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FACULDADE ARNALDO JANSEN DANIEL FELIPE DOS SANTOS GOMES A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR PERSEGUIÇÃO POLÍTICA E VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS AOS POVOS ORIGINÁRIOS DO BRASIL Belo Horizonte 2021 2 FACULDADE ARNALDO JANSEN DANIEL FELIPE DOS SANTOS GOMES A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR PERSEGUIÇÃO POLÍTICA E VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS AOS POVOS ORIGINÁRIOS DO BRASIL Monografia apresentada à faculdade de Direito da Faculdade Arnaldo, para obtenção do título de bacharel em Direito, sob a orientação da Profa. Dra. Lívia Campos Aguiar Belo Horizonte 2021 3 4 RESUMO O trabalho a seguir apresenta uma análise a respeito da responsabilidade civil do Estado pela perseguição e violação dos Direitos Humanos dos povos originários do Brasil, tendo em vista a evolução legislativa a respeito dos direitos indígenas e discorrendo sobre a construção histórica desde a colonização até os dilemas atuais reivindicados pelos povos indígenas. Tratou-se também de expor algumas das formas da legitimação do Estado por institutos legais que visam a proteção desses povos o implicando a responsabilidade civil por injustiças sofridas como a despersonalização da pessoa indígena, e a tomada de suas terras. PALAVRAS-CHAVE: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. DIREITO INDÍGENA ABSTRACT The following work presents an analysis regarding the civil responsibility of the State for the persecution and violation of the Human Rights of the native peoples of Brazil, considering the legislative evolution regarding indigenous rights and discussing the historical construction from colonization to the current issues claims by indigenous peoples. It was also a matter of exposing some of the forms of legitimacy of the State by legal institutes that aim to protect these peoples, implying civil responsibility for injustices suffered, such as the depersonalization of the indigenous person, and the taking of their lands. KEY WORDS: CIVIL LIABILITY OF THE STATE. CONSTITUTIONAL WARRANTIES. INDIGENOUS LAW SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Escravidão Indígena. 3 Construção Indigenista. 4 Constituição Federal E O Indígena. 5 Proteção Internacional Aos Direitos Dos Povos Indígenas. 5.1 Declaração Da Onu Sobre Os Direitos Dos Povos Indígenas. 6 Responsabilidade Civil. 7 Povos Indígenas E A Ditadura Militar. 8 Violação E Perseguição: Povo Pataxó. 8.1 Dos Crimes Cometidos Pela Polícia Militar Do Estado Da Bahia. 9 Responsabilidade Civil Perante A Lei De Anistia. 9.1 Anistia Coletiva Aos Indígenas Krenak. 9.2 A Imprescritibilidade Do Pedido De Anistia. 10 Responsabilidade Civil Do Estado Perante A Corte Interamericana De Direitos Humanos. 11 O Indígena E As Atuais Violações. 12 O Projeto De Lei 490/2007 E Seu Retrocesso Em Relação Ao Direito Territorial Indígena. 13 Considerações Finais. 5 1. INTRODUÇÃO Estima-se que os povos indígenas, originariamente das terras brasileiras, até o contato com os Europeus, eram compostos por 1.400 tribos e aproximadamente 5 milhões de indígenas. Separadas por comunidades com diferentes características, como língua, praticas culturais e crenças. Classificados em nômades ou seminômades, assim como povos africanos se deslocavam com a escassez dos recursos da região habitada. A maioria dos povos indígenas residia em aldeias, comunidades pequenas onde existia uma organização baseada em hierarquia não tão distante dos não índios considerados “mais civilizados”. A jornada indígena no Brasil, desde o princípio, fora um assunto delicado e conturbado, desde a chegada dos colonizadores (termo que para os indígenas é de um saudosismo sem precedentes, preferindo usar o termo “invasores”), considerado como uma grande tragedia para todos povos indígenas, pois quando os indígenas perceberam a intenção deles em se estabelecerem aqui, notaram a ameaça em relação a suas terras, tradições e costumes. No decorrer da história brasileira (desde 1500 até os dias de hoje) esse processo de colonização foi marcado pelo genocídio, etnocídio e a escravização dos povos originários, tornando a história do povoamento indígena na história de despovoamento, visto que o total de indígenas anteriormente estava na casa dos milhões de pessoas hoje não ultrapassa de 300 mil indivíduos. O presente trabalho de conclusão de curso visa estudar por um olhar jurídico, social e político a luta indígena pela reparação das inúmeras violações sofridas, causada pela inobservância do Estado no tocante da proteção dos direitos humanos. O problema que envolve o trabalho a seguir é sobre a discussão que permeia o sistema jurídico brasileiro a respeito de atos causados pelo Estado a comunidades indígenas, onde a responsabilidade civil de reparação cabe unicamente a ele. Desta forma é discorrido as formas legitimas de responsabilização, através de atos jurídicos de cunho nacional, e também internacionalmente, visto que a matéria apresenta cunho humanitário. A princípio o trabalho faz uma análise histórica a respeito à trajetória do indígena no Brasil, expondo conflitos por eles sofrido, e logo em seguida é apresentado como a legislação brasileira tratou o indígena e como é definida a obrigação do Estado de garantir 6 a proteção dos mesmos. Após isso é apresentado o olhar jurídico no âmbito internacional em relação aos povos originários, como a aprovação da Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, e no que diz respeito a proteção internacional aos direitos dos povos indígenas. Diante disso é colocado como funciona a responsabilidade civil recepcionando a matéria dos acontecimentos da ditadura militar em relação dos povos indígenas. Isso exposto, o trabalho discorrerá a respeito do caso Pataxó e a reinvindicação de suas terras, conjuntamente com o pedido de reparação civil a respeito de um massacre que ocorrera em sua aldeia, causado por agentes do Estado brasileiro. Diante disso é apresentado a forma em que o Estado deveria reparar e qual o meio deve ser utilizado, assim discorrendo a respeito do povo Krenak e o pedido da anistia coletiva e a imprescritibilidade do mesmo. Em seguida, como forma de ilustrar e dar o devido peso a matéria, é apresentado um compilado de noticias atuais a respeito das violações sofridas pelos indígenas brasileiros, finalizando com a fundamentação do retrocesso do Projeto de Lei 490/2007 a qual apresenta uma medida inconstitucional para a demarcação do território indígena. A discussão exposta no presente trabalho possibilita a reflexão do tema e a importância do mesmo em um âmbito geral, onde a matéria nele exposta ultrapassa o campo acadêmico, de forma em que a sociedade em geral deveria tratar o caso com mais cautela, se esforçando para se livrar do preconceito intrínseco a respeito do indígena, e enxergar que o mesmo é pessoa de direitos, direitos esse que lhe são retirados dolorosamente. E cabe aos acadêmicos universitários além da fomentação do discurso a favor do indígena, o dialogo com o mesmo na tentativa de auxilia-lo pois além do discurso, é necessário hoje à ajuda de quem tem voz, para dar voz a quem precisa 2. ESCRAVIDÃO INDÍGENA A escravidão indígena está ligada ao principal propósito dos europeus, especificamente os portugueses, em colonizar a nova terra, e como, diferente dos colonizadores da América do Norte, os colonizadores portugueses não deixaram seu reino para residir no Brasil, o único intuito era explorar as riquezas naturais da terra e com issoa mão de obra disponível era a indígena. Logo, foram usadas ameaças, força física e torturas para forçar os indígenas para trabalharem para a Coroa portuguesa, e com isso várias tribos 7 foram dizimadas quando havia resistência ao trabalho escravo. E assim foi criado a terminologia do “bom selvagem” e o “mal selvagem” referindo-se “bom” aquele que se rendia as forças repressivas dos portugueses e o “mal” aquele que resistia se recusando aos trabalhos ou fugindo, terminologia essa, depreciativa avaliando o povo indígena pela sua conduta submissa com base em sua obediência ao dito “superior”, condição análoga a adjetivação a um animal. Visto a resistência e a dizimação de comunidades indígenas, e com a popularização do mercado escravista negro, a mão de obra indígena coexistiu com a escravatura negra. 3. CONSTRUÇAO INDIGENISTA Numa análise mais profunda da construção indigenista, no Brasil utilizar-se-á referencial teórico, juristas, ambientalistas e historiadores: Segundo Jennings citado por Manuela Cunha (1998, p. 14)1: “A América não foi descoberta, foi invadida”. Conforme Manuela Cunha (1998, p. 12) o genocídio aos indígenas foi motivado por ganância e ambição do homem branco. O homem branco queria suas terras, está com valor econômico, persistindo litígios acerca o território até os dias atuais. O desaparecimento dos povos indígenas tem uma estrita relação no encontro do Velho Mundo e do Novo Mundo. Segundo Manuela Cunha (1992, p. 12)2: “Motivos mesquinhos e não uma deliberada política de extermínio conseguiram esse resultado espantoso de reduzir uma população que estava na casa de milhões em 1500 aos parcos de 200 mil índios habitam hoje o Brasil.” Ainda com a argumentação a historiadora Manuela Carneiro da Cunha diz (1998, p. 9)3: Ao chegarem às costas brasileiras, os navegadores pensaram que haviam atingido o paraíso terreal: uma região de eterna primavera, onde se vivia comumente por mais de cem anos em perpétua inocência. Conforme Thais Luzia Colaço (2003, p. 78)4, com a instalação do Governo Geral, 1 CUNHA, Manuela Carneiro. História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia Das Letras, 1998 p.14. 