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GRADUAÇÃO 2018.1 FINANÇAS PÚBLICAS AUTOR: LEONARDO DE ANDRADE COSTA COLABORAÇÃO: FELIPE GALVÃO PUCCIONI Sumário Finanças Públicas PlAnO De enSinO .................................................................................................................................................3 AUlA 1 — PRé-cOmPReenSÃO DO temA. AS neceSSiDADeS PúblicAS e A AtiviDADe FinAnceiRA DO eStADO. bReve hiStóRicO DOS tRibUtOS e DAS FinAnÇAS PúblicAS em FAce DA evOlUÇÃO SOciAl. ................................................................................6 AUlA 2 — AtiviDADe FinAnceiRA DO eStADO nA FeDeRAÇÃO. ......................................................................................26 AUlA 3 — O eStADO FinAnceiRO, A RePúblicA e O FeDeRAliSmO FiScAl. A DiStRibUiÇÃO De FUnÇõeS entRe OS PODeReS. ........44 AUlA 4 — O PlAnejAmentO e AS leiS ORÇAmentáRiAS (PPA, lDO e lOA) ........................................................................68 AUlA 5 — OS PRincíPiOS ORÇAmentáRiOS ..............................................................................................................94 AUlA 6 — OS cRéDitOS ORÇAmentáRiOS e ADiciOnAiS .............................................................................................105 AUlA 7 — A DeSPeSA PúblicA, A execUÇÃO DO ORÇAmentO e A ReSPOnSAbiliDADe FiScAl. ..............................................119 AUlA 8 — O FinAnciAmentO DOS GAStOS, AS OPeRAÇõeS De cRéDitO e A DíviDA PúblicA em FAce DO eqUilíbRiO FiScAl. .......139 AUlA 9 — AS tRAnSFeRênciAS cOnStitUciOnAiS e A PARtilhA De ReceitA tRibUtáRiA nO FeDeRAliSmO FiScAl bRASileiRO ..153 AUlA 10 — A ReceitA PúblicA nO âmbitO DA teORiA GeRAl DOS inGReSSOS PúblicOS. ...................................................176 AUlA 11 — A ReceitA PúblicA e A lei De ReSPOnSAbiliDADe FiScAl ...........................................................................190 AUlA 12 — O tRibUnAl De cOntAS e O cOntROle DA execUÇÃO ORÇAmentáRiA. ............................................................194 ReFeRênciAS bibliOGRáFicAS ............................................................................................................................208 FINANÇAS PÚBLICAS 3FGV DIREITO RIO Plano de ensino DISCIPLINA: Finanças Públicas CÓDIGO: PROFESSOR: Leonardo de Andrade Costa CARGA HORÁRIA: 30 horas EMENTA As necessidades públicas. Atividade financeira do estado. Histórico dos tributos e das finanças públicas em face da evolução social. Federação. Fede- ralismo fiscal. Distribuição de funções entre os poderes. Planejamento orça- mentário. Leis orçamentárias. Crédito orçamentário e Adicionais. Despesa pública. responsabilidade fiscal. Financiamento de gastos. Operações de cré- dito. Equilíbrio fiscal. Partilha de receitas. Receita pública. Ingressos públi- cos. Controle de execução orçamentária. Tribunal de contas. OBJETIVOS GERAIS Conhecer as noções fundamentais de Finanças Públicas: a atividade finan- ceira do Estado, o federalismo fiscal, o planejamento e as leis orçamentárias, assim como os princípios que orientam o orçamento. Examinar a forma de financiamento dos gastos estatais, a partilha de receitas tributárias, a atuação do Tribunal de Contas e o controle da execução orçamentária, com destaque para os controles das despesas públicas. Compreender as múltiplas faces das receitas públicas e introduzir as suas diversas espécies. FINANÇAS PÚBLICAS 4FGV DIREITO RIO OBJETIVOS ESPECÍFICOS Dotar o aluno dos requisitos analíticos necessários para compreender as finanças públicas como instrumento de coordenação de políticas estatais vi- sando o atendimento das necessidades públicas. METODOLOGIA A disciplina será conduzida por meio da combinação de exposições dia- logadas com o método socrático de ensino. A participação dos alunos será amplamente estimulada, além da exigência de leituras prévias indicadas. O conteúdo também será desenvolvido com a realização de casos concretos e exercícios em sala. PROGRAMA Aula 1 — Pré-compreensão do tema. As Necessidades Públicas e a Ati- vidade Financeira do Estado. Breve histórico dos Tributos e das Finanças Públicas em face da evolução social Aula 2 — Atividade Financeira do Estado na Federação Aula 3 — O Estado Financeiro, a República e o Federalismo Fiscal. A distribuição de funções entre os Poderes Aula 4 — O Planejamento e as Leis Orçamentárias (PPA, LDO e LOA) Aula 5 — Princípios Orçamentários Aula 6 — Os Créditos Orçamentários e Adicionais P1 Revisão da P-1 Aula 7 — A Despesa Pública, a Execução do Orçamento e a Responsabi- lidade Fiscal Aula 8 — O Financiamento dos Gastos, as Operações de Crédito e a Dí- vida Pública em face do equilíbrio fiscal FINANÇAS PÚBLICAS 5FGV DIREITO RIO Aula 9 — As transferências constitucionais e a partilha de receita tributá- ria no Federalismo Fiscal Brasileiro Aula 10 — A Receita Pública no âmbito da teoria geral dos Ingressos Públicos Aula 11 — A Receita Pública e a Lei de Responsabilidade Fiscal Aula 12 — O Tribunal de Contas e o Controle da Execução Orçamentária P2 Prova Final CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO Duas provas de igual peso. BIBLIOGRAFIA OBRIGATÓRIA COSTA, Leonardo de Andrade Costa. Finanças Públicas – Material Didático FGV DIREITO. Rio de Janeiro. 2018.1. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 19ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2013.1. HARADA, Hiyoshi. Direito Financeiro e tributário. 24ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 5ª ed. ver. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. REZENDE, Fernando. Finanças Públicas. 2ª ed. São Paulo: Atlas. 2006. FINANÇAS PÚBLICAS 6FGV DIREITO RIO aula 1 — Pré-comPreensão do tema. as necessidades Públicas e a atividade Financeira do estado. breve histórico dos tributos e das Finanças Públicas em Face da evolução social. 1.1 PRÉ-COMPREENSÃO DO TEMA As Finanças Públicas e o Direito Financeiro possuem o mesmo objeto de estudo, isto é, a atividade financeira do Estado (AFE)1. Apesar desse ponto em comum, a disciplina jurídica-financeira é nor- mativa e eminentemente prática, ao passo que a ciência das finanças é substancialmente especulativa, não possuindo caráter disciplinador, pois é pré-normativa e atinente ao campo da economia. Isso não significa, no entanto, que a ciência jurídica das finanças públicas possua um fim em si mesma e possa ser estudada, compreendida e aplicada sem a permanente interação com os outros campos do conhecimento formal e da realidade que se interpenetram. Com efeito, a capacidade humana de compreender a realidade é limitada, o que suscita as inevitáveis segmentações dos objetos e relações sob estudo, e bem assim a criação de modelos simplificados e parciais para o seu exame. A compreensão de cada parte que compõe o objeto de estudo das Finan- ças Públicas, assim como da interação de seu conjunto e a realidade social, pressupõe o entendimento de alguns elementos de natureza estruturante da atividade financeira do Estado e bem assim do caráter multifacetado dos orçamentos, das despesas públicas, dos tributos e das demais receitas públicas não tributárias. Conforme será visto, esses temas podem ser examinados a partir do ponto de vista estritamente normativo, do enfoque exclusivamente econômico ou, ainda, da perspectiva em que o Direito, a Economia e a Política se correla- cionam e interpenetram. Destacam-se entre esses elementos, todos essenciais ao entendimento da matéria e cuja análise efetivar-se-á ao longo do curso: 1. os princípios fundantes do ordenamento jurídico brasileiro voltados para a pulverização e contenção do exercício dos poderes estatais, destacando-se entre eles o sistema de distribuição de funções, de independência e de harmonia entre os denominados “Poderes” da República2, assim como a Forma de Estado3 Democrático4 de Di- reito, usualmente denominados dePrincípios Republicano, Federa- tivo e Democrático, respectivamente, além da Forma e do Sistema de Governo5 implementados; 1 Conforme será explicitado abaixo, a AFE compreende os orçamentos, que se conectam ao planejamento do Estado, as despesas, a dívida pública bem como as diferentes formas de financiamento dos gastos públicos, que constituem as diversas receitas públicas. 2 Vide artigo 2º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de agora em diante simplesmente CR-88, cujo Título IV intitula-se “Da Organização dos Poderes”. A parte relevante do tema para o presente estudo será apresentada na Aula 3 e detalhado na Aula 4. 3 No caso brasileiro, a adoção da forma de Estado Federado está expressa, em especial, nos artigos 1º, 18 e 60, §4º, I, da CR-88. O Federalismo Fiscal será introduzido na Aula 2 ocasião em que será iniciado o estudo do Capítulo II, do Título VI, da CR-88 (art. 163 a 169), intitulado “Das Finanças Públicas”. O exame do atual regime de repartição de receitas tributárias na Federação brasileira será aprofundado na Aula 9. A introdução dos aspectos gerais do sistema de atribuição de competências tributárias entre os entes políticos no Brasil será realizada na Aula 11, ocasião em que será apresentado o Capítulo I, do Título VI, da CR-88, denominado “Do Sistema Tributário Nacional” - art. 145 a 162 da CR-88, matéria a ser estudada no 4º período em disciplina obrigatória intitulada nos mesmos termos. 4 O estudo da dinâmica e da ratio subjacente ao processo político democrático é de fundamental importância para a compreensão de quais deveriam ser, sob o ponto de vista teórico, as atribuições de cada um dos denominados Poderes da República na definição e execução das políticas públicas a serem implementadas pelos entes políticos, assim como o papel do planejamento e dos orçamentos na sociedade brasileira. 