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FEBRE REUMÁTICA (FR) Consiste numa doença autoimune aguda de caráter sistêmico que se manifesta como uma sequela tardia não supurativa de uma infecção respiratória das vias aéreas superiores (faringoamidalite) causada pelo Streptococcus pyogenes, ou seja, um estreptococo beta- hemolítico do grupo A (EBGA). O grande problema da FR é o comprometimento das articulações, da pele e tecido subcutâneo, do sistema nervoso central e, sobretudo, do coração, já que esse pode ter suas estruturas lesionadas permanentemente. EPIDEMIOLOGIA A FR afeta principalmente crianças e jovens adultos. Isso ocorre por conta da altíssima incidência de faringoamigdalite estreptocócica em indivíduos de 5 a 18 anos. Vale ressaltar que a incidência, em cada país, varia de acordo com a pirâmide etária do país, condições socioeconômicas e de fatores ambien- tais. Essa doença é muito comum em países jovens, subdesenvolvidos/em desenvolvimento, com altos índices de desnutrição e pobreza. Uma vez que alimentação inadequada, habitação em aglomerados e ausência ou carência de atendimento médico constituem fatores importantes para o desenvolvimento da faringoamigdalite estreptocócica. FISIOPATOLOGIA O desenvolvimento da FR está associado à infecção de orofaringe pelo EBGA, principalmente em crianças e adolescente. A patogenia dessa doença esta ligada a alterações do sistema imunidade e a fatores genéticos alelos como o HLA-DR7 e outros marcadores genéticos associados ao desenvolvimento da FR. A estrutura do EBGA é fundamental na patogenia da doença, pois o sistema imune vai produzir anticorpos contra as estruturas do estrepto., porém na FR o que ocorrerá é que anticorpos e linfócitos T produzidos pelo hospedeiro contra antígenos estreptocócicos irão reconhecem estruturas do próprio causando uma reação cruzada com células/moléculas do próprio hospedeiro, iniciando o processo de autoimunidade. Haverá então um mimetismo molecular, que consiste na semelhança química e estrutural entre alguns componentes patogênicos e do tecido acometimento. Nesse caso, o cardíaco. Primeiro tem – se a infecção (a faringo) que dura em geral de 3 a 7 dias, se o tratmento começar até o 5º dia não existe chance da FR. Porém, caso o tratamento não seja feito de forma adequada, não seja feito precocemente, haverá maior produção dos anticorpos que podem vir a atacar o próprio corpo. A fase inicial da doença é silenciosa, haverá apenas o aumento dos autoanticorpos, durando em torno de 1 a 3 semanas. Logo em seguida, começam – se os sintomas. Na cardite reumática, anticorpos reativos ao tecido cardíaco, por reação cruzada com antígenos do estreptococo, se fixam à parede do endotélio valvar e aumentam a expressão da molécula de adesão VCAM I, que atrai determinadas quimiocinas e favorecem a infiltração celular por neutrófilos, macrófagos e, principalmente, linfócitos T, gerando inflamação local, destruição tecidual e necrose. P2F2 No tecido cardíaco de pacientes com cardiopatia reumática grave há predomínio de células mononucleares secretoras de TNF-α e IFN-γ (padrão Th1), enquanto raras células mononucleares infiltrantes das válvulas produzem IL-4 e citocina reguladora da resposta inflamatória. Portanto, a baixa produção de IL-4 está correlacionada com a progressão das lesões valvares na CRC (Cardiopatia Reumática Crônica), enquanto no miocárdio, onde há grande número de células produtoras de IL-4, ocorre cura da miocardite após algumas semanas. Com base nisso, conclui-se que a produção de citocinas direciona para uma resposta celular (Th1), causando quadros de cardite grave e sequela valvar e, provavelmente, para uma resposta predominantemente humoral (Th2), que causaria quadro clínico com coreia e artrite. QUADRO CLÍNICO A história clinica clássica é da criança que apresenta angina com disfagia, febre, hipertrofia ganglionar ou, eventualmente, um quadro que simule uma virose de vias aéreas superiores. Há um período de latência assintomático que dura 1 a 3 semanas, quando se positivam os anticorpos antiestreptocócicos. Em seguida, há o período de atividade clinica da FRA, em que manifestações clínicas exuberantes ocorrem com sintomas gerais aliados aos da própria doença. As manifestações podem variar muito entre os indivíduos e entre os pacientes de diferentes idades. As crianças pequenas tendem a apresentar febre e cardite com maior frequência, enquanto a artrite é mais comum em adolescentes e adultos. Em