo mais de direita ou mais de esquerda, estamos expostos a tal perigo epistemológico. 
Na verdade, é fácil suspender as adesões; o que é difícil é suspender as aderências, isto é, as 
implicações tão profundas do pensamento que elas próprias não se reconhecem.
Se é verdade que só temos para pensar o mundo social um pensamento, que é produto 
do mundo social, se é verdade, e podemos retomar a famosa frase de Pascal, mas dando-lhe 
um sentido totalmente diferente, que “o mundo me compreende mas eu o compreendo”, 
e acrescentarei que eu o compreendo de maneira imediata porque ele me compreende, se é 
verdade que somos o produto do mundo em que estamos e que tentamos compreender, é evidente 
que essa compreensão primeira que devemos a nossa imersão no mundo que tentamos 
compreender é particularmente perigosa, e precisamos escapar a essa compreensão 
primeira, imediata, que eu chamo de dóxica (da palavra grega “doxa”, retomada pela tradição 
fenomenológica). Essa compreensão dóxica é uma possessão possuída ou, poder-se-ia dizer, 
uma apropriação alienada: possuímos um conhecimento do Estado, e todo pensador que 
pensou o Estado antes de mim se apropria do Estado com um pensamento que o Estado 
lhe impôs, e essa apropriação não é tão fácil, tão evidente, tão imediata senão porque é 
alienada. É uma compreensão que ela mesma não se compreende, que não compreende as 
condições sociais de sua própria possibilidade.
Com efeito, temos um controle imediato das coisas de Estado. Por exemplo, sabemos 
preencher um formulário; quando preencho um formulário administrativo – nome, 
sobrenome, data de nascimento –, eu compreendo o Estado; é o Estado que me dá ordens 
para as quais estou preparado; sei o que é o estado civil, que é uma invenção histórica, 
progressiva. Sei o que é uma identidade, já que tenho uma carteira de identidade; sei que, 
numa carteira de identidade, há certas propriedades. Em suma, sei um monte de coisas. 
Quando preencho um formulário burocrático, que é uma grande invenção do Estado, 
78
Unidade II
quando preencho um pedido ou quando assino um certificado, e que tenho poder para 
fazê-lo, seja uma ficha de identidade, seja um certificado médico, seja uma certidão de 
nascimento etc., quando faço operações como estas, compreendo perfeitamente o Estado; 
sou, em certo sentido, um homem de Estado, sou o Estado feito homem, e, ainda assim, não 
entendo nada dele. É por isso que o trabalho do sociólogo, nesse caso particular, consiste 
em tentar se reapropriar dessas categorias do pensamento de Estado que o Estado produziu 
e inculcou em cada um de nós, as quais se produziram ao mesmo tempo que o Estado se 
produzia e que aplicamos a todas as coisas, e em especial ao Estado para pensar o Estado, 
de sorte que o Estado permanece o impensado, o princípio impensado da maioria de nossos 
pensamentos, inclusive sobre o Estado. 
Fonte: Bourdieu (2012, p. 196-208).
Atilio A. Boron (1994) expõe a retórica de assimilação da esfera política pela econômica, que promove 
reducionismo do aparato estatal como mera instituição e árbitro eventual; tais ações de esvaziamento 
político do poder dão-se no campo de forças neutras:
O fato de que existem inúmeros grupos sociais competindo livremente – em 
união com a natureza “neutra”, meramente “técnica”, das regras do jogo – 
impede alguém de acumular muito poder e perturbar o equilíbrio geral do 
sistema. Existem elites, é claro, mas a elas faltam a consciência e a coesão 
necessárias para se tornarem uma classe dominante. O Estado permanece 
afastado e indiferente diante da incessante luta de interesses sociais, 
limitando-se a evitar a concentração de poder nas mãos de alguns grupos 
particulares e a acomodar e reconciliar as aspirações em conflito. Seu papel 
é o de um árbitro imparcial que supervisiona a competição entre diferentes 
coalizões ou, como afirma Miliband em uma metáfora engenhosa, o de “um 
espelho que a sociedade coloca diante de seus olhos”.
