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Autor: Prof. Luiz Felipe Scabar Colaboradores: Profa. Vanessa Santhiago Prof. Marcel da Rocha Chehuen Políticas Públicas e Inclusão Social Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Professor conteudista: Luiz Felipe Scabar Doutor em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP). Mestre em Odontologia pela Universidade Paulista (UNIP). Especialista em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP). Graduado em Odontologia pela Universidade Paulista (UNIP). Professor titular da Universidade Paulista (UNIP). © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S677p Scabar, Luiz Felipe. Políticas Públicas e Inclusão Social / Luiz Felipe Scabar. - São Paulo: Editora Sol, 2018. 96 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXIV, n. 2-111/18, ISSN 1517-9230. 1. Políticas públicas. 2. Direito sociais. 3. Inclusão social. I. Título CDU 340.2 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Fabrícia Carpinelli Rose Castilho Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Sumário Políticas Públicas e Inclusão Social APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 ESTADO, GOVERNO, PODER E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO POLÍTICA ..........................................9 1.1 Estado ...........................................................................................................................................................9 1.2 Política e poder ..................................................................................................................................... 10 1.2.1 A teoria dos três poderes: o executivo, o legislativo e o judiciário .....................................11 1.2.2 O poder político ....................................................................................................................................... 13 1.3 Governo .................................................................................................................................................... 14 1.3.1 Forma de governo .................................................................................................................................. 14 1.3.2 Sistema de governo ............................................................................................................................... 16 1.3.3 Regime político ........................................................................................................................................ 16 2 A ATUAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NA IMPLEMENTAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS E NO ALCANCE DA INCLUSÃO SOCIAL ................................................................................................................. 17 2.1 Sociedade civil ....................................................................................................................................... 17 2.2 Direitos do cidadão .............................................................................................................................. 18 2.3 Direito à saúde ..................................................................................................................................... 19 2.4 Cidadania ................................................................................................................................................. 20 2.5 Participação popular ........................................................................................................................... 20 3 POLÍTICAS DE ESTADO, POLÍTICAS DE GOVERNO, POLÍTICAS PÚBLICAS E POLÍTICAS SOCIAIS ............................................................................................................................................. 21 3.1 Políticas de Estado ............................................................................................................................... 21 3.2 Políticas de governo ............................................................................................................................ 22 3.3 Políticas públicas .................................................................................................................................. 22 3.4 Políticas sociais ...................................................................................................................................... 23 4 POLÍTICAS NACIONAIS ................................................................................................................................. 24 4.1 A Política Nacional de Saúde como modelo de política pública vigente ..................... 25 4.1.1 Políticas nacionais de saúde ............................................................................................................... 32 4.1.2 Os Conselhos de Saúde e as Conferências de Saúde ............................................................... 32 4.1.3 Princípios do SUS .................................................................................................................................... 34 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade II 5 POLÍTICAS DE SAÚDE SOB A PERSPECTIVA DA INCLUSÃO SOCIAL ............................................. 44 5.1 A Política Nacional de Atenção Básica ........................................................................................ 45 5.2 A estratégia Saúde da Família ......................................................................................................... 57 5.3 Os Núcleos Ampliados de Saúde da Família e Atenção Básica (Nasf-AB) .................... 59 5.4 A política nacional de promoção da saúde ............................................................................... 62 5.4.1 O referencial da promoção da saúde (O que é promoção da saúde?) .............................. 62 5.4.2 A política nacional de promoção de saúde como modelo de política pública vigente ................................................................................................................................................... 69 6 INTERSETORIALIDADE E O CONCEITO DE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE .................. 79 7 SOBRE O CONCEITO DE EMPODERAMENTO ......................................................................................... 81 8 A COMUNICAÇÃO EEDUCAÇÃO EM SAÚDE COMO INSTRUMENTOS DE EMANCIPAÇÃO, LIBERTAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL. .............................................................................. 82 7 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a APRESENTAÇÃO A disciplina Políticas Públicas e Inclusão Social propõe a problematização e discussão crítica a respeito das Políticas Públicas no Brasil através da perspectiva da participação popular, abordando a inclusão social como ação política concreta para a transformação social. A partir da discussão de conceitos fundamentais que embasam as políticas públicas, a disciplina possui como objetivo problematizar acerca dos atuais desafios dos setores sociais, enfatizando o setor saúde como campo para implementação de políticas públicas em prol da inclusão social e redução das desigualdades. INTRODUÇÃO O atual cenário brasileiro tem evidenciado a importância do envolvimento da população no projeto político do País, trazendo para a discussão questões fundamentais para o exercício da cidadania e da implementação dos direitos sociais. Conhecer e se apropriar dos conceitos de Estado, governo, sociedade civil, cidadania, direitos/ deveres, participação popular, política e poder, oferece subsídios para discussão e compreensão sobre as principais diferenças entre as políticas sociais, públicas, de Estado e de governo, conceitos fundamentais na formação do profissional de saúde preparado para uma atuação crítica e cidadã. Por meio da discussão da trajetória histórica de construção da atual Política Nacional de Saúde, abordaremos os conceitos fundamentais de uma política social implementada com a participação popular, tornando-se uma política pública voltada à inclusão social. Para isso, se faz necessário discutir sobre os principais fatores de exclusão social e as potencialidades das políticas públicas no combate às desigualdades sociais por meio da promoção da saúde a partir da perspectiva dos determinantes e condicionantes da saúde, bem como dos conceitos de empoderamento, libertação, emancipação e participação popular. Além da Política Nacional de Saúde, outras políticas nacionais serão aqui apresentadas e discutidas com o objetivo de incitar a reflexão do educando sobre a problemática da inclusão social por meio de políticas nacionais. 