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aula 8

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História dos Povos
Indígenas e
Afrodescendentes
Aula 8: Herança Indígena e a sua inserção
efetiva no Brasil contemporâneo
INTRODUÇÃO
Nessa aula será analisada a questão indígena na contemporaneidade brasileira.
OBJETIVOS
Avaliar alguns aspectos da história do índio brasileiro.
Conhecer a política e a legislação indigenista brasileira, analisando a atuação de órgãos como o Serviço de Proteção
aos Índios (SNI) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
ECO 92
Em 1992, na cidade do Rio de Janeiro, foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento, que �cou conhecida como ECO 92. A Conferência inaugurou o conceito de desenvolvimento
sustentável e contribuiu para a mais ampla conscientização de que os danos ao meio ambiente eram majoritariamente
de responsabilidade dos países desenvolvidos. 
Reconheceu-se, ao mesmo tempo, a necessidade dos países em desenvolvimento receberem apoio �nanceiro e
tecnológico para avançarem em direção ao desenvolvimento sustentável.
A questão indígena também ganhou espaço no debate, pois qualquer re�exão sobre meio ambiente no Brasil precisa
levar em consideração as diferentes etnia desses sujeitos. 
No entanto, o Brasil tem uma questão a ser resolvida em relação a essas sociedades, que é a sua de�nição. O critério
da auto identi�cação étnica vem sendo o mais amplamente aceito pelos estudiosos da temática indígena.
Na década de 1950, o antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro baseou-se na de�nição elaborada pelos participantes do II
Congresso Indigenista Interamericano, no Peru, em 1949, para assim de�nir, no texto "Culturas e línguas indígenas do
Brasil", o indígena como:
Uma de�nição muito semelhante foi adotada pelo Estatuto do Índio (Lei n° 6.001, de 19/12/1973), que norteou as
relações do Estado brasileiro com as populações indígenas até a promulgação da Constituição de 1988. 
Nessa aula será analisada, então, a questão indígena na contemporaneidade brasileira. 
Quando os portugueses chegaram ao Brasil, encontraram um número signi�cativo de povos autóctones a quem
chamaram índios. Ainda que eles julgassem estar frente a uma raça diferente, ainda nos primeiros anos de
colonização, os lusitanos conseguiram encontrar traços especí�cos que diferenciavam essas sociedades, apontando
parte da complexidade que regeu a vida desses grupos. O processo colonial foi extremamente violento com as
sociedades indígenas. As estimativas apontam que no início do século XVI existiam entre 1 e 10 milhões de índios, no
que hoje é o Brasil. Esses habitantes se dividiam em diferentes povos, com culturas, crenças e línguas diferentes.
Vimos nas primeiras aulas do curso que dezenas de milhares de índios morreram em decorrência da colonização da
América portuguesa. Gripe, sarampo, tuberculose e varíola mataram sociedades indígenas inteiras, contribuindo para
aquele que foi o maior genocídio da história da humanidade. Junto com a mortandade causada pela falta de imunidade
indígena, a efetivação do sistema colonial trouxe muitas mudanças nos padrões organizacionais desses povos.
Resumidamente, as sociedades indígenas que habitavam o Brasil tinham sua economia organizada em modos de
produção de uso, ou seja, produziam o su�ciente para o consumo interno. 
Ainda que pesquisas recentes apontem a presença de moeda em algumas sociedades indígenas que habitavam a
bacia amazônica, grande parte das trocas realizadas entre esses grupos ocorria por meio do escambo. A instauração
do aparelho colonial, a produção do açúcar, o movimento das bandeiras e a criação de gado �zeram com que tais
sociedades tivessem que se adaptar a um ritmo de trabalho extremamente pesado, o que, uma vez mais, acarretou na
morte de milhares de índios e na desestruturação das sociedades que entraram em contato com os colonos europeus.
A catequese foi outro instrumento de colonização e, justamente por isso, um processo que desestruturou boa parte
dos povos indígenas. Embora muitos missionários objetivassem levar a verdadeira fé aos índios, e em muitos casos
tenham (na sua perspectiva) defendido os indígenas, a conversão ao catolicismo, a criação de uma língua geral e até
mesmo os movimentos de resistência eram indícios de que o contato entre portugueses e índios estava criando novas
formas de sociabilidade, sobretudo para os últimos, que estavam subjugados dentro do sistema colonial que se
forjava. Estudos recentes apontam que, atualmente, os únicos grupos que não tiveram suas línguas alteradas pelo
contato com os portugueses foram os Fulniô (de Pernambuco), os Maxakali (de Minas Gerais) e os Xokleng (de Santa
Catarina). Interessante notar que nenhuma das sociedades apontadas pertence à família Tupi, mas estão ligadas ao
tronco Macro-Jê. Durante todo o período colonial, os portugueses e colonos nascidos na América utilizaram os índios
não só como mão de obra barata (ou então escrava), mas também �zeram uso de seus saberes. A técnica da coivara
foi levada a proporções imensas. A região das minas foi encontrada graças a ajuda indígena; remédios eram feitos
com base nos saberes de pajés e xamas e a mandioca transformou-se na base da alimentação da colônia durante 300
anos. 
