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SÃO BERNARDO – GRACILIANO RAMOS ALUNO: IAGO RONALD PONTES RODRIGUES 1 - INTRODUÇÃO “São Bernardo” é um romance escrito por Graciliano Ramos publicado em 1934. É uma obra pertencente à segunda fase do modernismo, também conhecida como: Geração de 30 (1930-1945). Nesta etapa da literatura brasileira, as obras irão buscar refletir a crítica realidade socioeconômica do Brasil. Irão abranger, basicamente, temáticas envolvendo: o regionalismo, a seca, a miséria, a migração populacional, as questões fundiárias e os problemas do trabalhador do campo. Em “São Bernardo”, esses temas estarão sendo bem evidenciados por Graciliano. O romance trata a história de Paulo Honório (este que é narrador e, também, protagonista da trama) que, após se ver abandonado, decide escrever um livro para relatar a trajetória de sua vida: a infância humilde e sofrida, no interior de Alagoas; a ascensão social após a obtenção das terras de São Bernardo, mediante alguns artifícios nada éticos, tais como: assassinato e roubo; a relação fria e rústica para com seus empregados e amigos; o relacionamento com Madalena, sua esposa; e, por fim, sua decadência financeira e a solidão que passou a se encontrar, principalmente, após a morte de Madalena. Os personagens mais relevantes que compõe o enredo são: Paulo Honório: personagem principal e narrador do livro. Homem rude que vive para o trabalho; Madalena: professora e esposa de Paulo Honório; D. Glória: tia de Madalena; Luís Padilha: homem que vende a fazendo de São Bernardo para Paulo Honório e, tempo depois, torna-se empregado na fazenda; Azevedo Gondim: jornalista e amigo de Paulo Honório. Mendonça: proprietário da fazenda Bom-sucesso, que é propriedade vizinha à São Bernardo;. Casimiro Lopes: amigo e empregado de Paulo Honório. O foco deste trabalho, no entanto, será a análise do narrador protagonista: Paulo Honório. Como este se comporta na narrativa, suas características, seu complexo psicológico e sua relação com os demais personagens da história. Fundamentarei meu artigo com base em alguns dos teóricos que desenvolveram a ideia da narrativa, são eles: Arnaldo Franco Júnior, Ligia Chiappiani, Theodor Adorno. 2 - DESENVOLVIMENTO O narrador de “S. Bernardo”, Paulo Honório, utiliza-se da primeira pessoa do discurso para narrar os acontecimentos. Ele, como já foi dito, é o personagem principal, ou seja, os acontecimentos da história narrada giram em torno dele; por isso, podemos inseri-lo, segundo a classificação de Norman Friedman, como narrador protagonista. Ligia Chiappiani em sua obra O foco narrativo (ou A polêmica em torno da ilusão) ao evidenciar a tipologia do narrador de Friedman, trata da seguinte forma o conceito de narrador-protagonista: “O NARRADOR, personagem central, não tem acesso ao estado mental das demais personagens. Narra de um centro fixo, limitado quase que exclusivamente às suas percepções, pensamentos e sentimentos.” (CHIAPPINI, 1991, p.43) Ao ler S. Bernardo, é nítido observar este conceito em sua aplicabilidade: a narrativa inteira é limitada, praticamente, em torno de Paulo Honório. É a visão dele acerca dos fatos, das pessoas, dos objetos, dos costumes, etc. Não teremos, por exemplo, acesso às mentes de Madalena, D. Glória, Casimiro Lopes, Gondim; todos estes, serão analisados sob a ótica do narrador, Paulo Honório. “Procurei Madalena e avistei-a derretendo-se e sorrindo para o Nogueira, num vão de janela.” Neste trecho do romance está posto o que foi dito por Chappini: temos a percepção do narrador sobre os fatos, seus pensamentos e sentimentos. Como saberemos se, de fato, Madalena se comportara da maneira descrita acima? Não saberemos! Limitamo-nos à visão de Paulo Honório e, a partir desta, inferimos o que ocorre na mentalidade dos demais personagens da trama. O “sorriso” de Madalena pode até ser visto e narrado, objetivamente; agora, dizer que ela estaria “se derretendo”, já entra em um campo mais subjetivo e especulativo, uma ideia mais pessoal do narrador. Paulo Honório é proprietário rural, é dono das terras São