9 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a POLÍTICAS PÚBLICAS E INCLUSÃO SOCIAL Unidade I 1 ESTADO, GOVERNO, PODER E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO POLÍTICA Para reflexão... “Por que eu preciso estudar Políticas Públicas?” Figura 1 “A conscientização se dá na prática política, social, existencial com leitura e releitura crítica da realidade.” Paulo Freire 1.1 Estado No século XI, Nicolau Maquiavel, por meio da prestigiada obra O Príncipe, difunde o termo Estado a partir da seguinte afirmativa: “Todos os estados, todos os domínios que imperaram e imperam sobre os homens, foram e são ou repúblicas ou principados”. Figura 2 – Nicolau Maquiavel 10 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I Segundo Bobbio (2001), ao longo do tempo palavra Estado passou de um significado genérico de situação para um significado específico de condição de posse permanente e exclusiva de um território e de comando sobre os seus respectivos habitantes, substituindo os termos tradicionais com que fora designada até então a máxima organização de um grupo de indivíduos sobre um território em virtude de um poder de comando. Atualmente, o termo Estado é empregado para a descrição de uma instituição organizada política, social e juridicamente, que ocupa um território definido e, na maioria das vezes, sua lei maior é uma Constituição. É dirigido por um governo soberano, reconhecido interna e externamente, sendo responsável pela organização e pelo controle social, pois detém o monopólio legítimo do uso da força e da coerção (CICCO; GONZAGA, 2011). A expressão sistema político tem sido utilizada como substituta do termo Estado, pois ela não traz consigo os conceitos e valores que carregam o termo Estado, tal como pressupõem tanto os conservadores que a deificam, quanto revolucionários que a demonizam, a partir do emprego do termo por Maquiavel para descrever uma “instituição” com grande concentração de poder (BOBBIO, 2001). Lembrete No texto, o termo Estado corresponde ao conceito de estado-nação, considerado como entidade que tem governo e administração particulares e reconhecidos interna e externamente, não se tratando de cada uma das grandes divisões territoriais internas de uma República Federativa. 1.2 Política e poder Etimologicamente, a origem da palavra política deriva de politikós, do grego, e se refere àquilo que é da cidade, da polis (na Grécia Antiga), da sociedade, ou seja, que é de interesse do homem enquanto cidadão. Na Grécia Antiga, por meio de sua obra A Política, Aristóteles foi um dos pioneiros a tratar da política como uma prática intrínseca aos homens. Figura 3 – Aristóteles 11 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a POLÍTICAS PÚBLICAS E INCLUSÃO SOCIAL Ao longo do tempo, o termo política deixou de ter o sentido de adjetivo (aquilo que é da cidade, sociedade) e passou a ser um modo de “saber lidar” com as coisas da cidade, da sociedade. Política trata-se de uma atividade relativa à formação das decisões coletivas e à organização do poder coativo, sendo a esfera das ações que têm alguma referência à conquista e ao exercício do poder soberano em uma comunidade de indivíduos sobre um território. Fazer política pode estar associada às ações de governo e de administração do Estado e à forma como a sociedade civil se relaciona com o próprio Estado. Enquanto prática humana, a política conduz, consequentemente, a se pensar no conceito de poder. O fenômeno “poder” é o que promove o intercâmbio e a relação entre “Estado” e “Política”. Toda teoria política parte de uma definição ou de uma análise do fenômeno “poder”. Se a teoria do Estado pode ser considerada como uma parte da teoria política, a teoria política pode ser por sua vez considerada como uma parte da teoria do poder. 1.2.1 A teoria dos três poderes: o executivo, o legislativo e o judiciário O processo político é classicamente definido como “a formação, a distribuição e o exercício do poder”. Nesse sentido, a teoria do Estado apoia-se sobre a teoria dos três poderes: o executivo, o legislativo e o judiciário, e das relações entre eles (BOBBIO, 2001). O poder não pode ser mantido nas mãos de uma única pessoa ou instituição. Por essa razão foi necessário desenvolver formas de organização do poder político, evitando ainda atuações tiranas e autoritárias. O grande idealizador da teoria dos três poderes foi Charles de Montesquieu (1689 – 1755), que, baseado na obra de Aristóteles, publicou O Espírito das Leis, na qual sugere a implementação da “teoria dos três poderes” para organização das instituições políticas com o objetivo de solucionar as inconveniências do regime absolutista. Figura 4 – Montesquieu 12 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I Na abordagem de Montesquieu sobre a Teoria dos Três Poderes são evidenciados o necessário equilíbrio entre a autonomia de cada poder e o direito de intervenção nos demais poderes em caso de eventual situação de autoritarismo. Em cada esfera política, elabora leis, fiscaliza e controla os atos do Poder Executivo Presta serviços públicos por meio de órgãos diretos (ministérios e secretarias) e indiretos (entidades administrativas) No Brasil, existem duas instâncias legislativas independentes: Câmara dos Deputados e Senado Eleitos pelo povo (por estado), criam leis sobre assuntos de interesse nacional Mandato: 4 anos São três senadores por estado.Analisam e julgam os projetos de lei elaborados pela Câmara. Mandato: 8 anos Criam leis sobre assuntos de interesse estadual Mandato: 4 anos Criam leis sobre assuntos de interesse municipal Mandato: 4 anos Legislativo Executivo FEDERAL FEDERAL FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL RE GI ON AL CONGRESSO NACIONAL PRESIDENTE DA REPÚBLICA SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA TRIBUNAL DE JUSTIÇA JUÍZES DE DIREITO JUÍZES FEDERAIS JUÍZES DO TRABALHO JUÍZES ELEITORAIS JUÍZES MILITARES TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL TRIBUNAL SUPERIOR MILITARCÂMARA DOS DEPUTADOS SENADO FEDERAL ESTADUAL ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DEPUTADOS ESTADUAIS MUNICIPAL CÂMARA MUNICIPAL VEREADORES Chefe de Estado e do governo, comanda as Forças Armadas Mandato: 4 anos Decide sobre causas em que há violação da Constituição, como trabalho escravo Dá o veredicto em causas decididas pelos demais tribunais (federais ou estaduais) Órgão judiciário estadual Julga processos que envolvam a União Julga causas trabalhistas no estado Fiscaliza as eleições no estado Decide ações sobre causas trabalhistas Organiza e administra as eleições e garante a execução das leis eleitorais Específico para julgar militares MINISTÉRIOS Cada um coordena uma área específica, como Saúde e Educação GOVERNADOR Por estado Mandato: 4 anos SECRETARIAS (como a de Educação) PREFEITO Por município Mandato: 4 anos SECRETARIAS OU DEPARTAMENTOS Julga de acordo com as regras da Constituição e as leis criadas pelo Poder Legislativo Judiciário O Executivo colabora com o Legislativo, sancionando ou vetando seus projetos de lei O Executivo define os menmbros do judiciário, como ministros do Supremo e dos demais tribunais Figura 5 O poder executivo O poder executivo é aquele formado pelo presidente, seu gabinete de ministros e seus secretários, os quais governam o povo e administram os interesses públicos levando em consideração o que é estabelecido pela Constituição. O presidente é eleito de maneira direta pelos cidadãos e tem um mandato de quatro anos, enquanto os ministros e secretários são eleitos pessoalmente pelo presidente em questão. 13 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a POLÍTICAS PÚBLICAS E INCLUSÃO SOCIAL O poder legislativo O poder legislativo é aquele que tem como função elaborar normas de Direito e legislar as mais variadas esferas políticas e constitucionais do país, aprovando, rejeitando e fiscalizando as propostas feitas pelo poder executivo. Geralmente, é constituído por parlamentos, congressos, câmaras e assembleias. No Brasil, o poder legislativo é constituído pelas Câmaras de Deputados (representam a população) e pelo Senado Federal (representantes dos estados). Nos níveis municipais e estaduais, o poder legislativo é encaminhado através da Câmara de Vereadores e da Câmara de Deputados Estaduais. O poder judiciário O poder judiciário é aquele que tem a capacidade de exercer julgamentos. Esses julgamentos se dão através das regras constitucionais e leis que advém do poder legislativo. É obrigação do poder judiciário julgar de maneira imparcial qualquer conflito que surja no país. No Brasil, seus órgãos de funcionamento são o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais do Trabalho, os Tribunais Eleitorais, os Tribunais Militares e os Tribunais dos Estados. 