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Autor: Prof. Herbert Gonçalves Espuny Colaboradores: Prof. Fabio Ricardo Brandão dos Santos Profa. Christiane Mazur Doi Auditoria e Investigações sobre Fraudes Professor conteudista: Herbert Gonçalves Espuny Doutor nas áreas de Engenharia de Produção, Gestão de Sistemas de Operação e linha de pesquisa centrada nas redes de empresas e planejamento da produção, com pesquisa específica na área de Produção de Conhecimento Estratégico (Inteligência) pela Universidade Paulista (UNIP). Mestre no programa interdisciplinar Adolescentes em conflito com a Lei pela Universidade Bandeirante de São Paulo. Graduado em Direito. Administrador, registrado no Conselho Regional de Administração de São Paulo (CRA-SP) e aprovado no XXV Exame de Ordem Unificado (OAB). Coordenador do curso de pós-graduação lato sensu em Engenharia de Produção, campus Paraíso, da UNIP. Especialista nas áreas de Segurança Empresarial pela Universidade Anhembi Morumbi, Segurança Pública pela FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), Inteligência de Segurança Pública pela Unisul (Universidade do Sul de Santa Catarina), Educação a Distância pela UFF (Universidade Federal Fluminense), História das Culturas Afro-Brasileiras pela Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), Direito Educacional pela Ucam Prominas, Direito Constitucional e Administrativo e em Direito Corporativo e Compliance pela Escola Paulista de Direito (EPD). Membro da Abraic (Associação Brasileira dos Analistas de Inteligência Competitiva) e da Abseg (Associação Brasileira de Profissionais de Segurança). © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) E77a Espuny, Herbert Gonçalves. Auditoria e Investigações sobre Fraudes / Herbert Gonçalves Espuny. – São Paulo: Editora Sol, 2021. 116 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Legislação. 2. Fraude. 3. Investigação. I. Título. CDU 657.6 U511.58 – 21 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Kleber Souza Ingrid Lourenço Sumário Auditoria e Investigações sobre Fraudes APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 CONCEITOS INICIAIS....................................................................................................................................... 11 1.1 Modalidades de fraude ...................................................................................................................... 22 2 NORMATIZAÇÃO E LEGISLAÇÃO EM VIGOR ......................................................................................... 30 Unidade II 3 AMBIENTES E FATORES FAVORÁVEIS A GOLPES CORPORATIVOS ................................................ 39 4 ANÁLISE DO PERFIL PSICOLÓGICO DO AGENTE FRAUDADOR ...................................................... 46 4.1 Detecção e prevenção a fraudes .................................................................................................... 51 Unidade III 5 SINAIS INDICATIVOS DA EXISTÊNCIA DE FRAUDE ............................................................................. 62 5.1 Políticas de prevenção à fraude ..................................................................................................... 68 6 MÉTODOS DE AUDITORIA CONTÁBIL ....................................................................................................... 73 SUnidade IV 7 CÓDIGO DE ÉTICA E DE VALORES INSTITUCIONAIS ........................................................................... 82 7.1 Técnicas de investigação empresarial .......................................................................................... 88 8 GOVERNANÇA CORPORATIVA E COMPLIANCE ................................................................................... 93 7 APRESENTAÇÃO A auditoria e as investigações sobre fraudes ocupam importância crescente no âmbito das organizações em função de algumas vertentes. São elas: • Competitividade cada vez maior faz com que erros ou crimes possam comprometer irremediavelmente a imagem da empresa perante o mercado e os consumidores. • Escândalos envolvendo empresários e executivos, especialmente nas relações com órgãos e agentes públicos com elementos de corrupção, trazem consequências críticas pelas legislações nacional e internacional, além da perda da credibilidade no mercado. • Gerir é conhecer, pois quanto mais a organização sabe o que ocorre, mais facilmente aplica os princípios fundamentais da administração: planejamento, direção, organização e controle. • As pessoas precisam de ambientes sadios e edificantes para desenvolver um bom trabalho e construir atividades que retroalimentam positivamente a empresa, seus colaboradores e a própria sociedade. Outras razões podem ser elencadas. Mas, o mais importante destas motivações é que o aluno (e futuro profissional) deve interpretar os sinais dos tempos: os preceitos éticos, o respeito às leis e aos regramentos internos e o compromisso com valores sociais e ambientais, fatores que são os sustentáculos de uma empresa de sucesso. Os objetivos da disciplina Auditoria e Investigações sobre Fraudes são fornecer ao futuro gestor de segurança privada: • Elementos conceituais que permitam a distinção de ocorrências que se caracterizem efetivamente por fraudes e não se confundam com erros ou eventuais irregularidades. • Fornecimento ao estudante do devido suporte em termos de legislação que permita fundamentar as ações investigatórias no âmbito das corporações. • Permissão da possibilidade de reflexão a respeito dos conceitos multidisciplinares envolvidos na disciplina, através de casos concretos explicitados nas diversas sugestões de artigos científicos indicados em todos os capítulos do livro-texto. • Desenvolvimento de uma consciência crítica em relação à importância das investigações e das auditorias no que se refere às organizações. Bons estudos! 8 INTRODUÇÃO O gestor de segurança privada que se dedica às investigações corporativas sobre fraudes precisa levar em consideração alguns conceitos que serão apresentados ao longo do presente material: • As apurações precisam ser baseadas em fatos comprovados para evitar julgamentos precipitados e sem fundamento na realidade. • O acompanhamento do departamento jurídico ou de advogado que assessore as atividades de segurança é extremamente importante para o suporte jurídico, seja nas apurações, seja nas devidas responsabilizações de eventuais culpados (se houver). A empresa pode ser responsabilizada se constranger indevidamente algum funcionário ou outro stakeholder (fornecedor, visitante, comprador, entre outros). • A atividade de segurança é especialmentebaseada no planejamento. Quanto mais bem planejada qualquer atividade da área, menos problemas as organizações terão. Alguns instrumentos fundamentais como o vídeo monitoramento e o controle de acessos (tanto de pessoas e veículos que saem ou entram na empresa como todos aqueles que trafegam internamente) são premissas para a investigação estabelecer parte da rastreabilidade quando necessário. • O setor de tecnologia da informação (TI) é um poderoso aliado da segurança interna, uma vez que ele consegue rastrear as atividades digitais de todos os elementos integrados na rede da organização e estabelecer padrões de segurança capazes de evitar fraudes. • A área de segurança privada (seja orgânica, seja terceirizada) da organização não é nem deve fazer o papel da polícia judiciária, que é o órgão oficial responsável pelas investigações criminais. Alguns casos específicos não se constituem em crimes, apenas em problemas relacionados à própria organização. Os crimes devem ser comunicados na delegacia de polícia responsável pela investigação (ou naquela da área circunscricional ou na especializada em certos crimes, como estelionatos, por exemplo). A responsabilização criminal competente deve iniciar com a investigação da polícia judiciária, para que – se for o caso – o Ministério Público denuncie e a Justiça possa julgar os infratores. Já a responsabilização administrativa deve estar regrada no regimento interno da organização e/ou na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Enfim, não estamos lidando com um segmento simples, trata-se de uma área multidisciplinar que envolve conhecimentos de vários setores. O presente material está dividido em quatro unidades e oito capítulos. Cada capítulo trata, prioritariamente, de um tema central. Contudo, observe que os assuntos se entrelaçam e os temas da prevenção e detecção de fraudes permeiam a integralidade do conteúdo. 