geral, o episódio agudo da FR é autolimitado, com duração de 1 a 6 meses. No entanto, há uma tendência para reagudizações da doença nos primeiros 2 a 5 anos após o surto inicial. Os fatores que determinam a progressão para a fase crônica da FR não são claramente compreendidos, mas provavelmente incluem a gravidade inicial da cardite, a magnitude da resposta imune do hospedeiro, a recorrência de episódios agudos e o sucesso dos regimes profiláticos contra faringite, além das alterações hemodinâmicas que poderiam potencialmente perpetuar a lesão valvar. As principais manifestações clínicas decorrentes da Febre Reumática podem ser subdivididas nas seguintes categorias: Sintomas constitucionais: Representado principalmente pela febre. Pode haver anorexia e mal-estar, mas não são específicos para FR. Sinais e sintomas cardíacos: Cardite é a apresentação mais incidente. É bem comum a existência de sopros, por contado acometimento crônico das valvas (principalmente a esquerda). Podem existir pericardite e insuficiência cardíaca, sendo essa última resultante da possível lesão valvar. Sinais na pele: Marcado principalmente pelo eritema marginado serpiginoso e de nódulos subcutâneos próximos às articulações; Sinais articulares: Principalmente pela poliartrite, podendo haver ou não artralgia; Sinal neurológico: Marcado pela coreia de Sydenham. Critérios MAIORES: ARTRITE É o processo inflamatório das articulações comum em 75% dos pcts, é acompanhado por inchaço, calor, eritema, limitação significativo dos movimentos e macicez à pressão. As articulações maiores das extremidades são geralmente comprometidas - com mais frequência os joelhos e tornozelos, mas também os punhos e cotovelos. Os quadris e as pequenas articulações das mãos e dos pés são afetados ocasionalmente. Se ocorrer comprometimento das articulações vertebrais, deve-se suspeitar de outras doenças. A artrite costuma ser migratória e autolimitada, na qual cada local fica inflamado por períodos de 1 a 5 dias, no máximo. A duração total do surto articular é de 2 a 3 semanas, evoluindo para a cura, sem sequelas. Em casos raros, surtos repetidos nas mãos podem levar à artropatia mais severa. É a manifestação mais inespecífica da FR e, portanto, pode gerar grande dificuldade diagnóstica caso se apresente de maneira isolada e atípica. CARDITE É a segunda maior manifestação clínica e afeta de 50 a 60% dos doentes. Seu início é de caráter brando. Porém, com o decorrer da FR os episódios de cardite se tornam mais intenso, tendo um teor cumulativo, se tornando progressivamente mais fatal. Sendo assim, a ocorrência desse sintoma (a recorrências dos ep) é um determinante para o mal prognóstico em longo prazo da doença. Como já foi citado, os autoanticorpos irão “atacar” células cardíacas a partir da infecção do EBGA. Assim todos os folhetos cardíacos (endocárdio, miocárdio e pericárdio) podem ser afetados. O endocárdio é SEMPRE acometido, desencadeando a “valvulite”, já os outros folhetos podem ou não serem lesados. Assim, caso haja lesão dos folhetos e não tenha a valvulite pode – se afastar a hipótese de FR. A valvulite da febre reumática, mesmo sendo uma lesão aguda, costuma resultar numa esteno- se mitral ou dupla lesão (quandohá tanto estenose e insuficiência) em sua fase crônica. A dupla lesão se baseia na lesão das válvulas cúspides que ficam espessadas, perdem a sua mobilidade normal e sofrem retração. Por isso, é comum haver dupla lesão (caracterizada por estenose e insuficiência). Quando os três folhetos são lesionados, podemos considerar um quadro de pancardite reumática exsudativa. Na maioria das cardites em pacientes com FR, o paciente apresenta universalmente valvulite mitral, podendo ou não ter uma lesão na valva aórtica associada. Caso o acometimento seja apenas no aórtico OU em qualquer outra valva do coração direto, podemos descartar a FR. OBS – CONCEITOS: A estenose valvar consiste num curso progressivo caracterizado pela obstrução à pasagem do fluxo sanguíneo devido ao espessamento dos folhetos da valva. Por conta desse espessamento, a valva tem dificuldade na abertura e no fechamento. Esse lesão pode ocorrer por conta de uma calcificação e/ou de fibrose. Já a insuficiência valvar consiste na incapacidade das valvas atuarem durante o bombeamento do coração, seja por conta de um prolapso (incapacidade das valvas em impedir o retorno de sangue), em que as válvulas não conseguem se fechar apropriadamente, facilitando uma regurgitação, ou