1.2.2 O poder político Poder estaria ligado à ideia de posse dos meios para se obter vantagem (ou para fazer valer a vontade) de um homem sobre outros. O poder político é o poder que um homem pode exercer sobre outros, a exemplo da relação entre governante e governados (povo, sociedade). Requer legitimação, a qual ocorre por vários motivos, como pela tradição (poder de pai, paternalista), despótico (autoritário, exercido por um rei, uma ditadura) ou aquele que é dado pelo consenso, sendo este último um modelo de governo esperado. O poder exercido pelo governante em uma democracia, por exemplo, dá-se pelo consenso do povo, da sociedade. No caso brasileiro, o poder do presidente é garantido porque existe um consenso da sociedade que o autoriza e, além disso, há uma Constituição Federal que formaliza e dá garantias a esse consenso. O poder político funda-se sobre a posse dos instrumentos através dos quais se exerce a força física (armas de todo tipo e grau): é o poder coativo no sentido mais estrito da palavra. Não é apenas o uso da força, mas sim seu monopólio, sua exclusividade, que tem o consentimento da sociedade organizada. Uma exclusividade de poder que pode ser exercida sobre um determinado grupo social, em determinado território. A finalidade ou fim da política não pode se resumir apenas em um aspecto, pois os fins da política são tantos quantas forem as metas a que um grupo organizado se propõe, segundo os tempos e as circunstâncias (BOBBIO, 2001). Um fim mínimo à política (enquanto poder de força) é a manutenção da ordem pública e a defesa da integridade nacional. Essa finalidade é mínima para a realização de todos os outros fins do poder político. 14 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I Porém, é importante se atentar para o fato de que o poder político não pode ter como finalidade o poder pelo poder, pois, se assim fosse, perderia o sentido. (BOBBIO, 2001) 1.3 Governo O governo é uma estrutura elaborada para manutenção e administração do Estado. Nesse sentido, a sua existência depende do Estado, tal como o Estado, para ser mantido de forma organizada, depende de um governo. É a organização necessária para o exercício do poder político do Estado (FILOMENO, 1997). Um governo é definido enquanto sua forma, sistema e regime político, os quais serão vistos a seguir 1.3.1 Forma de governo A forma de governo refere-se à política base que define como o Estado exerce o poder sobre a sociedade. Maquiavel reconhece como formas de governo o que ele classificou como principiados e repúblicas, sendo que nos principiados o poder estaria nas mãos de apenas um governante. Já na República, de um governo estruturado para atender à vontade do coletivo. O essencial numa nação é que os conflitos originados em seu interior sejam controlados e regulados pelo Estado. Em função do modo pelo qual os bens são compartilhados, as sociedades concretas assumem diferentes formas. Assim, onde persista ou possa persistir uma relativa igualdade entre os cidadãos, o fundador de Estados deve estabelecer uma república. Ocorrendo o contrário, manda a prudência que seja constituído um principiado. Se não proceder assim, o governo formará um Estado desequilibrado e sem harmonia, que não poderá subsistir por muito tempo (O PENSAMENTO..., 1986, p. 41) Podemos considerar duas formas de governo presentes nas sociedades contemporâneas, sendo: • Monarquia absolutista ou não absolutista (ou constitucional). • República. Monarquia absolutista Na monarquia absolutista, o monarca exerce o poder de forma absoluta, não havendo limitações constitucionais ou divisões de poder. São exemplos atuais de monarquia absolutista os governos dos seguintes países: • Arábia Saudita. • Catar. • Cidade do Vaticano. 15 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a POLÍTICAS PÚBLICAS E INCLUSÃO SOCIAL Monarquia não absolutista Na monarquia não absolutista, ou constitucional, o monarca divide o poder com membros de cortes estabelecidas, poderes judiciários e legislativos ou ministros. São exemplos atuais de monarquias não absolutistas, em que os monarcas dividem o poder com ministros sujeitos a confiança parlamentar, os governos dos seguintes países: • Austrália. • Bélgica. •Canadá. • Espanha. • Jamaica. • Japão. • Reino Unido. • Suécia. Também são exemplos atuais de monarquias não absolutistas, onde os monarcas exercem o poder pessoalmente, mas nesses casos em confluência com outras instituições, os governos dos seguintes países: • Butão. • Emirados Árabes Unidos. • Kuwait. • Marrocos. • Mônaco. República Já na forma de governo republicana cabe ao povo a escolha dos governantes que administrarão o Estado. A participação da população na escolha dos governantes do Estado algumas vezes trata-se de um direito, outras vezes, um dever. São exemplos atuais de governos republicanos os seguintes países: • Alemanha. 16 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I • Argentina. • Brasil. • Chile. • Estados Unidos. • Itália. • Portugal. 1.3.2 Sistema de governo O sistema de governo refere-se à forma de divisão do poder no Estado. Os principais sistemas de governo são classificados em: • Presidencialismo. • Parlamentarismo. • Semipresidencialismo. Presidencialismo No sistema presidencialista, o presidente exerce o papel de chefe de governo e de chefe de Estado. Parlamentarismo No sistema parlamentarista há dependência mútua entre os poderes legislativo e executivo. O parlamento é formado por um gabinete de ministros, responsável pela aprovação das decisões que cabem ao governo, bem como leis e normas. O chefe de governo é o primeiro-ministro, ou chanceler, que exerce a função de representatividade máxima do poder executivo e o chefe de Estado é o presidente ou rei, dependendo da forma de governo. Semipresidencialismo No sistema semipresidencialista, o primeiro-ministro é o chefe de governo, responsável perante a legislatura do Estado, dividindo o poder executivo com o presidente. 1.3.3 Regime político O regime político é a forma como o Estado exerce o poder de governo sobre a sociedade. Os principais regimes políticos já praticados ao longo da história foram: 17 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a POLÍTICAS PÚBLICAS E INCLUSÃO SOCIAL • Autoritarismo. • Democracia. • Despotismo. • Ditadura. • Oligarquia. • Plutocracia. • Teocracia. • Tirania. • Totalitarismo. Saiba mais Os filmes a seguir podem propiciar uma inter-relação com os conteúdos apresentados até aqui: A ONDA. Dir. Dennis Gansel. Alemanha: Constantin Film, 2008. 107 minutos. PRA FRENTE, Brasil. Dir. Roberto Farias. Brasil: Embrafilme, 1982. 105 minutos. EU, CLAUDIUS. Dir. Herbert Wise. Reino Unido: BBC, 1976. 650 minutos. 2 A ATUAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NA IMPLEMENTAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS E NO ALCANCE DA INCLUSÃO SOCIAL 2.1 Sociedade civil É na sociedade civil que nascem as demandas essenciais à criação das políticas públicas. São as mais diversas formas de organização social, são os grupos e comunidades organizados intencionalmente ou não, que por meio dos seus modos de vida apresentam ao governo as genuínas necessidades que subsidiam o estabelecimento dos direitos sociais e que fundamentalmente devem ser consideradas na criação de políticas públicas. “O contraste entre sociedade civil e Estado põe-se como contraste entre quantidade e qualidade das demandas e capacidade das instituições de dar respostas adequadas e tempestivas” (BOBBIO, 2001, p. 36). 18 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I Sociedade civil é onde surgem e se desenvolvem os conflitos econômicos, sociais, ideológicos, religiosos, que as instituições estatais têm o dever de resolver ou através da mediação ou através da repressão. Sujeitos desses conflitos e, portanto da sociedade civil exatamente enquanto contraposta ao Estado são as classes sociais, ou mais amplamente os grupos, os movimentos, as associações, as organizações que as representam ou se declaram seus representantes; ao lado das organizações de classe, os grupos de interesse, as associações de vários gêneros com fins sociais, e indiretamente políticos, os movimentos de emancipação de grupos étnicos, de defesa dos direitos civis, de libertação da mulher, os movimentos de jovens etc. (BOBBIO, 2001, p. 35-36). Em períodos de crise, é na sociedade civil que poderes legítimos perdem a sua força, em que surgem novos poderes que se tornam legítimos por ser oriundos da própria sociedade civil. É nesse sentido que a solução de crises que ameaçam a sobrevivência de um sistema político deve ser procurada, antes de tudo, na sociedade civil. Nesse sentido, consideremos a opinião pública como uma representação fundamental da sociedade civil, concretizada por meio da mídia, canais de transmissão, como rádio e televisão, redes sociais etc. A expressão dos movimentos sociais e a opinião da população só se concretiza como opinião pública quanto é efetiva e amplamente comunicada, transmitida ao público (BOBBIO, 2001, p. 37). 