Em síntese: a abordagem liberal “resolve” o problema do Estado mediante a 
admissão – sem prévia análise ou discussão – de uma série de pressupostos 
que afirmam a neutralidade de classe do Estado e a ausência de concentrações 
significativas de poder político nas mãos de alguns grupos privilegiados 
(BORON, 1994, p. 248-249). 
Assim, Atilio A. Boron traz-nos análise minuciosa do papel e da natureza do Estado:
A interpretação predominante nas ciências sociais que surgiu dentro 
da grande tradição teórico-política liberal – que percebe o Estado 
como o “espelho da sociedade”, como a expressão de uma ordem social 
eminentemente consensual e representante de toda a nação, e como o 
mercado neutro em que indivíduos e grupos trocam poder e influência 
– foi radicalmente criticada por Marx, a partir de seus escritos juvenis, 
para argumentar que o Estado é a expressão midiatizada da dominação 
79
CIÊNCIA POLÍTICA
política nas sociedades de classes. É, na verdade, o “resumo oficial” de 
uma sociedade de classes e, consequentemente, não é neutro diante 
das lutas e antagonismos sociais produzidos por suas desigualdades e 
desigualdades estruturais. Da mesma forma que o mercado “realmente 
existente”, e não o imaginado pelos teóricos liberais, o Estado é o lugar 
onde os sujeitos formalmente livres e iguais, mas profundamente 
desiguais, estabelecem relações políticas de superordenação e 
subordinação. Essa assimetria está arraigada, em primeira instância, 
na posição e nas funções que os diferentes sujeitos desempenham no 
processo produtivo. No entanto, a realização do predomínio político 
da classe dominante no capitalismo requer algo mais: a intervenção de 
uma densa rede de mediações – estruturas estatais, tradições políticas e 
ideologias, organizações e práticas sociais de vários tipos – sem a qual a 
supremacia econômica da burguesia não pode se projetar no âmbito mais 
global da sociedade civil em seu conjunto (BORON, 1994, p. 248-249).
O sociólogo argentino também expõe os equívocos da teoria marxista quanto às concepções e 
implantações do Estado:
Apesar disso, deve-se dizer que a teoria marxista não tem estado imune a 
deformações flagrantes produzidas por uma concepção instrumentalista do 
Estado, que o reduz a uma simples ferramenta perpetuamente controlada, 
direta e imediatamente, pela classe dominante. A metáfora inerte do espelho 
reaparece, só que agora vê a imagem quebrada de uma sociedade de classes. 
Dessa forma, um economicismo vulgar veio substituir toda a riqueza analítica 
do marxismo, com resultados análogos aos que caracterizam a interpretação 
liberal-pluralista: o Estado perdeu completamente sua especificidade, sua 
eficácia prática e seu grau variável de autonomia – sempre relativo, é claro 
– em relação à sociedade civil. Se antes o espelho liberal projetava a imagem 
cândida de um mercado de homens livres e iguais, na vulgata economicista 
reflete apenas – de maneira imediata e mecânica – a predominância 
monolítica da classe dominante (BORON, 1994, p. 250).