por conta de uma lesão ou falha funcional. Pode ser causado por doença de degeneração, isquemia, infecciosa, trauma, etc. A principal complicação que essas valvite encontrada no exame físico cardiovascular é a presença de sopros cardíacos. O sopro mais comum é o de insuficiência/regurgitação mitral, caracterizado por ser um sopro holossistólico, se irradiando para dorso ou axila. Em caso de estenose mitral, encontramos um sopro diastólico em foco mitral – que se assemelha a um bater de asas, e é também conhecido por sopro de Carey-Coombs, ocorre por conta de um turbilhonamento de sangue através dos folhetos mitrais inflamados e muito edemaciados. O surto de cardite reumática dura de 1 a 6 meses, com média de 3 meses; desaparecimento do sopro pode ser notado em metade dos casos, de modo que as lesões valvares podem evoluir para a cura, manter-se ou se calcificar progressivamente. A cronificação da doença cardíaca, segundo estudos de Jones, ocorre em aproximadamente 70% dos pacientes. ERITEMA MARGINADO Caracteriza-se por eritema com bordas nítidas, centro claro, contornos arredondados ou irregulares, sendo de difícil detecção nas pessoas de pele escura. As lesões são múltiplas, indolores, não pruriginosas, podendo haver fusão, resultando em aspecto serpiginoso. As lesões se localizam principalmente no tronco, abdome e face interna de membros superiores e inferiores, poupando a face; são fugazes, podendo durar minutos ou horas, e mudam frequentemente de forma. Ocorrem geralmente no início da doença, porém podem persistir ou recorrer durante meses. Essa manifestação está associada à cardite, porém não necessariamente à cardite grave. NÓDULOS SUBCUTÂNEOS São raros, múltiplos, arredondados, de tamanhos variados (0,5-2 cm), firmes, móveis, indolores e recobertos por pele normal, sem características inflamatórias. Localizam-se sobre proeminências e tendões extensores, sendo mais facilmente percebidos pela palpação do que pela inspeção. Ocorrem preferencialmente em cotovelos, punhos, joelhos, tornozelos, região occipital, tendão de Aquiles e coluna vertebral. O aparecimento é tardio (uma a duas semanas após as outras manifestações), regride rapidamente com o início do tratamento da cardite e raramente persiste por mais de um mês. Os nódulos não são patognomônicos de FR, já que estruturas semelhantes podem ser encontradas em outras doenças reumáticas, tais como artrite idiopática juvenil poliarticular, lúpus eritematoso sistêmico e doença mista do tecido conjuntivo. COREIA DE SYDENHAM Ocorre predominantemente em crianças e adolescentes do sexo feminino, sendo rara após os 20 anos de idade. É uma desordem neurológica caracterizada por movimentos rápidos involuntários incoordenados, que desaparecem durante o sono e são acentuados em situações de estresse e esforço. Esses movimentos podem acometer músculos da face, lábios, pálpebras e língua e são, com frequência, generalizados. Disartria e dificuldades na escrita também podem ocorrer. O surto da coreia dura, em média, de dois a três meses, mas pode prolongar-se por mais de um ano. Também foram descritas manifestações neuropsiquiátricas, como tiques e transtorno obsessivo compulsivo. A fisiopatologia dessa manifestação consiste na ação autoimune de anticorpos que se ligam a neurônios dos núcleos da base, principalmente os núcleos caudado e o subtalâmico, interferindo no circuito motor do paciente, que apresentará esses movimentos involuntários. Embora possa ocorrer como manifestação isolada da FR, a CS se apresenta, com frequência, associada à cardite clínica ou subclínica e, mais raramente, à artrite34. Também pode aparecer no início do surto, mas geralmente ocorre como manifestação tardia até 7 meses após a infecção estreptocócica. Critérios MENORES: Abrangem características clínicas e laboratoriais inespecíficas que, em conjunto com as manifestações maiores e com a evidência de estreptococcia prévia, ajudam a estabelecer o diagnóstico de FR. ARTRALGIA A artralgia isolada afeta as grandes articulações e se caracteriza pela ausência de incapacidade funcional, cuja presença distingue a artrite. A presença de artralgia com padrão poliarticular migratório e assimétrico envolvendo grandes articulações é altamente sugestiva de febre reumática e frequentemente é associada à cardite. FEBRE A febre é frequente no início do surto agudo e ocorre em quase todos os surtos de artrite. Não tem um padrão característico. Em geral, cede espontaneamente em poucos dias