2.2 Direitos do cidadão A Constituição de 1988 surgiu a partir de intenso processo de mobilização e participação da sociedade civil e representa uma verdadeira conquista para os cidadãos brasileiros. Entretanto, sabe-se que a maioria dos direitos por ela garantidos ainda não foram realizados na prática. Figura 6 19 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a POLÍTICAS PÚBLICAS E INCLUSÃO SOCIAL Isso se deve, em parte, à falta de conhecimento da população acerca de seus direitos. É buscando retomar essas lutas do passado e socializar o conhecimento acerca dos direitos estabelecidos na Constituição que precisamos (re)discutir as políticas públicas. E assim é, pois numa sociedade plural e democrática, todos os cidadãos estão habilitados a atuar e a entender de direitos. Quer dizer, o saber sobre os direitos não pode ficar restrito aos advogados, mas, ao contrário, deve ser difundido por toda a sociedade, em especial, pelo movimento popular. Lembrete Para ser cidadão e, portanto, participar da democracia, é necessário conhecer os seus direitos. Nesse contexto, as políticas públicas – desde que elaboradas em um processo participativo e de diálogo com a comunidade – têm um papel fundamental, na medida em que podem funcionar como instrumentos de redistribuição de riquezas, de implementação de direitos e, por conseguinte, de garantia de condições dignas de sobrevivência à parcela mais excluída da população. 2.3 Direito à saúde A saúde é um direito social reconhecido constitucionalmente, o que caracteriza um importante campo de discussão. O reconhecimento da saúde como um direito social na Constituição Federal de 1988, fruto de um longo processo histórico de avanços e retrocessos na conquista da cidadania, não constituiu o final desse processo, mas uma importante etapa (VIANA; SILVA, 2012, p.1). A 8ª Conferência Nacional de Saúde de 1986, que elaborou um processo democrático e de efetiva participação popular, entre outros estímulos de avanço ao setor da saúde, definiu o Estado como responsável pela garantia do direito à saúde, sob a perspectiva social e inclusiva, para todos os habitantes do território nacional (RELATÓRIO..., 1986). O direito à saúde é garantido por meio do texto constitucional e da Política Nacional de Saúde (PNS) brasileira. É importante destacar que a 8ª Conferência Nacional de Saúde apresentou um novo conceito de saúde, mas, sob a perspectiva do direito, cabe observar a sua abrangência, além dos objetivos da assistência e prevenção. No entanto, o conceito de saúde como ausência de doenças ainda se faz presente. Dallari (2008) destaca que o direito à saúde foi incorporado ao texto constitucional apenas em 1988, fruto de grande participação popular, consolidada na 8ª Conferência Nacional de Saúde. Nesse sentido, torna-se muito importante que haja uma participação popular e controle social constante na delimitação do direito à saúde, pois, na realidade, esse direitovem sendo consolidado em conformidade com as exigências constitucionais, porém de forma bastante incipiente. 20 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I Mudanças sociais não resultam apenas da criação constitucional dos mecanismos que as possibilitem, mas, principalmente, do uso de tais instrumentos. Nesse sentido, a capacitação das organizações sociais para o exercício legal e competente das suas funções de advogados da saúde pública, juntamente com o efetivo envolvimento do Ministério Público na luta pelo respeito aos direitos assegurados na Constituição, é fundamental para a condução da democracia e instauração efetiva do estado Democrático de Direito no Brasil (DALLARI, 2013). Saiba mais Para aprofundar seu conhecimento nestes assuntos, leia os seguintes documentos: RELATÓRIO FINAL DA 8ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE. Brasília, 1986. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/8_ conferencia_nacional_saude_relatorio_final.pdf>. Acesso em: 15 maio 2018. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado, 1988. 2.4 Cidadania Cidadania pode ser traduzida em um conjunto de direitos atribuídos ao indivíduo frente ao Estado nacional. Uma forma de mediação entre Estado e sociedade (FLEURY, 1994). A distinção entre Estado e sociedade civil diz respeito à separação que se processa entre a esfera do poder político e a esfera produtiva, em que vigoram os interesses econômicos particulares, encontrando-se na polarização público/privado a expressão desse fenômeno. Nesse sentido, surgem os conceitos ação burguesa e ação cidadã. Uma ação burguesa tem como foco exclusivamente interesses privados. Chamamos de ação cidadã quando as pessoas privadas se reúnem em um público para atender ao interesse da sociedade. 2.5 Participação popular A participação popular corresponde a uma intervenção cotidiana e consciente de cidadãos (individualmente ou organizados em grupos ou associações) com vistas à elaboração, à implementação ou à fiscalização das atividades do poder público. Dentro do tema Cidadania e Saúde, a questão da participação popular não pode ser negligenciada, pois se constitui em direito garantido no texto constitucional, compondo uma das principais diretrizes do atual sistema de saúde (BOSI, 1994). 21 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a POLÍTICAS PÚBLICAS E INCLUSÃO SOCIAL São instrumentos de participação popular garantidos pela Constituição Federal de 1988: plebiscito, referendo, iniciativa popular de leis, cooperação das associações representativas no planejamento municipal, exibição anual das contas municipais, reclamação relativa à prestação de serviços públicos, denúncia aos tribunais de contas, provocação do inquérito civil e os conselhos gestores de políticas sociais. A formalização na Constituição Federal não garante a efetividade dos instrumentos de efetiva participação popular. Ainda é necessário regulamentar para institucionalizar os mecanismos de participação. Participação popular é um processo político concreto que se reproduz na dinâmica da sociedade, mediante a intervenção cotidiana e consciente de cidadãos individualmente considerados ou organizados em grupos ou em associações, com vistas à elaboração, à implementação ou à fiscalização das atividades do poder público. Diante do exposto, podemos entender que não basta somente mudar o poder institucional se não tivermos uma sociedade civil preparada para tal mudança. Não serão a forma de Estado e o sistema de governo que permitirão a mudança, mas sim a criação de condições sociais e econômicas e o estabelecimento de canais de comunicação e participação, de uma população informada, que permitirão a mudança constante e a evolução permanente do processo democrático juntamente com as transformações do ser humano (MAGALHÃES, 1999). 3 POLÍTICAS DE ESTADO, POLÍTICAS DE GOVERNO, POLÍTICAS PÚBLICAS E POLÍTICAS SOCIAIS Políticas são documentos oficiais com diretrizes elaboradas para o auxílio do governo no exercício do poder político. Devem atender aos preceitos constitucionais em benefício da garantia do acesso aos direitos sociais e alcance de metas governamentais e garantia do interesse público. Para terem efeito jurídico, as políticas devem ser reconhecidas pelo direito. Podem ser publicadas por meio de leis, decretos, portarias, emenda constitucional, ato administrativo, planos e programas de governo. O fato de não haver um padrão de norma jurídica para exteriorização de uma política muitas vezes causa anseio na sociedade, pois torna-se difícil acompanhar a implementação de ações que garantem o acesso aos direitos sociais e o interesse público. O mais comum é a publicação de uma política por meio de uma lei que apresenta planos, instrumentalizando a implementação do acesso aos direitos sociais. É importante considerar que uma vez publicada/implementada uma política pública, surge concretamente aos interessados os direitos até então abstratos, previstos no programa governamental. 3.1 Políticas de Estado Políticas de Estado são políticas que geralmente envolvem prazos maiores e metas mais amplas. Não devem ser elaboradas com base em agendas político partidárias. Devem ser amplamente discutidas, elaboradas e publicadas após a análise de diversas instâncias do poder público. Elas são criadas a partir de estudos técnicos, com análise de impacto, efeitos econômicos ou orçamentários. São averiguadas por várias instâncias, como o Parlamento. Tal burocracia se justifica, pois as políticas de Estado incidem em setores mais amplos da sociedade e muitas ocasionam mudanças em normas vigentes. 22 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I 3.2 Políticas de governo Políticas de governo são aquelas que o Executivo decide num processo bem mais elementar de formulação e implementação de determinadas medidas para responder às demandas colocadas na própria agenda política interna. 