2 Ibidem p.12 3 CUNHA, Manuela Carneiro. História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia Das Letras, 1998. p.9. 4 COLAÇO, Thais Luzia; WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Os "novos" direitos no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003. p.78 8 no ano de 1548, inicia a catequese dos índios, para que seja propagado a fé cristã católica. Os mesmos são agrupados em aldeias. Thais Luzia Colaço (2003, p. 79)1, no que se refere a relação entre Igreja e indígenas, afirma: [...] Em alguns momentos que transcorreram dos séculos XVI ao XVII, os interesses dos colonos e da Igreja estavam em conflito, pois os membros do clero acreditavam na “civilização” dos indígenas por meios pacíficos, por intermédio da catequese, ao passo que os colonos estavam interessados exclusivamente na exploração da mão de obra indígena por meios violentos. De acordo com João Pacheco Oliveira e Carlos Augusto da Rocha Freire (2006, p. 70), esse Alvará não tratava somente da liberdade dos índios, mas também tinha como finalidade: "a dilatação da fé; a extinção do gentilismo; a propagação do Evangelho; a civilidade dos índios", entre outras coisas”. Em 1838, segundo Cristiane de Assis Portela (2013)2 é criado o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Os indígenas eram vistos como construção da nação, do sentimento comum, da construção histórica do Brasil. Entretanto, havia uma supervalorização da cultura lusitana, um estereótipo do branqueamento populacional. A dissertação de Von Martius, intitulada “Como se deve escrever a história do Brasil”, é texto fundador da história oficial do Brasil, estando nela contidos muitos elementos do olhar que a historiografia por muito tempo destinou aos povos indígenas. Nesta, a história do índio no Brasil tem relevância pelo caráter de exotismo e curiosidade que a permeia, devendo o historiador ser instigado pela explicação de como foram originadas essas “ruínas de povos”. Conforme Thais Luzia Colaço (2003, p. 81)3, a Carta Régia de 1808 “induz a violência como recurso e autoriza a escravização por 15 anos dos índios capturados”. Segundo Thais Luzia Colaço (2013)4: Com a proclamação da independência do Brasil em 1822, sob a influência dos ideais liberais, sentiu-se a necessidade de estabelecer na política indigenista, pregando-se o término da escravidão e o surgimento de uma nova “raça brasileira”, através da integração e da miscigenação. 1 Ibidem p.79 2 Assis Portela, Cristiane de Por uma história mais antropológica: indígenas na contemporaneidade Sociedade e Cultura p.152 3 COLAÇO, Thais Luzia; WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Os "novos" direitos no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 81 4 COLAÇO, Thais Luzia. Os índios e a lei. Disponível em: . Acesso em 20 junho 2021. 9 De acordo com Manuela Carneiro da Cunha (1998)1, no século XVI, começou-se a ter um conceito "menos biológico e mais filosófico" (p. 134). Os índios começavam a serem considerados como humanos. José Bonifácio citado propor n Cunha (1998, p. 134), escreveu: "Crê ainda hoje muita parte dos portugueses que o índio só tem figura humana, sem ser capaz de perfectibilidade". Conforme Thais Luzia Colaço (2003)2 só havia uma única lei que tratava sobre os autóctones, sendo este o Regulamento das Missões. Este documento era mais administrativo do que político e trazia informações referentes a proteção dos índios, para que mitigasse a ação com armas do Estado, entre outras coisas. Thais Luzia Colaço ainda afirma que apesar da proclamação da Independência a Carta Magna de 1824 não mencionava em artigo algum a sequer existência de autóctone no Brasil, assim, não foi anotado os conflitos entre indígenas e não indígenas e somente em 1831 foi revogada a Carta Régia que permitia violentar indígenas e escraviza-los. Na visão de Manuela Carneiro da Cunha (1999, p. 134)3 “os grupos indígenas, sem representação real em nível algum, só se manifestam por hostilidades, rebeliões e eventuais petições ao Imperador ou processos na Justiça” [...]. A antropóloga ainda traz a questão que perpetuou por séculos. No século XVI, afirmavam que os índios não possuíam alma. O vocabulário utilizado era de forma contorcida, onde eram referidos como inferiores julgando de forma negativa, nuances percebidos no uso de conceitos como “bárbaros” e “selvagem”, colocando o indígena como uma espécie diferente, ou que representavam um estágio de evolução inferior, onde essa inferioridade não era colocada em dúvida. A construção da cidadania indígena sofreu várias mudanças, porém, ainda existe o estereótipo intrinsecamente na sociedade, onde muito se dá ao fator histórico onde fora construído toda uma visão conturbada da figura indígena, onde o índio se trata daquele sujeito que vive na floresta, sem comunicação básica, sem qualquer tipo de eletrônico e subsistindo de forma ignorante e como citado “selvagem”. Por conta dessa interpretação do indígena brasileiro, e pelo não diálogo com o mesmo para conhecer sua cultura e respeitar sua identidade, e seu passado referente a invasão de suas terras, o litígio por seus territórios continuam, onde o passado reflete os 1 CUNHA, Manuela Carneiro. História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia Das Letras, 1998. p. 14 2 COLAÇO, Thais Luzia; WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Os "novos" direitos no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003. p.78 3 CUNHA, Manuela Carneiro. História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia Das Letras, 1998. p. 134 10 dias de hoje coma desapropriação de suas terras originárias. Entretanto como tentativa de reverter o injusto, e trabalhar na construção da cidadania do indígena, o Legislador traz direitos e políticas públicas às minorias, especificamente ao indígena. 4. CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O INDÍGENA Embora os povos indígenas tenham seus próprios direitos e interesses garantidos pelo estado, na verdade, a eficácia desses direitos fundamentais ainda é muito baixa e os conflitos persistem sobre eles. Nesse sentido, as principais disposições legais que o estado dirige aos povos indígenas serão indicadas a seguir. O princípio dos direitos dos povos indígenas às suas terras, embora sistematicamente desconsiderado, está em vigor pelo menos desde a Carta Real de 30 de julho de 1609 do Rei Filipe III da Espanha, primeiro reconhecido pelos índios como domínio absoluto sobre as terras ocupadas. Após a promulgação de textos legislativos, os mais reconhecíveis foram os direitos dos Povos Indígenas, destacando alguns desses direitos: a) A Constituição Federal de 1934 levantou essa questão primeiro no nível constitucional, proteção dos direitos à terra dos povos indígenas: Art. 129 - Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem, permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las. (Art. 129, CF de 1934) b) Estabelecimento do Estatuto do Índio em 1973, Lei nº 6.001 / 73 garantida proteção e preservação comunidades indígenas: Art.1 Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmonicamente, à comunhão nacional. (Art. 1º da Lei 6.001/73) A proteção aos índios também era garantida pelas leis do país: [...] Aos índios e às comunidades indígenas se estende a proteção das leis do País, nos mesmos termos em que se aplicam aos demais brasileiros, resguardados os usos, costumes e tradições indígenas, bem como as condições peculiares reconhecidas nesta Lei. (Parágrafo único da Lei 6.0001/73) O estatuto também classifica os índios de acordo com o grau de sua inserção na sociedade: Art. 4º Os índios são considerados: I - Isolados - Quando vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos e vagos informes através de contatos eventuais com elementos da comunhão nacional; 11 II - Em vias de integração - Quando, em contato intermitente ou permanente com grupos estranhos, conservam menor ou maior parte das condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas práticas e modos de existência comuns aos demais setores da comunhão nacional, da qual vão necessitando cada vez mais para o próprio sustento; III - Integrados - Quando incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos, costumes e tradições característicos da sua cultura. (Art. 4º, Lei 6.001/73) O estatuto do índio estava em consonância com o Código Civil Brasileiro de 1916 que caracterizou os índios como "relativamente incapazes" e, portanto, deveriam ser protegidos pelo órgão estatal indígena, até que forem integrados à sociedade brasileira. No entanto, esta classificação tornou-se incompatível após a Constituição de 1988. Até a promulgação da Constituição, era o Estatuto que regia as relações estaduais/nacionais com povos indígenas. A Constituição Federal de 1988 é a constituição que mais reconheceu e garantiu esses direitos indígenas. A constituição é fruto de uma mobilização muito grande por parte dos índios e deles defensores que lutaram pela inclusão na nova constituição, que dedicou um capítulo pelos direitos dos povos indígenas. Após a promulgação da nova constituição, a lei indígena começou a ser reconhecido constitucionalmente. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu novas relações entre Estado, sociedade e comunidades indígenas. Portanto, em Art. 216 da CF os índios são reconhecidos como patrimônio cultural Brasileiro: Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. (Art. 216, CF/88) O conceito legal sobre as terras indígenas também apareceu pela primeira vez nessa Constituição, reconhecendo os direitos originais dos povos indígenas à terra que tradicionalmente ocupam. Onde as definiu: a) as habitadas em caráter permanente; b) as utilizadas para suas atividades produtivas; c) as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem- estar e, d) as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Isso revela dois pressupostos constitucionais a saber: os direitos originários, que 12 legitima o direito à terra, e a ocupação tradicional, que demonstra obtenção do direito à terra. Lásaro Moreira da Silva diz: “O termo originário designa um direito anterior ao próprio Estado brasileiro, uma posse congênita, legítima por si mesma, ao contrário da posse adquirida que precisa preencher os requisitos civilistas para o reconhecimento”. Da mesma forma, José Afonso da Silva afirma que reconhecendo a esse direito originário, a Constituição Federal de 1988 tem como base o instituto Indigenato, que é o direito indígena à terra é inato por ser um instituto luso-brasileiro. Portanto, claramente, os direitos originais ou primários dos povos indígenas caem diretamente, também, no conceito de terras tradicionalmente ocupadas por eles como presente na Constituição Federal. Para ser mais preciso, no Artigo 1º Art. 231: § 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Este conceito possui quatro elementos básicos complementares, a saber: a) Habitação permanente; b) terras utilizadas para atividades produtivas; c) torna-se essencial proteger os recursos ambientais necessários ao seu bem-estar; e d) necessárias à sua reprodução física e cultural. Percebe-se que quando se trata de terras tradicionalmente ocupadas, não se refere à antiguidade, ou seja, a posse desde a antiguidade, mas se refere à forma como os indígenas se relacionam com a terra para sobreviver. Carlos Frederico Marés de Souza Filho1 afirmou que a Constituição Federal Brasileira é a primeira da América Latina a apoiar o direito dos povos indígenas de se tornarem grupos diferenciados na sociedade brasileira. Esses novos direitos relacionados aos povos indígenas podem ser chamados de direitos socioambientais. Marcos Antonio Lorencette Monte2 afirmou: “O direito à vida, a diversidade, a tolerância, os valores culturais locais, a multietnicidade e a biodiversidade revelam os princípios básicos que orientam o desenvolvimento da sociedade humana. Interpretação e aplicação dos direitos sociais e ambientais”. 1 MARÉS, C. F. 2002. Introdução ao direito sócio-ambiental. In: LIMA, A. (org). O direito para o Brasil sócioambiental. Porto Alegre 2 MONTE, Marcos Antonio Lorencette. O pluralismo jurídico e os povos indígenas no Brasil. Dissertação (Mestrado) – Curso de Pós graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, 1999. 13 No entanto, Juliana Santilli (2005, p. 26)1 apontou: A palavra socioambiental, portanto, não foi inserida na Constituição de 1988. Para entender o que sejam direitos socioambientais é necessário partir do conceito de direitos coletivos, inseridos na Constituição […]. De acordo com Carlos Frederico Marés de Souza Filho2, outras questõesrelacionadas aos direitos sociais e ambientais também são destacadas, como o direito ao patrimônio cultural imaterial: […] a preservação do patrimônio cultural brasileiro foi outro tema introduzido na Constituição de 1988 após pressão da vontade popular, garantindo não só a proteção dos bens materiais como dos imateriais portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Segundo Carlos Frederico Marés de Souza Filho (2002)3, ao reconhecer que as tradições, os costumes, os usos e as tradições são legais, inovou e trouxe um paradigma da modernidade, que os membros dos países latino-americanos também seguiram. Na ótica de Marcos Antonio Lorencette Monte (1999, p. 59)4 na Constituição de 1988 “não é mais o índio que necessita entender e incorporar-se à sociedade brasileira, mas sim, esta deve buscar entender os valores e concepções étnicos culturais de cada povo indígena [...]”. Segundo Juliana Santilli (2005, p. 42)5, a Carta Magna “segue as óbvias tendências multiculturais e multiétnicas, reconhece os direitos coletivos dos povos indígenas e quilombolas e garante que gozem de direitos territoriais especiais”. O artigo 231 da Constituição Federal (BRASIL - A, 2013)6 positiva: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger, fazer respeitar todos os seus bens. A Carta Magna de 1988 garante que os povos indígenas possam viver plenamente e respeitar a cultura, crenças e valores porque reconhece novos direitos. O artigo 231 da Carta Magna traz uma série de direitos aos povos indígenas. Com 1 SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos: proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo: Petrópolis, 2005. 2 MARÉS, C. F. 2002. Introdução ao direito sócio-ambiental. In: LIMA, A. (org). O direito para o Brasil sócioambiental. Porto Alegre: SAFE. 3 Ibidem 4 MONTE, Marcos Antonio Lorencette. O pluralismo jurídico e os povos indígenas no Brasil. Dissertação (Mestrado) – Curso de Pós graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, 1999. 5 SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos: proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo: Petrópolis, 2005. 6 BRASIL - A, República Federativa do. Constituição Federal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> 14 relação às terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas, a Constituição estabelece no artigo 20, inciso XI, que são de propriedade da Federação e, portanto, seu patrimônio. Portanto, no que se refere a este assunto, o artigo 231 §2, estipula que essas terras se destinam a ser propriedade permanente de povos indígenas, e o artigo 231 §4, afirma que essas terras são inalienáveis e indisponíveis. Existem outras disposições constitucionais relativas aos povos indígenas, a saber: Artigo 20, XI lista os territórios indígenas como propriedade da União, Artigo 22, XIV estipula que somente a União tem o direito de legislar sobre os povos indígenas; Artigo 49, XVI declara que o Congresso Nacional é o único responsável pelo desenvolvimento e a exploração dos recursos naturais em terras indígenas o artigo 109 prevê jurisdição sobre disputas envolvendo povos indígenas, ou seja, a Justiça Federal. O §6º, do artigo 231 da Constituição Federal afirma: "São nulos e Santilho extintos, não produzindo efeitos jurídicos os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo." Segundo Carlos Frederico Marés de Souza Filho, não há porque confundir propriedade indígena com propriedade privada: É necessário verificar o que significa posse indígena, estando claro que não se confunde com a posse civil do receituário privado, porque esta é individual e material, enquanto a indígena é coletiva e exercida segundo usos, costumes e tradições do povo [...] Falando em direitos socioambientais, Juliana Santilli (2005, p. 84)1 afirmou que “o multiculturalismo penetra claramente no artigo 210, parágrafo 2º da Constituição Federal” (Brasil-A, 2013), que positiva: Art. 210: Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. § 2º - O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Juliana Santilli (2005, p. 84)2 afirma que […] tal dispositivo revela a preocupação do constituinte com a transmissão das línguas indígenas às novas gerações, e é complementado pelo artigo 215, 1 SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos: proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo: Petrópolis, 2005. 2 Ibidem 15 parágrafo 1º, que obriga o Estado a proteger as manifestações culturais dos povos indígenas e de outros grupos integrantes da sociedade brasileira. Considerando que a maioria desses cursos traz apenas visões jurídicas positivistas, ao invés de dialogar com outras áreas científicas, a atenção à aplicação dos direitos dos povos indígenas deve ser tema de pesquisa nos cursos de direito brasileiro. Enfatiza a importância do diálogo intercultural entre o judiciário e os povos indígenas, a fim de resolver os conflitos que envolvem os povos indígenas e possibilitar à administração a implementação de novas políticas públicas para os povos tradicionais. 