e responde rapidamente aos anti-inflamatórios não hormonais. Pacientes com cardite não associada à artrite podem cursar com febre baixa, enquanto os que se apresentam com coreia pura são afebris. INTERVALO PR Intervalo PR pode estar aumentado em pacientes com febre reumática, mesmo na ausência de cardite, assim como em indivíduos normais. O eletrocardiograma deve ser solicitado em todos os pacientes com suspeita de FR e repetido para registrar o retorno à normalidade. Na criança, considera-se o intervalo PR aumentado quando apresenta valores acima de 0,18 s e, nos adolescentes e adultos, acima de 0,20 s. REAGENTES DE FASE AGUDA As provas de atividade inflamatória ou reagentes de fase aguda não são específicas da FR, porém auxiliam no monitoramento da presença de processo inflamatório (fase aguda) e da sua remissão. A velocidade de hemossedimentação (VHS) se eleva nas primeiras semanas de doença. Ressalte- se que, na presença de anemia, a VHS pode estar superestimada, bem como subestimada, nos pacientes com insuficiência cardíaca. A proteína C reativa (PCR) se eleva no início da fase aguda e seus valores diminuem no final da segunda ou da terceira semana. Sempre que possível deve ser titulada, sendo mais fidedigna que a VHS. A alfa-1-glicoproteína ácida apresenta títulos elevados na fase aguda da doença, mantendo-se elevada por tempo mais prolongado. Deve ser utilizada para monitorar a atividade da FR. Na eletroforese de proteína, a alfa-2-globulina se eleva precocemente na fase aguda e pode ser utilizada também para o seguimento da atividade da doença. É importante ressaltar que qualquer combinação das provas laboratoriais de fase aguda deve ser considerada como apenas uma manifestação menor da FR. DIAGNÓSTICO O diagnóstico da febre reumática é clínico, não existindo sinal patognomônico ou exame específico. Os exames laboratoriais, apesar de inespecíficos, sustentamo diagnóstico do processo inflamatório e da infecção estreptocócica. Os critérios de Jones, estabelecidos em 1944, tiveram a sua última modificação em 1992 e continuam sendo considerados o “padrão ouro” para o diagnóstico do primeiro surto da FR. Assim, a probabilidade do paciente ter adquirido o primeiro surto de FR é alta quando, além de evidências de infecção por estreptococos do grupo A (titulação de ASLO, cultura positiva de orofaringe, positividade em testes rápidos de detecção de antígenos estreptocócicos), o paciente apresenta: pelo menos 2 critérios maiores OU 1 critério maior + 2 critérios menores de Jones. Em caso de recorrência da FR em pacientes com CRC estabelecida utilizar os critérios de Jones revistos pela OMS. A divisão dos critérios em maiores e menores é baseada na especificidade e não na frequência da manifestação. EXAMES LABORATORIAIS Reagentes de fase aguda Os primeiros exames a serem realizados consistem na procura de marcadores inflamatórios que aumentam durante o início da febre reumática. O PCR é o primeiro marcador a se elevar, nas primeiras 24h, mas tem seus níveis normalizados rapidamente, sendo o primeiro a reduzir. Já a VHS é o segundo marcador que tem seus índices séricos aumentados, se normalizando antes do fim da FR. Tanto ela como o PCR diminuem por conta do uso de fármacos anti- inflamatórios, geralmente administrados antes da realização dos exames. A concentração de mucoproteína sérica (glicoproteínas sintetizadas no fígado) é o exame reagente mais específico dentre os outros dois, sendo o padrão ouro da fase aguda, pois VHS e PCR normalizam com fim das atividades inflamatórias e cessam com o uso de anti- inflamatórios. Testes Imunológicos A investigação da infecção estreptocócica é feita através da dosagem de anticorpos produzidos por conta da interação com o patógeno. Dessa forma, podemos pesquisar a presença de anticorpos: antiestreptolisina O, anti-DNAse B e anti- hialuronidase. A pesquisa do anticorpo antiestreptolisina O (ASLO) é o principal teste feito no diagnóstico de infecções estreptocócicas e pós-estreptocócicas, sendo encontrado em 80% dos pacientes com FR. Seus níveis séricos aumentam de forma considerável após uma semana da faringoamigdalite, mesmo período em o paciente possa manifestar inflamação articular e cardite, atingindo seu pico entre a 4ª e a 6ª semana. Recomenda-se a realização de 2 dosagens de ASLO, com intervalo de 15 dias, para compararmos a flutuação de seus níveis séricos. TRATAMENTO O objetivo do tratamento da FR aguda é suprimir o processo inflamatório, minimizando