Bernardo, localizada no interior do Alagoas. Consegue ascender socialmente, justamente, após conseguir o título dessas terras junto à Luís Padilha, o ex proprietário. O personagem principal tem como característica ser rude, egoísta, violento; atributos esses que o próprio narrador lhe atribui, apontando a sua profissão como a causadora de tais adjetivos: “Creio que nem sempre fui egoísta e brutal. A profissão é que me deu qualidades tão ruins. E a desconfiança que me aponta inimigos em toda parte! A desconfiança é também consequência da profissão.” Esse não foi o único momento em que o narrador atribui a culpa de sua personalidade a sua profissão rural. Vejamos outro trecho do romance que ratifica essa ideia: “Conheci que Madalena era boa em demasia, mas não conheci tudo de uma vez. Ela se revelou pouco a pouco, e nunca se revelou inteiramente. A culpa foi minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste, que me deu uma alma agreste.” (grifo meu) Quanto ao grau de densidade psicológica de Paulo Honório – classificação esta proposta por Forster e explanada por Arnaldo Franco Júnior no texto Operadores de leitura na narrativa – podemos classificar o protagonista da trama como personagem plana, devido a linearidade e previsibilidade de suas ações. O narrador apresenta uma linearidade no que se refere à fria e rústica personalidade. Há um momento da narrativa na qual Paulo Honório interrompe a narração para dá determinada ênfase à Madalena – esta que já havia se suicidado aquela altura. Embora ele, em um primeiro momento, pareça sentir saudade da ex-amada: “Emoções indefiníveis me agitam inquietação terrível, desejo de voltar, tagarelar novamente com Madalena, como fazíamos todos os dias, a esta hora. Saudade? Não, não é isto: é desespero, raiva, um peso enorme no coração.” Isso se contradiz em momentos finais da narrativa, quando Paulo Honório relata que se tivesse a oportunidade de fazer algo diferente no passado, afim de alterar algo na sua presente solidão, nada o faria: “Penso em Madalena com insistência. Se fosse possível recomeçarmos ... Para que enganar-me? Se fosse possível recomeçarmos, aconteceria exatamente o que aconteceu. Não consigo modificar-me, é o que me aflige” Vejo Paulo Honório como um personagem muito previsível. Durante a leitura do romance, não imaginei o personagem mudando sua conduta, ou drasticamente ou, até mesmo, sutilmente; embora haja alguns momentos de reflexão interna, essas reflexões não passam para aplicação. Esse tratamento frio – podemos assim dizer – de Paulo Honório não era de exclusividade somente para com Madalena, pelo contrário, dava-se com todos os indivíduos que o cercavam, principalmente com seus empregados. Trava-os como se estes fossem objetos; em um processo pelo qual Theodor Adorno chamará de reificação, que é aquilo “que transforma [...] qualidades humanas em lubrificante para o andamento macio da maquinaria, a alienação e a auto-alienação universais [...]” (ADORNO, 2003, p. 57) Em outras palavras, seria o ato de objetificar as características humanas. Paulo Honório era mestre nesse processo. Devido a sua posição social de destaque, assumia uma postura de autoridade perante as pessoas do seu envolto. Procurava, sempre que possível, ter todos às suas condições; controlando e dominando. Por exemplo, tinha ele determinado afeto por Casimiro Lopes, exatamente pelo fato de que este se encontrava sempre a sua disposição; ao passo que, sentia certa inquietação na relação com sua esposa, porque nela não obtinhao controle que lhe era comum nos outros. Crítica social em São Bernardo A obra, além de possuir uma envolvente e atrativa narrativa, possui no seu conjunto, algumas críticas àquele atual momento social. Lembrando que, o contexto brasileiro, assim como o mundial, estavam passando por inúmeras transformações e crises. No contexto mundial: a Crise econômica de 29 – dos Estados Unidos – e, também, a humanidade como um todo enfrentava o difícil período entre as Guerras (1918-1939); momentos de conturbação esses que afetariam o nosso país, principalmente, no âmbito econômico; tendo