9 Didaticamente, a melhor forma de o aluno aproveitar o conteúdo é estudar cada uma das unidades progressivamente, buscando apreender os seus ensinamentos específicos. Além disso, é importante consultar o material indicado na forma de artigos científicos que complementam os conceitos e temas abordados. O futuro profissional da área deve compreender que a disciplina Auditoria e Investigações sobre Fraudes fundamenta atividade importante no âmbito da área da segurança, seja nas empresas contratadas (terceirizadas), seja naquelas que possuem segurança orgânica (funcionários da própria organização que desenvolvem o trabalho de segurança interna). Esclarecer fatos obscuros e coletar elementos que possam integrar ações administrativas e, até mesmo, subsidiar investigações criminais (quando for o caso) são os pontos fundantes das investigações corporativas. O gestor precisa analisar que a presente área tangencia aspectos importantes como respeito aos funcionários e a outros stakeholders da organização, legislação atuante e pertinente, além de uma constante fundamentação jurídica, que deve ser fornecida como complemento às ações (por meio do departamento jurídico ou de advogado disponível para esse objetivo, conforme o tamanho da organização). Além dos itens anteriormente citados, a atualização tecnológica constante é a grande aliada do gestor de segurança. Por fim, cabe ao aluno lembrar que os fundamentos mais importantes das atividades de gestão, especialmente de gestão de segurança, estão refletidos na tríade planejar-executar-controlar. Somente planeja e executa bem aqueles que possuem conhecimento. Um bom controle apenas pode ser feito quando as práticas de planejamento e execução efetivamente ocorrem. Portanto, conhecer é sempre o melhor caminho! 11 AUDITORIA E INVESTIGAÇÕES SOBRE FRAUDES Unidade I Nesta unidade o aluno aprenderá os conceitos essenciais de uma ação de auditoria ou investigação corporativa, terá as definições que diferenciam o erro, a irregularidade e a fraude e entenderá a importância das investigações internas. 1 CONCEITOS INICIAIS Inicialmente o aluno deve compreender que a auditoria e a investigação são ações complementares. Em tese, o sistema deve ser implantado com a seguinte ideia: a auditoria deve identificar irregularidades, como as fraudes. Caso alguma fraude ocorra entre o período de uma auditoria e outra, ou passe despercebida pela auditoria, entra em campo a investigação. Mas quais são os conceitos de auditoria, fraude e investigação? Etimologicamente a palavra “auditoria” tem a sua origem no verbo latino audire, que significa “ouvir”, e que conduziu à criação da palavra “auditor” (do latim auditore) como sendo aquele que ouve (DEZEN JUNIOR; BEDUSCHI; BORÇATO, 2018, p. 293). De forma ampliada e nos dias atuais, as auditorias podem ser realizadas com o objetivo de verificar quaisquer irregularidades ou não conformidades nas organizações ou podem ser realizadas com a finalidade contábil. A auditoria contábil é um procedimento conduzido normalmente por contadores ou auditores fiscais, que tem por objetivo verificar os apontamentos contábeis, tais como o patrimônio líquido, ativos e passivos. Ou seja, todos os lançamentos originados no faturamento da empresa, sua movimentação financeira; enfim, tudo o que se relaciona aos aspectos financeiros. Outros profissionais podem participar das auditorias em geral: profissionais que podem complementar a atuação de contadores e/ou auditores fiscais. Os profissionais podem ser das áreas administrativa, tecnológica e de segurança, dentre outras. Um trabalho de auditoria pode ser feito por uma equipe multidisciplinar: de acordo com as características da empresa ou da atividade a ser auditada, profissionais de várias áreas, inclusive operacionais, podem ser fundamentais. As auditorias podem ser internas ou externas: podem ser realizadas por profissionais da própria empresa ou por organizações externas. Normalmente, as auditorias externas são promovidas porque o trabalho dos auditores não é influenciado por aqueles que trabalham na própria organização, gerando maior credibilidade. Podem ser exigidas por investidores, financiadores ou por parceiros internacionais. 12 Unidade I Lembrete O trabalho de auditoria pode ser feito por uma equipe multidisciplinar. É obrigatória a auditoria externa ou independente em algumas situações. Por exemplo, para organizações caracterizadas pela Lei n. 11.638, de 28/12/2007 (BRASIL, 2007): Art. 3º Aplicam-se às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sobre escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários. Parágrafo único. Considera-se de grande porte, para os fins exclusivos desta Lei, a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais). Há outras situações em que a auditoria externa ou independente pode ser obrigatória ou recomendada. No terceiro setor: Esse tipo de auditoria pode ser demandado pelo Ministério Público Estadual quando do velamento das fundações, ou exigido de forma obrigatória em se tratando das Oscips quando celebram termos de parceria em valor acima de R$ 600.000,00 ou quando entidades portadoras do Cebas registram receita anual em montante superior a R$ 3.600.000,00 até o ano de 2017, e R$ 4.800.000,00 a partir de 2018 (APF, 2017). É sempre importante lembrar que a legislação pode mudar a qualquer momento. O estudante e/ou o gestor deve sempre se atualizar sobre os regramentos legais: observar eventuais modificações e adaptar a atuação gerencial em função das leis. As grandes organizações que possuem departamento jurídico podem contar com assessoria mais atuante. As médias e pequenas organizações devemestar sempre vigilantes a esse respeito. Tanto as auditorias quanto as investigações podem contemplar a interação de vários setores da organização. O objetivo é fazer com que a empresa tenha seu desempenho otimizado nos mais diversos aspectos: a) o aspecto administrativo: contribuindo para redução de ineficiência, negligência, incapacidade e improbidade de empregados e administradores. 13 AUDITORIA E INVESTIGAÇÕES SOBRE FRAUDES b) o aspecto patrimonial: possibilitando melhor controle dos bens, direitos e obrigações que constituem o patrimônio. c) o aspecto técnico: contribui para mais adequada utilização das contas, maior eficiência dos serviços contábeis, maior precisão das informações e a garantia de que a escrituração e as demonstrações contábeis foram elaboradas de acordo com os princípios e normas de Contabilidade. d) o aspecto financeiro: resguarda créditos de terceiros – fornecedores e financiadores – contra possíveis fraudes e dilapidações do patrimônio, permitindo maior controle dos recursos para fazer face a esses compromissos. e) o aspecto econômico: assegura maior exatidão dos custos e veracidade dos resultados, na defesa do interesse dos investidores e titulares do patrimônio. Sob o aspecto ético: examina a moralidade do ato praticado, pois o registro poderá estar tecnicamente elaborado e o fato legalmente comprovado, porém o ato da administração poderá ser moralmente indefensável, cabendo à auditoria apontá-lo para julgamento dos titulares do patrimônio ou de seus credores (MOURA; SILVA, 2004, p. 9). Complementando os conceitos, a investigação tem a ver com: • Identificação da motivação da ocorrência de possível fraude: ocorreu alguma irregularidade operacional? Ocorreu algum erro não intencional? Ocorreu um ato intencional e doloso? • Identificação do motivo da ocorrência analisada não ter sido interrompida durante o seu curso: Faltou fiscalização? Não era possível fiscalizar antes? Há a possibilidade de prevenir novas ocorrências do mesmo tipo? Portanto, a investigação é própria em relação ao que já ocorreu. E pode ser demandada em função de ocorrência identificada pela auditoria regular ou extraordinária ou pela análise de quaisquer das consequências do erro, fraude ou irregularidade. Os autores em geral caracterizam erro, fraude e irregularidade segundo conceitos administrativos, de regimentos internos ou pelas leis do país. O quadro a seguir expressa tais conceitos: 14 Unidade I Quadro 1 – Erro, fraude e irregularidade Tipo de ocorrência Designação do ato Origem da ocorrência Erro Ato fortuito não intencional Descuido ou falha técnica Fraude Ato intencional, ilegítimo e doloso Obtenção de benefícios ilegais ou ilícitos Irregularidade Ato intencional não doloso Desconhecimento técnico (sujeito a sanções) Adaptado de: Lourenço e Sarmento (2008, p. 35). Em termos administrativos e de segurança nas organizações, essas conceituações são importantes na medida em que as providências a serem adotadas também serão de acordo com a natureza do que foi apurado: • Se a ocorrência foi motivada por erro: nesse caso, o que motivou a ocorrência foi um erro de operações ou de confecção de ato