5 Vide art. 2º dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Essa questão é importante, por exemplo, para a compreensão dos possíveis efeitos sobre o exercício da competência tributária privativa dos entes políticos subnacionais (Estados, Distrito Federal e Municípios), na hipótese em que os tratados internacionais de natureza tributária firmados pelo presidente da República Federativa do Brasil, o qual é ao mesmo tempo chefe do Poder Executivo da União e chefe de Estado – da República Federativa do Brasil, estabeleçam isenções e benefícios fiscais de tributos estaduais e municipais. Sobre o tema importante ressaltar a decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, no Recurso Extraordinário (RE) 229.096-0, acórdão que será examinado no próximo semestre, na disciplina intitulada Sistema Tributário Nacional 1 Conforme será explicitado abaixo, a AFE compreende os orçamentos, que se conectam ao planejamento do Esta- do, as despesas, a dívida pública bem como as diferentes formas de financia- mento dos gastos públicos, que cons- tituem as diversas receitas públicas. 2 Vide artigo 2º da Constituição da Re- pública Federativa do Brasil de 1988, de agora em diante simplesmente CR-88, cujo Título IV intitula-se “Da Organização dos Poderes”. A parte relevante do tema para o presente estudo será apresentada na Aula 3 e detalhado na Aula 4. 3 No caso brasileiro, a adoção da forma de Estado Federado está expressa, em especial, nos artigos 1º, 18 e 60, §4º, I, da CR-88. O Federalismo Fiscal será introduzido na Aula 2 ocasião em que será iniciado o estudo do Capítulo II, do Título VI, da CR-88 (art. 163 a 169), intitulado “Das Finanças Públicas”. O exame do atual regime de repartição de receitas tributárias na Federação brasileira será aprofundado na Aula 9. A introdução dos aspectos gerais do sistema de atribuição de competências tributárias entre os entes políticos no Brasil será realizada na Aula 11, ocasião em que será apresentado o Capítulo I, do Título VI, da CR-88, denominado “Do Sistema Tributário Nacional” - art. 145 a 162 da CR-88, matéria a ser estudada no 4º período em disciplina obrigatória intitulada nos mesmos termos. 4 O estudo da dinâmica e da ratio sub- jacente ao processo político democrático é de fundamental importância para a compreensão de quais deveriam ser, sob o ponto de vista teórico, as atribuições de cada um dos denominados Poderes da República na definição e execução das políticas públicas a serem implementa- das pelos entes políticos, assim como o papel do planejamento e dos orçamen- tos na sociedade brasileira. 5 Vide art. 2º dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Essa questão é importante, por exemplo, para a compreensão dos possíveis efei- tos sobre o exercício da competência tributária privativa dos entes políticos subnacionais (Estados, Distrito Federal e Municípios), na hipótese em que os tratados internacionais de natureza tri- butária firmados pelo presidente da Re- pública Federativa do Brasil, o qual é ao mesmo tempo chefe do Poder Executivo da União e chefe de Estado – da Repú- blica Federativa do Brasil, estabeleçam isenções e benefícios fiscais de tributos estaduais e municipais. Sobre o tema importante ressaltar a decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, no Recurso Extraordinário (RE) 229.096-0, acórdão que será exami- nado no próximo semestre, na disciplina intitulada Sistema Tributário Nacional. FINANÇAS PÚBLICAS 7FGV DIREITO RIO 2. a função de planejamento exercida pelo Estado6 e a sua ligação com as finanças públicas por meio dos orçamentos7, instrumentos neces- sários para a realização da atividade financeira pública; 3. as diversas estratificações, fases e dinâmica dos gastos públicos bem como das múltiplas fontes para o seu financiamento (as receitas públicas); 4. os limites à atuação do Estado atual em face dos direitos e garan- tias do cidadão contribuinte; A necessidade do prévio entendimento desses elementos, que englobam múltiplas disciplinas, decorre do fato de que as Finanças Públicas e a Tri- butação são subsistemas tanto do Direito como da Economia, e, ao mesmo tempo, expressão e resultante de um longo processo de sedimentação Polí- tica e Cultural de determinado povo, localizado em território definido em dado momento histórico, sob as inevitáveis influências das múltiplas intera- ções dinâmicas de âmbito local, regional e global. No entanto, se por um lado existe o requisito do exame multidiscipli- nar e interdisciplinar das questões envolvidas, deve-se repisar que as normas econômicas não possuem caráter impositivo formal por força de sua simples existência, razão da indispensabilidade da norma jurídica, pois somente esta se reveste da coercitividade muitas vezes necessária à realização e disciplina da atividade financeira estatal e, ao mesmo tempo, pode, também, fixar os limites e os parâmetros para a atuação do Estado de Direito, reduzindo o ris- co de descumprimento8 das “regras do jogo” pelas partes que interagem nas relações financeiras e tributárias. Como já destacado, o estudo das Finanças Públicas possui caráter eminen- temente especulativo e abrange toda a atividade financeira do Estado, isto é, os orçamentos, as despesas, a dívida pública bem como as diferentes formas de financiamento dos gastos públicos, destacando-se entre elas os tributos, as receitas decorrentes do patrimônio do próprio Estado e o crédito público. Em suma, apesar do Direito Financeiro e as Finanças Públicas possuírem o mesmo objeto de estudo (a AFE), a primeira disciplina é eminentemente normativa e a segunda marcadamente especulativa, tendo como objetivo pre- cípuo o exame das possíveis alternativas políticas e os impactos econômicos decorrentes da atividade financeira do Estado, o que abrange a análise dos custos e benefícios envolvidos. Em sentido análogo, o estudo dos tributos é objeto de exame tanto do Direito Tributário como da Tributação, apesar do enfoque do primeiro ser jurídico e do segundo ser econômico. Inquestionável, entretanto,que so- mente é possível compreender a relação jurídica-tributária e a tributação no contexto das Finanças Públicas em sua interação com a Política, o Direito e a Economia, fenômenos indissociáveis9 e usualmente analisados separada- mente por comodidade ou questões de ordem didática. 6 O Estado atua, além do planejamento, que será objeto de estudo na Aula 4 na fiscalização e no incentivo, e bem assim como agente norma- tivo e regulador da atividade econômica (art.174 da CR-88), na prestação de serviços públicos (art. 175 da CR-88), na exploração da atividade econômica (art. 173 da CR-88), em regime de monopólio ou não (art. 177 da CR-88), no exercício do poder de polícia (art. 78 da Lei nº 5.172/66, norma denominada de Código Tributário Nacional (CTN) pelo Ato Complementar n 36/67 e recepcionada com status de lei complementar pela CR-88, conforme será examinado a partir da Aula 9). 7 O Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). 8 LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983. Tradução de Gustavo Bayer. p. 110 e 115. Assevera o autor que: “a normatização dá continuidade a uma expectativa, independentemente do fato de que ela de tempos em tempos venha a ser frustrada. Através da institucionalização o consenso geral é suposto, independentemente do fato de não existir uma aprovação individual (...) O direito não é primariamente um ordenamento coativo, mas sim um alívio para as expectativas. O alívio consiste na disponibilidade de caminhos congruentemente generalizados para as expectativas, significando uma eficiente indiferença inofensiva contra outras possibilidades, que reduz consideravelmente o risco de expectativa contrafática”. A contenção e os limites da atuação estatal na seara tributária serão abordados na disciplina Sistema Tributário Nacional. 9 Para a compreensão do tema recomenda-se a revisão da Aula 3 do Material didático de Direito Constitucional I (2010.2) – intitulada Conceito de Sistema. 6 O Estado atua, além do planeja- mento, que será objeto de estudo na Aula 4 na fiscalização e no incentivo, e bem assim como agente normativo e regulador da atividade econômica (art.174 da CR-88), na prestação de serviços públicos (art. 175 da CR-88), na exploração da atividade econômi- ca (art. 173 da CR-88), em regime de monopólio ou não (art. 177 da CR-88), no exercício do poder de polícia (art. 78 da Lei nº 5.172/66, norma deno- minada de Código Tributário Nacional (CTN) pelo Ato Complementar n 36/67 e recepcionada com status de lei com- plementar pela CR-88, conforme será examinado a partir da Aula 9). 7 O Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). 8 LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983. Tradução de Gustavo Bayer. p. 110 e 115. Assevera o autor que: “a normatização dá continuidade a uma expectativa, independentemente do fato de que ela de tempos em tem- pos venha a ser frustrada. Através da institucionalização o consenso geral é suposto, independentemente do fato de não existir uma aprovação indivi- dual (...) O direito não é primariamente um ordenamento coativo, mas sim um alívio para as expectativas. O alívio consiste na disponibilidade de cami- nhos congruentemente generalizados para as expectativas, significando uma eficiente indiferença inofensiva contra outras possibilidades, que reduz con- sideravelmente o risco de expectativa contrafática”. A contenção e os limites da atuação estatal na seara tributária serão abordados na disciplina Sistema Tributário Nacional. 