Findo o período colonial, os índios continuaram fazendo parte da história brasileira. Em meados do século XIX, uma
determinada ideia de índio foi criada pelos intelectuais brasileiros, que a utilizaram como ícone de herói nacional. 
No �nal desse mesmo século e no início do século seguinte, os índios que habitavam a região norte do país foram
fundamentais para as atividades extrativistas. Sociedades indígenas inteiras foram — direta e indiretamente —trabalhar
na busca pelo látex, bem como nos movimentos exploratórios da região amazônica. Foi nesse contexto que o
positivista Marechal Rondon despontou no quadro nacional.
MARECHAL RONDON
Nascido em maio de 1865 no Mato Grosso, Cândido Rondon era de origem indígena. Seus familiares de parte de mãe
eram descendentes de Bororo e Terena, enquanto seu bisavô paterno era Guará. Foi criado pelo tio até ingressar na
Escola Militar no Rio de Janeiro. 
Anos mais tarde, tornou-se o responsável pela Comissão de Construção da linha telegrá�ca que ligaria Goiás ao Mato
Grosso. Para cumprir essa missão, Rondon abriu caminhos e desbravou terras entrando em contato com diversos
povos indígenas como os Bororo, Nhambiquara, Urupá, Jaru, Karipuna, Ariquemes, Boca Negra, Paca ás Novo,
Macuporé, Guaraya e Macurape.
Em 1907, no posto de major do Corpo de Engenheiros Militares, foi nomeado chefe da comissão que deveria construir
a linha telegrá�ca de Cuiabá a Santo Antonio do Madeira, a primeira a alcançar a região amazônica, e que foi
denominada Comissão Rondon. 
Seus trabalhos desenvolveram-se de 1907 a 1915. Nesta mesma época estava sendo construída a ferrovia Madeira-
Mamoré, que junto com o desbravamento e integração telegrá�ca de Rondon ajudaram a ocupar a região do atual
estado de Rondônia. Nesse meio tempo, Rondon organizou e dirigiu o Serviço de Proteção aos Índios (1910). O objetivo
principal da SPI era proteger os índios frente à escravização que estava ocorrendo no norte do país, bem como
promover a integração dos mesmos, tendo em vista que tal órgão acreditava que o "índio" era um estágio transitório
que precisava ser tutelado até transformar-se em um proletário rural ou urbano.
Como chefe da SPI, o Marechal Rondon comandou e traçou o roteiro da expedição que o ex-presidente dos Estados
Unidos, Theodore Roosevelt, fez pelo interior brasileiro entre 1913 e 1914, que �cou conhecida como a Expedição
Roosevelt-Rondon. Cândido Rondon passou a ser assim, o principal intermediário entre o Estado brasileiro e os grupos
indígenas. Embora essa relação nem sempre fosse pací�ca, graças aos esforços e a mediação de Rondon, inúmeras
expedições foram feitas na bacia amazônica, o que apresentou uma diversidade ainda maior dentre os índios do Brasil. 
Ele publicou o livro Índios do Brasil, em três volumes, editado pelo Ministério da Agricultura. Incansável defensor dos
povos indígenasdo Brasil �cou famoso por sua frase: "Morrer, se preciso for; matar, nunca". 
Rondon teve sua importância reconhecida inúmeras vezes pelo governo brasileiro, recebendo diversas homenagens,
como nome dado ao estado de Rondônia. Marechal Rondon morreu em 1955, aos 92 anos de idade.
MOVIMENTOS EXPLORATÓRIOS DA AMAZÔNIA
A partir das décadas de 1920 e 1930, os movimentos exploratórios da Amazônia despertaram não só interesses
econômicos, mas também chamaram a atenção de muitos intelectuais brasileiros. 
Conforme visto em aulas anteriores, nesse período havia um forte debate sobre a identidade nacional brasileira, que
passava a encarar a mestiçagem de forma positiva. Embora boa parte dos estudos históricos e sociológicos se
detivesse ao exame do legado africano no Brasil, os antropólogos (brasileiros e estrangeiros) iniciaram uma série de
análises sobre os grupos indígenas. Foi graças a esses trabalhos que o arquétipo de índio construído no século XIX foi
desmontado. Em primeiro lugar, os estudos antropológicos apontaram que era impossível falar de índio no singular. O
contato com os portugueses e demais colonos havia transformado padrões socioeconômicos e culturais. O estudo
das línguas indígenas demonstra isso.
