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WILSON COIMBRA LEMKE TRIBUTOS MUNDIAIS O PODER SUPRANACIONAL DE TRIBUTAÇÃO Londrina/PR 2019 SOBRE O AUTOR WILSON COIMBRA LEMKE Pós-graduado em Direito Tributário e Processo Tributário pela Faculdade de Direito de Vitória. Graduado em Direito pela Universidade Vila Velha. Advogado e pesquisador. AGRADECIMENTOS A Deus, dedico o meu agradecimento maior, porque tem sido tudo em minha vida e por ter me dado saúde e força para superar todos os obstáculos que encontrei nesta caminhada, pelo que não ouso exaltar qualquer mérito que porventura tenha esta obra, na certeza de que a tua graça me basta, porque o teu amor se aperfeiçoa nas minhas fraquezas. À minha família, por ter acreditado nos meus sonhos e investido para que eles tornassem realidade. A minha formação como profissional não poderia ter sido concretizada sem a ajuda de meus amáveis e eternos pais, Waldir e Eunice, que, no decorrer da minha vida, proporcionaram-me, além de extenso carinho e amor, os conhecimentos da integridade, da perseverança e de procurar sempre em Deus à força maior para o meu desenvolvimento como ser humano. Por essa razão, gostaria de dedicar e reconhecer a vocês, minha imensa gratidão e sempre meu amor. Um agradecimento especial ao meu querido irmão Bruno, minha grande fonte de inspiração, que permaneceu sempre ao meu lado, nos bons e maus momentos; à minha sobrinha Elisa, pela alegria de viver ao seu lado e por iluminar nossos dias com a luz mais bela e perfeita, a luz do amor; à minha querida tia Penha, que além de me fazer feliz, ajudou-me, durante todo o percurso de minha vida acadêmica, compreendendo-me e ensinando-me para que eu conquistasse um lugar ao sol, à minha maravilhosa avó Glória, que sempre me deu atenção, carinho e preciosos conselhos. À Faculdade de Direito de Vitória, seu corpo docente, direção e administração que oportunizaram a janela que hoje vislumbro um horizonte superior, eivado pela acendrada confiança no mérito e na ética desta instituição. Agradeço a todos os professores do Curso de Especialização em Direito Tributário, que foram tão importantes para minha vida acadêmica е para o desenvolvimento desta pesquisa, especialmente ao professor Ricarlos Almagro, pela orientação desta monografia e pela amizade sincera. A todos vocês que, direta ou indiretamente, contribuíram para esta imensa felicidade que estou sentindo nesse momento, meu muito obrigado. A Deus, que iluminou o meu caminho durante toda esta caminhada. Seu fôlego de vida em mim me foi sustento e me deu coragem para questionar realidades e propor sempre um novo mundo de possibilidades. “Se, por serem superiores em número, aprouver aos pobres dividir os bens dos ricos, não será isso uma injustiça? E, se for preciso considerar justo todo decreto que emanar de tal soberano, o que se qualificará de extrema iniquidade? Da mesma forma, se, na totalidade dos habitantes, a maioria decide usurpar os pertences da parte menos numerosa, isto não equivale a desagregar a sociedade? Ora, sendo a justiça o principal bem do Estado, não é possível que ela o dissolva. Ela não tolera tal roubo. Não é possível que decretos tão injustos tenham valor de lei”. ― Aristóteles APRESENTAÇÃO Recentemente um tributarista capixaba sugeriu que o livro “O capital no século XXI” de Thomas Piketty – cujos direitos autorais, com o livro publicado em muitas línguas, foram polpudos – devesse ser chamado de “punição ao capital no século XXI”, porquanto revelaria que as ideias do Piketty estariam mais próximas da utopia de Morus do que das de Karl Marx, em seu livro inolvidável “O Capital”. É dele o livro que estou a apresentar. De sobredobro, Piketty, por mais que tenha tentado, deixa entrever um socialismo romântico em busca de uma poção mágica capaz de solucionar, ao menos em parte, alguns disfunções supostamente decorrentes do capitalismo, o que é inverídico, porque o relativo no histórico mostra que os povos, desde o início da “revolução industrial” nas cidades inglesas, se apresentaram perante o mundo em etapas extremamente diversas no tempo e no espaço: tribalismo, nomadismo, sob o estado de colônias à serviço