as repercussões clínicas sobre o coração, articulações e sistema nervoso central, além de erradicar o EBGA da orofaringe e promover o alívio dos principais sintomas. A primeira medida terapêutica é a erradicacão do agente infeccioso, o Streptococcus beta hemolítico do grupo A - penicilina benzatina, IM, 1.200.000 U, para crianças com peso maior de 20 kg; 600.000 U para crianças com peso até 20 kg. Além dela, podemos administrar ao paciente OU penicilina V oral (250 mg, 3x/dia em crianças; 500 mg, 3x/dia em adultos), OU amoxicilina VO (25 mg/kg, 2x/dia, nas crianças; 500 mg 2x/dia em adultos), OU ampicilina VO (100 mg/kg/dia) durante 10 dias. MEDIDAS GERAIS Hospitalização Diante de pacientes com suspeita de FR, primeiro surto ou recorrência, a necessidade de hospitalização varia de acordo com a gravidade da apresentação clínica. Indica-se internação hospitalar para os casos de cardite moderada ou grave, artrite incapacitante e coreia grave. A hospitalização pode também ter como objetivo abreviar o tempo entre a suspeita clínica e o diagnóstico, bem como iniciar rapidamente o tratamento. Além disso, deve ser uma oportunidade para promover a educação do paciente e de sua família, no que se refere às informações sobre a doença e à necessidade de adesão à profilaxia secundária. O tempo de hospitalização dependerá do controle dos sintomas, principalmente do quadro de cardite. Repouso Não há mais recomendação de repouso absoluto no leito para a maior parte dos pacientes com FR. Os pacientes com FR aguda deverão, entretanto, ficar em repouso relativo (domiciliar ou hospitalar) por um período inicial de duas semanas. Nos casos de cardite moderada ou grave, deve-se recomendar repouso relativo no leito por um período de 4 semanas O retorno às atividades habituais deverá ser gradual51, dependendo da melhora dos sintomas e da normalização ou redução acentuada das provas de atividade inflamatória (VHS e PCR). TTO DA ARTRITE De modo geral, o uso dos antiinflamatórios não esteroides (AINE) apresenta bons resultados no controle da artrite, levando ao desaparecimento dos sinais e sintomas entre 24-48 horas. O ácido acetilsalicílico (AAS) se mantém como a primeira opção para o tratamento do comprometimento articular há mais de 50 anos. Em crianças, a dose utilizada inicialmente é de 80-100 mg/kg/dia, dividida em 4 tomadas diárias. Tal dose deverá ser reduzida para 60 mg/kg/dia após duas semanas de tratamento, caso tenha ocorrido melhora dos sinais e sintomas, devendo ser mantida por um período em torno de 4 semanas, de modo a cobrir o período de atividade inflamatória da doença. Em adultos, a dose recomendada é de 6-8 g/dia. O naproxeno é considerado uma boa alternativa ao AAS, com a mesma eficácia, maior facilidade posológica e melhor tolerância. A dose utilizada é de 10-20 mg/kg/dia, em duas tomadas diárias, com duração de tratamento similar ao AAS. Na vigência de quadros articulares agudos sem diagnóstico definido, analgésicos deverão ser utilizados como primeira opção, tais como o acetaminofeno ou a codeína, de modo a permitir uma melhor caracterização do quadro articular e, consequentemente, um diagnóstico e tratamento mais adequados. TTO DA CARDITE O tratamento da cardite é baseado no controle do processo inflamatório, dos sinais de insuficiência cardíaca e das arritmias: Controle do processo inflamatório O esquema de corticoterapia na cardite que tem sido preconizado é com prednisona, 1-2 mg/Kg/dia, via oral (ou o equivalente por via endovenosa, na impossibilidade de via oral), sendo a dose máxima de 80 mg/dia. OBS: dose plena durante o período de 2-3 semanas, dependendo do controle clínico e laboratorial (PCR e VHS), reduzindo-se a dose gradativamente a cada semana (20%-25% da dose), sendo indicado um tempo total de tratamento em torno de 12 semanas na cardite moderada e grave e de 4-8 semanas na cardite leve. A pulsoterapia com metilprednisolona EV (30mg/Kg/dia) em ciclos semanais intercalados pode ser utilizada em casos de cardite grave, refratária ao tratamento inicial, como 1ª opção nos pacientes com quadro clínico muito grave e IC de difícil controle ou naqueles pacientes que necessitam de cirurgia cardíaca em caráter emergencial. Ainda pode ser usada em pacientes que não possam receber corticóide por via oral. TTO DA COREIA A coreia é uma manifestação tardia da FR, de evolução benigna e autolimitada na maior parte dos casos. Na coreia leve e moderada, estão indicados repouso e a permanência