5. PROTEÇÃO INTERNACIONAL AOS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS A aplicação dos direitos humanos relativos aos povos indígenas deve levar em consideração a organização social, os usos, os costumes e as tradições dos povos indígenas, bem como a natureza coletiva dos bens que constituem seu patrimônio cultural, territorial e ambiental. (OLIVEIRA, 2011, p. 144.)1 A proteção dos direitos humanos dos povos indígenas deve ser feita coletivamente, além de seus direitos individuais, porque "a ênfase tradicional no reconhecimento dos direitos individuais significa que a proteção dos povos indígenas é insuficiente e insatisfatória, e eles têm características coletivas única. Esse entendimento passa a ser objeto de resistência por parte de alguns países, especialmente no que diz respeito à obtenção de um consenso mínimo em termos como povos ou nações indígenas, territórios indígenas e decisões livres. Portanto, durante a reunião preparatória da Conferência Mundial de Durban contra o Racismo em 2002 na África do Sul, o Reino Unido defendeu o tratamento dos direitos indígenas como direitos individuais. No entanto, quando a Conferência aprovou a "Declaração e Plano de Ação contra o Racismo", foi uma decisão consensual reconhecer os direitos coletivos dos povos indígenas, avançando, assim, significativamente no trato da questão dos direitos indígenas. 5.1 DECLARAÇÃO DA ONU SOBRE OS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS 1 OLIVEIRA, Paulo Celso de, Os Povos Indígenas e o Direito Internacional dos Direitos Humanos, artigo parte da Obra Direitos Humanos – Volume I, Coordenado pela Professora PIOVESAN, Flávia, Juruá Editora, Curitiba, 2011, p. 144 16 Em 13 de setembro de 2007, após mais de 20 anos de tramitação, foi aprovada a " Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, consagrando os direitos coletivos desses povos, reconhecendo e reafirmando que esses direitos coletivos indispensáveis à sua existência, bem estar e desenvolvimento integral, enquanto povo.” A declaração foi ratificada por 143 países, onde o Brasil aderiu também, com 11 abstenções,dentre eles a Argentina e teve apenas 4 votos contra, incluindo Estados Unidos da América, Nova Zelândia, Canadá e Austrália. Cabe destacar que o apoio do Brasil à declaração se manifesta na medida em que o texto aprovado pelo Conselho de Direitos Humanos é o mais capaz de tratar dos assuntos em questão e que o exercício dos direitos dos povos indígenas é consistente com a soberania e integridade territorial do país em que vivem. Dezessete dos 46 artigos da Declaração menciona a cultura indígena e as formas de protegê-la e promovê-la, respeitando as demandas diretas dos povos indígenas no processo de tomada de decisão. Além disso, reconhece o direito dos povos indígenas de viver em integridade, liberdade e segurança, e reconhece seu direito de não serem assimilados à força ou privados de sua cultura. A declaração também leva em consideração a estreita relação entre os povos indígenas e o meio ambiente, lembrando que as terras ancestrais dos indígenas são a base de sua existência coletiva, de sua cultura e de seu espírito, conforme já reconhecido pela Constituição Federal de 1988. Afirma que os povos indígenas têm o direito de que sejam considerados plenamente a diversidade de sua cultura, história e preocupações na educação pública e na mídia. A Declaração reconhece o direito à autodeterminação dos povos indígenas, reconhece o direito à sobrevivência e os direitos à terra, território e recursos, e estipula a obrigação dos Estados de consultar os povos indígenas antes de adotar e implementar medidas legislativas e administrativas que os afetem buscando assim obter o consentimento prévio, livre e informado. Em essência, a declaração condena a discriminação contra os povos indígenas e promove sua participação efetiva e plena em todos os assuntos relacionados a eles, bem como seu direito de manter sua identidade cultural e tomar suas próprias decisões sobre seus estilos de vida e métodos de desenvolvimento. Ban Ki-moon Ex-Secretário-Geral das Nações Unidas diz: “à adoção da Declaração é um marco na história da ONU, quando os Estados- 17 Membros e os representantes dos povos indígenas conseguiram se reconciliar com seu doloroso passado e se dispuseram a seguir em frente no caminho que leva aos direitos humanos, à justiça e ao desenvolvimento para todos. O Secretário-Geral pede aos governos e à sociedade civil que incluam em suas agendas as questões indígenas para que o estabelecido na Declaração se transforme, urgentemente, em realidade.” O Brasil deve colocar em prática os compromissos que defendeu e firmou internacionalmente, e dar-lhes o máximo efeito, de modo a evitar que as disposições da Declaração em apreço sejam consideradas meramente programáticas. Porém, A posição atual do Supremo Tribunal Federal provou ser ambígua e inconsistente com o compromisso internacional do Brasil de cumprir a jurisdição internacional de direitos humanos: o Brasil ratificou tratados de direitos humanos, mas não pode cumprir as ordens normativas interpretadas pela comunidade internacional. Embora a declaração das Nações Unidas não tenha a natureza jurídica dos tratados internacionais de direitos humanos e, portanto, não seja vinculativa, deve-se reconhecer que ela reflete as normas consuetudinárias internacionais que protegem os direitos humanos dos povos indígenas e, ainda, elemento de interpretação dos demais documentos internacionais de proteção a tais direitos. 6 RESPONSABILIDADE CIVIL Embora o Estado tenha a obrigação de proteger as ações contra as questões indígenas, o que se verifica é a clara manifestação do poder administrativo ao negligenciar a obrigação de proteger os povos indígenas e ignorar as políticas públicas. Em termos de aspectos interculturais, a Constituição Federal considera os diversos grupos que compõem a sociedade brasileira, com temas que abrangem a propriedade, os projetos de vida e a interação social. Portanto, ao proteger a diversidade cultural, a Constituição garante o pluralismo e impede qualquer outro grupo, seja ele hegemônico, religioso ou mesmo o próprio país, de tomar decisões pelos povos indígenas e, consequentemente, a forma em que se relacionam e seus modos de vida. Existem várias medidas de proteção legal em nossas leis e regulamentos que visam resistir à assimilação da cultura periférica pela cultura dominante. No entanto, ao longo do tempo, a efetivação dos direitos indígenas vem ocorrendo gradualmente e muitas vezes é omissa. Um exemplo disso é a política de divisão territorial. 18 Por outro lado, as disposições sobre responsabilidade civil do Estado podem ser consideradas o mecanismo básico de defesa de todos os indivíduos contra o poder público. Em vista da omissão, mesmo que haja controvérsias sobre a responsabilidade civil Estado no campo jurídico, é importante considerar a corrente que apoia a ideia em que as pessoas Jurídicas de direito público devem responder objetivamente por danos causados a terceiros, em atos comissivos e também por atos omissivos, onde no último caso deve ser demonstrado p nexo entre o dano e a omissão específica do Poder Público. Em suma, defende a tese de que atos ilícitos causados pela omissão do governo em lidar com as atuais questões indígenas também podem levar ao reconhecimento da responsabilidade objetiva do Estado. Nesse sentido, os termos estão contidos no art. O artigo 37 §6 da Constituição Federal adota a chamada teoria do risco administrativo. Portanto, a responsabilidade civil decorre de atos ilícitos do poder público quando constitui violação do princípio da legalidade, e também o princípio da isonomia deve ser observado. No que se refere às omissões, entende-se que a responsabilidade também é objetiva, o que se sustenta no entendimento de que há uma omissão específica, ou, para ser mais preciso, quando há a constatação de que situação referido foi propiciada pelo Estado. Com foco nas políticas indígenas atuais, a postura omissiva no combate à discriminação e no respeito à diversidade dos povos indígenas é evidente, potencializando cada vez mais os riscos de desestruturação cultural indígena além de promover indiretamente uma atmosfera de insegurança jurídica e violência potencial e real. Entre os diversos desafios enfrentados pelos povos indígenas no Brasil, além de ignorá-los e privá-los de seus direitos, estão a superação da discriminação estrutural e da invasão de terras historicamente arraigadas. Em termos de responsabilidade civil, pode-se inferir que, diante de uma omissão específica, o Estado favorece situações que ameaçam os direitos dos povos indígenas, ao mesmo tempo em que tem a obrigação de agir para prevenir qualquer oposição ao adequado cumprimento da lei. Além da responsabilidade civil do estado por atos omissos, existem inúmeros casos comissivos, onde temos a legitimidade integral é do Estado, como os atos citados a seguir referentes a violação de direitos fundamentais no período da ditadura militar. 