Sobre a relação entre Estado e sociedade civil, o autor acentua:
Uma das consequências dessa infeliz coincidência tem sido a impossibilidade 
de pensar teoricamente sobre a relação entre o Estado e a sociedade civil 
e, sobretudo, de conceber o problema dos limites – certamente elásticos, 
mas não por isso menos resistentes – da autonomia do primeiro. Como 
vimos, na ciência política de inspiração liberal, os laços entre Estado e 
sociedade foram dissolvidos, postulando em consequência a ficção de 
um cidadão isolado e independente que adere ou pertence a múltiplos 
grupos de interesse, eventualmente caracterizado pela defesa de interesses 
“mutuamente cruzados”, com o que evita a superposição de clivagens sociais,80
Unidade II
e que eles “fazem” a política em um campo tão neutro quanto o mercado 
que é chamado de “arena política” ou sistema político. Aprioristicamente 
assume-se que o poder político encontra-se disperso entre uma 
multiplicidade de grupos, associações e instituições, e que estes competem 
– pública e incessantemente – pela apropriação de algumas parcelas de 
um fantasmagórico aparato estatal, ou pela imposição de certas políticas 
públicas do governo. Na realidade, toda a complexidade do Estado moderno 
é reduzida ao governo, e ambos se tornam sinônimos, quando na realidade 
não o são. Por outro lado, o mesmo governo é rebaixado para a condição de 
simples constelação de agências, escritórios e organismos completamente 
carentes de coerência e unidade. Estes funcionam como se fossem barcos 
a vela mudando de orientação e de referências com base nas correlações 
flutuantes de forças produzidas pelas iniciativas e reações da miríade de 
grupos de interesse que constituem a sociedade civil. É mediante essa linha de 
argumentação que o pensamento liberal desemboca em um economicismo 
grosseiro, no qual a anarquia – ou, eventualmente, a poliarquia – reinante 
no mercado é linearmente transferida para o campo da política, fechando 
assim as portas que permitem um repensar teórico de uma reflexão sobre 
a questão da especificidade, efetividade e autonomia do Estado e dos 
processos políticos. No marxismo “instrumentalista” o resultado é análogo: 
o Estado e a vida política, como a ideologia, são concebidos como meros 
reflexos do desenvolvimento das forças produtivas, fechando a possibilidade 
de recuperar a dialética complexidade das ligações entre economia e 
política. A diferença entre as teorias liberais e as do chamado “marxismo 
vulgar” reside [no seguinte:] nas primeiras a sociedade civil não é concebida 
como estruturalmente fraturada pela existência de classes sociais, enquanto 
nas segundas a relevância da diferenciação de classes ocupa um lugar 
fundamental e exclusivo.
No entanto, o economicismo arraigado de ambas as perspectivas termina na 
anulação do Estado, completamente privado de iniciativa autônoma: reflexão 
especular do mercado, ou simples “paralelogramo de forças” construído 
a partir de uma competição desencadeada entre interesses individuais e 
grupais, no discurso liberal. Instrumento dócil da classe dominante, no caso 
do marxismo vulgar, o problema da independência relativa do Estado não 
pode sequer ser levantado, a menos que se rompa com os pressupostos 
compartilhados por essas duas perspectivas teóricas.
Parece claro que nenhuma dessas duas alternativas tem condições para 
abrir caminhos promissores para o estudante de política; pelo contrário, 
constituem sérios obstáculos ao desenvolvimento da pesquisa científica. 
Como superar, portanto, o impasse teórico que envolve a questão do Estado? 
(BORON, 1994, p. 250-251).
81
CIÊNCIA POLÍTICA
O pesquisador segue com a reflexão sobre o papel do marxismo:
No campo marxista, o problema é colocado em termos completamente 
diferentes. O Estado é uma instituição de classe, uma afirmação que desde 
o início coloca toda essa teorização nos antípodas da concepção liberal. 
Essa oposição é ainda mais evidente para um autor como Nordlinger, que 
atomisticamente fragmenta o Estado no grupo de burocratas que administram 
o aparelho do governo. É por isso que, ao defini-lo, ele argumenta que o 
Estado é “constituído por – e limitado a – aqueles indivíduos dotados de 
autoridade decisória de alcance social”. Na tradição marxista, ao contrário, o 
Estado é, simultaneamente: (a) um “pacto de dominação” por meio do qual 
uma certa aliança de classes constrói um sistema hegemônico capaz de gerar 
um bloco histórico; (b) uma instituição dotada dos correspondentes aparatos 
burocráticos e suscetível de ser transformada, sob certas circunstâncias, em 
“ator corporativo”; (c) um cenário de luta pelo poder social, um terreno em 
que os conflitos entre diferentes projetos sociais que definem um padrão 
de organização econômica e social são resolvidos; e (d) o representante dos 
“interesses universais” da sociedade e, como tal, a expressão orgânica da 
comunidade nacional.