do paciente em ambiente calmo, evitando-se estímulos externos. Os benzodiazepínicos e fenobarbital também podem ser utilizado. O tratamento específico está indicado apenas nas formas graves da coreia, quando os movimentos incoordenados estiverem interferindo na atividade habitual do indivíduo. Nos casos graves, a hospitalização poderá ser necessária. Os fármacos mais utilizados no controle dos sintomas da coreia são: a) haloperidol 1 mg/dia em duas tomadas, aumentando 0,5 mg a cada três dias, até atingir a dose máxima de 5 mg ao dia; (I-B) b) ácido valproico 10 mg/kg/dia,aumentando 10 mg/kg a cada semana até dose máxima de 30 mg/Kg/dia; e c) carbamazepina 7- 20 mg/kg/dia. Monitorização da resposta terapêutica - Observar o desaparecimento da febre e das principais manifestações clínicas. Atentar para a normalização das provas inflamatórias, PCR e/ou VHS que devem ser dosados a cada 15 dias. - Nos pacientes com cardite, recomenda-se ecocardiograma, Rx de tórax e ECG após 4 semanas do início do quadro. PROFILAXIA Profilaxia primária Reconhecimento e tratamento das infecções estreptocócicas, com a finalidade de prevenir o primeiro surto de FR por meio da redução do contato com o estreptococo e tratamento das faringoamigdalites. A recomendação de medicamentos é a mesma para erradicação do patógeno. Profilaxia secundária Consiste na administração contínua de antibiótico específico ao paciente portador de FR prévia ou cardiopatia reumática comprovada, com o objetivo de prevenir colonização ou infecção de via aérea superior pelo EBGA, com consequente desenvolvimento de novos episódios da doença. Após o diagnóstico de FR ser realizado, a profilaxia secundária deve ser prontamente instituída, permanecendo a penicilina benzatina como a droga de escolha. A profilaxia secundária regular previne recorrências da doença e reduz a severidade da cardiopatia residual, de modo a prevenir, consequentemente, mortes decorrentes de valvopatias severas. A dose recomendada de penicilina é de 1.200.0000 U por via intramuscular profunda nos pacientes acima de 20 Kg e 600.000 U naqueles abaixo de 20 Kg, com intervalo a cada três semanas. Profilaxia primária Profilaxia secundária GLOMERULONEFRITE DIFUSA AGUDA PÓS – ESTREPTOCÓCICA (GNPE) A GNPE é caracterizada por ser uma sd nefrítica e caracteriza-se fundamentalmente por processo inflamatório de origem imunológica que acomete todos os glomérulos de ambos os rins. É considerada, juntamente com a febre reumática, sequela tardia e não supurativa de estreptocócica. É a mais comum das glomerulopatias da infância. EPIDEMIOLOGIA/ FATORES DE RISCO 97% dos casos ocorrem nos países em desenvolvimento, em virtude das péssimas condições higiênico-sanitárias das moradias e coabitação da população de baixa renda determinando uma maior frequência de infecções bacterianas, principalmente pelos estreptococos beta-hemolíticos do grupo A (EBHGA). A GNDA pode incidir de forma endêmica ou epidêmica. É rara em menores de 2 anos, sendo mais frequente no período pré-escolar e escolar, com pico de incidência ao redor dos 7 anos. O risco de GNPE é aumentado em pacientes idosos e em crianças entre cinco e 12 anos de idade, sendo incomum em crianças com menos de três anos de idade e duas vezes mais frequente em homens que em mulheres. Pode ocorrer como um caso esporádico ou durante uma epidemia de infecção de pele ou garganta por estreptococos do grupo A. FISIOPATOLOGIA A GNPE é uma doença imunologicamente mediada e sua relação com infecção estreptocócica precoce está bem estabelecida, existindo fortes evidências de que o antígeno desencadeante da nefropatia correlaciona-se com raças nefritogênicas do EBHGA. A patogênese da GNPE não está elucidada. É provável a existência de um antígeno estreptocócico capaz de desencadear um processo imunológico que levaria à produção de anticorpos e, consequentemente, à formação de imunocomplexos nos glomérulos. Dessa forma, o mecanismo fisiopatogênico da GNPE envolve deposição de imunocomplexos nos glomérulos do paciente, o que ativa a cascata do complemento resultando em inflamação local. Existem então mecanismos pelos quais os glomérulos podem ser “atacados” por imunocomplexos e principal é por meio da formação de imunocomplexos in situ, isto é, antígenos estreptocócicos circulantes são “aprisionados” pela membrana basal glomerular, com posterior ligação de anticorpos do paciente. SD NEFRÍTICA Inflamação glomerular, caracterizada por perda abrupta da superfície