9 Para a compreensão do tema recomenda-se a revisão da Aula 3 do Material didático de Direito Constitu- cional I (2010.2) – intitulada Concei- to de Sistema. FINANÇAS PÚBLICAS 8FGV DIREITO RIO 1.2 AS FINANÇAS EM SEuS MúLTIPLOS ASPECTOS Fixadas essas noções preliminares, torna-se importante salientar o sentido e o alcance da expressão finanças para melhor compreensão da matéria. Em sentido comum10, as finanças expressam a situação de uma pessoa na- tural ou jurídica, de direito público ou de direito privado, relativamente aos recursos econômicos disponíveis. Os bens e direitos, meios necessários para a satisfação dos mais varia- dos desejos e objetivos de quem os possui, podem ter diversos graus de li- quidez, ou seja, a pessoa pode dispor desde moeda corrente nacional11 ou estrangeira até imóveis de difícil alienação, seja em função das exigências le- gais para a autorização de sua disposição ou em função de condições de mercado. Por outro lado, é importante ressaltar a necessidade de que seja também identificada, para as mesmas pessoas, titulares dos ativos, a existência e o montante de possíveis obrigações vinculadas a essas disponibilidades, isto é, se há também obrigações e dívidas assumidas, tendo em vista a relevância de que seja determinada a posição patrimonial líquida (capital próprio).12 Assim, a determinação da posição econômica e financeira de uma pessoa, de direito público ou privado, requer: (1) a definição de mecanismos para a quantificação monetária13 dos ativos e passivos, à exceção daqueles valores mantidos em caixa ou depositados em instituições financeiras, bem como dos passivos já expressos em moeda corrente; e (2) de um sistema para a sua evidência, controle e gerenciamento ao longo do tempo. Idealmente, o sistema adotado para evidenciar as finanças, públicas ou privadas, deve compreender grupos de contas que expressem a realidade da atividade da organização, um regime de registro e contabilização dos atos e fatos relevantes, bem como demonstrativos financeiros que possibilitem o eficiente controle e a gestão da atividade da entidade e, ao mesmo tempo, aptos a informar adequadamente a situação: (a) Patrimonial, em determinado momento do tempo, bem como as suas variações entre períodos determinados (mutações ou variações patrimoniais); (b) Financeira, propriamente dita, adequada ao gerenciamento de li- quidez de curto prazo e do fluxo de caixa necessário ao financiamen- to das atividades operacionais correntes e de investimentos, bem como da estrutura de capital e de solvência de longo prazo; e (c) Orçamentária, que expresse se foram, e em que grau, atingidas as metas estabelecidas, além de permitir o gerenciamento das ações planejadas, tendo em vista que o orçamento moderno (orçamento-programa) é ins- trumento essencial de ligação entre o planejamento das ações e as finan- ças, permitindo a operacionalização efetiva e concreta dos planos de tra- balho, na medida em que os monetariza, isto é, quantifica-os em moeda permitindo o estabelecimento de cronogramas físico-financeiros. 10 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa/ Aurélio Buarque de Holanda. 3ª ed. totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira , 1999. “finanças. A situação econômica de uma instituição, empresa, governo ou indivíduo, com respeito aos recursos econômicos disponíveis, esp. dinheiro, ou ativo líquido; ou condição financeira”. 11 O artigo 48, II, da Constituição da República de 1988 fixa a competência do Congresso Nacional para dispor sobre “emissões de curso forçado” e o artigo 315 do Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406, de 10.01.2002) estabelece que “as dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente pelo valor nominal” salvo os casos previstos em legislação especial, a teor do disposto no artigo 318 do mesmo CC. Já o artigo 1° da Lei n° 10.192/2001 determina que o pagamento das obrigações pecuniárias exequíveis no território nacional deve ser realizado em real, ressalvadas as exceções previstas na legis- lação. Nos termos dos artigos 5° e 42 da Lei n° 8.666/1993, a qual dispõe sobre as licitações e os contratos públicos, todos os valores, preços e custos utilizados em licitações devem ter como expressão monetária a moeda correntenacional, ressalvada a hipótese de concorrência de âmbito internacional, cujo edital deve ajustar-se às diretrizes da política monetária e do comércio exterior e atender às exigências dos órgãos competentes. 12 Sob o ponto de vista jurídico Caio Mário da Silva Pereira pontua que “A idéia de patrimônio não está perfeitamente aclarada entre os modernos juristas, talvez em razão de não ter o direito romano fixado com segurança as suas linhas. Segundo a noção corrente, patrimônio seria o complexo das relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis economicamente. (...) Daí dizer-se que o patrimônio não é apenas o conjunto de bens. (...) Noutros termos, o patrimônio se compõe de um lado positivo e de outro negativo. A idéia geral é que a noção jurídica de patrimônio não importa balancear a situação, e apurar qual é o preponderante. Por não se terem desprendido desta preocupação de verificar o ativo, alguns se referem ao patrimônio líquido, que exprime o saldo positivo, uma subtração dos valores passivos dos ativos. Ao economista interessa a verificação. Também ao jurista tem de cogitar dela às vezes, quando tem de apurar a solvência do devedor, isto é, a aptidão econômica de resgatar seus compromissos com os próprios haveres. Mas, em qualquer hipótese o patrimônio abraça todo um conjunto de valores ativos e passivos, sem indagação de uma eventual subtração ou de um balanço”. In. PEREIRA,Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 19ª ed. Volume I. Rio de Janeiro. Ed. Forense, 2002. p. 245. 13 Princípio Contábil do denominador comum monetário. 10 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa/ Aurélio Buarque de Holanda. 3ª ed. totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira , 1999. “finanças. A situação econômica de uma instituição, empresa, governo ou indivíduo, com respeito aos recursos econômicos disponíveis, esp. dinheiro, ou ativo líquido; ou condição financeira”. 11 O artigo 48, II, da Constituição da República de 1988 fixa a competência do Congresso Nacional para dispor so- bre “emissões de curso forçado” e o artigo 315 do Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406, de 10.01.2002) estabelece que “as dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente pelo valor nominal” salvo os casos previstos em legislação especial, a teor do disposto no artigo 318 do mesmo CC. Já o artigo 1° da Lei n° 10.192/2001 determina que o pagamento das obriga- ções pecuniárias exequíveis no território nacional deve ser realizado em real, ressalvadas as exceções previstas na le- gislação. Nos termos dos artigos 5° e 42 da Lei n° 8.666/1993, a qual dispõe sobre as licitações e os contratos públicos, to- dos os valores, preços e custos utilizados em licitações devem ter como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvada a hipótese de concorrência de âmbito internacional, cujo edital deve ajustar-se às diretrizes da política mone- tária e do comércio exterior e atender às exigências dos órgãos competentes. 12 Sob o ponto de vista jurídico Caio Mário da Silva Pereira pontua que “A idéia de pa- trimônio não está perfeitamente aclarada entre os modernos juristas, talvez em ra- zão de não ter o direito romano fixado com segurança as suas linhas. Segundo a noção corrente, patrimônio seria o complexo das relações jurídicas de uma pessoa apreci- áveis economicamente. (...) Daí dizer-se que o patrimônio não é apenas o conjunto de bens. (...) Noutros termos, o patrimônio se compõe de um lado positivo e de outro negativo. A idéia geral é que a noção jurí- dica de patrimônio não importa balancear a situação, e apurar qual é o preponderan- te. Por não se terem desprendido desta preocupação de verificar o ativo, alguns se referem ao patrimônio líquido, que ex- prime o saldo positivo, uma subtração dos valores passivos dos ativos. Ao economista interessa a verificação. Também ao jurista tem de cogitar dela às vezes, quando tem de apurar a solvência do devedor, isto é, a aptidão econômica de resgatar seus compromissos com os próprios haveres. Mas, em qualquer hipótese o patrimô- nio abraça todo um conjunto de valores ativos e passivos, sem indagação de uma eventual subtração ou de um balanço”. In. PEREIRA,Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 19ª ed. Volume I. Rio de Janeiro. Ed. Forense, 2002. p. 245. FINANÇAS PÚBLICAS 9FGV DIREITO RIO 13 Princípio Contábil do denominador comum monetário. Fluxo de Receita (por dia, mês etc.) Tempo tempo 1 tempo 2 momento no tempo Fluxo de Despesa (por dia, mês etc) 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 Ativo = 150 100 Passivo = 50 Ativo = 550 500 Passivo = 50 Total = 800 Total = 400 Receitas 800 Despesas <400> Resultado +400 Balanço Patrimonial 2 Balanço Patrimonial 1 Nesse sentido, cabe salientar que o correto entendimento dos mecanis- mos de quantificação monetária dos bens, direitos e obrigações, assim como das respectivas demonstrações financeiras que os evidenciam, é pressuposto à compreensão das Finanças Públicas e, em especial, de aspectos essenciais da tributação da renda, que ao lado do consumo e do patrimônio consubstan- ciam os substratos econômicos de incidência tributária. Também é preliminar ao exame da matéria a distinção entre dois modelos de medidas adotados em análise econômica, denominadas, respectivamente, (1) stock measure, relacionado ao conceito de estoque, e (2) flow measure, vin- culado à quantificação de fluxos. O fluxo é definido ao longo de um período específico de tempo (por ano, mês, dia etc.), ao passo que o estoque refere-se a um dado momento no tempo, e não durante e ao longo de um dado perí- odo de tempo. Essa análise permite o acompanhamento da execução do que foi programando, por meio da verificação da execução