É impossível, portanto, recuperar totalmente o significado do fenômeno 
do Estado, se essas quatro dimensões não forem levadas em conta. Pensar 
nisso apenas como um pacto de dominação, como faz o marxismo vulgar, 
ou como um poderoso ator corporativo, como defensores de abordagens 
“estatocêntricas”, ou como uma simples “arena” de grupos em conflito, como 
quer a tradição liberal, ou finalmente como representante dos interesses 
gerais da sociedade, como os burocratas e discípulos distantes de Hegel 
proclamam, só pode terminar numa visão deformada e caricaturada do 
Estado. A superioridade teórica do marxismo nessa questão reside justamente 
em sua capacidade de pensar o Estado na riqueza e multiplicidade de suas 
determinações, nenhuma das quais pode sozinha explicar o fenômeno em 
sua plenitude. 
O que queremos dizer, resumidamente, é o seguinte: o problema da 
autonomia do Estado não pode ser adequadamente colocado no quadro 
teórico oferecido pela tradição liberal, e isto é assim dada a ausência de 
premissas fundamentais que permitem estabelecer algum tipo de relação 
estrutural entre economia e política. Em outras palavras, falar de autonomia 
– embora “relativa” – logicamente se refere a um pressuposto sobre o sistema 
de relações sociais que articula em um todo orgânico e significativo todos 
os diferentes aspectos e níveis que tornam a vida social. O materialismo 
histórico sustenta que as leis do movimento de um modo de produção 
devem ser encontradas nas contradições estruturais entre as forças 
produtivas e as relações sociais de produção. Dentro dessa formulação, a 
82
Unidade II
questão sobre os limites desse condicionamento estrutural, que em nenhum 
caso pode ser absoluto, torna-se significativa. Entretanto, no pensamento 
liberal – e nem mesmo Max Weber escapou disso – a sociedade é concebida 
como a justaposição de uma série de “partes” diferentes – ordens ou fatores 
institucionais, de acordo com o léxico usado por vários autores –, que, em 
sua existência histórica concreta, podem ser combinadas de várias maneiras. 
Isso impede que uma hierarquia de determinantes e condicionamentos seja 
estabelecida, mesmo no nível mais abstrato: aqui e agora o econômico 
pode ser a causa, mas amanhã pode ser simplesmente o efeito de qualquer 
variável (BORON, 1994, p. 254-255).
 Saiba mais
Para entender melhor o que acentuamos no excerto, leia: 
BORON, A. Estado, capitalismo e democracia na América Latina. Rio de 
Janeiro: Paz e Terra, 1994.
Paul Claval (1979, p. 150) aborda a questão do Estado em sociedades arcaicas, intermediárias ou 
históricas (com escrita) e modernas. As estruturas políticas do mundo tradicional ordenam-se em 
torno do Estado, do regime feudal e da cidade-Estado, tratando-se esse Estado de “uma engrenagem 
bastante secundária da arquitetura das sociedades”, com controle efetivo bastante reduzido por parte 
do soberano. 
Os dois primeiros (Estado e sistema feudal) são capazes de ordenar vastos espaços, 
mas de maneira imperfeita e, no segundo caso, criando um mosaico de unidades 
independentes. A cidade-Estado está mais apta a assegurar um enquadramento 
eficaz, mas tem dificuldade em se estender sem se desfigurar. Por vezes o 
conseguiu – na Grécia e em Roma –, mas tornando-se uma engrenagem de um 
Estado mais amplo. O Estado começa a existir antes que se inicie a história. Ele 
realiza a síntese da autoridade e do poder puro, indispensável quando se quer 
controlar um grande conjunto (CLAVAL, 1979, p. 104-105).
A análise de Paul Claval, aqui, limita-se a tomar o Estado como configuração histórica, sem tomá-lo 
como alternativa de exercício de poder social, entretanto, indicando suas limitações quando comparado 
ao Estado moderno (CLAVAL, 1979).