administrativo ou de providência tática ou gerencial. Quem cometeu o erro não queria aquele resultado. Não tinha a intenção de criar o problema detectado. Apesar das consequências, o erro é fruto de descuidos imprevisíveis, falhas técnicas ou treinamento inadequado de pessoal. Nessas circunstâncias, normalmente, as empresas tomam providências no sentido de alertar os envolvidos em ocorrências semelhantes, desenvolvem a manutenção adequada em máquinas ou equipamentos (inclusive possível manutenção preventiva) ou estabelecem programa de treinamento que possa suprir a lacuna observada. • Se a ocorrência foi determinada por alguma irregularidade: nesse caso, é necessário averiguar se a irregularidade foi cometida por alguém ou algum setor que deveria ter a devida competência para lidar com o ocorrido. Por exemplo, um engenheiro civil que não calculou adequadamente a proporção de concreto a ser utilizado numa determinada estrutura. O engenheiro foi exatamente contratado para essa função. Tem competência e formação adequadas. No entanto, ocorreu a irregularidade, que pode ensejar responsabilizações para o profissional e, conforme as circunstâncias, para toda a empresa, mesmo que não tenha sido um ato intencional. • Já se houver elementos de fraude: a ocorrência de fraude tem por objetivo obter alguma vantagem ilícita (não devida, não autorizada) ou ilegal (que se constitui em infração penal). Nesse caso, os envolvidos devem ser civil, administrativamente e penalmente responsabilizados. As ocorrências de fraude acabam criando uma imagem para a organização de ineficiência dos controles internos, de descuido administrativo e de descrença no mercado. Nesse sentido: Vive-se hoje num mundo culturalmente, economicamente e/ou mercadologicamente globalizado, onde as organizações enfrentam não mais uma concorrência local, regional ou setorial, mas uma concorrência a nível mundial. Nesse contexto, cada esforço desprendido eficazmente, cada economicidade realizada nos processos produtivos fará grande 15 AUDITORIA E INVESTIGAÇÕES SOBRE FRAUDES diferença, como também, cada erro, falha, desvio, perda e/ou desperdício será um fardo cada vez mais pesado e difícil de suportar. As fraudes provocam, além das altas perdas financeiras, outras consequências por demais devastas. No âmbito do ambiente de trabalho, provocam um clima de insegurança e desconfiança entre os funcionários e suas chefias. No âmbito da direção geral da empresa, provocam suspeitas e desconfianças sobre a capacidade de gestão de seus administradores. No âmbito externo, maculam a imagem da organização junto ao público consumidor (ORIÁ FILHO, 2015). Lembrete As ocorrências de fraude acabam criando uma imagem para a organização de ineficiência dos controles internos, de descuido administrativo e de descrença no mercado. Portanto, identificar tais mecanismos, trabalhar para que sejam corrigidos e prevenidos é providência que as organizações não podem deixar de desenvolver e aprimorar. E o pessoal da área contábil é fundamental, especialmente no sentido de que os dados contábeis são partes importantes da apresentação de qualquer empresa. A detecção de fraude e erros precisa ser criteriosa, referente todo sistema contábil, incluindo o controle interno, tanto em termos de concepção quanto de funcionamento efetivo, mantendo atenção especial a possíveis eventualidades que possam ocasionar erro e fraude (DEZEN JUNIOR; BEDUSCHI; BORÇATO, 2018, p. 296). Compras e vendas de empresas, fusões, operações entre empresas nacionais e internacionais, interesses em novos mercados, entre outras vertentes, têm como orientação a verificação de possíveis fraudes contábeis: As fraudes contábeis no Brasil têm grande repercussão não apenas para os profissionais contábeis, mas também pelos meios de comunicação e profissionais de outras áreas do conhecimento humano. O principal enfoque dessas discussões tem sido na necessidade de que haja transparência, segurança e confiabilidade nos números apresentados pelas empresas, quer seja para seus acionistas, fornecedores, poder público, entre outros (PEREIRA; SANTOS; DA ROCHA, 2018, p. 131-132). 16 Unidade I Observação O gestor deve sempre estar ciente de que a área de investigações é para a obtenção de certezas. Hipóteses, por mais bem elaboradas que sejam, servem para orientar investigações, e não para tomar decisões como se fossem verdades. As certezas são obtidas com muita observação e coleta de elementos, a fim de que possam servir de provas para eventuais providências jurídicas. Cabe ao profissional contar com o apoio dos setores jurídico, administrativo e de inteligência da organização. Um dos aspectos mais discutidos nos últimos anos tem a ver com a corrupção nas empresas. A corrupção traz o descréditoda instituição, representado na queda de clientes, na queda do valor de mercado da organização, além de inúmeros problemas com os próprios colaboradores, como a sensação de trabalhar numa instituição irregular e que não respeita o regramento legal. Os escândalos de corrupção têm permeado o dia a dia dos brasileiros. Seja na televisão, seja nas rádios, seja na rua, seja em casa, só se fala de corrupção envolvendo as empresas que atuam nesta terra que em se plantando tudo dá. Diante dos fatos que nos são apresentados diariamente, chegamos à conclusão de que nossas empresas sempre tiveram um compliance de papel, ou seja, aquele que lá está para cumprir a lei, mas que não serve de norte no momento das negociações. Afinal, o dito é secular: A lei?... Ora, a lei... (CREDIDIO, 2018, p. 86). As repercussões de ocorrências de corrupção nas organizações já têm relevância internacional. Estes aspectos serão abordados na seção que trata da governança corporativa e compliance. Ainda no contexto dos conceitos iniciais, a fraude é contemplada no Código Penal Brasileiro (CPB). O capítulo VI do referido Código trata “Do Estelionato e Outras Fraudes” (BRASIL, 1940): Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. (Vide Lei n. 7.209, de 1984) § 1º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, § 2º. § 2º - Nas mesmas penas incorre quem: 17 AUDITORIA E INVESTIGAÇÕES SOBRE FRAUDES Disposição de coisa alheia como própria I - vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria; Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria II - vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias; Defraudação de penhor III - defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado; Fraude na entrega de coisa IV - defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar a alguém; Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro V - destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as consequências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro; Fraude no pagamento por meio de cheque VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento. § 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência. Estelionato contra idoso § 4º Aplica-se a pena em dobro se o crime for cometido contra idoso. (Incluído pela Lei n. 13.228, de 2015) § 5º Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima for: (Incluído pela Lei n. 13.964, de 2019) 18 Unidade I I - a Administração Pública, direta ou indireta; (Incluído pela Lei n. 13.964, de 2019) II - criança ou adolescente; (Incluído pela Lei n. 13.964, de 2019) III - pessoa com deficiência mental; ou (Incluído pela Lei n. 13.964, de 2019) IV - maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz. (Incluído pela Lei n. 13.964, de 2019) (BRASIL, 1940). O famoso artigo “171” descreve o que a maioria das pessoas já conhecem como sinônimo de “enganação”. O artigo define inicialmente “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento” (BRASIL, 1940). No âmbito das empresas, pode ser enquadrado nessa prática o responsável principal e todos aqueles que contribuíram para o resultado. O prejuízo é normalmente da própria organização, mas pode ser também de um dos acionistas, proprietários ou funcionários. Para exemplificar, alguns exemplos hipotéticos: Exemplo de aplicação Exemplo 1: o controlador de estoque lança dados falsos no sistema. Por exemplo, foram vendidas 40 peças e o estoquista lançou somente 60 delas. As 20 peças a mais ele colocou em seu carro e saiu da empresa com o objetivo de vendê-las clandestinamente para obter lucro. A fraude nesse caso ocorreu no controle de estoques e fundamentou o crime de furto das 20 peças. Caso alguém mais tenha participado da armação, também poderá ser responsabilizado. Exemplo 2: o gerente de compras de um órgão público quer comissão “por fora”, não contabilizada, da empresa vendedora para comprar os seus produtos. “Combina” com o vendedor, e este concorda que apresentará um preço de 15% a mais no produto. A fraude aqui propiciou dois crimes: corrupção passiva, praticada pelo funcionário público, e corrupção ativa, realizada pelo vendedor. Além dessas fraudes que geraram crimes, o artigo 171, do CPB, relaciona nos incisos os diversos tipos de fraudes, além do próprio estelionato tipificado no próprio artigo citado. 