Segundo os estudos da FUNAI:
Texto na íntegra disponível em: www.funai.gov.br (glossário)
Tais estudos criaram novas demandas estatais. 
Em 1939 foi instituído o Conselho Nacional de Proteção aos Índios (CNPI, Decreto n° 1.794, de 22 de novembro de
1939), órgão que permitiu que antropólogos destacados atuassem na formulação das políticas indigenistas brasileiras.
https://estacio.webaula.com.br/cursos/gon002/www.funai.gov.br
Era preciso reavaliar a política "sertanista" do SPI que, em certa medida, dava continuidade às premissas coloniais
como a distribuição de presentes, a defesa de vestir os índios, ensinar-lhes a tocar instrumentos e a comportar-se
como ocidentais. 
O "governo dos índios" exigia ainda uma boa formação cientí�ca e "espírito de dedicação à causa pública". A produção
de informações cartográ�cas e ambientais era fundamental para subsidiar as atividades de conquista e exploração
comercial do interior.
Além disso, a proposta de registrar minuciosamente as expedições acabou por contribuir com a formação da
antropologia no Brasil e das coleções de cultura material indígena dos museus brasileiros e estrangeiros. Tal política já
vinha sendo questionada pelos irmãos Villas-Boas que �caram famosos por suas expedições na região central do
Brasil entre as décadas de 1940 e 1960.
Nesse contexto, antropólogos importantes como Heloísa Alberto Torres, Darcy Ribeiro, Roberto Cardoso de Oliveira,
Eduardo Galvão, tentaram levar ao SPI as premissas antropológicas da época, questionando os cânones e práticas
sertanistas. Embora considerassem inevitável a integração dos índios à sociedade nacional, defendiam que o órgão
indigenista não se comprometesse a estimular este processo. As discussões que propunham estavam em
consonância com os debates latino-americanos e internacionais mais amplos realizados no âmbito da Organização
das Nações Unidas (ONU), que, em 1957, promulgou, através da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a
Convenção nº 107 “Sobre a Proteção e Integração das Populações Indígenas e outras Populações Tribais e Semitribais
de Países Independentes”, que apenas foi rati�cada pelo Brasil em 1966 (Decreto nº 58.824/66). Os poucos recursos
destinados ao SPI e o baixo grau de pro�ssionalização dos seus funcionários (muitos deles militares e trabalhadores
rurais que não tinham qualquer conhecimento frente às questões indígenas) e acusações de genocídio levaram à
extinção do órgão juntamente com o CNPI.
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO (FUNAI)
Em 1967 foi criada a Fundação nacional do Índio (FUNAI) cujo principal objetivo era servir como tutora dos índios
brasileiros. A partir de então, cabe à FUNAI promover a educação básica aos índios; demarcar, assegurar e proteger as
terras por eles tradicionalmente ocupadas; estimular o desenvolvimento de estudos e levantamentos sobre os grupos
indígenas. 
A Fundação tem, também, a responsabilidade de defender as comunidades indígenas; promover o interesse da
sociedade nacional pelos índios e suas causas; e gerir o seu patrimônio e �scalizar suas terras, impedindo ações
predatórias de garimpeiros, posseiros, madeireiros e quaisquer outras que ocorram dentro de seus limites e que
representem um risco à vida e à preservação desses povos.
DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS
Uma das questões mais trabalhadas pela FUNAI é a demarcação das terras indígenas. Na legislação brasileira terra
indígena é “a terra tradicionalmente ocupada pelos índios, por eles habitada em caráter permanente, utilizada para as
suas atividades produtivas, imprescindível à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e
para à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. Atualmente, para uma terra ser
reconhecida e demarcada como indígena, ela precisa passar por um longo processo:
Observa-se que esse é um processo longo e burocrático, e que ainda tem que se deparar com outros obstáculos. De
um lado, os interesses econômicos, sobretudo a exploração madeireira e a derrubada sistemática da �oresta
amazônica para a criação de gado e a produção de soja têm colocado sociedades indígenas, a FUNAI e os grandes
proprietários de terra em constante embate. De outro, a noção de terra e território dos grupos indígenas é muito mais
�uida do que a lei brasileira determina. Conforme visto nas primeiras aulas do curso, a maior parte das sociedades
indígenas era nômade ou seminômade o que, por si só, já aponta outros usos e signi�cados da terra para esses povos.
MAPA DAS TERRAS INDÍGENAS BRASILEIRAS
Percebe-se, então, que as questões referentes às populações indígenas ainda estão longe de uma solução que agrade
os diferentes sujeitos, principalmente os índios. Embora a presença indígena e o legado por eles deixado na história e
nos costumes do Brasil sejam cada vez mais reconhecidos, ainda falta muito para que sua integração seja feita de
forma efetiva, levando em consideração não só os interesses da União, mas a diversidade indígena em suas múltiplas
facetas.
Glossário

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