Mesmo quando o príncipe é soberano absoluto, tem direito de vida e de morte 
sobreseus súditos, dispõe de um exército numeroso e se cerca de uma pompa 
impressionante, aquilo que ele controla efetivamente se reduz a pouca coisa: 
1) dispõe de uma arrecadação que, pela modéstia, faria sorrir os dirigentes 
83
CIÊNCIA POLÍTICA
das mais democráticas nações do mundo moderno; 2) assegura a defesa do 
território e a organização da polícia e da justiça – para as causas em que as 
instâncias normais não resolvem; 3) tem um direito de fiscalizar as relações 
comerciais com o mundo exterior (CLAVAL, 1979, p. 150).
No que diz respeito ao intervencionismo estatal, pode haver divergências sobre intensidade e 
intenções, contudo, não sobre o caráter normativo expansivo de seu aparato contemporâneo; pois:
[...] com o Estado hegeliano, parece chegada a hora da intervenção do governo e 
da administração em todas as esferas da vida social. Mas as correntes ideológicas 
igualitaristas que triunfam então modificam a ação do poder: em lugar de 
dominar a sociedade e dobrá-la à sua livre vontade, ele só conserva sua autonomia 
servindo ao interesse geral. Isso dá à sociedade civil, ao conjunto das relações 
societais que se tecem sob as questões públicas, um lugar e primeira escolha: 
ela domina, de direito, a estrutura das sociedades liberais que procuram eliminar 
todas as manifestações inúteis do poder. Na verdade, ela desempenha assim um 
grande papel nas sociedades totalitárias que lhe negam toda a autonomia, mas 
que são obrigadas a contar com as forças e as tensões que a interação social 
produz espontaneamente (CLAVAL, 1979, p. 151).
Paul Claval (1979) segue caracterizando esse Estado nos seguintes termos: 
• concentração e economias de escala;
• economias externas, poluições e inconvenientes;
• controle social;
• opinião pública e especialistas. 
Para ele, “as sociedades liberais favorecem o nascimento, sob o Estado, de uma sociedade civil à 
qual ele transfere muitas responsabilidades”. Ocorrem muitas transformações dos antigos sistemas 
de organização social “sem desaparecerem no mundo moderno”, com atuações reduzidas; e pior, “o 
controle coletivo diminui pouco a pouco. A família, em quase todos os ramos, se vê privada de suas 
funções produtivas, participando de modo reduzido na socialização com o incremento da escolarização, 
havendo participação plena na lógica do consumo (CLAVAL, 1979, p. 158).
A vida social vai sendo estruturada pelas burocracias, mais do que no passado. Segundo ele, os 
processos sociais envolvem:
a. As burocracias.
b. As coletividades e as classes.
c. As formas econômicas de regulação social.
84
Unidade II
d. As formas sociais de regulação.
e. A diferenciação social e a segregação espacial.
f. Os traços geográficos da sociedade civil (CLAVAL, 1979, p. 169).
A seguir o autor acentua o papel do sistema político nas sociedades liberais: 
g. As missões do sistema político.
h. Os problemas de representação.
i. A soberania nacional e a autonomia local.
j. O balanço do Estado liberal (CLAVAL, 1979, p. 169).
Para Norberto Bobbio (1994), sociedade civil e Estado são conceitos e realidades inseparáveis, 
portanto, devem ser considerados como relacionados em qualquer reflexão sobre as sociedades 
ocidentais convencionais. Como vimos, tudo isso é muito diferente se estivermos estudando grupos 
indígenas ou comunitários de outras referências culturais.
E o autor continua:
Na linguagem política de hoje, a expressão “sociedade civil” é geralmente 
empregada como um dos termos da grande dicotomia sociedade civil/Estado. 
O que quer dizer que não se pode determinar seu significado e delimitar sua 
extensão senão redefinindo simultaneamente o termo “Estado” e delimitando 
a sua extensão. Negativamente, por “sociedade civil” entende-se a esfera das 
relações sociais não reguladas pelo Estado, entendido restritivamente e quase 
sempre também polemicamente como o conjunto dos aparatos que num 
sistema social organizado exercem o poder coativo. Remonta a August Ludwig 
von Schlozer (1794) – tendo sido continuamente retomada pela literatura 
alemã dedicada ao assunto – a distinção entre societas civilis sine império e 
societas civilis cum império, na qual a segunda expressão indica aquilo que 
na grande dicotomia é designado com o termo “Estado”, num contexto em 
que, como se verá depois, ainda não nasceu a contraposição entre sociedade 
e Estado e basta um único termo para designar um e outra, embora com uma 
distinção interna em espécies (BOBBIO, 1994, p. 33).