3.3 Políticas públicas As políticas públicas são mediadoras da relação entre o estado e a sociedade (FLEURY, 1994). Elas são ações governamentais que interferem na vida dos cidadãos, visando à melhoria de vida de toda a coletividade e à garantia do interesse público. É necessário manter a diferenciação entre política pública e política partidária. A primeira constitui um termo de significado mais amplo, compreendida a ideia de política como atividade de conhecimento, organização do poder e de instrumento de ação de governos, já a política partidária entende-se o exercício da política por meio da filiação a um partido político, política por meio de uma organização político partidária Podemos dizer que as políticas públicas servem de orientação para a ação dos indivíduos, de organizações e do próprio Estado, implicando em fixação de metas, de diretrizes ou de planos governamentais. Normalmente fixam metas de melhorias no âmbito econômico, político ou social. Uma política pública é eficiente quando há grande possibilidade de efetividade e quando há articulação entre os poderes e agentes públicos envolvidos, bem como quando o seu objeto for bastante conhecido pelo poder público. Tais necessidades são percebidas facilmente quando nos deparamos com os direitos sociais, os quais exigem grande esforço do Estado para efetivá-los. As políticas devem ser reconhecidas pelo direito para terem efeito jurídico. Uma política pública pode ser instituída por lei, decreto, emenda constitucional, por ato administrativo, planos ou por programas, não havendo um padrão jurídico para a sua exteriorização. Essa falta de padrão causa anseio na sociedade, visto que se torna mais complexo perceber a vinculatividade de tais políticas. A forma de exteriorização mais comum de uma política é através de planos que são materializados através de lei, estabelecendoesta os objetivos da política, os instrumentos de sua realização e condições de implementação. Importante consequência da implementação de uma política pública é que tal fato faz surgir aos interessados a titularidade de direitos previstos no programa governamental, os quais, antes, eram apenas direitos abstratos (DALLARI, 2013). Políticas públicas são diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade; mediações entre atores da sociedade e do Estado. São, nesse caso, políticas explicitadas, sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de financiamentos) que orientam ações que normalmente envolvem aplicações de recursos públicos. 23 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a POLÍTICAS PÚBLICAS E INCLUSÃO SOCIAL As políticas públicas traduzem, no seu processo de elaboração e implantação e, sobretudo, em seus resultados, formas de exercício do poder político, envolvendo a distribuição e redistribuição de poder, o papel do conflito social nos processos de decisão, a repartição de custos e benefícios sociais. Como o poder é uma relação social que envolve vários atores com projetos e interesses diferenciados e até contraditórios, há necessidade de mediações sociais e institucionais, para que se possa obter um mínimo de consenso e, assim, as políticas públicas possam ser legitimadas e obter eficácia. Elaborar uma política pública significa definir quem decide o quê, quando, com que consequências e para quem. São definições relacionadas com a natureza do regime político em que se vive, com o grau de organização da sociedade civil e com a cultura política vigente. Nesse sentido, cabe distinguir políticas públicas de políticas governamentais. Nem sempre políticas governamentais são públicas, embora sejam estatais. Para serem públicas, é preciso considerar a quem se destinam os resultados ou benefícios, e se o seu processo de elaboração é submetido ao debate público. Nesse contexto, as políticas públicas – desde que elaboradas em um processo participativo e de diálogo com a comunidade – têm um papel fundamental, na medida em que podem funcionar como instrumentos de redistribuição de riquezas, de implementação de direitos e, por conseguinte, de garantia de condições dignas de sobrevivência à parcela mais excluída da população. Para que uma política seja pública é necessário não apenas que ela tenha por objetivo o bem comum de todos, da população, mas, também, que o seu processo de elaboração seja submetido a debate e considerações daqueles que serão beneficiados. Assim, podemos distinguir políticas governamentais (aquelas feitas unicamente pelos técnicos e burocratas do Estado) de políticas públicas (aquelas elaboradas a partir de um amplo processo de discussão e diálogo com a população). Tal processo de diálogo, quer dizer, de participação popular, é fundamental, já que as políticas públicas se realizam num campo extremamente contraditório, onde se entrecruzam interesses e visões de mundo conflitantes e onde os limites entre público e privado são de difícil demarcação. As políticas públicas são compreendidas por Höfling (2001) como as de responsabilidade do Estado – quanto à implementação e manutenção a partir de um processo de tomada de decisões que envolve órgãos públicos e diferentes organismos e agentes da sociedade relacionados à política implementada. 3.4 Políticas sociais As políticas sociais têm suas raízes nos movimentos populares do século XIX, voltadas aos conflitos surgidos entre capital e trabalho, no desenvolvimento das primeiras revoluções industriais. São ações que determinam o padrão de proteção social implementado pelo Estado, voltadas, em princípio, para a redistribuição dos benefícios sociais visando à diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico (HÖFLING, 2001). 24 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I A principais áreas de intervenção das políticas sociais são: alimentação, saúde, educação, trabalho e emprego, saneamento e habitação, previdência, transporte de massa, assistência social, organização agrária, cultura e desporto, direitos e cidadania. Lembrete Uma política social pode ser considerada uma política pública quando o seu processo de construção contou com a participação popular. 4 POLÍTICAS NACIONAIS Como já discutido anteriormente, para caracterizar uma política como pública é necessário considerar como se deu o seu processo de construção: se ele envolveu instâncias populares e se está voltado para a garantia do interesse público. Muitas políticas nacionais vigentes não necessariamente cumpriram tais requisitos, e embora estejam implementadas e em plena vigência, não podem ser consideradas políticas genuinamente públicas, o que, muitas vezes, gera situações de ingovernabilidade, pois uma política elaborada sem a participação da população dificilmente atenderá às suas necessidades. Dentre as principais políticas nacionais vigentes, destacamos algumas relacionadas às áreas da saúde, educação, assistência social e meio ambiente: • de saúde; • de promoção da saúde; • de atenção básica; • de humanização no Sistema Único de Saúde (SUS); • de enfrentamento da aids; • de saúde integral LGBT; • de saúde do idoso; • do idoso; • do meio ambiente; • de educação ambiental; 25 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a POLÍTICAS PÚBLICAS E INCLUSÃO SOCIAL • de resíduos sólidos; • de assistência social; • para inclusão da população em situação de rua; • de educação especial na perspectiva da educação inclusiva; • de direitos humanos. 4.1 A Política Nacional de Saúde como modelo de política pública vigente Inspirado na Reforma Sanitária Italiana, em meados da década de 1970, começam a surgir no Brasil movimentos sociais que clamavam por um sistema de saúde pública para todos. Estes eram organizados e contavam com a participação de intelectuais, profissionais dos sistemas de saúde, parcela da burocracia e organizações populares e sindicais. O objetivo era a construção de política de saúde efetivamente democrática e, para isso, seria necessária uma reforma geral no setor saúde. Os diversos movimentos sociais, manifestações e encontros populares que lutaram pela garantia do direito universal à saúde e construção de um sistema único e estatal de serviços originou o que ficou conhecido como Movimento pela Reforma Sanitária Brasileira. Em 1986, nos debates prévios à 8ª Conferência Nacional de Saúde, tal expressão foi usada para se referir ao conjunto de ideias que se tinha em relação às mudanças e transformações necessárias na área da saúde. A reforma sanitária nasceu na luta contra a ditadura, com o tema saúde e democracia, e foi estruturada nas universidades, no movimento sindical e em experiências regionais de organização de serviços. Sua consolidação na 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, contou, pela primeira vez, com mais de cinco mil representantes de todos os segmentos da sociedade civil – até então a maior participação popular da história dos movimentos sociais organizados –, que discutiram um novo modelo de saúde para o Brasil. Sobre as Conferências Nacionais de Saúde Ocorrem desde 1941 e objetivam discutir e traçar estratégias referentes às principais demandas do campo da saúde no Brasil. Até o ano de 2018, foram 15 Conferências Nacionais, sendo a última ocorrida no ano de 2015. Confira a seguir o ano e os temas das Conferências Nacionais de Saúde. 1ª CNS 1941 Temas: 1. Organização sanitária estadual e municipal; 2. Ampliação e sistematização das campanhas nacionais contra a hanseníase e a tuberculose; 3. Determinação das medidas para desenvolvimento 26 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão: L uc as M an sin i - d at a Unidade I dos serviços básicos de saneamento; 4. Plano de desenvolvimento da obra nacional de proteção à maternidade, à infância e à adolescência. 2ª CNS 1950 Tema: Legislação referente à higiene e à segurança do trabalho. 