em vista que, o Brasil era “refém” da economia americana e europeia. No contexto nacional, houve a crise da política do café com leite, além da Era Vargas (1930- 45), que ocasionariam em um momento de grande instabilidade nacional. É exatamente nesse conturbado contexto que estarão inseridos os romancistas do segundo período do modernismo, obviamente, estará inserido também Graciliano Ramos com suas Obras. O romance São Bernardo evidencia com precisão aspectos sociais, econômicos e políticos. Por exemplo, sobre a situação agrária brasileira – vale ressaltar que até metade do século 20, o Brasil era um país essencialmente rural – O Brasil enfrentava um momento interessante. A questão de posse de terras era algo fundamental para os grandes proprietários, os latifundiários. Torna-se perceptível essa questão na figura de Paulo Honório. Quando, a mando de Paulo Honório, Casimiro Lopes mata Mendonça, seu vizinho, almejando a ampliação de sua fazenda. Em uma conversa entre Paulo Honório e Luís Padilha; este, em um diálogo com Madalena, havia defendido o patrão, dizendo que ele não era assassino: “Dona Madalena, isso é um caso antigo, e mexer nele não dá vida a ninguém. O velho Mendonça era uma postema, furtava as terras do vizinho. Seu Paulo tem um bom coração e é incapaz de mantar um pinto.” De fato, Paulo Honório era um louco obcecado por poder; para ele, não importava os meios de adquiri-lo. Outro aspecto que merece apontamento é a questão do paternalismo, que é evidente na obra. Essa questão está ligada a ideia da coisificação. O personagem protagonista, como já foi dito, não relevava os métodos para conseguir poder; furtava, matava, enganava. Até mesmo seu casamento teve como plano principal os negócios, tendo em vista que se via obrigado a casar para conseguir futuros herdeiros. Tudo na sua vida era visando à ascensão, era estar por cima. Por isso, o interesse dele era sempre de mandar, nunca era de se estar submisso. Uma inquietação que ocasionaria no seu declínio era exatamente o fato de não conseguir a submissão de uma pessoa: sua esposa, Madalena; mandava em todos, menos na esposa. 3- CONCLUSÃO O personagem Paulo Honório, muito bem desenhado por Graciliano Ramos, carrega em si uma carga psicológica muito complexa. “O que estou é velho. Cinqüenta anos pelo São Pedro. Cinqüenta anos perdidos, cinqüenta anos gastos sem objetivo, a maltratar-me e a maltratar os outros. O resultado é que endureci, calejei, e não é um arranhão que penetra esta casca espessa e vem ferir cá dentro a sensibilidade embotada. Cinqüenta anos! Quantas horas inúteis! Consumir-se uma pessoa a vida inteira sem saber para quê! Comer e dormir como um porco! Como um porco! Levantar-se cedo todas as manhãs e sair correndo, procurando comida! E depois guardar comida para os filhos, para os netos, para muitas gerações. Que estupidez! Que porcaria!” É nítido o arrependimento de Paulo Honório. Sua sede capitalista haveria se sucumbido à solidão que lhe fazia presente? Parece que sim! Certo é que Paulo Honório agora estava, praticamente, sozinho. Não se sabe, precisamente, o motivo pelo qual foi levado a escrever sobre sua própria trajetória, a fim de publicar um livro. Mas, chego a uma conclusão sobre esta narrativa de Paulo Honório: o capitalismo é prejudicial não só àquele que é explorado, mas, também àquele que explora! REFERÊNCIAS BIBLIOGRÀFICAS: ADORNO, Theodor W. Posição do narrador no romance contemporâneo. In: Notas de literatura I. Trad. E apresent.: Jorge de Almeida. São Paulo: Duas cidades / Ed. 34, 2003. CHIAPPINI, Lígia. O foco narrativo (ou A polêmica em torno da ilusão). In: Cap. 2 A tipologia de Norman Friedman. São Paulo: Editora Ática / Ed. 5, 1991. BONNICI, Thomas e Zolin, Lúcia O. TEORIA LITERÀRIA: abordagens históricas e tendências contemporâneas. In: Cap. 2 Operadores de leitura da narrativa, por: Júnior, Arnaldo F. Maringá: Eduem / Ed.3. 2009 RAMOS, Graciliano. São Bernardo. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 1995. Página 1 Página 2 Página 3 Página 4 Página 5 Página 6
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