dos orçamentos, o que explicita a situação patrimonial e financeira em um dado momento do tempo e ao longo do período. Assim, em termos gerais e de forma esquemá- tica, visando à compreensão dos elementos constitutivos básicos da análise da situação patrimonial e financeira de uma organização, pode-se representar o que se deseja alcançar no momento da seguinte forma: Ao fluxo de receitas é contraposto o conjunto de despesas do período, o que permite determinar a situação líquida do patrimônio, ao final do cada exercí- cio, bem como as variações patrimoniais entre dois momentos determinados no tempo. Cabe ressaltar, entretanto, a possibilidade de existir fluxo financeiro sem impacto no Patrimônio Líquido, o que será examinado durante o curso. FINANÇAS PÚBLICAS 10FGV DIREITO RIO No exemplo, não foi alterada a situação do passivo ao longo do período a fim de facilitar essa análise inicial. Saliente-se, que parte da dificuldade da gestão e do controle financeiro e patrimonial, público e privado, decorre do fato de que a despesa ou a receita gerada em determinado exercício - sob o ponto de vista jurídico ou econômico - nem sempre é realizada financeiramente no mesmo período, podendo ocorrer, portanto, desco- nexões entre: (1) o fluxo monetário; e (2) a contabilização do evento que altera a situação patrimonial líquida. Nesse sentido, importante frisar que o curso deste semestre se inicia com uma visão geral da matéria e da Atividade Financeira do Estado ao longo da história. Precipuamente, serão abordados os diversos temas atinentes ao campo tradicionalmente definido como pertinente ao Direito Financeiro e às Finanças Públicas, tais como o Financiamento dos Gastos e a Recei- ta Pública no âmbito da Teoria Geral dos Ingressos Públicos, a Despesa Pública, a Responsabilidade Fiscal, os Orçamentos (a Lei do Orçamen- to Anual – LOA, a Lei do Plano Plurianual –PPA e a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO), oControle da Execução Orçamentária, a Dívida Pública e o sistema de Repartição Constitucional de Receitas Tributárias. 1.3 AS NECESSIDADES PúBLICAS E A ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO. Os indivíduos possuem interesses e demandas variadas, as quais, em seu conjunto, formam o que se denomina de necessidades gerais ou sociais14. Nesse sentido, as demandas coletivas seriam a resultante abstrata do so- matório das necessidades individuais. O Estado, entretanto, considerando, por um lado, a limitação15 dos recursos disponíveis (naturais, humanos, tec- nológicos, financeiros etc.), e, por outro, as demandas individuais e sociais infinitas, elege, por meio do processo político, que varia de forma e conte- údo no tempo e no espaço, aquelas para as quais alocará esforços visando ao seu atendimento: são as chamadas necessidades públicas. Assim, uma vez fixado normativamente o dever do Estado em realizar apenas algumas de- mandas coletivas politicamente determinadas – as políticas públicas-, o que ocorre modernamente por meio dos orçamentos, conforme será estudado nas próximas aulas, as mesmas se convolam e transmudam em necessidades públicas, a serem satisfeitas por meio dos serviços públicos, os quais se qua- lificam como o conjunto de bens e pessoas sob a responsabilidade do Estado. Os serviços públicos, que são instrumentos do Estado para o alcance dos fins a que se propõe, se realizam, atualmente, quase que exclusivamente, por meio da utilização da atividade financeira do Estado. Nesse sentido ensina Aliomar Baleeiro16 que: 14 Fábio Nadal e Marcio Cozatti apontam no sentido de que “a necessidade pública não se confunde com necessidade individual (cujo grupamento dá lugar às necessidades gerais que são, por excelência, homogêneas) e necessidade coletiva (não revestida de homogeneidade e que surge da contraposição de interesses)”. NADAL, Fábio e COZATTI, Márcio Faria. Direito Financeiro simplificado para concursos públicos. São Paulo: Impactus, 2008. p. 19. 15 Importante salientar a existência da denominada reserva do possível, adotada pela jurisprudência alemã, princípio associado à constatação de que todos os direitos têm custo e que os recursos públicos são limitados, razão pela qual haverá sempre e em qualquer circunstância a necessidade de escolha entre o que será e o que não será realizado pelo Poder Público. SCHWABE, Jürgen (Organizador). Cinqüenta Anos de Jurisprudência do Tribunal Constitu- cional Federal Alemão. Tradução Leonardo Martins e outros. Montivideo: Fundação Konrad Adenauer, 2005. p. 660-664.BVERFGE 33, 303. De fato, a própria Convenção Americana sobre Direitos Humanos, denominado Pacto de San José da Costa Rica, aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo 27, de 25.09.1992 e promulgada pelo Decreto 678, de 06.11.1992, estabelece em seu art. 26, intitulado “desenvolvimento progressivo”, que: “os Estados partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.” 16 BALEEIRO, Alimoar. Uma introdução à ciência das finanças. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 3-4. 14 Fábio Nadal e Marcio Cozatti apontam no sentido de que “a necessidade pú- blica não se confunde com necessidade individual (cujo grupamento dá lugar às necessidades gerais que são, por ex- celência, homogêneas) e necessidade coletiva (não revestida de homogenei- dade e que surge da contraposição de interesses)”. NADAL, Fábio e COZATTI, Márcio Faria. Direito Financeiro sim- plificado para concursos públicos. São Paulo: Impactus, 2008. p. 19. 15 Importante salientar a existência da denominada reserva do possível, adota- da pela jurisprudência alemã, princípio associado à constatação de que todos os direitos têm custo e que os recursos públicos são limitados, razão pela qual haverá sempre e em qualquer circuns- tância a necessidade de escolha entre o que será e o que não será realizado pelo Poder Público. SCHWABE, Jürgen (Organizador). Cinqüenta Anos de Jurisprudência do Tribunal Consti- tucional Federal Alemão. Tradução Leonardo Martins e outros. Montivideo: Fundação Konrad Adenauer, 2005. p. 660-664.BVERFGE 33, 303. De fato, a própria Convenção Americana sobre Direitos Humanos, denominado Pacto de San José da Costa Rica, aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo 27, de 25.09.1992 e promulgada pelo Decreto 678, de 06.11.1992, estabelece em seu art. 26, intitulado “desenvolvimento progressivo”, que: “os Estados partes comprometem-se a adotar as provi- dências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recur- sos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.” 16 BALEEIRO, Alimoar. Uma introdução à ciência das finanças. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 3-4. FINANÇAS PÚBLICAS 11FGV DIREITO RIO (...) se, em tempos remotos, foi usual, e hoje, excepcionalmente, ain- da se verifica a requisição pura e simples daquelas coisas e serviços dos súditos, ou a colaboração gratuita e honorífica destes nas funções governamentais em verdade, na fase contemporânea, o Estado cos- tuma pagar com dinheiro os bens e o trabalho necessários ao desem- penho da sua missão. É o processo da despesa pública, que substi- tui, com vantagem, o da requisição, o da gratuidade de cargos, o do apossamento dos cabedais dos inimigos vencidos, embora de tudo isso ainda perdurem resquícios, notadamente em tempo de guerra. A regra, hoje, é o pagamento em moeda e, por isso, constitui atividade financeira a que o Estado, as províncias e municípios exercem para obter dinheiro e aplicá-lo ao pagamento de indivíduos e coisas utili- zadas na criação e manutenção de vários serviços públicos. No Brasil, a determinação das necessidades públicas a serem atendidas pelo instrumento da atividade financeira do Estado é feita pelo processo polí- tico democrático. Assim, é importante destacar que o poder constituinte ori- ginário definiu ser objetivo fundamental da República Federativa do Brasil17: “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “garantir o desenvolvimen- to nacional”, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigual- dades sociais e regionais” e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Para alcançar tais mandamentos constitucionais, o poder público disci- plina as relações econômicas e sociais, planeja e executa uma série de ações, entre as quais se destaca a política macroeconômica, cujos objetivos, cor- relatos àqueles fundamentais constitucionalmente qualificados, podem ser sumarizados como: (a) a busca de alto nível de emprego; (b) a estabilidade de preços; (c) a distribuição equitativa da renda; e (d) o crescimento econômico. Os principais instrumentos utilizados na condução da política macroe- conômica para atingir esses fins são “as políticas fiscal, monetária, cambial e comercial, e de rendas”18, todas integrantes da denominada atividade finan- ceira do Estado, caso adotado um conceito amplo19 para o termo. De fato, inquestionável a relevância e a interpenetração de cada uma dessas políticas econômicas, em especial para atingir consistência e coordenação entre as po- líticas públicas que ensejam as despesas do governo e as metas macroeconô- micas, matéria cujo exame detalhado extrapola o objeto deste curso.Nesse semestre serão abordados apenas os aspectos mais relevantes dessas questões, na medida em que o estudo dos instrumentos diretamente relacio- nados (1) à obtenção das receitas e financiamento dos gastos, (2) à reali- zação das despesas, (3) ao planejamento orçamentário e à gestão fiscal e patrimonial do Poder Público suscitem uma análise mais detalhada dos as- pectos macroeconômicos que se imbricam. Pode-se representar graficamente o objeto de estudo das próximas aulas pela figura que se segue: 17 Art. 3º I, II, III e IV da CR-88. 18 VASCONCELLOS, Marco Antonio S. e GARCIA, Manuel E. Fundamentos de Economia. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 91. 19 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 7. Assevera o autor que: “A expressão atividade financeira tem a mesma extensão do termo “finanças” que, surgindo na Idade Média por derivação da palavra finare, é sinônimo de finanças públicas, e não se aplica às finanças privadas.” 17 Art. 3º I, II, III e IV da CR-88. 18 VASCONCELLOS, Marco Antonio S. e GARCIA, Manuel E. Fundamentos de Economia. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 91. 19 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 7. Assevera o autor que: “A expressão atividade financeira tem a mesma extensão do termo “finanças” que, sur- gindo na Idade Média por derivação da palavra finare, é sinônimo de finanças públicas, e não se aplica às finanças privadas.” FINANÇAS PÚBLICAS 12FGV DIREITO RIO Nessa mesma linha de pensamento, Kyoshi Harada20 conceitua a “ativida- de financeira do Estado como sendo a atuação estatal voltada para obter, gerir e aplicar os recursos necessários à consecução das finalidades do Estado que, em última análise, se resumem na realização do bem comum” (grifo nosso). Aliomar Baleeiro21, por sua vez, adotando conceito mais amplo, define que a “atividade financeira consiste em obter, criar, gerir e despender o dinheiro indispensável às necessidades, cuja satisfação o Estado assumiu ou cometeu àqueloutras pessoas de direito público” (grifo nosso). Com efeito, a própria CR-88 estabelece a competência da União para emitir moeda, atri- buição a ser exercida exclusivamente por meio do Banco Central, em seu artigo 164, dispositivo inserido no Capítulo II, do Título VI, da CR-88, intitulado “Das Finanças Públicas”. Dessa forma, tanto o eminente autor como a Constituição incluem a política monetária diretamente no escopo da análise da atividade financeira do Estado, o que será realizado neste curso apenas de forma tangencial. Pode-se concluir, pelo que foi até aqui exposto, que a atividade financeira é meramente instrumental, na medida em que apenas viabiliza a consecução das políticas públicas, as quais traduzem os objetivos estatais fixados pelo processo político (ex: educação, saúde, segurança pública, transporte etc.). Portanto, a atividade financeira não constitui uma finalidade do Estado ten- do em vista não possuir um fim em si mesma. Assim sendo, sob o ponto de vista jurídico, o objeto de estudo do semestre será a Constituição Financeira, a qual, segundo a melhor doutrina, é composta pelas Constituições Tributária, Orçamentária e Monetária22 (artigos 145 a 169 da CR-88), além dos dispositivos pertinentes à fiscalização orçamentária dos Municípios (artigo 31 da CR-88); ao controle interno, externo e social da execu- ção orçamentária e da Administração Pública (artigos 70 e seguintes da CR-88), 20 HARADA, Hiyoshi, Direito Financeiro e Tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 4. 21 BALEEIRO. Op. Cit., p. 4. 22 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Volume V. O Orçamento na Constituição. 3ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.1. Identifica o autor que: a “Constituição Orçamentária é um dos subsistemas da Constituição Financeira, ao lado da Constituição Tributária e da Monetária, sendo uma das Subconstituições que compõem o quadro maior da Constituição de Estado de Direito, em equilíbrio e harmonia com outros subsistemas, especialmente a Constituição Econômica e a Política” O Planejamento Estatal e os Orçamentos (PPA, LDO e LOA) Despesa Receita O e a Financeira 20 HARADA, Hiyoshi, Direito Finan- ceiro e Tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 4. 21 BALEEIRO. Op. Cit., p. 4. 22 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Volume V. O Orçamento na Constituição. 3ª ed. revista e atualiza- da. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.1. Identifica o autor que: a “Constituição Orçamentária é um dos subsistemas da Constituição Financeira, ao lado da Constituição Tributária e da Monetária, sendo uma das Subconstituições que compõem o quadro maior da Constitui- ção de Estado de Direito, em equilíbrio e harmonia com outros subsistemas, especialmente a Constituição Econômi- ca e a Política” FINANÇAS PÚBLICAS 13FGV DIREITO RIO ao orçamento do Poder Legislativo (artigos 51, IV, e 52, XIII, da CR-88), do Poder Judiciário (artigo 99) e do Ministério Público (artigo 127). Antes, porém, serão examinados, de forma sucinta, os principais períodos e características mais relevantes da história dos tributos e das finanças públicas, o que certamente auxi- liará a compreensão da realidade e o atual estágio de desenvolvimento da matéria. 1.4 BREVE HISTÓRICO DOS TRIBuTOS E DAS FINANÇAS PúBLICAS. A leitura de diversos episódios marcantes em todo o curso da história da humanidade revela uma verdade inquestionável, independentemente do lu- gar objeto da pesquisa, os tributos as finanças públicas sempre tiveram e continuam a ter influência determinante no curso das civilizações. A primeira civilização de que se tem conhecimento23 concreto, cerca de seis mil anos atrás, era denominada Sumer, uma localidade entre os rios Tigre e Eufrates, no que hoje é o Iraque. Os acontecimentos históricos lá ocorridos revelam a grande influência dos tributos já naquela época, e estão gravados em hieróglifos encontrados em escavações em Lagash, localizado em Sumer. Após um período de incidência tributária de forma generalizada e bastante gravosa, um rei, chamado Urukagina, determinou a “liberdade”, por meio da extinção dos coletores do rei. O que parecia ser a solução de todos os pro- blemas ensejou um final amargo para o bondoso monarca e àqueles até então submetidos à tirania fiscal: a localidade, após alcançada a almejada “liberda- de”, foi totalmente destruída por invasores externos. Abaixo, reproduz-se a figura (extraída do livro de Charles Adams, p. 2, vide nota 21) contendo os símbolos que registraram e informam a existência da lei libertadora de Urikagina. 23 ADAMS, Charles. For good and evil: the impact of taxes on the course of civilization. 2nd ed. United States: Madison Books, 2001. p. 1-2. Re- vela o autor: “Taxes are the fuel that makes civilization run. There is no known civilizations that did not tax. The first civilization we know anything about began six thousand years ago in Sumer, a fertile plain between the Tigris and Euphrates rivers in modern Iraq. The dawn of history, and tax history, is recorded on clay cones excavated at Lagash, in Sumer. The people of Lagash instituted heavy taxation during a terrible war, but when the war ended, the tax men refused to give up their taxing powers. From one end of the land to the other, these clay cones say, ‘there were the tax collectors.’ Everything was taxed. Even the dead could not be buried unless a tax was paid. The story ends when a good king named Urukagina, ‘established the freedom’ of the people, and once again, ‘There were no tax collectors’. This may not have been a wise policy, because shortly thereafter the city was destroyed by foreign invaders. There is a proverb about taxes on other clay tablets from this lost civilization which reads: You can have a Lord, you can have a King, but the man to fearis the tax collectors” (grifo nosso). 23 ADAMS, Charles. For good and evil: the impact of taxes on the course of civilization. 2nd ed. United States: Madison Books, 2001. p. 1-2. Revela o autor: “Taxes are the fuel that makes civilization run. There is no known civilizations that did not tax. The first civilization we know anything about began six thousand years ago in Su- mer, a fertile plain between the Tigris and Euphrates rivers in modern Iraq. The dawn of history, and tax history, is recorded on clay cones excavated at Lagash, in Sumer. The people of Lagash instituted heavy taxation during a ter- rible war, but when the war ended, the tax men refused to give up their taxing powers. From one end of the land to the other, these clay cones say, ‘there were the tax collectors.’ Everything was taxed. Even the dead could not be buried unless a tax was paid. The story ends when a good king named Uruka- gina, ‘established the freedom’ of the people, and once again, ‘There were no tax collectors’. This may not have been a wise policy, because shortly thereafter the city was destroyed by foreign invaders. There is a proverb about taxes on other clay tablets from this lost civilization which reads: You can have a Lord, you can have a King, but the man to fear is the tax collectors” (grifo nosso). FINANÇAS PÚBLICAS 14FGV DIREITO RIO Esse exemplo reflete um problema crucial, a necessidade de recursos para implementação de uma organização mínima e de proteção contra invasores - questão que, mesmo após a criação dos denominados Estados-Nações Ab- solutistas continuou a se fazer presente. Já na civilização egípcia, caracterizada por sua longevidade24, em contra- ponto à experiência libertária ocorrida em Lagash, era possível identificar, após o descobrimento de escritos e desenhos dentro de pirâmides e tumbas milenares, a existência de períodos de forte “pressão” de fiscais dos faraós para garantir-lhes o recebimento da parcela de 20% (vinte por cento) a eles pertencentes. Constata-se por meio de figuras e escritos milenares que nada era ocultado, nem mesmos os ovos sob as aves. Por sua vez, o grande jurista Marcus Tullius Cícero25 (106 – 43 a.C) di- fundiu no Império Romano a ideia grega contra os chamados tributos dire- tos, nos seguintes termos, um ano antes de sua morte (44 a.C): When constant wars made the Roman treasury run short, our fore- fathers often used to levy a property tax. Every effort must be made to prevent a repetition of this; and all possible precaution must be taken to ensure that such a step will never be needed … But if any government should find itself under necessity of levying a tax on property, the utmost care has to be devoted to making it clear to the entire population that this simply has to be done because no alternative exists short o complete national collapse. 