de potencias europeias ou forçadas por elas a se manterem estáticas fornecedores de matérias primas e mão de obra baratas. Houve até quem na literatura dissesse que a Europa era “um acidente histórico” e outras a chamaram de “a grande prostituta” a dar satisfação a seus povos vendendo à dinheiro graúdo os valores mais caros do mundo ocidental (liberdade, igualdade, fraternidade, progresso e democracia). O autor, Dr. Wilson Coimbra Lemke, cujo livro tenho a honra de apresentar, deu ao seu trabalho o título de “TRIBUTOS MUNDIAIS: O PODER SUPRANACIONAL DE TRIBUTAÇÃO”, a combater a utopia de um imposto mundial sobre o capital no século XXI, para solucionar em termos locais, mas com validez mundial, alguns transtornos como concentração mundial da riqueza, desigualdades sociais decorrentes das desigualdades patrimoniais, crises financeiras e/ou bancárias, et caterva. O livro é rico, não apenas em razão do nosso sistema constitucional tributário, mas por força da diversidade econômica e cultural das mais de duzentas nações existentes no planeta, sendo irreal, portanto em todos os sentidos, que analisou minudentemente, o que, só por isso, o recomenda (deve ser lido e meditado). Diz o autor com sabedoria: “É de se verificar, destarte, que esse imposto seria, talvez, o de legislação mais complexa de quantos possam, ainda, integrar o sistema tributário de vários países. E, além de complexa, sua legislação seria das mais dinâmicas ante as transformações sociais, políticas e econômicas que as diversas regiões do mundo vêm sofrendo nos últimos anos. A natural diversidade dos objetos e pessoas alcançados pela tributação, atrelada às peculiaridades regionais (tanto de conteúdo social, quanto de conteúdo econômico), além da ideologia política dominante em cada país, tornam absolutamente impossível a supranacionalização da atividade tributária. Em razão de todas essas variáveis, não seria medida aconselhável (nem praticamente exequível) estender a tributação para além das fronteiras territoriais da autoridade estatal, sem que isto representasse, exatamente, a tentativa de desenvolver, no plano supranacional, uma espécie de luta revolucionária pela conquista e manutenção do poder político, contrapondo a potência econômica do capitalismo, e desrespeitando as peculiaridades e as características nacionais. Se é certo que na tributação de âmbito nacional se percebe sempre uma irredutível dose de injustiça fiscal, muito mais iníquo seria o sistema financeiro que inaugurasse o regime da tributação supranacional para todos os cidadãos do mundo. A injustiça do gravame, sua inoportunidade e inconveniência à economia de cada país são alguns pontos abertos à censura deste instrumento fiscal. Ante todo o exposto, conclui-se que a instituição de qualquer espécie de tributo mundial mostra-se de todo incompatível com o espírito do ordenamento jurídico brasileiro, por ir de encontro ao interesse público existente na defesa da soberania estatal, da segurança nacional, e da estrita obediência às normas tributárias, sobretudo àquelas de caráter eminentemente constitucional”. Nada mais, preciso acrescentar. O livro fala por si, e nos alerta, ilustra e opulenta a tributaristica nacional. Sacha Calmon Navarro Coêlho Doutor em Direito pela UFMG. Fundador e presidente honorário da Associação Brasileira de Direito Tributário (ABRADT). Presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF). Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário (ABDT). Membro da Conselho de Arbitragem de Minas Gerais. Membro Titular Acadêmico, Titular Imortal da Cátedra 002 naAcademia Nacional de Economia (ANE). Membro do Conselho Jurídico da Fecomércio, São Paulo. Membro do Conselho de Catedráticos no Inst. Internacional de Estudos de Direito do Estado (IIEDE). Membro Titular Acadêmico e Titular Imortal da Cátedra 31 na Academia Mineira de Letras Jurídicas. Sócio Honorário do IBED. Sócio Honorário no IDEPE. Representante do International Fiscal Association (IFA). Representante da Associação Latino-Americana de Direito Tributário (ILADT). Partícipe do Conselho Editorial de mais de 30 Revistas Jurídicas. Conselheiro na Associação Americana de Direito