3ª CNS 1963 Temas: 1. Situação sanitária da população brasileira; 2. Distribuição e coordenação das atividades médico-sanitárias nos níveis federal, estadual e municipal; 3. Municipalização dos serviços de saúde; 4. Fixação de um plano nacional de saúde. 4ª CNS 1967 Tema: Recursos humanos para as atividades em saúde. 5ª CNS 1975 Temas: 1. Implementação do Sistema Nacional de Saúde; 2. Programa de Saúde Materno-Infantil; 3. Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica; 4. Programa de Controle das Grandes Endemias; 5. Programa de Extensão das Ações de Saúde às Populações Rurais. 6ª CNS 1977 Temas: 1. Situação atual do controle das grandes endemias; 2. Operacionalização dos novos diplomas legais básicos aprovados pelo governo federal em matéria de saúde; 3. Interiorização dos serviços de saúde; 4. Política Nacional de Saúde. 7ª CNS 1980 Tema: Extensão das ações de saúde por meio dos serviços básicos. 8ª CNS 1986 Temas: 1. Saúde como direito; 2. Reformulação do Sistema Nacional de Saúde; 3. Financiamento setorial. 9ª CNS 1992 Tema central: Municipalização é o caminho. Temas específicos: 1. Sociedade, governo e saúde; 2. Implantações do SUS; 3. Controle social; 4. Outras deliberações e recomendações. 27 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a POLÍTICAS PÚBLICAS E INCLUSÃO SOCIAL 10ª CNS 1996 Temas: 1. Saúde, cidadania e políticas públicas; 2. Gestão e organização dos serviços de saúde; 3. Controle social na saúde; 4. Financiamento da saúde; 5. Recursos humanos para a saúde; 6. Atenção integral à saúde. 11ª CNS 2000 Tema central: Efetivando o SUS – Acesso, qualidade e humanização na atenção à saúde com controle social. 1. Controle social; 2. Financiamento da atenção à saúde no Brasil; 3. Modelo assistencial e de gestão para garantir acesso, qualidade e humanização na atenção à saúde, com controle social. 12ª CNS 2003 Tema central: Saúde direito de todos e dever do Estado, o SUS que temos e o SUS que queremos. Eixos temáticos: 1. Direito à saúde; 2. A Seguridade Social e a saúde; 3. A intersetorialidade das ações de saúde; 4. As três esferas de governo e a construção do SUS; 5. A organização da atenção à saúde; 6. Controle social e gestão participativa; 7. O trabalho na saúde; 8. Ciência e tecnologia e a saúde; 9. O financiamento da saúde; 10. Comunicação e informação em saúde. 13ª CNS 2007 Tema central: Saúde e qualidade de vida, políticas de estado e desenvolvimento. Eixos temáticos: 1. Desafios para a efetivação do direito humano à saúde no século XXI: Estado, sociedade e padrões de desenvolvimento; 2. Políticas públicas para a saúde e qualidade de vida: o SUS na Seguridade Social e o pacto pela saúde; 3. A participação da sociedade na efetivação do direito humano à saúde. 14ª CNS 2011 Tema: Todos usam o SUS! SUS na seguridade social – política pública, patrimônio do povo brasileiro. 15ª CNS 2015 Tema: Saúde pública de qualidade para cuidar bem das pessoas: direito do povo brasileiro. 28 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I Saiba mais Conheça os relatórios das Conferências Nacionais de Saúde na íntegra acessando o link: BRASIL. Ministério de Saúde. Relatórios do Conselho Nacional de Saúde, [s.d.]. Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/relatorios. htm>. Acesso em: 28 jun. 2018. Contudo, a 8ª Conferência Nacional de Saúde foi um grande marco do Movimento Sanitário (Movimento pela Reforma Sanitária Brasileira), pois definiu as estratégias a serem defendidas na Constituinte de 1988 e resultou na inclusão da saúde na Constituição Federal como um direito do cidadão e um dever do Estado. A 8ª Conferência Nacional de Saúde teve como princípios: • a discussão e o estabelecimento de um conceito ampliado da saúde; • o reconhecimento da saúde como direito de cidadania e dever do Estado; • a defesa de um sistema único, de acesso universal, igualitário e descentralizado de saúde. A elaboração de um conceito ampliado de saúde foi fundamental para a criação de uma política de saúde e de estratégias que atendam às reais necessidades de saúde da população brasileira, uma vez que o conceito até então utilizado, embora considerado abrangente, não deixava claro tais necessidades, não favorecendo a elaboração de estratégias e ações. Conforme lembra Scliar (2007), o conceito de saúde reflete a conjuntura social, econômica, política e cultural, dependerá da época, lugar, classe social, valores individuais, concepções científicas, religiosas, filosóficas. O que representa saúde, assim como o que representa a doença, varia de pessoa para pessoa. Para Donato e Rosemburg (2003), dentre as diferentes formas de organização social, existem maneiras diversas de se compreender o que seja saúde ou um estado saudável. No entanto, dada a conjuntura dos fatos, em determinado momento da história da humanidade, mais precisamente na década de 1940, julgou-se necessário haver um consenso entre as nações sobre o conceito de saúde, o que seria possível de obter somente por meio de um organismo internacional, no caso a Organização Mundial da Saúde (OMS). Desde então, esse conceito tem sido aprimorado conforme as interpretações dos resultados das experiências obtidas no campo da saúde, em especial no campo da saúde pública, dando origem não necessariamente a novos conceitos de saúde, mas principalmente a novos meios de viabilizar as ideias e de se promover a saúde a partir da compreensão dos fatores que a determinam. 29 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a POLÍTICAS PÚBLICAS E INCLUSÃO SOCIAL Antes da 8ª Conferência Nacional de Saúde, o conceito de saúde utilizado no Brasil para a elaboração de políticas, estratégias e ações em saúde era o da Organização Mundial de Saúde de 1948, sendo: “Saúde é o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade” (SEGRE; FERRAZ, 1997, p. 538). Embora a definição de saúde publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1948 seja considerada irreal, ultrapassada e unilateral, conforme afirmam Segre e Ferraz (1997), é inegável a sua contribuição no que tange a um primeiro movimento de ampliação do conceito de saúde na esfera popular. A saúde, até então definida apenas como a ausência de doença, passou a ser compreendida como a situação de perfeito bem-estar físico, mental e social. Segundo as conclusões da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em seu sentido mais abrangente, [...] a saúde é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio-ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida (RELATÓRIO..., 1986). Para a garantia, pelo Estado, dessas condições dignas de vida e de acesso universal aos serviços de saúde, essa Conferência aprovou que a reestruturação do sistema deveria resultar na criação de um Sistema Único de Saúde, o SUS. Em 1988, com a publicação da nova Constituição Federal, a saúde ganhou garantias como um direito social, sendo um direito de todos e dever do Estado, garantido por políticas sociais e econômicas, tal como consta na Constituição Federal de 1988, nos artigos 197 ao 200: Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceirose, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado (BRASIL, 1988). Cabe ao Estado garantir a oferta das ações e serviços de saúde, seja por meio de serviço exclusivamente público, parcerias público-privadas, contratação de empresas ou profissionais prestadores de serviços. Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade (BRASIL, 1988). 30 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I Conforme artigo 198 da Constituição Federal, as ações e serviços de saúde devem ser organizadas de acordo com as características e necessidades de cada região e a utilização dos serviços de saúde deve ocorrer de forma hierarquizada, ou seja, o acesso deve ocorrer por meio do nível de atenção de menor complexidade, o qual, havendo necessidade, deve encaminhar (realizar procedimento de referência) ao próximo nível de atenção e assim sucessivamente. No que diz respeito à descentralização, por meio do texto constitucional fica garantida a autonomia dos estados e, em especial dos municípios, na gestão dos recursos financeiros destinados à saúde. A Constituição Federal de 1988 definiu que a cobertura do Sistema de Saúde brasileiro deve ser integral, ou seja, deve contemplar ações e serviços de prevenção, assistência e recuperação, com foco nas ações preventivas e deve contar com a participação da comunidade para o planejamento e avaliação dos serviços. Segundo artigo 199 § 1º da Constituição Federal, a assistência pode ser oferecida por instituições privadas de forma complementar ao Sistema Único de Saúde a partir da realização de contrato de direito público ou convênio, sendo que as instituições filantrópicas e as instituições sem fins lucrativos devem ter preferência nesse processo. No que diz respeito às relações do sistema de saúde com a iniciativa privada, o mesmo artigo prevê ainda que: Art. 199. § 2º É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos. § 3º