Norberto Bobbio segue tecendo comentários sobre o político e o não político (distinção entre 
societas civilis sine império e societas civilis cum império), discorrendo acerca do espectro político, que 
vai do Estado superposto à sociedade civil, dominando-a no pano de fundo jusnaturalista (numa forma 
próxima da hobbesiana); passa pelo Estado como representação da sociedade civil; e chega ao Estado 
com hora para acabar.
85
CIÊNCIA POLÍTICA
Mas mesmo numa noção assim vaga (Estado: sociedade civil como conjunto 
de relações não reguladas pelo Estado, portanto, como tudo aquilo que 
sobra uma vez bem delimitado o âmbito no qual se exerce o poder estatal) 
podem-se distinguir diversas acepções conforme prevaleça a identificação 
do não estatal com o pré-estatal, com o antiestatal ou inclusive com o 
pós-estatal. Quando se fala de sociedade civil na primeira dessas acepções, 
quer-se dizer, em correspondência consciente ou não consciente com a 
doutrina jusnaturalista, que antes do Estado existem várias formas de 
associação que os indivíduos formam entre si para a satisfação dos seus 
mais diversos interesses, associações às quais o Estado se superpõe para 
regulá-las, mas sem jamais vetar-lhes o ulterior desenvolvimento e sem 
jamais impedir-lhes a contínua renovação: embora num sentido não 
estritamente marxiano, pode-se neste caso falar da sociedade civil como 
uma infraestrutura e do Estado como uma superestrutura. Na segunda 
acepção, a sociedade civil adquire uma conotação axiologicamente positiva 
e passa a indicar o lugar onde se manifestam todas as instâncias de 
modificação das relações de dominação, formam-se os grupos que lutam 
pela emancipação do poder político, adquirem força os assim chamados 
contrapoderes. Desta acepção, porém, pode-se também dar uma conotação 
axiologicamente negativa, desde que nos coloquemos do ponto de vista 
do Estado e consideremos os fermentos de renovação de que é portadora 
a sociedade civil como germes de desagregação. Na terceira acepção, 
“sociedade civil” tem um significado ao mesmo tempo cronológico, como 
na primeira, e axiológico, como na segunda: representa o ideal de uma 
sociedade sem Estado, destinada a surgir da dissolução do poder político. 
Esta acepção está presente no pensamento de Gramscí nas passagens em 
que o ideal característico de todo o pensamento marxista sobre a extinção 
do Estado é descrito como “reabsorção da sociedade política pela sociedade 
civil”, como a sociedade civil na qual se exerce a hegemonia distinta da 
dominação, livre da sociedade política. Nas três diversas acepções, o não 
estatal assume três diversas figuras: a figura da pré-condição do Estado, ou 
melhor, daquilo que ainda não é estatal, na primeira, da antítese do Estado, 
ou melhor, daquilo que se põe como alternativa ao Estado, na segunda, da 
dissolução e do fim do Estado na terceira (BOBBIO, 1994, p. 34-35).
 Lembrete
Atilio A. Boron (1994) expõe a retórica de assimilação da esfera política 
pela econômica, promovendo reducionismo do aparato estatal como mera 
instituição e árbitro eventual.
86
Unidade II
6.1 População e demografia
Definida como um todo, a população é uma coleção de seres humanos. Ela 
é um conjunto finito e, portanto, num dado momento, “recenseável”. Esse 
ponto é bastante significativo porque, se a população pode ser contada, 
implica que dela podemos ter uma imagem relativamente precisa. Ainda 
que essa imagem, um número, não possa ser (como não é) estável, pois se 
modifica o tempo todo. Contudo, é por esse número que

Outros materiais

Outros materiais