Tributário. Conferencista na Câmara Americana de Comércio. Articulista no jornal “Estado de Minas” e jornal “O Correio Braziliense”. Ex-auditor da Receita Estadual. Ex-Assessor da Secretaria do Estado da Fazenda, Minas Gerais. Ex-Procurador- Chefe da Procuradoria Fiscal do Estado de Minas Gerais. Ex- Juiz Federal. Ex-Professor de Direito Tributário na PUC/MG, UFMG e UFRJ. Ex-diretor, Instituto dos Advogados do Estado de Minas Gerais; Ex-Conselheiro da OAB/MG. PREFÁCIO O livro do professor Wilson Coimbra Lemke é de particular atualidade. As crises cíclicas do capitalismo, sempre menores que as crises permanentes do socialismo, em suas diversas facetas, são examinadas pelo eminente mestre, à luz de uma análise serena e objetiva do livro sobre o capitalismo do século XXI de Thomas Piketty. Tendo lido aquela obra, ainda no original e antes da tradução para o português, constatei, de um lado, um dos mais bem feitos levantamentos sobre a evolução das classes sociais nos últimos 300 anos em alguns países e, de outro lado, no que concordo inteiramente com Wilson Coimbra, a inviabilidade da teoria por ele formulada de um tributo mundial para distribuir riquezas por meio do Poder Público, em todas as nações. Desde o início, elogiei e critiquei o livro de Piketty em relação a ambas as facetas, algo que, na bem elaborada obra do professor do Espirito Santo, é destacado, à luz da impossibilidade de sua adoção no Brasil, em face do sistema nacional. No livro que coordenei com a colaboração de eminentes tributaristas brasileiros e internacionais “O tributo – Uma análise multidisciplinar” (Antonio Delfim Netto, Arion Sayão Romita, Arnaldo Niskier, Cássio Mesquita Barros, Dejalma de Campos, Diogo Leite de Campos, Ernane Galvêas, Eusébio Gonzáles, Fábio Giambiagi, Fernando Rezende, Gustavo Miguez de Mello, Ives Gandra da Silva Martins, Joacil de Britto Pereira, José Joaquim Gomes Canotilho, José Pastore, Manuel Porto, Maria Teresa de Cárcomo Lobo, Marilene Talarico Martins Rodrigues, Mary Elbe Queiroz, Paulo Nathanael Pereira de Souza, Ricardo Lobo Torres, Rogério Lindenmeyer V. Gandra da Silva Martins, Rubens Sanabria, Sacha Calmon Navarro Coelho, Sérgio de Andréa Ferreira, Sérgio Ferraz, Sidney Saraiva Apocalipse, Victor J. Faccioni e Zelmo Denari), editado pela Forense, realcei que o tributo não é senão um grande instrumento de exercício do poder, que, quando excessivo, gera revoluções. Os três movimentos mais relevantes do constitucionalismo moderno, que o permitiram evoluir em 3 vertentes, decorreram de movimentos contra o excesso de exação, ou seja, a Magna Carta Baronorum dos ingleses, imposta ao Rei João Sem Terra em 1215, após a revolução dos barões de 1214; a Constituição americana, obtida após a revolução da independência americana, surgida com o aumento de tributação das Leis Townshend em 1776, e a Constituição francesa contra o excesso de tributação de Luiz XVI, que culminou com a promulgação, em 1791, da primeira Constituição escrita daquela nação. No meu livro “Teoria da Imposição Tributária”, mostrei que o tributo é uma norma de rejeição social, pois o Estado sempre cobra mais do que necessita para atender o “Estado prestador de serviços” e as benesses que se auto outorgaram, os detentores do poder, seja através da corrupção, de privilégios, ou pelos desperdícios para acomodação dos “amigos do rei”. Ora, pretender um tributo mundial para distribuição de riquezas, por intermédio do Poder Público que, notoriamente, distribui mais riquezas “pro domo sua” do que para o povo que governa, é retirar dinheiro que a sociedade sabe dar-lhe maior eficiência, passando às mãos menos eficientes do poder público. Na análise de Piketty, há um dado que deveria ser melhor estudado, qual seja, se o diferencial entre os mais ricos e os mais pobres permanece, em muitos países, estável, o nível socioeconômico da classe menos favorecida há trezentos anos era incomensuravelmente inferior ao nível desta mesma classe no ano de 2010, ano da pesquisa. O que vale dizer, a economia cresceu, praticamente, para toda a humanidade neste período, mas, proporcionalmente, favoreceu mais aqueles que até então, usufruíam de uma