de ultrafiltração, com diminuição da excreção de pequenos solutos, diminuição do fluxo urinário e dimi- nuição da taxa de filtração glomerular. Além disso, a ruptura das alças glomerulares faz com que haja he- matúria (presença de hemácias dis- mórficas ou cilindros hemáticos). SD NEFRÓTICA Lesão na barreira de filtração glomerular (podócitos, membrana basal glomerular e endotélio fenestrado). Diante disso, devido à perda da seletividade da filtração glomerular, mais substâncias são eliminadas pela urina do que deveriam. O imunocomplexo depositado na região subendotelial do capilar ativa o sistema de complemento. Uma vez ativado o sistema de complemento, há liberação de substâncias quimiotáxicas por meio de neutrófilos e secreção de proteases e/ou substâncias oxidantes, que determinarão alterações/degradação na MBG (membrana basal glomerular). Assim, um processo inflamatório no glomérulo é desencadeado determinando sua perda da sua integridade e, consequentemente, a passagem de elementos que normalmente não são filtrados: hemácias, leucócitos e proteínas. Esse intenso processo inflamatório endocapilar glomerular reduz a luz desses capilares, causando diminuição do ritmo de filtração glomerular (RFG), com consequente retenção de alguns compostos(creatinina, ureia, potássio, entre outros) que pode determinar lesão renal aguda. Esse evento agudo resulta em diminuição da oferta de água e sódio aos túbulos renais, porém os túbulos estão funcionando normalmente, então promoverão a reabsorção de água e sódio mesmo com a alteração glomerular, provocando oligúria, aumento do volume extracelular circulante (supressão do sistema renina- angiotensina-aldosterona), edema, hipertensão arterial e congestão circulatória. QUADRO CLÍNICO Os sintomas clínicos clássicos – edema, – manifestam-se 10 a hipertensão e hematúria 20 dias (no máximo 6 semanas) após a infecção estreptocócica de vias aéreas superiores ou de pele. Na maior parte dos casos, o estado geral da criança está pouco comprometido e as queixas são vagas, como indisposição, inapetência, cefaleia e edema periorbital. O edema ocorre em 85% dos casos, com intensidade variável. Muitas vezes, é evidenciado apenas por queixas indiretas, como aumento brusco de peso e/ou observação de roupas ou calçados apertados. A hipertensão arterial que está presente em 60 a 90% dos casos é, em geral, moderada, depende da intensidade da hipervolemia e pode ser agravada pela ingestão de alimentos com elevado teor de sódio. Sintomas menos frequentes, como cólicas abdominais, hipertermia e vômitos alimentares, podem acompanhar o quadro. Na evolução natural dos casos não complicados, observa--se, em média de 7 a 15 dias após o início da doença, desaparecimento do edema, acompanhado por aumento da diurese e, 2 a 3 dias após, normalização dos níveis tensionais. Ao redor da 3ª ou 4ª semana após o início da sintomatologia, ocorre o restabelecimento clínico geral da criança. COMPLICAÇÕES Congestão circulatória: É a complicação mais frequente. Caracteriza-se por sinais clínicos de hipervolemia, como taquicardia, dispneia, tosse, estertores subcrepitantes em bases pulmonares e hepatomegalia. Pode ser agravada por hipertensão e levar a insuficiência cardíaca congestiva e edema agudo de pulmão. Encefalopatia hipertensiva: Deve-se essencialmente à hipertensão e apresenta quadro clínico variável, podendo ocorrer cefaleia, vômitos, alterações visuais (diplopia ou amaurose transitória), irritabilidade, agitação, sonolência, crise convulsiva ou coma. Insuficiência Renal Aguda (IRA): É a menos comum das complicações da GNDA. Estabelece-se oligoanúria intensa, retenção de escórias proteicas no plasma e distúrbioshidreletrolíticos graves, com tendência à hiperpotassemia. DIAGNÓSTICO Achados laboratoriais + quadro clínico de sd nefrítica. Dentre as principais alterações urinárias teremos: hematúria macroscópica ou microscópica acompanhando cerca de 95% dos casos; cilindros hemáticos, hialinos, granulosos e leucocitários, sendo os hemáticos sugestivos de hematúria glomerular; proteinúria, raramente em níveis nefróticos (> 50 mg/kg/dia), e que, na fase aguda, não se correlaciona com gravidade da nefropatia. A dosagem do complemento sérico é obrigatória para o diagnóstico de GNDA. A diminuição dos níveis de CH50 e C3, pela ativação preferencial da via alternativa do complemento, sendo tal dado observado em 90-100% dos casos de GNPE, com normalização em 6-8 semanas, na maioria dos pacientes. Os