24 ADAMS. Op. Cit. p. 5. Destaca o autor que: “Egyptian civilizatian was highlighted by its enduring length. An advanced form of civilized life was in full bloom along the Nile before 3000 b.c., and it perpetuated itself until the fall of Rome”. 25 CICERO, Marcus Tullius. On Duties II. In: Cícero. On the Good life. Tradução Michael Grant . New York: Penguin Classics, 1971. p. 162. Disponível em: http://books.google.com.br. Pesquisa realizada em 01.01.2009. 24 ADAMS. Op. Cit. p. 5. Destaca o autor que: “Egyptian civilizatian was highli- ghted by its enduring length. An advan- ced form of civilized life was in full bloom along the Nile before 3000 b.c., and it perpetuated itself until the fall of Rome”. 25 CICERO, Marcus Tullius. On Duties II. In: Cícero. On the Good life. Tradução Michael Grant . New York: Penguin Classics, 1971. p. 162. Disponível em: http://books.google.com.br. Pesquisa realizada em 01.01.2009. FINANÇAS PÚBLICAS 15FGV DIREITO RIO Cabe salientar, entretanto, que o Império Romano é um exemplo clássico de como a exigência de tributos com fundamento apenas na força, sem referên- cia ao valor justiça, transforma o direito de propriedade em um sistema de ser- vidões sobre o homem, conforme assevera o professor Diogo Leite Campos26: Eis, pois, o legado de Roma em matéria fiscal: o imposto como produto e instrumento da opressão, crescendo à medida que se de- senvolve a máquina político-administrativa; assente na força pura, sem referência à justiça. O imposto ‘nasceu’ em Roma caracterizado pela odiositas, fundado sobre a sua essência de mal necessário, de limitação do Direito pela força do ‘princeps’, de instrumento de dominação, ‘de império’. Enquanto as relações civis retiravam a sua força da justiça que realizavam como instrumento de cooperação entre homens livres e iguais. O carácter do imposto como produto e instrumento de um sistema de dominação foi evidente desde a grave crise do que o Império Romano atravessou a partir do século III. No decurso do principado de Diocleciano a economia e a sociedade são organizadas em termos de acampamento militar. O imperador esta- belece a coacção como único instrumento de estabilização. Impõe- -se uma escala de preços máximos para uma imensa lista de bens e serviços, estabelecendo como única sanção, para infractores, a mor- te. Simultaneamente, os impostos, destinados a manter uma má- quina administrativa e militar crescente, aumentaram rapidamente. Criou-se um conjunto de impostos para financiar o aparelho admi- nistrativo e militar; um imposto geral sobre as vendas; um imposto sobre o rendimento; múltiplas prestações de serviços obrigatórias (transporte, fabrico de pão etc.). As atividades profissionais foram organizadas em corporações, elementos e instrumentos do Estado, com carácter coactivo e hereditário. Na última fase da sua história, a romanidade transforma-se numa comunidade em que todos tra- balham, mas ninguém para si próprio. A propriedade mantém-se, é certo, como o ‘fundamento inamovível das relações humanas’; mas a sua função deixou de ser ligada ‘naturalmente’ à satisfação das ne- cessidades de seu titular, para satisfazer os interesses públicos. Dando um salto na cronologia da história, outro momento merece destaque na abordagem que se estabelece neste curso é o século XIII d.C., o qual, para alguns autores27, representa o início da sistemática tributária que se consagra na atualidade, uma vez que foi a partir da promulgação da Carta Magna ingle- sa de 121528 que a legalidade ascendeu como princípio norteador das relações tributárias, impondo ao Rei João-sem-Terra o dever de observar limites para a criação de tributos. Na realidade, tal documento29 é decorrência da indignação 26 CAMPOS, Diogo Leite de. A Jurisdicização dos Impostos: Garantias de Terceira Geração. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Tributo. Reflexão Multidisciplinar sobre a sua natureza. São Paulo: Editora Forense, 2007, p. 87-88. 27 GALVÊAS, Ernani. Breve História dos Tributos. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Tributo. Reflexão Multidisciplinar sobre a sua natureza. São Paulo: Editora Forense, 2007, p. 318. 28 ADAMS. Op. Cit. p. 164. Um dos capítulos da Magna Carta trata da livre circulação de mercadorias, conforme se extrai do texto, in verbis: “Let all merchants have safety and security to go out of England, to come into England, and to remain in and go about through England, as well by land as by water, for the purpose of buying and selling, without payment of any evil or injust tolls, on payment of ancient and just customs”. Conforme aponta o autor tal normativa foi seguida pelos Estados Unidos e Canadá: “the United States and Canadian constitutions adopted this principle of internal free trade. Commerce moving within the nation cannot be taxed. Freedom to travel in and out the country cannot be curtailed. The Russians find difficult to understand why the West emphasizes this basic human right. Magna Carta is the source.” 29 Cf. pontua Ana Alice De Carli, in: Bem de Família do Fiador e o Direito Humano Fundamental à Moradia. Rio deJaneiro: Editora Lumen Júris, 2009: “Na seara da promoção e positivação dos direitos humanos, pode-se apontar como marco histórico, a Carta Magna inglesa, de 1215, a qual consagrou alguns direitos-garantias como o habeas corpus, o devido processo legal, a propriedade privada, e o princípio da legalidade. Não obstante, a questionável legitimidade da referida Constituição - pois, na verdade, consubstanciou apenas a concretização dos interesses da burguesia -, ela representa um capítulo da história do constitucionalismo inglês.”. Cumpre, realçar, que o princípio da legalidade tributária antecede a própria noção de legalidade em sentido lato. 26 CAMPOS, Diogo Leite de. A Juris- dicização dos Impostos: Garantias de Terceira Geração. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Tributo. Reflexão Multidisciplinar sobre a sua natureza. São Paulo: Editora Forense, 2007, p. 87-88. 27 GALVÊAS, Ernani. Breve História dos Tributos. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Tributo. Reflexão Multidisci- plinar sobre a sua natureza. São Paulo: Editora Forense, 2007, p. 318. 28 ADAMS. Op. Cit. p. 164. Um dos ca- pítulos da Magna Carta trata da livre circulação de mercadorias, conforme se extrai do texto, in verbis: “Let all merchants have safety and security to go out of England, to come into England, and to remain in and go about through England, as well by land as by water, for the purpose of buying and selling, wi- thout payment of any evil or injust tolls, on payment of ancient and just customs”. Conforme aponta o autor tal normativa foi seguida pelos Estados Unidos e Ca- nadá: “the United States and Canadian constitutions adopted this principle of internal free trade. Commerce moving within the nation cannot be taxed. Fre- edom to travel in and out the country cannot be curtailed. The Russians find difficult to understand why the West em- phasizes this basic human right. Magna Carta is the source.” 29 Cf. pontua Ana Alice De Carli, in: Bem de Família do Fiador e o Direito Humano Fundamental à Moradia. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2009: “Na seara da promoção e positivação dos direitos humanos, pode-se apontar como mar- co histórico, a Carta Magna inglesa, de 1215, a qual consagrou alguns direitos- -garantias como o habeas corpus, o devido processo legal, a propriedade privada, e o princípio da legalidade. Não obstante, a questionável legitimi- dade da referida Constituição - pois, na verdade, consubstanciou apenas a con- cretização dos interesses da burguesia -, ela representa um capítulo da história do constitucionalismo inglês.”. Cumpre, realçar, que o princípio da legalidade tributária antecede a própria noção de legalidade em sentido lato. FINANÇAS PÚBLICAS 16FGV DIREITO RIO dos barões proprietários de terras que forçaram King John a assinar a Magna Carta, pois já não concordavam com os constantes desrespeitos do monarca aos costumes tributários da realeza impondo-lhes excessiva carga tributária. De fato, tributação adicional somente poderia ser exigida com consentimen- to30, cujo conceito foi se alterando e expandindo ao longo do tempo, haja vista que a anuência da classe comum então ascendente economicamente passou também a ser exigida. No mesmo período, isto é, ainda no século XIII, conforme ressalta Galvêas31, o rei Eduardo I foi compelido a ir além e aceitar a norma segundo a qual “ne- nhum tributo poderá ser lançado pelo rei, sem o consentimento dos arcebispos, bispos, condes, barões, cavaleiros, burgueses e todos os homens livres...”