É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei (BRASIL, 1988). Considerando a relevância e complexidade de tais procedimentos, cabe à lei dispor ainda sobre procedimentos relativos à remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização. As principais competências do Sistema Único de Saúde (SUS) estão definidas na Constituição Federal de 1988. Conforme artigo a seguir: I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; 31 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a POLÍTICAS PÚBLICAS E INCLUSÃO SOCIAL IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; V - incrementar, em sua área de atuação, o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015) VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho (BRASIL, 1988). Dessa forma, foi imprescindível a publicação de uma política nacional que regulamentasse e instrumentalizasse o acesso à saúde pública no Brasil, conforme diretrizes oriundas do relatório da 8ª Conferência Nacional de Saúde e da Constituição Federal de 1988. E assim, em setembro de 1990 foi promulgada a Política Nacional de Saúde por meio das Leis nos 8.080 e 8.142, que regulamentaram o Sistema Único de Saúde (SUS). Figura 7 Nesse sentido, considerando o processo de construção das diretrizes que deram origem à Política Nacional de Saúde, ela é considerada uma política pública, pois foi elaborada com a participação da população para atender à população. 32 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I 4.1.1 Políticas nacionais de saúde A Política Nacional de Saúde (PNS) foi instituída por meio das Leis 8.080 de 1990 e 8.142 de 1990, que regulamentam o Sistema Nacional de Saúde (SUS). Ambas as leis, 8.080/90 e 8.142/90, são consideradas ordinárias e/ou orgânicas da saúde, pois contêm as normas gerais para implementação do Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, a Lei 8.080 de setembro de 1990, quando publicada, foi considerada incompleta no que diz respeito à participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área de saúde, entre outros temas relacionados, sendo necessária a promulgação de uma nova lei considerada complementar, a Lei nº 8142, de dezembro de 1990. A promulgação da Lei nº 8.142/90 foi primordial para que a genuína característica pública da Política Nacional de Saúde fosse mantida, pois a mesma garantiu a existência e permanência das instâncias consultivas e de participação popular na implementação, gestão e constante processo de construção do Sistema Único de Saúde por meio dos Conselhos e Conferências de Saúde. Saiba mais As leis que regulamentam o Sistema Nacional de Saúde (SUS) podem ser vistas nos links a seguir: BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 20 set. 1990a. ___. Lei nº 8.142, de 29 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Oficial da União, Brasília, 28 dez. 1990b. 4.1.2 Os Conselhos de Saúde e as Conferências de Saúde Conforme a Lei nº 8.142/1990: Art. 1° O Sistema Único de Saúde (SUS), de que trata a Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, contará, em cada esfera de governo, sem prejuízo das funções do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas: I - a Conferência de Saúde; e II - o Conselho de Saúde. 33 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a POLÍTICAS PÚBLICAS E INCLUSÃO SOCIAL § 1° A Conferência de Saúde reunir-se-á a cada quatro anos com a representação dos vários segmentos sociais, para avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis correspondentes, convocada pelo Poder Executivo ou, extraordinariamente, por esta ou pelo Conselho de Saúde. § 2° O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cadaesfera do governo (BRASIL, 1990b). É por meio dos Conselhos de Saúde que os usuários acompanham e fiscalizam a execução da política de saúde e participam da formulação das estratégias do SUS. A Lei nº 8.142/90 garantiu a participação popular permanente e instituiu os Conselhos e as Conferências de Saúde como instância de controle social do Sistema Único de Saúde nas três esferas de governo (municipal, estadual e federal). Os Conselhos de Saúde são considerados tripartite, formados por representantes dos usuários do SUS (50%), trabalhadores da saúde (25%) e prestadores e gestores (25%), sendo garantida a paridade entre os usuários do SUS (50%) e os prestadores de serviços, profissionais de saúde e gestor/governo (50%), independentemente do número de conselheiros. Objetivam controlar as iniciativas do governo, assegurando a implementação de políticas de saúde que cumpram os princípios do SUS. As Conferências de Saúde ocorrem nas esferas nacional, estadual e municipal, além de serem espaços institucionais importantes para o exercício do controle social. Conforme a Lei 8.142/90, a comunidade, não apenas o governo, deve participar das decisões, propor ações e programas para resolução de seus problemas de saúde e, principalmente, controlar a qualidade e o modo como está sendo desenvolvida a oferta de atenção. Deve ainda fiscalizar a aplicação dos recursos públicos destinados à saúde. Dessa forma, por meio da participação popular, deve garantir a manutenção da característica “pública” da Política Nacional de Saúde. Observação É importante compreender que o Sistema Único de Saúde (SUS) diz respeito ao conjunto de diretrizes e ações propostas e regulamentadas pela Política Nacional de Saúde (PNS). 34 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I 4.1.3 Princípios do SUS Os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) são norteados pela Lei Orgânica da Saúde, Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, conforme segue: Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde; VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário; VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática; VIII - participação da comunidade; IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo: a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios; b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde; X - integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico; 35 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a POLÍTICAS PÚBLICAS E INCLUSÃO SOCIAL XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população; XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos. XIV – organização de atendimento público específico e especializado para mulheres e vítimas de violência doméstica em geral, que garanta, entre outros, atendimento, acompanhamento psicológico e cirurgias plásticas reparadoras, em conformidade com a Lei nº 12.845, de 1º de agosto de 2013. (Redação dada pela Lei nº 13.427, de 2017) (BRASIL, 1990a). Nesse sentido, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi construído a partir de princípios que merecem destaque e são fundamentais para compreensão e implementação do SUS. São os chamados princípios doutrinários e princípios organizacionais, instituídos, na prática, conforme a seguir: Princípios doutrinários Com base nos preceitos constitucionais, a construção do SUS norteia-se pelos seguintes princípios doutrinários: UNIVERSALIDADE INTEGRALIDADEEQUIDADE Figura 8 36 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I O princípio da universalidade O princípio da universalidade preconiza a saúde como direito de cidadania e dever dos governos municipal, estadual e federal, e visa garantir que todas as pessoas tenham direito ao atendimento independentemente de cor, raça, religião, local de moradia, situação de emprego, renda etc. Sendo assim, embora exista orientação para que o atendimento ocorra de forma organizada e hierarquizada, como veremos mais a diante, qualquer pessoa em território nacional pode e deve ser atendida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) se assim desejar ou necessitar. O princípio da equidade Conforme o princípio da equidade, todo cidadão é igual perante ao SUS e será atendido conforme suas necessidades, devendo-se considerar que em cada população existem grupos que vivem de forma diferente, devendo, os serviços de saúde, trabalharem de acordo com cada necessidade. Sendo assim, o SUS deve tratar desigualmente os desiguais, buscando garantir que a atenção e/ou os recursos sejam ofertados primeiro aos que mais necessitam. Quando se trata da expansão do sistema, por exemplo, o Ministério da Saúde ou gestor responsável pela ação tem o dever de analisar qual região mais carece de cobertura e priorizar o seu atendimento. O mesmo é válido para a distribuição de recursos, implantação de programas e estratégias do SUS etc. Nesse sentido, a utilização do princípio da equidade em “atender primeiro os que mais necessitam” muitas vezes não é viável no atendimento direto da população, ou seja, diante da escassez de recursos num serviço médico de pronto-atendimento, por exemplo, não é possível analisar a necessidade individual para escolher quem será atendido. Nesse caso, cabe ao profissional de saúde a adoção dos princípios éticos e protocolos de urgência e emergência – classificação de risco. Além do cuidado