19 7 POVOS INDÍGENAS E A DITADURA MILITAR. Sabe-se que milhares de indígenas foram mortos na história do Brasil, desde a invasão dos portugueses até os dias de hoje. O período ditatorial brasileiro tentou “socializar” os índios, transformando-os em gente civilizada. Essa socialização irracional se deu por meio de políticas institucionalizadas por parte dos ditadores latino-americanos e, principalmente, no Brasil, no período de 1946 a 1988. A socialização dos povos indígenas tinha como base a política de desenvolvimento do governo ditatorial. É possível encontrar inúmeros documentos e denúncias de corrupção, apropriação indébita de terras indígenas, homicídios e corrupção. Entre os inúmeros documentos está o Relatório Figueiredo, elaborado por Jader Figueiredo em 1968, apontando irregularidades no Serviço de Segurança do Índio (SPI). O relatório Figueiredo foi um inquérito que constatouviolações de direitos humanos aos Índios cometidos por servidores do SPI em 1967. Para tanto, o Brasil lançou uma expedição investigando as irregularidades do órgão de proteção indígena. O relatório constatou violações de territórios indígenas em que servidores públicos declararam fraudulentamente a inexistência de determinados territórios para alienar a terra para determinados grupos econômicos (FIGUEIREDO, 1967)1. Além disso, tortura, prisões abusivas e uso de trabalho escravo por índios também foram documentados (FIGUEIREDO, 1967). Pelas conclusões do relatório Figueredo, é impossível negar o genocídio cometido contra os índios. O relatório Figueiredo, de 7 mil páginas, indica a necessidade de reformular as políticas indígenas e punir quem comete essa ilegalidade. Em resposta a essas alegações de genocídio cometido pelo estado brasileiro, a Fundação Nacional do Índio foi criada em 1967 para substituir o SPI. De acordo com a Lei nº 5.371 de 1967, a FUNAI considera como diretrizes o respeito às instituições e comunidades indígenas, a preservação da cultura e a garantia da adaptação natural. Devido ao surgimento de uma legislação para abolir direitos, como a Lei Institucional nº 5 (SCHWARCZ; STARLING, 2015) 1968 parece ser o pior momento da ditadura brasileira, além disso, foi criado o Plano de Integração Nacional (PIN) em 1970 para incentivar os empresários a ocuparem a região amazônica. De acordo com as observações, o sistema legal tentou proteger os índios em 1967, mas para se opondo a 1 Relatório Figueiredo disponível em https://midia.mpf.mp.br/6ccr/relatorio-figueiredo/relatorio-figueiredo.pdf https://midia.mpf.mp.br/6ccr/relatorio-figueiredo/relatorio-figueiredo.pdf 20 esses direitos, surgiram empresas de desenvolvimento que começaram a eclodir no Brasil por meio do Banco Mundial e outras grandes instituições financeiras. Além disso, empresários pressionaram a ditadura para a realização de projetos de infraestrutura nas regiões Norte do Brasil. O ditador Geisel afirmou que “nós (o governo) vamos formular uma política de integração da população indígena à sociedade brasileira no menor tempo possível”. Da mesma forma, o ministro Rangel Reis afirmou em 19761 que “Índios não podem impedir o progresso (...) Não haverá mais índios no Brasil dentro de 10 a 20 anos” A necessidade de integração dos índios com a sociedade brasileira, bem como a socialização da Região Norte com o restante do Brasil, por meio de projetos de infraestrutura, visava o desenvolvimento econômico, desconsiderando as características culturais dos povos tradicionais. A doutrina da segurança nacional ajudou a legitimar as graves violações de direitos humanos cometidos contra os indígenas. O governo militar considerava os índios como inimigos da defesa do território brasileiro. Tendo como argumento que seriam influenciados por interesses internacionais (CAPITAL, 2015). Alguns documentos também indicam que o Conselho de Segurança Nacional considerou o Comitê de Missionários Indígenas (CIMI) como uma organização comunista em 1986. Isso porque o CIMI foi criado para tratar das violações dos direitos indígenas a respeito à criação da Rodovia Transamazônica, portanto, a organização se caracterizou como uma organização subversiva que viola os interesses do desenvolvimento nacional. Pelo menos 8.000 índios foram mortos pelo governo militar. Isso significa que morreram mais indígenas do que não-índios durante a ditaduras, como por exemplo os perseguidos políticos. Usando esse número no campo do crime racial significa genocídio. Portanto, a conclusão a que se chega é que os povos indígenas eram um entrave ao desenvolvimento das políticas do regime militar brasileiro. Os povos tradicionais eram vistos como incivilizados, sem cultura, e isolados, sendo preciso que o Estado os socialize para transformá-los em brasileiros normais, ainda que seja necessário à sua eliminação para beneficiar grupos econômicos. 8 VIOLAÇÃO E PERSEGUIÇÃO: POVO PATAXÓ 1 COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Relatório Final. Texto 5 – Violações de direitos humanos dos povos indígenas. 21 Os seguintes parágrafos narram a história do povo da Aldeia Mãe Barra Velha do Povo pataxó, fatos esses, documentados e narrados por moradores locais, testemunhas e vítimas de violação de direitos humanos, relatos esses documentados nos artigos científicos redigidos por integrantes da Aldeia1. A aldeia Mãe Barra Velha do povo indígena Pataxó, localizada em Porto Seguro, Bahia, foi alvo de inúmeras violações dos direitos humanos, sendo marcada pelo evento denominado Fogo de 51 em 1951. No governo de Getúlio Vargas, e infelizmente, essa violação perdurou até a década de 1980 onde iniciou-se um processo lento e tortuoso de retomada de terras, processo que se estende até o dia de hoje A localização da Aldeia Mãe Barra Velha é motivo de disputa, pois foi o local onde os portugueses chegaram ao território brasileiro com seus veleiros em 1500, e uma das mais belas praias do litoral brasileiro está localizada nesta área, conhecida como Ponta do Corumbau, existe também o Parque Nacional do Monte Pascoal, no qual a presença de indígenas não colabora com o interesse do governo no desenvolvimento do turismo na região. As lideranças da aldeia procuraram expor o que estava sendo feito e conseguiram, por meio de Honório Borges2, em 1951, ir à cidade do Rio de Janeiro / RJ e contatar o SPI - Serviço de Proteção ao Índio, que infelizmente oferecia proteção questionável, pois eles acreditavam que a vida dos povos indígenas era transitória e que ele deveria passar por um processo de civilização pelos não indígenas. Honório Borges voltou muito feliz ao encontrar lá um engenheiro que o informou que viria à aldeia para fazer a demarcação. Em 1951, duas pessoas que se diziam antropólogos e engenheiros se ofereceram para ajudar. Eles prometeram acabar com os problemas da comunidade, mas criaram uma armadilha para acusar os índios. O povo Pataxó foi enganado, o que criou uma oportunidade para a polícia invadir suas terras. Hoje, eles acreditam que foram pessoas enviadas por fazendeiros para dividir a terra de forma injusta. Os confrontos entre a polícia e os indígenas resultaram na morte de muitos indígenas, na queima de cabanas, no estupro de cinco mulheres e na tortura de crianças. Este episódio é denominado "Fogo de 51". Em busca de melhores condições de vida, os indígenas que ocupavam o litoral do 1DOS SANTOS, Erilsa Braz: A história da demarcação da Terra Indígena Barra Velha. UFMG 2 DOS SANTOS, Erilsa Braz: A história da demarcação da Terra Indígena Barra Velha. UFMG 22 Brasil se deslocaram lentamente para o interior do país. Policiais das cidades de Prado e Porto Seguro alegaram ter recebido a denúncia do Instituto Brasileiro de Defesa Florestal e trouxeram Honório Borges detido para Salvador, que logo nunca mais foi visto. Tudo mostra que o SPI fez todas as ligações para que o Fogo de 51 ocorresse, atendendo à meta do governo de 1943, de instalar o Parque Nacional de Monte Pascoal e retirar os indígenas da área. De 1951 a 1964, este foi o período de reconstrução da aldeia Mãe Barra Velha, mas com a aproximação do regime militar, mais torturas começaram a ocorrer em quase todo o período da ditadura militar no Brasil, impedindo-os de produzir alimentos, caça, pesca, etc. Após o massacre de 19511, cada aldeia elegeu um cacique e um cacique geral. O massacre teve um impacto psicológico e social em todos os índios. Ainda hoje, existe o receio em mostrar sua identidade e temem que sua cultura seja a causa da violência. Muitas pessoas têm medo de usar seu artesanato fora da aldeia e tentam e se esforçam para não parecerem índios. O Pataxóestava emocionalmente instável devido a uma série de acontecimentos trágicos, que fragilizaram sua organização social e tornaram extremamente inseguras suas relações internas e com a sociedade envolvente, conforme relatado pelo Ancião Palmiro Ferreira Santos: “Aí começa a fome em Barra Velha, a gente não podia pescar, caçar, plantar, fazer roças, era muito ruim, nem pegar nosso caranguejo. Quando fazia a roça, os guarda destruíam tudo, isso já foi nos anos de 1963. Quando os guardas do IBDF estavam fazendo a fiscalização do parque, se pegasse o parente andando na estrada, queria amarrar as mãos dele no rabo do cavalo, levava preso. Sabe o que era nossa comida? Banana verde pisada com caranguejo, se a gente não podia plantar.” Diz o Ancião Palmiro Ferreira Santos, nascido no dia 18 de janeiro de 1932, na aldeia Barra Velha, filho de Epifânio Ferreira e de Jenerâna. E ainda há relatos de perseguições daqueles que iam realizar pesca nos manguezais da região: “[...]Nós sofremos bastante, os guardas do IBDF, não deixavam a gente mariscar no mangue. 