19 AUDITORIA E INVESTIGAÇÕES SOBRE FRAUDES Observe-se que as situações citadas são crimes, passíveis de apuração nas esferas policial e judicial. Já a dinâmica na esfera privada, na prática, é diferente. Por exemplo, os crimes de corrupção (passiva ou ativa) em que uma das pontas paga propina e a outra a recebe estão configurados nos artigos 317 e 333 do Código Penal Brasileiro (BRASIL, 1940). Contudo, ambos estão inseridos no capítulo dos Crimes Praticados por Funcionário Público Contra a Administração em Geral. O crime de corrupção passiva (Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem, conforme o artigo 317 do CPB) só pode ser cometido por funcionário público. Já o artigo 333, corrupção ativa (“Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”) pode ser cometido por qualquer pessoa, mas o receptor da proposta é sempre um funcionário público. Essa tipificação não se aplica, por exemplo, à corrupção ocorrida entre dois funcionários de empresas privadas. Sobre o tema: Na maior parte dos países, em especial, na América Latina, não existem tipos penais aptos a punir eficazmente as condutas que consubstanciem atos de corrupção ocorridos no âmbito das empresas. Esse panorama é agravado pela frequente ausência ou ineficiência de um órgão regulador que efetivamente fiscalize e puna a corrupção privada, ainda que apenas na esfera administrativa. O princípio da livre concorrência parece autorizar todo e qualquer tipo de conduta que objetive ampliar o mercado consumidor, dentro da lógica da guerra do mercado. Entretanto, mesmo a guerra deve ser conduzida segundo regras e, na concorrência econômica, não poderia ser diferente. Os princípios da boa-fé e da lealdade devem ser rigorosamente observados, sob pena de desestabilização das leis naturais de mercado, orientadoras do próprio princípio da livre concorrência (CHAVES, 2013, p. 256). Em outras palavras, há certa dificuldade em reprimir determinados comportamentos na esfera privada. Há duas situações características: • A primeira situação é a aquela em que a diretoria da empresa, ou alguém com conhecimento da mesma, tem envolvimento com alguma ocorrência ilícita que tem por objetivo fechar um grande contrato ou elevar sistematicamente o faturamento da organização, aumentando seu mercado de atuação, por exemplo. Nesse caso, a própria diretoria promove a ilicitude. O objetivo é a sobrevivência ou o crescimento da organização. • A segunda situação é um ato ilícito isolado, promovido por algum funcionário, sejado nível estratégico, tático ou operacional. Conforme o caso, o funcionário é demitido (por justa causa ou não) e as demais providências ocorrerão em função do contexto. Por exemplo, as empresas 20 Unidade I não têm interesse em protagonizar ocorrências ilícitas, criminosas e/ou irregulares. Muitas destas não denunciam as ocorrências, nem tomam providências judiciais pertinentes. Alguns autores tendem a criticar tais aspectos da realidade brasileira como certa tolerância à irregularidade no âmbito das corporações. Por extensão, o comportamento individual dos brasileiros pode também ilustrar tal contexto haja vista certa percepção de tolerância a alguns comportamentos não corretos ou antiéticos. Apenas para ilustrar, a Fundação Getulio Vargas divulgou uma pesquisa em que os respondentes admitem que, nos últimos 12 meses, cometeram algumas das irregularidades elencadas. Tal pesquisa está explicitada na figura seguinte: 73% 59% 33% 22% 23% 15% 10% 7% 4% 3% Atravessar a rua fora da faixa de pedestre Fazer barulho capaz de incomodar seus vizinhos Estacionar em local proibido Fumar em local não permitido Dar dinheiro a um policial ou outro funcionário público para evitar ser multado Comprar CD ou DVD pirata Jogar lixo em lugar proibido Dirigir depois de consumir bebida alcoólica Usar carteira de estudante para pagar meia entrada, sem ser estudante Levar itens baratos de uma loja sem pagar por eles Figura 1 – Indicador de comportamentos Observe-se que entre os comportamentos estão atitudes irregulares, como atravessar a rua fora da faixa de pedestres, até crimes como dar dinheiro a funcionário público (corrupção ativa) ou levar itens de estabelecimentos sem pagar por eles (furto). Apesar do que foi indicado pela pesquisa da Fundação Getulio Vargas, há legislação que combate irregularidades praticadas no âmbito das empresas, como a Lei n. 12.529/2011, que será abordada mais adiante (BRASIL, 2011). Portanto, cabe ao gestor enfrentar as possíveis irregularidades nas organizações com ações preventivas e corretivas: Ações preventivas: • Cursos, seminários e palestras que esclareçam a importância de atender aos regramentos e a adoção de comportamentos éticos. • Instituir setores de controle interno, capaz de adotar procedimentos que inibam ações ilícitas. 21 AUDITORIA E INVESTIGAÇÕES SOBRE FRAUDES Para garantir a sobrevivência da empresa, é necessária a criação de um controle interno para proteger o seu patrimônio, sendo uma ferramenta fundamental e primordial para a manutenção da empresa no mercado atual, pois, alicerça toda a estrutura organizacional. Possui características e classificações passando por etapas para que o objetivo seja alcançado, ou seja, obter eficácia nos processos com confiabilidade e refletindo em todas as áreas em que a mesma está inserida. Esta investigação tem como objetivo principal abordar a importância do controle interno como uma ferramenta a ser utilizada pelas empresas, mediante apresentação de todo o processo e execução do controle, bem como, sua ligação com a auditoria, a fim de orientar quanto a possíveis erros em uma organização (LIMA et al., 2012, p. 2). As auditorias internas e externas também atendem a esses objetivos. Apesar de as auditorias conseguirem identificar problemas já ocorridos, elas podem ser consideradas de caráter preventivo pelo fato de inibirem iniciativas irregulares e/ou criminosas e, além disso, podem interromper processos que gerariam consequências mais graves. Por exemplo, conforme Freitas e Sena (2019, p. 579-580): As entidades se deparam com vários obstáculos ao longo do seu desenvolvimento, entre eles a ocorrência de fraudes e erros que prejudicam a iniciativa privada a alcançar os objetivos almejados. Diante disso, surgiu a necessidade de um profissional que auxilie os gestores na supervisão das atividades. Portanto, a auditoria interna é essencial à entidade, e busca auxiliar a gestão com orientações e sugestões, dando um direcionamento aos trabalhos, colaborando como uma espécie de assessoria à gestão. Ações repressivas: Ao serem identificadas quaisquer ações irregulares, ilícitas ou criminosas, a organização deve tomar as providências adequadas para treinar ou reciclar o pessoal envolvido (caso a ocorrência não seja motivada por dolo ou não importe em crime), demitir os funcionários que eventualmente tenham provocado de modo proposital alguma irregularidade administrativa, ou, ainda, promover a responsabilização civil ou criminal dos envolvidos, quando for o caso. Observação Muitas vezes o desconhecimento, a falta de treinamento e a ignorância a respeito de determinadas propriedades de um equipamento, por exemplo, podem provocar acidentes ou levar a erros operacionais. Prevenir tais procedimentos é detectar a necessidade de treinamento e reciclagem e cuidar para que tais providências possam se materializar no dia a dia da empresa. 22 Unidade I Deve-se levar em conta que a área de segurança da organização que investiga e/ou audita precisa sempre prezar pela exatidão, coleta adequada de provas e relatórios objetivos. Conforme detalhado na sequência: • Exatidão: relacionamento dos fatos, sem ilações. • Coleta adequada de provas: preservação da materialidade. Papéis, bilhetes, gravações de câmeras de monitoramento, testemunhas, entre outros elementos que tenham relação com a ocorrência investigada. • Relatórios objetivos: contenção dos fatos nos relatórios, com objetividade. Hipóteses e outros exercícios de raciocínio podem ser anotados à parte. Saiba mais Com a finalidade de obter mais conhecimento a respeito do tema, leia: ASSUNÇÃO, R. R.; DE LUCA, M. M. M.; VASCONCELOS, A. C. Complexidade e governança corporativa: uma análise das empresas listadas na BM&F Bovespa. Contabilidade & Finanças, São Paulo, v. 28, n. 74, maio/ago. 2017. Disponível em: https://bit.ly/3bIq8vo. Acesso em: 11 mar. 2021. 