níveis de ureia e creatinina podem estar elevados em grau discreto ou moderado. Se a elevação for significativa, podem traduzir doença renal prévia ou glomerulonefrite rapidamente progressiva. As alterações no sódio, potássio e bicarbonato dependem do grau de déficit da função renal. O título de antiestreptolisina O (ASO) pode estar elevado, dependendo do local da infecção e do sorotipo infectante. Nas amidalites, os níveis são elevados, o que habitualmente não acontece nas piodermites. Além disso, quanto mais precoce a antibioticoterapia, menor a elevação; quanto maior o tempo entre o início da doença e a coleta do sangue, maior será a cifra da ASO. TRATAMENTO O tratamento deve ser individualizado de acordo com o quadro clínico (presença ou não de complicações), condição socioeconômica e cultural. Deve-se dar preferência ao tratamento ambulatorial e, a princípio, restringir a hospitalização aos casos de oligúria intensa, de insuficiência cardíaca ou de encefalopatia hipertensiva. O repouso deve ser limitado pelo próprio paciente e recomendado enquanto persistirem edema e hipertensão ou na vigência de complicações. A restrição dietética é importante para o restabelecimento clínico (diminuição do edema e dos níveis tensionais) e a prevenção e/ou a atenuação das complicações da insuficiência renal transitória (hipervolemia e azotemia). A cota hídrica deve ser restrita a 20 mL/kg/dia ou 300 a 400 mL/m2/ dia. Quando houver regressão do edema, devem-se acrescentar as perdas do dia anterior (diurese e/ou vômitos). A ingestão de sódio deve ser diminuída (menos que 2 g de NaCl/m2/dia) também durante a fase de edema, hipertensão e oligúria. A restrição proteica é necessária quando houver IRA. A restrição de potássio está indicada apenas nos casos de oligúria importante (diurese < 240 mL/m2 SC/dia). TTO MEDICAMENTOSO Infecção estreptocócica O tratamento da GNDA requer erradicação da infecção com administração de penicilina V na dose de 25.000 a 50.000 UI/ kg/dia, por via oral (VO), a cada 6 horas, durante 8 a 10 dias, ou penicilina benzatina em dose única de 600.000 U para crianças com menos de 25 kg e 1.200.000 U para crianças com mais de 25 kg. Nos casos de alérgicos a penicilina, deve-se prescrever eritromicina na dose de 30 mg/kg/dia durante 10 dias, eliminando as cepas nefritogênicas. Diuréticos A furosemida, na dose de 1 a 5 mg/kg/dia, está indicada nos casos de congestão cardiocirculatória importante, oligoanúria e hipertensão sintomática. Hipotensores Devem ser utilizados somente nos casos em que a hipertensão persiste apesar do desaparecimento do edema e da oligúria, ou nos casos de hipertensão sintomática. As drogas mais utilizadas são: - hidralazina: 0,2 a 0,5 mg/kg/dose, endovenosa (EV), a cada 4 ou 6 horas, ou 1 a 4 mg/kg/dia, VO, a cada 8 horas; - nifedipina: 0,10 a 0,25 mg/kg/dose, a cada 3 a 4 horas, ou 1 a 3 mg/kg/dia, VO, a cada 6 ou 12 horas (por causa do risco de hipotensão, recomenda-se monitoração rigorosa de frequência cardíaca, pressão arterial e reflexo pupilar). O quadro de lesão renal aguda observado na GNPE é transitório e de curta duração. Os casos mais graves podem cursar com uremia e distúrbios hidroeletrolíticos e ácidos-básicos próprios da LRA (lesão renal aguda) e pode ser necessário tratamento dialítico. BIOPSIA RENAL Como a GNDA é nefropatia de evolução favorável, a biópsia renal só está indicada quando houver suspeita clínica de que o padrão anatomopatológico não seja de proliferação endotelial e mesangial. São indicadores de biópsia renal: - hematúria macroscópica com duração superior a 4 semanas; - função renal persistentemente alterada por período maior de 4 semanas; - hipertensão arterial prolongada por mais de 4 semanas; - complemento sérico persistentemente baixo por mais de 8 semanas; - associação com síndrome nefrótica de duração superior a 4 semanas. PROGNÓSTICO O primeiro sinal de melhora é o aumento da diurese com consequente diminuição do edema e a normalização dos níveis da pressão arterial. A hematúria macroscópica desaparece entre a 1ª e a 2ª semana, enquanto a microscópica pode permanecer até 18 meses, sem indicar um mau prognóstico. A proteinúria nefrótica desaparece em até 4 semanas, e proteinúria discreta pode persistir por alguns meses. O prognóstico da GNDA é bom, embora 5% dos pacientes possam evoluir para cronicidade. O óbito durante o período agudo é excepcional e, quando ocorre, se relaciona com manejo indevido ou tardio das complicações.