1 DOS SANTOS, Leandro Braz: HISTÓRIA DO PONTO DE VISTA PATAXÓ: TERRITÓRIO E VIOLAÇÕES DE DIREITOS INDÍGENAS NO EXTREMO SUL DA BAHIA 23 Foi com ajuda do mangue que criei meus oito filhos, quando a gente ia ao mangue havia uns guardas por nome Siquara e Beijinha que nos perseguiam, as mulheres eram quem iam constantemente ao mangue, quando voltávamos do mangue, tínhamos que trocar de roupa para lavar, pois tínhamos pouca roupa. [...]” Relata a Anciã Domingas da Conceição Braz, nascida na aldeia Barra Velha, Esposa do Pajé Caruncho. O Art. 231 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 legitima todo o aparato cultural, social e material ao índio e no seu parágrafo §6 declara nulo qualquer ato que tenho como objeto a ocupação de terras indígenas: Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé. 8.1 DOS CRIMES COMETIDOS PELA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DA BAHIA Analisando o caso, os relatos de moradores da Aldeia Mãe Barra Velha, é carregado de crimes cometidos pela Polícia Militar, ou por soldados do IBDF (Instituto brasileiro de Desenvolvimento florestal). Relatados são: 1) Homicídio Qualificado Art. 121. Matar alguém: § 2º Se o homicídio é cometido: III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; “[...]você via índio morto, criança morta ali na porta da igreja dependurada 24 num samburá. E desse dia em diante que foi o sofrimento da gente[...]” Relato de José Sales, 71 anos, aldeia Barra Velha1 2) Estupro Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. “[...]Minha madrinha foi estrupada por 14 policiais junto de seu marido.” Relato de José Sales, 71 anos.”2 3) Lesão corporal grave Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Lesão corporal de natureza grave § 1º Se resulta: I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; “[...]eles atiraram em vovô e baliaram a perna dele, e peguei a chorar, eu era pequena e não aguentava correr. E teve um deles [índio Pataxó] que falou bem assim: “Nós podia era matar era ela”. Aí a polícia falou bem assim: “Não mata ela porque ela é uma criança e não sabe de nada e não deve nada, nós deve pegar é o velho”. Relato de Maria Coruja, 70 anos, aldeia Barra Velha3 4) Tortura Art. 5º CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL inciso III: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; “Eu era pequeno andava agarrado na saía de minha vó, todo cortado de tiririca e vestido num camisão, aí pegaram minha tia, minha avó amarram o cordão nas mãos, encambaram elas duas, Manoel de Fragoso também foi amarrado mais meu avô, tudo amarrado por um cordão. Só eu que não amarraram que eu era pequeno. Então pegaram nós e trouxeram para Barra Velha, quando 1 DOS SANTOS, Erilsa Braz: A história da demarcação da Terra Indígena Barra Velha. UFMG 2 DOS SANTOS, Erilsa Braz: A história da demarcação da Terra Indígena Barra Velha. UFMG 3 Ibidem 25 cheguemos e olhemos tinha muita gente na pracinha da Barra Velha vários índios apanhando, os políciais tinha um facão pequeno e eles ía no peito das pessoas e batia e depois ia nas costas e batia. Meu avô, morreu por causa disso, das porradas e Manoel de Fragoso tomou muita porrada, mas só que aguentou e tá aguentando. E meu avô morreu por causo disso, ele botava sangue pela boca, ele botou muito sangue pela boca e morreu em Cachoeira do Mato nesse sertão aí pra dentro. Então eles pegaram nós e levaram todos para Caraíva lá tinha um sobradão assim, aí botaram nós todos lá em cima, tinha um quarto para as mulheres e outro para os homens. Então o pessoal de Caraíva chegava lá para ver a gente e falava bem assim: “Amanhã vocês vão morrer tudo, chegou um avião cheio de policia para matar vocês seus ladrões”. Aí as mulheres choravam”. Pedro Ferreira 71 anos, Aldeia Barra Velha1 9 RESPONSABILIDADE CIVIL PERANTE A LEI DE ANISTIA A Lei 10.559.2002 Art.1º II: Art. 1o O Regime do Anistiado Político compreende os seguintes direitos: II - Reparação econômica, de caráter indenizatório, em prestação única ou em prestação mensal, permanente e continuada, asseguradas a readmissão ou a promoção na inatividade, nas condições estabelecidas no caput e nos §§ 1o e 5o do art. 8o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; E o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias no artigo 8º: Art. 8º É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo n.º 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei n.º 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos. Dessa forma, como supracitado, o instituto da Anistia cabe no caso da perseguição política e o massacre de 1951, onde encaixa no período salvo e supri o requisito que define que a perseguição foi decorrente por motivos políticos, um desafio em 1DOS SANTOS, Erilsa Braz: A história da demarcação da Terra IndígenaBarra Velha. UFMG 26 que a individualidade do pedido é um entrave, mas as ações tomadas pelo povo Krenak com o apoio do MPF (Requerimento 75.002), questionaram a justiça e apontaram que a Lei 2.523 / 2008 era inconstitucional. O artigo 8 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias prevê o direito de receber anistia política e não restringe o exercício da subjetividade coletiva pelos povos indígenas. 9.1 ANISTIA COLETIVA AOS INDÍGENAS KRENAK No caso do povo Krenak, foi evidente a dimensão coletiva das graves violações dos direitos humanos cometidas durante o regime militar. Em 1972, os Krenak foram transferidos à força de suas terras para a Fazenda Guarani, antes a área pertencia à Polícia Militar de Minas Gerais e estava localizada no município de Carmésia. Somente em 1997 o povo Krenak conseguiu recuperar parte de seu território tradicional. O deslocamento forçado impediu os Krenak de realizar suas cerimônias culturais e religiosas às margens do Rio Doce, que chamaram de uátu, e também resultou na dispersão de várias famílias pelo país. Durante o regime militar, foi instalada uma prisão, chamada Reformatório Krenak, para onde foram enviados indígenas de mais de 15 etnias, de pelo menos 11 estados das cinco regiões do país. No reformatório, os indígenas eram detidos por vários motivos, como ingestão de bebidas alcoólicas ou simplesmente sair da reserva sem autorização. Naquele local havia um local separado, que os índios chamavam de "cubículo", onde eram mantidos dia e noite como punição. O texto elaborado pelo povo Krenak com apoio do MPF (Nota Técnica nº 03/2017-6ªCCR/MPF), no intuito de legitimar o pedido coletivo de anistia, enfatizou que o artigo 232 da Constituição reconhece o trabalho das comunidades indígenas e suas organizações como entidades individualizadas. Com base no fundamento constitucional acima mencionado, a declaração questiona: “Se os povos indígenas podem atuar coletivamente na Justiça por meio de suas comunidades e organizações, não há razão legal para impedi-los de entrar com pedidos coletivos de natureza administrativa”. O requerimento 75.002 (pedido coletivo de anistia de Krenak) foi elaborado pela Procuradoria Regional dos Direitos do cidadão em Minas Gerais e submetido à apreciação da Comissão de Anistia. A Comissão analisará o pedido de acordo com a Lei nº 10.559 / 2002, que dispõe sobre as condições de indenização por anistia política. O texto da 27 Câmara de Populações Indígenas do MPF afirma que o pedido nº 75.002 visa proteger um bem jurídico específico: a possibilidade da existência coletiva do Povo Indígena Krenak enquanto grupo étnico diferenciado. “Negar a subjetividade coletiva aos povos indígenas representaria sua revitimização, bem como a continuidade de prática característica da atuação do Estado autoritário”, enfatizou a nota. 9.2 A IMPRESCRITIBILIDADE DO PEDIDO DE ANISTIA A imprescritibilidade do pedido de anistia fundamenta-se no entendimento do STJ, que aponta que não há previsão de danos mentais e violações de direitos humanos durante o regime militar, além de publicar o entendimento quanto ao cabimento de ação de responsabilização do Estado em relação a casos de omissão de fiscalizar, levando em consideração que a responsabilidade da administração pública é consistentes solidária, objetiva e ilimitada, por danos os quais poderia ter controlado, como os realizados pelos agentes do Estado durante a ditadura brasileira. Súmula 647-STJ: São imprescritíveis as ações indenizatórias por danos morais e materiais decorrentes de atos de perseguição política com violação de direitos fundamentais ocorridos durante o regime militar. Essa demanda é imprescritível pelo fato de se referir a um período em que a ordem jurídica foi abandonada com legislações de exceção e tendo inúmeros abusos e violações dos direitos básicos, especialmente a dignidade da pessoa humana. E temos como matéria a violações de direitos humanos, conduta essa, imprescritível prevista na Constituição brasileira artigo 4º III Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana E a LEI Nº 12.986, de 2 de junho de 2014. Art. 2º: Art. 2º O CNDH tem por finalidade a promoção e a defesa dos direitos humanos, mediante ações preventivas, protetivas, reparadoras e sancionadoras das condutas e situações de ameaça ou violação desses direitos. É verdade que a prescrição é uma regra do ordenamento jurídico. Portanto, via de regra, considera-se que um requisito está isento de prescrição, devendo haver uma ordem clara no texto constitucional, assim como no caso do art. CF / 88 Art. 37, § 5º: 28 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento. No entanto, o STJ excepcionalmente destacou que mesmo que não haja estipulação clara, pode-se considerar que os pedidos de indenização causados pelo regime militar são imprescritíveis por envolverem a matéria de dignidade da pessoa humana. [...]A Constituição federal funda-se na premissa de que a dignidade da pessoa humana é inarredável de qualquer sistema de direito que afirme a existência, no seu corpo de normas, dos denominados direitos fundamentais e os efetive em nome da promessa da inafastabilidade da jurisdição, marcando a relação umbilical entre os direitos humanos e o direito processual. [...] STJ. 1ª Turma. REsp 1165986/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 16/11/2010. 