1.1 Modalidades de fraude Os tipos específicos de fraudes dependem naturalmente de cada organização. As empresas mais complexas, com múltiplos setores, departamentos e atividades podem ensejar várias oportunidades de fraudes. Instituições mais simples, normalmente, possuem menos vertentes para tal. Mas, independentemente da estrutura da organização, é importante estabelecer o devido controle interno para que as fraudes sejam evitadas e, se ocorrerem, possam ser reprimidas e suas consequências corrigidas rapidamente. Os mecanismos de auditoria e investigação servem justamente para cumprir essa finalidade. Nesta seção serão abordadas algumas modalidades de fraude, as mais observadas nas organizações privadas. Um aspecto bastante verificado é que a fraude comumente é planejada: A fraude é um ato criminoso, no qual o fraudador antes de atacar, realiza todo um mapeamento, planejamento para não deixar brechas, pelo qual o auditor tem que ficar atento para não ser influenciado, possuir ceticismo profissional em suas análises de amostragens. O fraudador sempre tentará enrolar para ganhar tempo para conseguir o que ele almeja. 23 AUDITORIA E INVESTIGAÇÕES SOBRE FRAUDES O Conselho Federal de Contabilidade (CFC) através da resolução 836/00 na interpretação técnica da NBC T11 – IT 3 caracteriza a fraude como: 1. Manipulação, falsificação, ou alteração de registros ou documentos, de modo a modificar os registros de ativos, passivos e resultados; 2. Apropriação indébita de ativos; 3. Suspensão ou omissão de transações nos registros contábeis; 4. Registros de transações sem comprovação e 5. Aplicação de práticas contábeis indevidas (ESTANÇA; ANJOS, 2017, p. 1045). Observe-se, portanto, que: • A fraude demanda organização e planejamento. Esse planejamento inclui elementos que descaracterizem a ação do fraudador. • O investigador e/ou auditor devem levar em conta que a dissimulação é o objetivo para que o fraudador possa ganhar tempo suficiente a fim de apagar definitivamente os indíciosdo ato ilícito ou de escapar de responsabilizações. • Há alguns elementos que podem “acender um alerta” de que algo está errado: pessoas que passam a ter gastos que não são próprios com seus rendimentos e/ou posses, atitudes diferentes das esperadas por parte de gestores e funcionários, entre outros. Tais situações são conhecidas como red flags, que serão abordadas posteriormente. A detecção das fraudes inicia-se geralmente com a identificação dos sintomas, dos indicadores, ou red flags, que são tendências quando se trata de fraude. Em algumas ocasiões, esses sinais de alerta podem também estar associados a fatores não fraudulentos (MANES; FLACH, 2012, p. 169). No quadro a seguir estão relacionados alguns tipos de fraudes a que as organizações estão sujeitas: Quadro 2 – Alguns tipos de fraudes nas organizações Furto Crime tipificado no Código Penal, artigo 155: “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel” (BRASIL, 1940). Pirataria Cópia de algum produto, sem o pagamento devido de direitos autorais e/ou de identificação da autoria. Plágio. Corrupção Pode ser entendido como algo, tipo dinheiro ou favor, oferecido ou dado a alguém em posição de confiança, para induzir a agir desonestamente. Falsificação Crime tipificado em vários artigos do Código Penal. Espionagem A espionagem pode se dar de duas formas: a primeira se dá quando um funcionário repassa informações confidenciais da empresa para um concorrente em troca de dinheiro ou outro benefício. A segunda acontece quando um funcionário, tendo informações privilegiadas sobre a empresa, faz denúncias com o intuito de prejudicá-la. Conspiração Envolve o acordo ilegal entre duas ou mais pessoas para executar propósitos ilegais ou um propósito legal por meios ilegais. Um exemplo seria a conspiração para anular controles internos. 24 Unidade I Falso testemunho ou falsa perícia Previsto no artigo 342, do Código Penal: “Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral” (BRASIL, 1940). Conivência Encobrir alguma ilicitude ou crime. Saber de alguma irregularidade e nada fazer para evitá-la ou saná-la, tendo ou não algum benefício. Adaptado de: Moura e Silva (2004). A seguir, constam algumas considerações e detalhamentos sobre as fraudes indicadas. Furto, conforme já definido no quadro anterior, está consignado como crime no Código Penal. Subtrair algo para si mesmo ou para outra pessoa ou organização está inserido nessa modalidade. Alguns aspectos são importantes de serem observados: há quem tenha dificuldade em diferenciar os crimes de roubo e furto. Existem várias especificidades que podem ser observadas no âmbito do Direito, mas o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) em sua página institucional explica de forma objetiva tal diferença: O crime de furto é descrito como subtração, ou seja, diminuição do patrimônio de outra pessoa, sem que haja violência. O Código Penal prevê para o furto pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa. A lei prevê aumento de pena para quem cometa o crime durante a noite, e para os casos de furto de pequeno valor, permite diminuição ou até perdão de pena, aplicando-se apenas a pena de multa, é o chamado furto privilegiado. O Código Penal também descreve o furto qualificado, situações onde a pena é mais grave em razão das condições do crime, como destruição de fechadura, abuso de confiança, concurso entre pessoas, entre outras. O roubo é crime mais grave, descrito na lei como subtração mediante grave ameaça ou violência. A pena prevista é de 4 a 10 anos e multa. A lei também prevê aumento de pena para o cometimento de crime sob certas circunstâncias como, utilização de arma, auxílio de mais uma pessoa, restrição de liberdade da vítima, entre outras (TJDFT, 2016). Portanto, o furto ocorre sem violência, ou seja, sem uma arma ou uma ameaça explícita. Acontece de forma sub-reptícia. Nas organizações, alguns cenários podem ser observados: • Furto de documentos: especialmente caso eles possam subsidiar ações de concorrentes (com fórmulas, dados, pesquisas, entre outros). • Furto de equipamentos ou componentes: geralmente pequenos, mas valiosos. • Furto de insumos: componentes que fazem parte da composição da produção. 25 AUDITORIA E INVESTIGAÇÕES SOBRE FRAUDES • Furto de produtos produzidos: componentes fabricados na instituição. • Furto de materiais de vários tipos: material de limpeza (produtos em geral), materiais administrativos (papel sulfite, grampeadores, clipes etc.), entre outros materiais. A segurança privada tem alguns instrumentos que auxiliam na identificação de possíveis furtos, que serão abordados nos capítulos seguintes, como o monitoramento por câmeras de vídeo. Saiba mais Observem-se os conceitos de Furto Qualificado e Furto de Coisa Comum (tipificado no artigo 156 do Código Penal). O gestor de segurança privada deve entender tais conceitos para poder discutir com propriedade algumas ocorrências, além de utilizar os termos apropriados em relatórios do setor. O departamento jurídico ou o advogado que assessore a empresa devem ser consultados, em caso de dúvidas conceituais (BRASIL, 1940). A fim de ler tais conceitos em sua integralidade, acesse: BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código penal. Rio de Janeiro, 1940. Disponível em: https://bit.ly/3qFnriy. Acesso em: 11 mar. 2021. Há alguns anos a pirataria estava caracterizada como cópia irregular de filmes ou músicas e, ainda, de programas de computador vendidos em barracas ou por ambulantes em locais de grande fluxo de pessoas. Atualmente, o conceito foi ampliado. Segundo o Ministério da Cidadania, os elementos (já conhecidos e os novos) que definem a pirataria são os seguintes (GOV.BR, 2019): • Compra de DVDs ou pendrives irregulares de músicas, softwares e filmes, ou ao fazer o download ilegal de algum seriado de TV. Essa prática é a mais difundida e conhecida. Apesar de praticadas por pessoas físicas, algumas empresas de pequeno porte podem executá-la ao se utilizar de softwares sem o devido registro e licença da empresa que os produzem. • Apps (aplicativos) baixados por usuários que podem conter conteúdos irregulares, como filmes, músicas e até transmissão de canais por assinatura. • Caixas de streaming (transmissões irregulares de canais de televisão). Essa modalidade de pirataria causa prejuízos significativos. Em reportagem do site UOL, Castro (2018) pondera: A mesma tecnologia que nos permitiu assistir a temporadas inteiras de séries em um só dia está causando uma sangria estimada em meio bilhão de reais por mês à indústria de TV por assinatura. O