. Alguns séculos depois, já no ano de 1628, a Inglaterra edita o Bill of Ri- ghts, o qual proclama que “a partir desta data, nenhum cidadão será obrigado a conceder qualquer dádiva ou empréstimo ao soberano, ou a pagar qualquer tributo, sem a aprovação do Parlamento”; ou seja, concretizou-se o princípio da legalidade consubstanciado no imperativo categórico no taxation without representation (aliás, tal expressão foi largamente difundida pelos america- nos no período da revolução americana). Conforme preleciona Galvêas32 a referida norma-princípio é a base em que se fundam os orçamentos públicos dos países modernos. Destaque-se, no entanto, nos termos apontados pelo professor Ricardo Lobo Torres33 que: É inútil procurar antes das revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII a figura do orçamento. No mundo patrimonial já surgia a autorização dos estamentos e das cortes para a cobrança de impos- tos. Na Inglaterra a partir de 1215 e em Portugal, mas remotamente, tornava-se necessário o consentimento para que o Rei pudesse lan- çar tributos, que tinha o caráter extraordinário e só se justificavam quando insuficientes os ingressos dominiais. Mas esses impostos, a rigor, não se confundem com os que permanentemente passam a ser cobrados a partir da instauração da estrutura liberal de Governo, posto que eram apropriados privadamente, sem a nota da publici- dade que marca os tributos permanentes. Era difícil distinguir a Fa- zenda do Rei e a do Estado, as despesas do Rei e do Reino, as rendas da Coroa e do Reino. Assim sendo, não havia necessidade nem de autorização para a cobrança dos ingressos dominiais nem para a realização da despesa, pelo que descabe cogitar de orçamento no Estado Patrimonial. (grifo nosso) Portanto, o período denominado de Patrimonialismo é caracterizado pelo Estado protetor contra as guerras e invasões externas, sendo as finanças fun- damentadas em rendas patrimoniais e dominiais dos príncipes bem como da exploração das colônias. A receita extrapatrimonial de tributos nesse período 30 ADAMS. Op. Cit., p. 163. Esclarece o autor que: “John’s attempt to stretch the revenue devices of the realm had failed, but not entirely. Extra taxation could be collected with consent. In time the consent concept expanded. A rising class of wealthy commoners were called to meet in a House of Commons, to approve taxation for commoners in the same way the Great Council, approved taxation for the nobility. The king now became a politician. When extra revenue was needed, he did not need to steal it or arbitrarily increase taxation, he would call together his two councils of taxpayer representatives and present a case for more taxation.” 31 GALVÊAS. Op. Cit., 318. 32 Idem. Ibidem. p. 318-319. 33 TORRES. Op. Cit. p. 3-4. 30 ADAMS. Op. Cit., p. 163. Esclarece o autor que: “John’s attempt to stretch the revenue devices of the realm had failed, but not entirely. Extra taxation could be collected with consent. In time the consent concept expanded. A rising class of wealthy commoners were cal- led to meet in a House of Commons, to approve taxation for commoners in the same way the Great Council, approved taxation for the nobility. The king now became a politician. When extra revenue was needed, he did not need to steal it or arbitrarily increase taxation, he would call together his two councils of taxpayer representatives and present a case for more taxation.” 31 GALVÊAS. Op. Cit., 318. 32 Idem. Ibidem. p. 318-319. 33 TORRES. Op. Cit. p. 3-4. FINANÇAS PÚBLICAS 17FGV DIREITO RIO é secundária e excepcional, não havendo a necessidade de autorização parla- mentar para a sua efetivação, como regra geral, tampouco para a realização das despesas, motivo pelo qual não existia orçamento sequer em sua concepção tradicional, confundindo-se e entrelaçando-se as finanças do Rei e a do Estado. O século XVIII, por sua vez, foi marcado pela independência americana e pela revolução francesa, a qual proclama a proteção de alguns direitos humanos fundamentais - em especial a propriedade e a liberdade -, uma vez que o Estado era visto como “inimigo da liberdade individual, e qual- quer restrição ao individual em favor do coletivo era tida como ilegítima”, preleciona Dallari.34 A Declaração de Independência dos Estados Unidos da America, de 4 de julho de 1776, proclama entre as razões da insatisfação com o King of Gre- at Britain: “For imposing taxes on us withoutour consent”. A Constituição dos Estados Unidos, por sua vez, ratificada em julho de 1787, estabelece em seu artigo 1º, seção 8, que: The Congress shall have the Power 1. to lay and collect taxes, duties, imposts and excises, to pay the debts and provide com- mon defense and general welfare of the United States; but all du- ties, imposts and excises shall be uniform throughout the United States. (grifo nosso) Na mesma linha, a Constituição francesa de 03.09.1791 foi categórica na contenção da prerrogativa impositiva, tendo em vista a necessidade de renovação anual da autorização parlamentar para tributar: Titre V, art. 1 er: Les contributions publiques seront délibérées et fixées chaque année par le Corps Legislatif, et ne pourront subsister au dela du dernier jour de La session suivante, si elles n’ont pás été expressément renouvelée. Se com o constitucionalismo nasce a ideia de orçamento incorporando as garantias normativas da liberdade, por outro lado a marca do período era a intervenção mínima do Estado na seara privada, apontando a li- berdade contratual como um direito natural das pessoas. Com efeito, o pensador Adam Smith sustentava que as relações econômicas deveriam ser regidas pelo princípio da liberdade de negociar, sem a participação do Estado. Era a denominada fase do Estado Liberal - caracterizado como Estado Mínimo ou Estado de Polícia -, cuja premissa sob o aspecto eco- nômico era por alguns denominada como a primazia da mão invisível do mercado para reger a economia. 34 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 16. ed. atual. ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 1991. p. 233. 34 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elemen- tos de Teoria Geral do Estado. 16. ed. atual. ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 1991. p. 233. FINANÇAS PÚBLICAS 18FGV DIREITO RIO A Revolução Industrial também merece realce, porquanto trouxe mu- danças de diversas ordens, inclusive no campo da tributação, possibilitan- do a imposição de tributos sobre a produção industrial, sobre o consumo, bem como sobre o lucro e a renda auferida dos titulares de propriedade, acentua Galvêas35. A visão clássica e mais difundida desse contexto, que perdura desde a fase final do século XVIII, todo o século XIX até o início do século XX, é no sentido de que a atividade financeira do Estado Liberal era neutra, geralmente classificada como finanças neutras ou fiscais36, pois tinha apenas a função de arrecadar para fazer face às despesas decorrentes das prestações por ele exercidas, de caráter essencial, como as relacionadas à justiça, políti- ca, diplomacia, defesa contra agressão externa e segurança da ordem inter- na. Os tributos, conforme assevera Luiz Emygdio F. da Rosa Jr37, também eram caracterizados pelo fim exclusivamente fiscal, posto que a exigência dos mesmos objetivaria tão-somente a obtenção de recursos para financiar a atividade financeira. Assim sendo, a atividade financeira exercida pelo Estado somente visava à obtenção de numerário para fazer face às citadas despesas públicas, isto é, as finanças públicas tinham finalidades exclusiva- mente fiscais. Gaston Jéze resumiu de maneira lapidar o alcance da atividade financeira desenvolvida pelo Estado no período clássico, ao enunciar: ‘Il y a dês dépenses publiques; Il faut lês couvrir’. As- sim, as despesas tinham um tratamento preferencial sobre as recei- tas, uma vez que essas visavam apenas a possibilitar a satisfação dos gastos públicos. Nesse período, portanto, o tributo tinha fim ex- clusivamente fiscal porque visava apenas a carrear recursos para os cofres do Estado. Percebe-se que a expressão fiscalidade é utilizada em dois âmbitos e con- textos distintos, isto é, tanto no que se refere ao papel das finanças públicas ao longo da história como também em relação às possíveis funções do tri- buto, que é atualmente, na maioria dos países, a principal fonte de receita pública. Sob o ponto de vista histórico das finanças públicas em geral, referi- da doutrina traz vantagens para a compreensão da evolução do papel da ati- vidade financeira do Estado sobre as ordens econômica e social ao longo dos diferentes períodos, enfatizando características que seriam distintas em cada época. É possível vislumbrar alguns pontos positivos na aludida segmentação sob o ponto de vista didático, haja vista marcar de forma clara e precisa, em períodos cronologicamente distintos (1) a fiscalidade – finanças neutras e tributos somente com finalidade arrecadatória – de um lado; e a (2) extra- fiscalidade e a parafiscalidade – finanças ativas e os tributos com finalidade 35 Ver GALVÊAS. Op. Cit., 318-320. 36 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, 2002.Forense. Rio de Janeiro, 2002. p. 361. “Fiscal. Derivado do latim, de fiscus, é vocábulo que nos vem do Direito Romano com a significação de relativo ao fisco ou ligado ao fisco, em que continua a ser tido, tomado adjetivamente. Como substantivo, designa a pessoa a quem se comete a função ou atribuição de vigiar ou zelar o cumprimento ou a execução de certas leis, preceitos ou regulamen- tos de ordem fiscal ou tributária, ou empenhar-se pelo cumprimento de regras jurídicas e disciplinares em certos estabelecimentos públicos ou particulares, e para manter a regularidade na exação de certos atos de negócios, que devem ser executados ou praticados por outrem”. 37 ROSA JR. Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 15. ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2001, p. 4-5. 35 Ver GALVÊAS. Op. Cit., 318-320. 36 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, 2002.Forense. Rio de Janeiro, 2002. p. 361. “Fiscal. Derivado do latim, de fiscus, é vocábulo que nos vem do Direito Romano com a significação de relativo ao fisco ou liga- do ao fisco, em que continua a ser tido, tomado adjetivamente. Como subs- tantivo, designa a pessoa a quem se comete a função ou atribuição de vigiar ou zelar o cumprimento ou a execução de certas leis, preceitos ou regulamen- tos de ordem fiscal ou tributária, ou empenhar-se pelo cumprimento de re- gras jurídicas e disciplinares em certos estabelecimentos públicos ou particu- lares, e para manter a regularidade na exação de certos atos de negócios, que devem ser executados ou praticados por outrem”. 