10 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PERANTE A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS Outra opção onde o Estado se responsabiliza civilmente, é a pela intervenção da Comissão Interamericana de Direitos Humanos onde se eleva a gravidade e consequentemente a forma da reparação do processo e, como processo movimentado pelo povo Xukuru. Após mobilização do povo Xukuru a Corte Interamericana De Direitos Humanos como parte da sentença proferida, US$ 1 milhão de indenização foi depositado na conta da Associação Xukuru. A CIDH condenou o Estado brasileiro nos casos que envolveram violações sofrida pelo povo Xukuru. A sentença declara que o Estado brasileiro tem responsabilidade internacional por violações de proteção judicial, direito a propriedade e da garantia judicial, os quais estão previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos. O processo do povo Xukuru teve início na Comissão Interamericana de Direitos Humanos em outubro de 2002. A petição foi apresentada pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos, Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e Gabinete de Assessoria Jurídica das Organizações Populares (GAJOP). Em 2009, a Comissão aprovou o relatório de admissibilidade 98/09 e aprovou o relatório de caso nº 44/15 em 2015, em paridade com o art. 50 da Convenção Americana. Posteriormente, em 2016, a comissão encaminhou o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, que realizou uma 29 audiência com as partes em 2017, quando as comunidades indígenas contaram com a contribuição da justiça global. A Serra do Ororubá, em Pesqueira (PE), no Vale do Ipojuca, é o pano de fundo da privação e morte do povo Xukuru por mais de três séculos onde somente na década de 1980, essa trajetória começou a mudar, com a nomeação de Xikão como chefe, o povo Xukuru se reuniu e, após quase 20 anos de luta, em 2001, conseguiu obter a aprovação para os 27.555 hectares de terra onde viviam. Com o fimdo governo militar e a transição para a democracia, a Constituição de 1988 passou a ser o centro da luta pelo movimento indígena. Em Brasília (DF), Xikão e outras importantes lideranças e entidades indígenas visitaram o escritório, recrutaram apoiadores, discutiram propostas, organizaram manifestações e, finalmente, consagraram os direitos dos povos indígenas às suas terras tradicionais. Na década de 1990, diante da demora na demarcação, uma série de tentativas de retomadas fez com que os agricultores reagissem, onde em 1992, Pajé Zequinha teve seu filho morto e o advogado da associação Geraldo Rolim, também advogado da Funai, foi baleado pelas costas. E em 2003 mais um caso de violência foi registrado, uma armadilha contra o filho de Xikão, o cacique Marcos, onde teve como consequência a morte de dois indígenas responsáveis pela segurança do mesmo. Em relação a responsabilidade civil do estado, Adelar Cupsinki, um dos advogados que representou o Povo Xukuru contra o estado brasileiro, afirma que a sentença proferida foi necessária para corrigiras injustiças sofridas pelo povo, e ainda diz que o caso Xukuru é uma esperança para o sistema de defesa judicial dos povos indígenas brasileiro: “Espera-se que a sentença possa servir como fundamento para o aperfeiçoamento do sistema de Justiça brasileiro em relação aos direitos indígenas, que também são sujeitos de direitos” Afirma Adelar Cupsinski 11 O INDIGENA E AS ATUAIS VIOLAÇÕES O indígena brasileiro ainda sofre inúmeros ataques movidos a interesses territoriais, resumindo-se em invasores declarados, utilizando de violência bruta na tentativa de repressão e extermínio, buscando que o povo originário (proprietários legítimos) deixe as terras para que sejam tomadas e utilizadas por setores econômicos. O caso da Terra indígena Yanomami, retrata esses conflitos onde os indígenas têm 30 abandonado suas comunidades devido a ataques de garimpeiros armados. Como informado pelo Conselho de Saúde Indígena Yanomami e Ye'kuanna (Condisi-YY). Já foram registrados mais de 23 ataques1, esses que se iniciaram no dia 10 de maio de 2021, onde os garimpeiros, com armas de fogo, chegam de barco à margem das comunidades e disparam contra os indígenas, ou até mesmo utilizam-se de bombas de gás lacrimejante, como acorrido no dia 5 de junho de 20212. Além dos povoados supracitados, inúmeras outras comunidades indígenas sofrem incessantemente violência, tomada de terras, violação dos direitos humanos e fundamentais, ultrapassando a dignidade da pessoa humana, casos esses análogos a características de genocídio, onde busca-se a aniquilação de toda uma etnia desconsiderando suas tradições, religiões e a essência que carregam por serem eles os reais proprietários dos direitos oriundos a terra. A seguir, é apresentado um compilado de notícias atuais da violação dos direitos humanos dos povos originários, onde tem como responsável direto o Estado brasileiro, onde de forma omissa, negligencia e não observa necessidade desses povos perante a sociedade moderna: Ataques de garimpeiros a terra indígena Yanomami3 Indigenas convivendo com a violência4: 1 Disponível em < https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/06/16/indigenas-deixam-comunidades-apos- ataques-de-garimpeiros-na-terra-yanomami-diz-conselho.ghtml> Acesso em: 20 Junho, 2021 2 Disponível em < https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/05/27/relembre-conflitos-recentes-entre- garimpeiros-e-indigenas-na-terra-yanomami.ghtml> Acesso em: 20 junho, 2021 3 Opus Citatum Disponível em < https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/05/27/relembre-conflitos- recentes-entre-garimpeiros-e-indigenas-na-terra-yanomami.ghtml> Acesso em: 20 junho, 2021 4 Disponível em < https://www.brasildefato.com.br/2020/10/17/na-defesa-do-territorio-indigenas-convivem- com-a-violencia-113-foram-mortos-em-2019> Acesso em: 20 junho, 2021 https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/06/16/indigenas-deixam-comunidades-apos-ataques-de-garimpeiros-na-terra-yanomami-diz-conselho.ghtml https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/06/16/indigenas-deixam-comunidades-apos-ataques-de-garimpeiros-na-terra-yanomami-diz-conselho.ghtml https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/05/27/relembre-conflitos-recentes-entre-garimpeiros-e-indigenas-na-terra-yanomami.ghtml https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/05/27/relembre-conflitos-recentes-entre-garimpeiros-e-indigenas-na-terra-yanomami.ghtml https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/05/27/relembre-conflitos-recentes-entre-garimpeiros-e-indigenas-na-terra-yanomami.ghtml https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/05/27/relembre-conflitos-recentes-entre-garimpeiros-e-indigenas-na-terra-yanomami.ghtml https://www.brasildefato.com.br/2020/10/17/na-defesa-do-territorio-indigenas-convivem-com-a-violencia-113-foram-mortos-em-2019 https://www.brasildefato.com.br/2020/10/17/na-defesa-do-territorio-indigenas-convivem-com-a-violencia-113-foram-mortos-em-2019 31 Ataque contra ônibus com lideranças indígenas1. 1 Disponível em < https://cimi.org.br/2021/06/povo-munduruku-denuncia-ataque-contra-onibus-liderancas- brasilia/> Acesso em: 20 junho, 2021 https://cimi.org.br/2021/06/povo-munduruku-denuncia-ataque-contra-onibus-liderancas-brasilia/ https://cimi.org.br/2021/06/povo-munduruku-denuncia-ataque-contra-onibus-liderancas-brasilia/ 32 Casa de liderança indígena incendiada1. Trator é transformado em “caveirão” para atacar indígenas2. 