streaming é a nova 26 Unidade I porta de entrada da pirataria no país. Segundo a Cisco, 6,5 milhões de aparelhos que recebem TV ilegalmente via internet entraram no Brasil nos últimos três anos pela fronteira com o Paraguai. E, reforçando a ideia de que os prejuízos são milionários, Riente (2020) traz a notícia de que um homem no Texas (EUA) “está sendo processado pela maior empresa de mídia e entretenimento das Filipinas, a ABS-CBN, no valor de US$ 2,1 milhões, acusado de vender e piratear caixas de streaming”. A figura a seguir traz as definições assinaladas no site do Governo Federal, enfatizando a ideia de prejuízos à economia brasileira e aos autores nesses tipos de pirataria: Consumo de filmes, seriados e músicas em canais não autorizados ou detentores de direitos autorais. Download e consumo de filmes, seriados e músicas em aplicativos não autorizados ou detentores de direitos autorais. Transmissão de canais de TV fechada de forma irregular e não autorizada. Opções pagas ou legalizadas de TV por assinatura e transmissão via streaming. Opções pagas ou legalizadas de conteúdo por celular ou Smart TV. Conteúdos nos canais oficiais de cada produção. Prestígio ao trabalho dos autoresPrejuízo à economia brasileira Plataformas de vídeo Aplicativos de celular Caixas de streaming Figura 2 – Pirataria 27 AUDITORIA E INVESTIGAÇÕES SOBRE FRAUDES Cabe ao gestor identificar e não permitir que quaisquer práticas ilícitas permeiem as atividades da empresa ou de pessoas no interior dela. O ambiente organizacional deve prever campanhas de esclarecimento da importância de seguir as regras. Saiba mais Para entender melhor as caixas de streaming, leia a reportagem (e assista ao vídeo) a seguir, referente a uma operação policial em combate à pirataria digital: G1 SP. Operação contra pirataria digital faz buscas em 12 estados. São Paulo, G1, 2019. Disponível em: https://glo.bo/2OpqNt1. Acesso em: 11 mar. 2021. A corrupção é caracterizada por ações no interior da organização que descaracterizam a legítima competitividade, além de comprometer a credibilidade das empresas, seja para seus stakeholders, seja para o mercado e a sociedade em geral. Ela é tipificada no Código Penal como passiva e ativa (BRASIL, 1940) e está relacionada ao envolvimento com funcionários públicos. Contudo, há também corrupção nas empresas privadas. Como aduz Chaves (2013, p. 236): Etimologicamente, corrupção deriva do latim rumpere, equivalente a romper, dividir, gerando o vocábulo corrumpere, que, por sua vez, significa deterioração, depravação, alteração, sendo largamente coibida pelos povos civilizados. Tal estado de deterioração tem a ver com os objetivos da empresa: deteriorar as boas práticas e a ética. Os aspectos de corrupção podem abranger as mais diversas atividades da organização e contaminar todos os níveis (estratégico, tático e operacional). Nos capítulos seguintes serão abordadas as várias vertentes de legislação e investigação de corrupção nas empresas privadas. Alguns exemplos típicos de corrupção: • Receber “propina” para favorecer um determinado comprador (especialmente quando o mercado está com demanda alta e a empresa não consegue suprir todos os pedidos); • Receber “propina” para favorecer algum vendedor (particularmente se o agente corrupto tem o poder de decidir a compra). 28 Unidade I Lembrete Os aspectos de corrupção podem abranger as mais diversas atividades da organização e contaminar todos os níveis (estratégico, tático e operacional). A falsificação é crime tipificado em vários artigos do Código Penal, tais como (BRASIL, 1940): falsificação de produtos, medicamentos, documentos públicos e privados, moeda, entre outros. Nas organizações privadas, alguns desses itens devem ser especialmente focados: • Falsificação de produtos ou medicamentos: o gestor deve tomar todas as providências de controle interno em relação a possíveis falsificações de produtos ou medicamentos. Tais falsificações podem gerar danos à saúde de consumidores, muitas vezes de forma permanente. • Falsificação de documentos públicos ou privados: outra área que pode trazer complicações em diversos níveis à organização. Os documentos devem ser absolutamente preservados como fator de segurança de toda a empresa. • Outras falsificações: posteriormente serão aprofundadas as abordagens ao crime de falsificação, por exemplo, a falsificação de atestados médicos. A espionagem tem a ver com a ação de se apropriar de dados, informações ou conhecimento protegidos. Tal proteção normalmente está ligada a interesses legítimos da organização: por exemplo, a fórmula de um certo produto que a empresa comercializa legalmente; um dado plano de expansão; uma pesquisa de mercado que aponte pontos relevantes de determinados consumidores. As empresas precisam proteger o conhecimento sensível. Algumas delas possuem setores especializados na área de inteligência. Para Espuny (2020, p. 216), Tradicionalmente, há algumas divisões na área da inteligência. A atividade se divide em: Inteligência: prática central, que tem por objetivo coletar dados e informações para produzir conhecimento que possa subsidiar as decisões da alta direção da organização. Contrainteligência: prática que tem por objetivo neutralizar o efeito de atividades que pretendam impedir o sucesso da organização, seja por meio de fraudes (ou outras práticas criminosas e/ou não éticas), seja por meio de atitudes indevidas produzidas por funcionários ou outros stakeholders. 29 AUDITORIA E INVESTIGAÇÕES SOBRE FRAUDES A contrainteligência é a responsável por monitorar funcionários e visitantes com a finalidade de proteger o conhecimento da organização. A conspiração ocorre, na corporação, quando várias pessoas se unem para perpetrar uma fraude. Por exemplo, um determinado funcionário faz um lançamento propositalmente errado em um dos livros de controle e o encarregado valida o lançamento, mesmo sabendo do ilícito. E, posteriormente, o encarregado da contabilidade, também ciente, não aponta a irregularidade. Se a irregularidade se constituir em crime, todos que conscientemente concorreram para perpetrá-lo poderão ser responsabilizados, conforme o artigo 29, do Código Penal (BRASIL, 1940): Art. 29. Do concurso de pessoas Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. § 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. § 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. A assessoria jurídica é sempre importante, pois algumas irregularidades administrativas podem não ser caracterizadas como crimes. Dessa forma, os funcionários que conspiraram (participaram) para a irregularidade administrativa podem ser punidos de acordo com o regramento interno (advertência, suspensão, demissão por justa causa) e/ou conforme as leis trabalhistas. Conforme já descrito, falso testemunho ou falsa perícia está tipificado no artigo 342 do Código Penal. Na prática, ele pode ser provocado pela prevaricação de quem deveria ter praticado a ação (isto é, alguém que deveria ter feito uma inspeção e não a fez e a relata como se tivesse sido feita) ou para encobrir algum ato ilícito de outrem (por exemplo, para proteger alguém que tenha cometido irregularidade). A conivência é caracterizada pela inércia ao perceber ou ser confrontado com alguma ilicitude na corporação. Ela é difícil de ser comprovada e envolve questões muitas vezes relacionadas à segurança do conivente: por exemplo, dois colegas de trabalho que convivem em um determinado setor da empresa e um deles comete furtos de mercadorias e o outro, não. Os controles são deficientes e não há vídeo de monitoramento na seção. Quem comete os desvios sabe que se for delatado o único que terá conhecimento será o próprio colega. Por esse motivo os canais internos de denúncia são importantes. Em um caso assim, o gestor de segurança, ciente de que apenas os dois trabalham no setor, pode, por exemplo, estabelecer um flagrante do infrator ou colocar um sistema de monitoramento para impedir novos desvios. 30 Unidade I Saiba mais A fim de entender com mais detalhes a respeito do tema, leia os seguintes artigos: ASSING, I.; ALBERTON, L.; TESCH, J. M. O comportamento das fraudes nas empresas brasileiras. Revista da FAE, Curitiba, v. 11, n. 2, p.141-152, jul./dez. 2008. COSTA, A. P. P.; WOOD JUNIOR, T. Fraudes corporativas. Revista de Administração de Empresas (RAE), São Paulo, v. 52, n. 4, jul./ago. 2012. Disponível em: https://bit.ly/3tecbLM. Acesso em: 11 mar. 2021. MANES, A. G.; FLACH, L. Revisão Sistemática da Produção Científica sobre Fraudes em Periódicos Internacionais de Contabilidade Indexados ao ISI e Scopus. Revista Contabilidade Vista & Revista, Belo Horizonte, v. 23, n. 2, p. 163-189, abr./jun. 2012. 