37 ROSA JR. Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tribu- tário. 15. ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2001, p. 4-5. FINANÇAS PÚBLICAS 19FGV DIREITO RIO não apenas arrecadatória, a partir da segunda década do século XX-. No en- tanto, apesar dessa vantagem pontual, conforme será examinado abaixo, o estudo de determinados fatos isolados da história nos permite afirmar que a dissociação temporal entre a fiscalidade de um lado e a extrafiscalidade de outro apenas facilita a compreensão da ênfase da intenção com que os tributos foram utilizados em cada período da história, na medida em que os mesmos também foram exigidos com outros objetivos que não meramente arrecadatórios em diversos momentos antecedentes ao denominado Estado de Bem-estar Social intervencionista, ou seja, de forma não neutra ou com fins outros que não meramente “fiscais”, ainda que não qualificada a política tributária com a denominação referida (“extrafiscalidade” ou “parafiscalida- de”). Nesse sentido apresenta Adams38 diversos exemplos históricos, dentre os quais duas passagens emblemáticas, e que se referem, respectivamente: (1) à utilização de tributos para influenciar a religião, como no caso do islamismo na Idade Média e, também, (2) das tarifas aduaneiras e o conflito Norte e Sul que marca a confederação americana no período que antecedeu a guerra civil: (1) The humanity in the tax policy of the Moslems was of utmost importance. The Arabs brought peace and gentleness to an over- taxed world. They liberated the old Roman world from decadent, oppressive, and corrupt taxation. Nothing illustrates better than the tax refunds they made to Christians and Jewsin Palestine in A.D. 636. At that time the Moslems had conquered most of the lands of Judea, but their forces were overextended, and large body of Roman troops was on the march from Antioch. At a war council the Mos- lems decided to evacuate most of the conquered territories. After this decision made the Moslem leader called in the chief tax collec- tor and gave him these instructions: ‘ You should therefore refund the entire amount of money realized from them that our relations with them remains unchanged but that as we are not in a position to hold ourselves responsible for their safety, the pool tax, which is nothing but the price of protection, is reimbursed to them’. Accord- ingly, the entire sum collected from the Christian and Jewish com- munities was refunded to them. This affected the Christians to such a degree that tears trickled down their faces and, one and all, they passionately exclaimed: ‘May God bring you back to us.’ The effect on the Jews was still more marked. They cried out with vehemence: ‘By the law ant the prophets, the Roman emperor shall not take this city as long as the spark of life scintillates in our bodies’. It´s too bad the Jews and Moslems today don´t feel that way. The Moslems used taxation to bring converts into the faith. The spread of Islam has been attributed to the sword and many historians harp on the 38 ADAMS. Op. Cit., (1) p. 133-134 e (2) p.333. 38 ADAMS. Op. Cit., (1) p. 133-134 e (2) p.333. FINANÇAS PÚBLICAS 20FGV DIREITO RIO Moslem cry of ‘Death to the infidel. The Koran (9:29) certainly justifies that course of action. In practice, the Moslems acted to the contrary. Slaughter was not the normal modus operandi of even the most fanatical Moslems. Vanquished people were given three choices: death, taxes, or conversion to the faith. With these options it was not necessary for conquered people to lose their heads or their religion. (…) (2) The tariff of 1828 was called ‘the tariff of abomination,’ a bib- lical term meaning the greatest evil. Prior to that time the tariff was needed to repay the national debt from the wars of 1812 and the revolution itself. By 1832 the national debt was paid and there was no justification for the import taxes at high rates, except to promote a monopoly in the hands of Northern in- dustrialists to raise prices for Southern consumers. The South exported about three-quarters of its goods and in turn used the money to buy European goods which carried the high import tax. This means that the South paid about three-quarters of all fed- eral taxes, most of which were spent in the North. If they didn’t buy foreign goods and pay high taxes the alternative was to buy Northern manufactured products at excessively high prices. Either way Southern money ended up in the North. The injustice of this arrangement dominated Southern hostilities toward the North. Said one historian: ‘Indignation against the tariff as an unfair tax injurious to their economy was general throughout the South’ A southerner, a year after the Civil War ended expressed that indig- nation in a book appropriately clalled The lost Cause: ‘ In every measure that ingenuity of avarice devise the North exactes from the South a tribute, which could only pay at the expense and the character of an inferiour [sic] in the Union’. Nessa toada, analisando as finanças funcionais e a utilização dos im- postos alfandegários com fins extrafiscais em períodos remotos Aliomar Baleeiro39 pontua: Os progressos das ciências econômicas, sobretudo depois do impul- so que lhes imprimiu a teoria geral de Keynes, refletiram-se na Polí- tica Fiscal e esta, por sua vez, revolucionou a concepção da atividade financeira, segundo os preceitos dos financistas clássicos. Ao invés das ´finanças neutras´ da tradição, com seu código de omissão e parcimônia tão ao gosto das opiniões individualistas, en- tendem hoje alguns que maiores benefícios a coletividade colhera 39 BALEEIRO. Op. Cit., p. 30-31. 39 BALEEIRO. Op. Cit., p. 30-31. FINANÇAS PÚBLICAS 21FGV DIREITO RIO de ´finanças funcionais´, isto é, a atividade financeira orientada no sentido de influir sobre a conjuntura econômica. Destarte, o setor público – ‘a economia pública’ não se encolhe numa vizinhança pacífica e tímida junto às lindes da economia pri- vada. A benefício desta é que deve invadi-la, para modificá-la, como elemento compensador nos desequilíbrios cíclicos. Em verdade, a despeito das novidades terminológicas, a ´Políti- ca Fiscal´ é apenas nova aplicação dos instrumentos financeiros para fins ´extrafiscais´. A Política Fiscal, no campo econômico, era bem conhecida dos clássicos para o protecionismo por meio de impostos alfandegários. Alguns advogam para fins “sócio-polí- ticos”, como preferia dizer Seligman referindo-se às tendências de reforma social pelo tributo, defendidas por Wagner. Hoje a política anticíclica de modificação da conjuntura e da estrutura atrai as aten- ções em finanças extrafiscais. Ademais, sob o ponto de vista econômico, os tributos, em regra, ainda que seja possível instituí-los com a intenção exclusiva de obtenção de recur- sos para os cofres públicos, afetam os preços relativos dos bens e serviços, modificam a alocação dos recursos pelos agentes econômicos, alteram as decisões quanto à melhor estrutura de financiamento corporativo, distor- ce a taxa de retorno de determinada atividade econômica em detrimento de outra, independentemente da intenção do exator. Ou seja, a simples existência dos tributos impacta o comportamento das pessoas, das famílias, das empresas e da sociedade como um todo, motivo pelo qual é ínsito à tributação redefinir a alocação dos recursos socialmente disponíveis, o que afeta a demanda e a oferta no mercado de fatores de produção e de bens e serviços, razão pela qual, economicamente, a extrafiscalidade (compreendi- da como outros efeitos além da própria arrecadação) é inerente e indissoci- ável da denominada fiscalidade. Conforme já se pode extrair pelo que acima foi dito, sob o ponto de vista do desenvolvimento histórico das finanças, a etapa subsequente é classicamente denominada de “fase de intervencionismo estatal” ou do “tributo com fim extrafiscal”, e corresponde ao resultado da crise do Es- tado Fiscal do início do século XX, em função do descompasso entre a liberdade econômica e a realidade social. As desigualdades eram acentu- adas, o que criou um grande hiato entre o discurso de desenvolvimento econômico sem a participação do Estado e o mundo da vida enfrentado por grande parte da massa humana, que se via forçada a trabalhar por baixos salários e com péssimas condições de vida. Como consequência de tal situação, já no século XIX, seguido pelo século XX, movimentos FINANÇAS PÚBLICAS 22FGV DIREITO RIO sociais surgiram para combater o sistema liberal clássico vigente; marcado pelo individualismo exacerbado, momento em que prevaleciam de forma absoluta os valores segurança jurídica, liberdade e igualdade formal. Nesse contexto, exsurgiu o denominado Estado de Bem-estar Social, que traz a lume novos valores deixados de lado até então no contexto do Estado Liberal Mínimo ( ou de polícia ), caracterizado como mero espectador ou ordenador distante dos fatos sociais. O Estado Social passa a ser ator decisivo da conduta privada, com fundamento na visão de que a intervenção estatal era conditio sine qua non para o alcance da justiça social e da igualdade ma- terial. Em conexão com esse movimento, os dispositivos orçamentários das Constituições de diversos países foram alterados para abranger a intervenção do Estado na ordem econômica e social. Assevera Luiz Emygdio40 que o Estado passou a intervir na iniciativa pri- vada especialmente pelas seguintes razões: a) grandes oscilações porque passavam as economias (...); b) crises provocadas pelo desemprego que ocorria em larga escala nas etapas de depressão, gerando grandes tensões sociais;
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