1 Disponível em < https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2021/05/27/casa-de-lideranca-indigena-munduruku-e- incendiada-por-garimpeiros-em-jacareacanga-mpf-investiga-o-caso.ghtml> Acesso em: 20 junho, 2021 2 Disponível em <https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2020/10/04/video-trator-e-transformado-em-caveirao- para-atacar-indigenas.ghtml> Acesso em: 20 junho, 2021 https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2021/05/27/casa-de-lideranca-indigena-munduruku-e-incendiada-por-garimpeiros-em-jacareacanga-mpf-investiga-o-caso.ghtml https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2021/05/27/casa-de-lideranca-indigena-munduruku-e-incendiada-por-garimpeiros-em-jacareacanga-mpf-investiga-o-caso.ghtml https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2020/10/04/video-trator-e-transformado-em-caveirao-para-atacar-indigenas.ghtml https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2020/10/04/video-trator-e-transformado-em-caveirao-para-atacar-indigenas.ghtml 33 Garimpeiros afundam canoa tripulada com crianças e jovens indígenas1 Indígenas deixam comunidades após ataques de garimpeiros2 1 Disponível em https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/06/18/garimpeiros-afundam-canoa-com-criancas- e-jovens-indigenas-que-pescavam-na-terra-yanomami.ghtml 2 Disponível em < https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/06/16/indigenas-deixam-comunidades-apos- ataques-de-garimpeiros-na-terra-yanomami-diz-conselho.ghtml> Acesso em: 20 junho, 2021 https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/06/18/garimpeiros-afundam-canoa-com-criancas-e-jovens-indigenas-que-pescavam-na-terra-yanomami.ghtml https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/06/18/garimpeiros-afundam-canoa-com-criancas-e-jovens-indigenas-que-pescavam-na-terra-yanomami.ghtml https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/06/16/indigenas-deixam-comunidades-apos-ataques-de-garimpeiros-na-terra-yanomami-diz-conselho.ghtml https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/06/16/indigenas-deixam-comunidades-apos-ataques-de-garimpeiros-na-terra-yanomami-diz-conselho.ghtml 34 Desmatamento e invasões a terras indígenas aumentam na pandemia1 Indígenas sãopressionados por discursos de ódio e incitação à violência2 1 Disponível em < https://cimi.org.br/2021/03/desmatamento-e-invasoes-as-terras-indigenas-aumentaram- durante-a-pandemia-denuncia-o-cimi-na-onu/> 2 Disponível em < https://cimi.org.br/2020/10/indigenas-guarani-sao-pressionados-por-discursos-de-odio-e- incitacao-a-violencia-enquanto-lutam-pela-demarcacao-da-ti-jey/> Acesso em: 20 junho, 2021 https://cimi.org.br/2021/03/desmatamento-e-invasoes-as-terras-indigenas-aumentaram-durante-a-pandemia-denuncia-o-cimi-na-onu/ https://cimi.org.br/2021/03/desmatamento-e-invasoes-as-terras-indigenas-aumentaram-durante-a-pandemia-denuncia-o-cimi-na-onu/ https://cimi.org.br/2020/10/indigenas-guarani-sao-pressionados-por-discursos-de-odio-e-incitacao-a-violencia-enquanto-lutam-pela-demarcacao-da-ti-jey/ https://cimi.org.br/2020/10/indigenas-guarani-sao-pressionados-por-discursos-de-odio-e-incitacao-a-violencia-enquanto-lutam-pela-demarcacao-da-ti-jey/ 35 Garimpo ilegal explode e ameaça indígenas1 Impacto da mineração em terras indígenas2 1 Disponível em< https://www.dw.com/pt-br/garimpo-ilegal-explode-em-território-ianomâmi-e-ameaça- indígenas/a-56983231> Acesso em: 20 junho, 2021 2 Disponível em < https://cimi.org.br/2021/06/movimento-indigena-realiza-protesto-em-frente-a-sede-da-anm- contra-mineracao-em-territorios-indigenas-nesta-quinta-17/> Acesso em: 20 junho, 2021 https://www.dw.com/pt-br/garimpo-ilegal-explode-em-território-ianomâmi-e-ameaça-indígenas/a-56983231 https://www.dw.com/pt-br/garimpo-ilegal-explode-em-território-ianomâmi-e-ameaça-indígenas/a-56983231 https://cimi.org.br/2021/06/movimento-indigena-realiza-protesto-em-frente-a-sede-da-anm-contra-mineracao-em-territorios-indigenas-nesta-quinta-17/ https://cimi.org.br/2021/06/movimento-indigena-realiza-protesto-em-frente-a-sede-da-anm-contra-mineracao-em-territorios-indigenas-nesta-quinta-17/ 36 Aumentaram os casos de violência contra indígenas1 Violência policial contra índios2 1 < https://www.brasildefato.com.br/2020/09/30/casos-de-violencia-contra-indigenas-aumentam-150-no- primeiro-ano-de-bolsonaro> Acesso em: 20 junho, 2021 2 Disponível em < https://www.extraclasse.org.br/geral/2018/02/violencia-policial-contra-indios-no-rs/> Acesso em: 20 junho, 2021 https://www.brasildefato.com.br/2020/09/30/casos-de-violencia-contra-indigenas-aumentam-150-no-primeiro-ano-de-bolsonaro https://www.brasildefato.com.br/2020/09/30/casos-de-violencia-contra-indigenas-aumentam-150-no-primeiro-ano-de-bolsonaro https://www.extraclasse.org.br/geral/2018/02/violencia-policial-contra-indios-no-rs/ 37 O povo Xokleng luta pelo direito à terra contra privatização no RS1 12 O PROJETO DE LEI 490/2007 E SEU RETROCESSO EM RELAÇÃO AO DIREITO TERRITORIAL INDÍGENA Ao contrário da Constituição Federal brasileira, o Projeto de Lei nº 490/2007, elaborado por parlamentares rurais, propõe a aprovação de leis para delimitar as terras indígenas. Além disso, o projeto também prevê a abertura de terras indígenas para indústrias de mineração que estão destruindo cada vez mais a Amazônia brasileira. Os povos indígenas em todo o Brasil continuam a protestar contra o projeto, que abre terras indígenas para projetos de desenvolvimento econômico em grande escala e impossibilita uma nova demarcação na prática. O Projeto de lei, além de apresentar um retrocesso em relação a legislação atual, ela se mostra inconstitucional, uma vez que a mesma tenta contornar uma clausula pétrea, no que se refere ao artigo 231 da Constituição, onde reconhece que “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”, ao contrário do proposto pelo Projeto de lei que abre várias brechas para a exploração do território indígena para o garimpo e outras atividades comerciais, afirmando que o território natal indígena é assunto de matéria pública e privada: “que as áreas reivindicadas e que, por isso, são objeto de demarcação, envolvem interesses diversos, 1 Disponível em < https://cimi.org.br/2020/10/entenda-repercussao-geral-stf-futuro-terras-indigenas/> Acesso em: 20 junho, 2021 https://cimi.org.br/2020/10/entenda-repercussao-geral-stf-futuro-terras-indigenas/ 38 tanto públicos quanto privados.”1 Além disso os votos a favor da pauta colocam como vítima e hipossuficiente produtores rurais, e afirmando que a demarcação causa prejuízo para a arrecadação tributária: “A demarcação reflete-se de forma contundente nas atividades econômicas desenvolvidas nas áreas afetadas, causando prejuízo para os produtores rurais e para a comunidade local, desemprego, redução das atividades correlatas, queda na arrecadação tributária dos municípios e dos Estados envolvidos.”2 Deputado WALDIR NEVES Ante exposto é de plena certeza de que tal projeto não deve se fazer aprovado, podendo o mesmo agravar a situação dos povos originários brasileiros, situação essa que já não favorece as verdadeiras vítimas. 13 CONSIDERAÇÕES FINAIS Por meio do presente estudo foi possível demonstrar e reforçar a hipossuficiência do indígena brasileiro na sua relação civil com a legislação atual, e expor o verdadeiro conflito que antecede a própria constituição do Estado. Os povos originários desde o início da colonização além da violência a eles cometida sofreram também repressões morais sendo comparados diretamente a animais selvagens, o considerando inválido e inferior e tornando um estigma intrínseco na sociedade. Foi visto que o ímpeto ganancioso do homem, pode erradicar uma cultura inteira, movido apenas de interesses egoístas, onde a sua vontade lhe torna superior, e todo aquele que não demonstra as mesmas características é considerado inferior e alvo de atrocidades inimagináveis. Uma etnia antes composta por milhões de indivíduos, onde cada tribo apresentava uma cultura e uma história diferente, foi reduzida exponencialmente mediante a forte violência e a condição de escravidão, tendo como responsável um estrangeiro, em busca uma nova terra, que lhe sentiu legitimado a tomar a tal propriedade. Foi retirado do indígena a até mesmo suas crenças onde por meio da doutrinação católica, os colonizadores catequisaram os povos originários, desconsiderando toda cultura tradicional, ou seja, além de suas terras, e seus próprios corpos, foi retirado do 1 PROJETO DE LEI N.º 490-A, DE 2007 (Do Sr. Homero Pereira) pg.3 2 PROJETO DE LEI N.º 490-A, DE 2007 (Do Sr. Homero Pereira) Voto relator Deputado WALDIR NEVES pg.45 39 indígena aquilo que lhe foi hereditariamente ensinado, fazendo o questionar tudo aquilo que julgava como a vida, sendo restringido de praticar seus rituais. Foi colocado aqui também, toda a luta por uma legislação que realmente protege o indígena como um todo, respeitando sua cultura, sua crença e suas terras, sendo o último, o motivo de grande mobilização dos povos originários ate o dia de hoje, onde mesmo passado muitos anos da colonização, a questão territorial ainda é uma grande luta para esses povos, onde somente em 1988 foi garantido a eles o direito real a sua terra e aplicou a responsabilidade pela sua proteção ao estado. Uma vez garantido constitucionalmente, qualquer ação contrária detém o Estado como responsável de tomar as providências cabíveis para assegurar a segurança judicial, o direito a terra, e o direito ao ressarcimento. Porém mesmo sendo clara a lei Constitucional que obriga o estado a prestar a garantia aos direitos indígenas, a todo momento além da pura negligencia com esse dever, é evidenciado atos
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