2 NORMATIZAÇÃO E LEGISLAÇÃO EM VIGOR O profissional de segurança que desenvolve investigações internas a respeito de fraudes deve conhecer e seguir os seguintes parâmetros:• O órgão responsável pela investigação criminal é a polícia judiciária. Polícia judiciária é um dos nomes que se atribui à polícia civil, também conhecida como polícia investigativa. O artigo 144 da Constituição Federal, em seu parágrafo 4º, no inciso IV deixa explícito que “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto às militares” (BRASIL, 1988). Portanto, quem tem a competência de investigar crimes é a polícia civil, sendo coordenada tal investigação pelo delegado, e podem participar outros componentes, por exemplo, escrivães, investigadores e agentes policiais. Cada Estado tem as respectivas divisões hierárquicas das polícias civis. No âmbito federal, a polícia federal desenvolve tal função. Apenas para título de conhecimento e informação, as polícias conhecidas como militares fazem a função de polícias preventivas. Em tese, elas agiriam antes de o crime ocorrer. Após a ocorrência deles, a polícia civil é quem tem o dever de esclarecer todas as circunstâncias e os autores do crime. Na prática ocorrem algumas situações em que tais parâmetros podem ser diferentes: por exemplo, um assaltante rouba uma vítima na rua e esta logo na sequência avista uma viatura da polícia militar. Nesse caso, os policiais irão atrás do criminoso e, caso o prendam, trata-se de uma situação de flagrante delito. 31 AUDITORIA E INVESTIGAÇÕES SOBRE FRAUDES Observação Apesar de ainda citada na Constituição Federal, em seu artigo 144, a chamada polícia ferroviária federal não possui concursos há anos e a tendência é que ela seja extinta. • Nada impede que haja investigações internas conduzidas pelo pessoal de segurança. Mas, é importante enfatizar, também, que dependendo do conteúdo e do quanto investigado, a polícia judiciária deve ser informada, pois a responsabilização criminal do acusado precisa ser desenvolvida de forma oficial. No âmbito da empresa, eventuais investigações corporativas podem, por exemplo, instruir demissões. Mas, dependendo da gravidade do assunto, submeter a ocorrência ao crivo da polícia judiciária é fundamental. • O gestor de segurança deve sempre se arvorar no apoio do departamento jurídico ou de algum advogado contratado para tal finalidade. Lidar com eventuais crimes precisa de respaldos legais adequados. • O gestor de segurança pode ter o apoio do comitê de compliance, caso haja na empresa um setor organizado para esse tipo de atuação. Caso contrário, é importante que, além do departamento jurídico, outros componentes da corporação possam dar suporte às investigações. Dependendo do tipo da organização, alguns componentes são fundamentais para determinação da abertura das investigações e fundamentação de certas etapas. Por exemplo, um representante da alta direção, um da área administrativa e outro da área de produção podem ser elementos importantes. O da alta direção é importante para obter determinadas informações que podem ser liberadas apenas no nível estratégico. Da mesma forma, as áreas administrativa e operacional podem fornecer subsídios fundamentais para uma boa investigação interna. É importante sempre lembrar que todos os passos devem ser estritamente acompanhados por advogados da organização. Observação Há vários instrumentos capazes de auxiliar as investigações internas e subsidiar investigações oficiais. Por exemplo: Os controles de acesso não só para aqueles que vêm de fora. Controles de acesso internos podem ser extremamente interessantes para rastrear a atividade de indivíduos no interior da empresa e, se for o caso, subsidiar investigações. Uma das formas mais comuns é a de que cada setor da companhia possua um controle de acesso que registra a hora que o funcionário entra e sai. Por exemplo, se alguém do setor administrativo vai para a área de produções, deverão constar o nome do funcionário, sua função e o tempo em que lá permaneceu especificados em um relatório gerencial. 32 Unidade I Os sistemas de videomonitoramento referem-se aos sistemas de câmeras instaladas em todos os ambientes da empresa, com exceção de sanitários e vestiários ou outros que possam violar a intimidade do funcionário, eles permitem subsidiar investigações dos mais diferentes tipos. • Um ponto importante que precisa sempre ser levado em conta é que muitos problemas nas organizações advêm de brigas internas, seja de funcionários insatisfeitos, seja de grupos mais interessados em nichos de poder na companhia que em respeito às normas. Um sistema de inteligência nas empresas com o objetivo de monitorar tais vertentes pode ajudar a discernir os fatos que realmente necessitam de investigações daqueles que são meramente frutos de brigas internas. Observem-se as considerações de Castro e Cajazeira (2018, p. 3): As empresas recebem vários tipos de alegações de canais internos de denúncias ou outras fontes. Algumas resultam de divergências inofensivas entre funcionários, por exemplo. Outras envolvem atos ilegais, com possíveis impactos econômicos e reputacionais significativos para a empresa. Outras, ainda, podem alcançar a mídia e gerar situações de crise de variadas dimensões. Todas as reclamações exigem algum nível de resposta pela administração. Decidir quais requerem uma investigação mais ampla envolve julgamento. Trata-se de uma função essencial do compliance da administração – que normalmente requer a supervisão do comitê de auditoria. O que eles denominam de comitê de auditoria pode ser exatamente o comitê já referido ou efetivamente algum outro grupo que se dedique, especificamente, à auditoria. De acordo com Castro e Cajazeira (2018, p. 3), as principais denúncias que motivam investigações partem das seguintes fontes: • Canal de denúncias: uma excelente fonte de material para investigações. Muitas organizações estabelecem um canal exclusivo de denúncias em que é garantido o sigilo absoluto ao denunciante. Algumas instituições desenvolvem ouvidorias que têm praticamente a mesma função, apesar de – em princípio – a ouvidoria ser utilizada como recurso em que o consumidor se utiliza quando não é atendido pelos canais normais de reclamações. Contudo, na prática, muitas ouvidorias acabam funcionando como canal de denúncias. Há empresas que disponibilizam e-mails exclusivos para esse fim. • Conclusões da auditoria interna: auditorias desenvolvidas na organização podem apontar irregularidades. Muitas vezes estas estão ligadas a setores ou atividades determinadas, mas em outras não possuem pessoas identificadas, ou seja, aqueles que as cometeram. Nesse caso, as investigações buscam identificar precisamente os elementos responsáveis pelas irregularidades. • Acusações diretas de funcionários ou ex-funcionários: situações bastante comuns. Funcionários ou ex-funcionários insatisfeitos podem alegar irregularidades e até crimes. Nesse caso, o departamento de recursos humanos consegue auxiliar no discernimento do que 33 AUDITORIA E INVESTIGAÇÕES SOBRE FRAUDES pode ter base na realidade ou o que seja fruto de desentendimentos entre pessoas ou grupos de funcionários. • Acusações de clientes e/ou fornecedores: essas são fontes que precisam ser constantemente monitoradas com muito cuidado. Focos constantes de corrupção estão ligados a compras e vendas das organizações. Acordos ilegais, comissões ilícitas e pagamentos de propina normalmente têm origem nas atividades de compras e vendas. Eventuais acusações de clientes e fornecedores devem ser registradas e efetivamente investigadas, inclusive com a ciência da polícia civil, para providências oficiais e efetiva responsabilização administrativa, civil e criminal dos responsáveis. • Ações judiciais: elas podem ser fontes de investigações internas. Especialmente se em tais ações são citados fatos que possam estar relacionados às atividades da organização, direta ou indiretamente. • Investigações de reguladores: algunsórgãos reguladores, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), podem emitir relatórios que envolvam atividade ilícita ou irregular da organização. Tais relatórios podem subsidiar investigações pertinentes. A figura a seguir sintetiza tais vertentes: Canal de denúncias Ações judiciais Conclusões da auditoria interna Acusações de clientes ou fornecedores Acusações diretas de funcionários ou ex-funcionários Investigações de reguladores* De onde partem as alegações *Por exemplo: Securities and Exchange Commission (SEC) ou Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Figura 3 – Fontes de investigação Além do que já foi abordado a respeito de crimes relacionados às fraudes nas organizações, outras leis referem-se ao combate de crimes no ambiente corporativo. 