em atender primeiro os que mais necessitam, o princípio da equidade também preconiza que cada território, grupo e/ou indivíduo seja atendido conforme as suas necessidades, o que é fundamental para o sucesso de qualquer política pública no Brasil, considerando a extensão e as características peculiares e tão distintas de cada região do nosso país. O princípio da integralidade A integralidade é o princípio do SUS que visa garantir o atendimento integral da promoção da saúde até a reinserção do indivíduo na sociedade, passando pelas fases de prevenção, proteção e recuperação. No SUS, o atendimento deve ser integral, com prioridade para as atividades preventivas, mas sem prejuízo dos serviços assistenciais, ou seja, preconiza-se que as ações sejam combinadas e voltadas, ao mesmo tempo, para a prevenção e a cura, deixando claro que o atendimento deve ser feito para a saúde, e não somente para a doença. Isso quer dizer que o SUS, atendendo ao princípio da integralidade, deve disponibilizar atenção à saúde em todas as esferas, conforme apresenta a figura a seguir: 37 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a POLÍTICAS PÚBLICAS E INCLUSÃO SOCIAL Promoção IntegralidadeRecuperaçãoProteção Figura 9 • Promoção: envolve ações também em outras áreas, como habitação, meio ambiente, educação, entre outras. • Proteção: saneamento básico, imunizações, ações coletivas e preventivas, vigilância à saúde e sanitária etc. • Recuperação: atendimento médico, odontológico, tratamento e reabilitação para os doentes. No que diz respeito à assistência terapêutica, deve ser ofertada integralmente, incluindo imunizações, exames e assistência farmacêutica a todas as patologias e condições de saúde. O propósito do princípio da integralidade é que o indivíduo seja atendido em todas as suas necessidades relativas à saúde, e quando for o caso de ser submetido a tratamento que interrompa as suas atividades normais, que receba atenção necessária para ser reinserido socialmente. Conhecer, compreender e utilizar os princípios doutrinários é fundamental a todo profissional de saúde e/ou gestor sanitarista. Tal conhecimento capacita para a tomada de decisão em todos os âmbitos de atuação no SUS. 38 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I Quanto aos princípios organizacionais, também conhecidos como princípios administrativos, esses orientam a organização para implementação, gestão e administração do sistema. São eles: • Regionalização/hierarquização. • Descentralização. • Participação dos cidadãos. O princípio da regionalização/hierarquização O princípio organizacional da regionalização/hierarquização preconiza o território como unidade de trabalho, ou seja, todas as ações são planejadas e programadas a partir das informações e disponibilidade de serviços do território que será atendido. Nesse sentido, cada território deve ser mapeado e estudado antes de qualquer ação, possibilitando compreendê-lo tanto geograficamente, quanto epidemiologicamente, com a finalidade de conhecer as características e necessidades da sua população, bem como a rede serviços disponíveis. A regionalização é um processo de articulação entre os serviços que já existem, visando ao comando unificado deles, que devem funcionar de forma hierarquizada na região. Nesse sentido, os serviços de saúde são organizados em três níveis, sendo: • nível primário; • nível secundário; • nível terciário. Nível primário O acesso ao SUS deve ocorrer por intermédio dos serviços do nível primário de atenção, o qual deve resolver grande parte das demandas do SUS, visto que nesse nível encontra-se a maior parte das ações de promoção e prevenção à saúde e os serviços de atenção básica que ocorrem nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Mais adiante aprofundaremos o conhecimento das ações realizadas nas Unidades Básicas de Saúde ao analisarmos a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) e a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS). Quando uma questão de saúde não consegue ser resolvida no nível primário, ocorre o encaminhamento para o nível secundário. Esse encaminhamento para um nível de maior complexidade é o chamado sistema de referência. 39 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a POLÍTICAS PÚBLICAS E INCLUSÃO SOCIAL Nível secundário Atualmente, fazem parte do nível secundário de atenção os seguintes serviços: Assistência Médica Ambulatorial (AMA), Assistência Médica Ambulatorial – Especialidades (AMA – especialidades), Ambulatório Médico de Especialidades (AME) e hospitais de pequeno porte. Serviços como Assistência Médica Ambulatorial (AMA), Assistência Médica Ambulatorial – Especialidades (AMA – especialidades) e Ambulatório Médico de Especialidades (AME) ainda não estão disponíveis em todas as regiões do Brasil. A Assistência Médica Ambulatorial (AMA) presta atendimento sem hora marcada e disponibiliza médico clínico geral e pediatra para atender casos de urgência que não trazem risco de morte, em que também são realizados exames mais simples. A Assistência Médica Ambulatorial – Especialidades (AMA – especialidades) recebe pacientes referenciados (encaminhados) pelas Unidades Básicas de Saúde para atendimento com especialistas como cardiologistas, endocrinologistas, urologistas, reumatologistas, neurologistas, ortopedistas e angiologistas. Os Ambulatórios Médicos de Especialidades (AME) são estruturas geridas pelo governo do estado que também recebem pacientes referenciados pelas Unidades Básicas de Saúde e oferecem atendimento por médicos especialistas. No AME também são realizados vários exames e até pequenas cirurgias. Os pacientes sempre são encaminhados pela UBS. Essas estruturas de atenção à saúde foram criadas com o objetivo de tratar as demandas menos complexas, evitando a superlotação dos prontos-socorros hospitalares, que devem ser procurados apenas em casos de emergência, quando há risco de morte. As Unidades de Pronto Atendimento (UPA 24h) foram criadas com o propósito de dar atenção às urgências e diminuir as filas nos prontos-socorros hospitalares. O objetivo é concentrar os atendimentos de saúde de complexidade intermediária, compondo uma rede organizada em conjunto com a atenção básica e a atenção hospitalar. Trata-se de programa nacional, de nível intermediário – alocado entre o primeiro e o segundo níveis de atenção –, que atua de forma articulada com a Atenção Básica, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192), a Atenção Domiciliar e a Atenção Hospitalar, a fim de possibilitar o melhor funcionamento da rede de atenção às urgências. A UPA 24h possui estrutura simplificada, com raio-X, eletrocardiografia, pediatria, laboratório de exames e leitos de observação. As UPA funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana, e podem resolver grande parte das urgências e emergências. O paciente é socorrido pela equipe médica, a qual controla o problema e detalha o diagnóstico, mantendo paciente em observação por até 24h ou encaminhando a um hospital da rede. As unidades de pronto-atendimento devem ser procuradas nos seguintes casos: 40 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a Unidade I • pressão e febre altas, acima de 39 °C; • fraturas e cortes com pouco sangramento; • infarto e derrame; • queda com torsão e muita dor ou suspeita de fratura; • febre acima de 39 °C; • cólicas renais; • intensa falta de ar; • convulsão; • dores fortes no peito; • vômito constante. As questões mais complexas que não são solucionadas no nível secundário são referenciadas ao nível terciário, no qual estão os hospitais de grande porte que atendem às demandas consideradas de alta complexidade. Nível terciário Nos hospitais de grande porte estão os aparelhos e máquinas de alta tecnologia, necessários para a realização de diagnósticos e procedimentos invasivos e/ou de maior complexidade, como a realização de transplantes de órgãos e tecidos. O princípio da descentralização O princípio organizacional da descentralização prevê a redistribuição poder e das responsabilidades entre os três níveis de governo: municipal, estadual e federal, em que cada esfera de governo é autônoma e soberana nas suas decisões e atividades, respeitando os princípios gerais e a participação da sociedade. Com a finalidade de garantir a qualidade dos serviços e garantir o controle e a fiscalização por parte dos cidadãos, ao município cabe a maior responsabilidade na implementação das ações de saúde, diretamente voltadas para os seus cidadãos, devendo o Ministério da Saúde fornecer condições gerenciais, técnicas, administrativas e financeiras para o exercício das funções. 41 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - d at a POLÍTICAS PÚBLICAS E INCLUSÃO SOCIAL O princípio da participação popular A participação popular é o princípio organizacional garantido pela Constituição Federal, o qual garante que a população participe do processo de formulação das políticas de saúde e do controle de sua execução
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