34 Unidade I É muito importante a estruturação de um bom acompanhamento interno porque as organizações podem ser penalizadas de forma objetiva, em função da legislação a respeito de crimes no âmbito das empresas: Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013 Esta lei dispõe a respeito da “responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências” (BRASIL, 2013a). As especificidades da lei e suas consequências devem ser observadas e estudadas por pessoal especializado, ou seja, advogados. Caso a organização não possua departamento jurídico, ela deve contratar assessoria jurídica adequada nesta seara. A Lei n. 12.846 é também conhecida por Lei Anticorrupção. A Controladoria-Geral da União (CGU) observa que: Além de atender a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, a lei fecha uma lacuna no ordenamento jurídico do país ao tratar diretamente da conduta dos corruptores. A Lei Anticorrupção prevê punições como multa administrativa – de até 20% do faturamento bruto da empresa – e o instrumento do acordo de leniência, que permite o ressarcimento de danos de forma mais célere, além da alavancagem investigativa (CGU, [s.d.]). Essa lei possui uma série de inovações no regramento jurídico brasileiro, mas afinados com tendências internacionais para a responsabilização de organizações envolvidas em corrupção. A CGU [s.d.] também elencou tais inovações: Responsabilidade objetiva: empresas podem ser responsabilizadas em casos de corrupção, independentemente da comprovação de culpa. Penas mais rígidas: valor das multas pode chegar até a 20% do faturamento bruto anual da empresa, ou até 60 milhões de reais, quando não for possível calcular o faturamento bruto. Na esfera judicial, pode ser aplicada até mesmo a dissolução compulsória da pessoa jurídica. Acordo de leniência: se uma empresa cooperar com as investigações, ela pode conseguir uma redução das penalidades. Abrangência: lei pode ser aplicada pela União, estados e municípios e tem competência inclusive sobre as empresas brasileiras atuando no exterior. O grande objetivo é desestimular comportamentos que possam gerar corrupção, causando descrédito da organização ao mercado e à sociedade, com atos contra a administração pública. O decreto n. 8.420, de 18 de março de 2015, estabelece a devida regulamentação da Lei supracitada (BRASIL, 2015). 35 AUDITORIA E INVESTIGAÇÕES SOBRE FRAUDES Além da Lei Anticorrupção, especialmente voltada às empresas, outras municiam o combate às fraudes. Por exemplo, a Lei n. 12.850, de 2 de agosto 2013, responsabiliza indivíduos que fazem parte de organizações criminosas (BRASIL, 2013b). Consta, outrossim, a Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998, conhecida como a Lei de Lavagem de Dinheiro, que dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), e dá outras providências (BRASIL, 1998). Além dessas, outras leis podem nortear e subsidiar investigações específicas, tanto na área criminal como civil e administrativa. Saiba mais Leis podem mudar. Tais mudanças exigem que o gestor se atualize constantemente. É importantíssimo que quaisquer ações de investigação nas organizações sejam plenamente orientadas por advogados. A falta de orientação jurídica pode gerar situações nas quais a instituição sofra consequências, como indenizações por procedimentos não sustentados por embasamento legal. Para obter uma melhor conscientização a respeito de possíveis ocorrências, leia o artigo a seguir sobre assédio moral a funcionários nas empresas: MANUS, P. P. T. O assédio moral nas relações de trabalho e a responsabilidade do empregador. Consultor Jurídico, 2019. Disponível em: https://bit.ly/3vpSi65. Acesso em: 11 mar. 2021. Resumo Nesta unidade apresentamos os conceitos fundamentais da investigação e auditoria corporativa em situações de fraude. Primeiramente, exibimos as definições de auditoria, fraude e investigação. Demonstramos, também, as distinções entre erro, fraude e irregularidade para que o gestor tenha referencial de distinguir as características de cada ocorrência e as consequências de cada uma. Exibimos, ainda, as considerações relativas ao artigo 171, estelionato, do Código Penal, além de definirmos as ações preventivas e corretivas pertinentes ao tema. 36 Unidade I Na sequência vimos as ocorrências de fraude mais comuns nas organizações, por exemplo, furto, pirataria, corrupção, espionagem, conspiração, falso testemunho e conivência. Foram caracterizados cada um desses comportamentos e agregadas informações que ajudam a identificar essas modalidades. Por fim, estudamos vários aspectos pertinentes à investigação corporativa, além de leis específicas, como a 12.846 de 2013, também conhecida como Lei Anticorrupção, e a Lei n. 9.613 de 1998, que trata da lavagem de dinheiro. Exercícios Questão 1. Há três termos que devem ser precisamente conceituados no âmbito da atuação dos profissionais que trabalham com auditoria e investigação sobre fraudes. São eles: • Erro. • Fraude. • Irregularidade. Nesse contexto, analise as descrições apresentadas no quadro a seguir. Quadro 3 Termo Descrição Termo I Ato intencional, ilegítimo e doloso realizado com a intenção de se obterem benefícios ilegais ou ilícitos. Termo II Ato fortuito não intencional realizado por descuido ou por falha técnica. Termo III Ato intencional não doloso realizado por desconhecimento técnico, cujo autor está sujeito a sanções. As indicações termo I, II e III presentes no quadro referem-se, respectivamente, aos conceitos de: A) Erro, fraude e irregularidade. B) Fraude, erro e irregularidade. C) Irregularidade, fraude e erro. D) Fraude, irregularidade e erro. E) Erro, irregularidade e fraude. 37 AUDITORIA E INVESTIGAÇÕES SOBRE FRAUDES Resposta correta: alternativa B. Análise da questão Justificativa: as indicações termo I, II e III estão especificadas no quadro a seguir. Quadro 4 – Descrição dos termos I, II e III Termo Descrição Fraude Ato intencional, ilegítimo e doloso realizado com a intenção de se obterem benefícios ilegais ou ilícitos. Erro Ato fortuito não intencional realizado por descuido ou por falha técnica. Irregularidade Ato intencional não doloso realizado por desconhecimento técnico, cujo autor está sujeito a sanções. O autor de uma fraude visava a alcançar vantagens ilícitas (não autorizadas) ou ilegais (infrações penais). Nesse caso, há responsabilidade civil, administrativa e penal. O autor de um erro não pretendia chegar ao resultado obtido, pois, nesse caso, o que motivou a ocorrência foi um equívoco de operação ou confecção de um ato administrativo ou um equívoco de providência tática ou gerencial. O autor de uma irregularidade pode ser um profissional que não atuou de modo competente na realização de alguma tarefa, como no caso de um médico que prescreveu, sem a intenção, a dosagem errada de um medicamento. Questão 2. (UFG 2006, adaptada) A responsabilidade técnica está presenteem qualquer tipo de prestação de serviço. No âmbito da auditoria independente, a responsabilidade primária na detecção de fraudes pertence aos: A) Auditores internos. B) Auditores externos. C) Administradores da entidade. D) Contadores. E) Proprietários da empresa. Resposta correta: alternativa C. 38 Unidade I Análise da questão Justificativa: segundo a NBC TA 240 (responsabilidade do auditor em relação à fraude, no contexto da auditoria de demonstrações contábeis), temos o que segue. Responsabilidade pela prevenção e detecção da fraude A principal responsabilidade pela prevenção e detecção da fraude é dos responsáveis pela governança da entidade e da sua administração. É importante que a administração, com a supervisão geral dos responsáveis pela governança, enfatize a prevenção da fraude, o que pode reduzir as oportunidades de sua ocorrência, e a dissuasão da fraude, o que pode persuadir os indivíduos a não perpetrar fraude por causa da probabilidade de detecção e punição. Isso envolve um compromisso de criar uma cultura de honestidade e comportamento ético, que pode ser reforçado por supervisão ativa dos responsáveis pela governança. A supervisão geral por parte dos responsáveis pela governança inclui a consideração do potencial de burlar controles ou de outra influência indevida sobre o processo de elaboração de informações contábeis, tais como tentativas da administração de gerenciar os resultados para que influenciem a percepção dos analistas quanto à rentabilidade e ao desempenho da entidade. Disponível em: https://bit.ly/2R3EDSx. Acesso em: 12 jan. 2021.
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