condição pior, apesar de todas as turbulências políticas porque passaram as nações desenvolvidas estudadas por Piketty. O Estado sempre foi um mau empresário e um mau distribuidor de riquezas. O desenvolvimento econômico sempre foi superior, quando a livre iniciativa é por ele responsável, do que quando o Poder Público entra nesta função. A função maior do Estado é dar estabilidade às instituições para que as empresas possam assegurar investimentos e empregos a longo prazo. Dois Prêmios Nobel de Economia (Douglas North e Ronald Coase) demonstraram que a economia de escala só cresce em países com instituições jurídicas estáveis. O fracasso de todas as economias socialistas em que o Estado é o distribuidor de riquezas, depõe contra Piketty, lembrando-se que na China, país comunista politicamente, só ganhou a posição em que está, pois sua economia é de um país particularmente liberal. Meu saudoso amigo, Roberto Campos, dizia que a diferença entre as economias socialistas e as capitalistas é que naquelas os ideais são superiores aos resultados e nestas, os resultados são superiores aos ideais. O livro de Wilson Coimbra tem o mérito de desmistificar o culto a Piketty, como de demonstrar a inviabilidade de uma tributação mundial à luz do sistema tributário brasileiro e de sua Federação. É de se lembrar que a tese de uma tributação mundial sobre o sistema financeiro, idealizado por outro Prêmio Nobel de Economia (Tobin), foi discutida no século passado, embora incidente apenas sobre o sistema financeiro mundial, o que seria de mais fácil imposição e cobrança. Sua inviabilidade não permitiu sua adoção. A lição que se tira do bem escrito livro pode se resumir na ideia de que se elimina a pobreza pela multiplicação da riqueza e não, por sua divisão. Parabéns ao brilhante autor por sua bem elaborada obra! Ives Gandra da Silva Martins Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O ESTADO DE SÃO PAULO, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército - ECEME, Superior de Guerra - ESG e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região; Professor Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia); Doutor Honoris Causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs-Paraná e RS, e Catedrático da Universidade do Minho (Portugal); Presidente do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO - SP; Fundador e Presidente Honorário do Centro de Extensão Universitária - CEU/Instituto Internacional de Ciências Sociais - IICS. Sumário SOBRE O AUTOR AGRADECIMENTOS APRESENTAÇÃO PREFÁCIO INTRODUÇÃO CAPÍTULO 1 A TRIBUTAÇÃO COSMOPOLITA 1.1 A soberania estatal 1.2 O fenômeno da supranacionalidade 1.3 O poder (supra)nacional de tributação CAPÍTULO 2 A TEORIA DA TRIBUTAÇÃO MUNDIAL SOBRE O CAPITAL Considerações iniciais 2.1 O imposto mundial sobre o capital 2.1.1 Competência tributária 2.1.2 Sujeito ativo 2.1.3 Função https://calibre-pdf-anchor.a/#a7 https://calibre-pdf-anchor.a/#a10 2.1.4 Fato gerador 2.1.5 Base de cálculo 2.1.6 Alíquotas 2.1.7 Sujeito passivo 2.1.8 Lançamento2.2 Transparência financeira e cooperação internacional 2.2.1 O objetivo de transparência democrática e financeira 2.2.2 A necessidade de cooperação internacional 2.3 Considerações especiais 2.3.1 A lógica da contribuição 2.3.2 A lógica do incentivo CAPÍTULO 3 OS LIMITES CONSTITUCIONAIS À TRIBUTAÇÃO SUPRANACIONAL Considerações iniciais 3.1 A SOBERANIA FISCAL 3.2 A territorialidade dos tributos 3.3 A legalidade tributária 3.4 A vedação da bitributação e do bis in idem 3.5 A vedação do efeito confiscatório 3.6 O sigilo de dados bancários CONCLUSÃO POSFÁCIO REFERÊNCIAS APÊNDICE INTRODUÇÃO Talvez nenhum outro livro de economia, publicado nos últimos anos, provocou tanta exaltação de ânimo na comunidade internacional quanto O capital no século XXI, do economista francês, Thomas Piketty. Seus estudos sobre a concentração mundial de riqueza e a evolução das desigualdades sociais e econômicas ganharam as primeiras páginas dos mais prestigiados jornais do mundo, provocaram grandes debates nas redes sociais e colheram os comentários, as críticas e os elogios de diversos ganhadores do Prêmio Nobel. Após quinze anos de estudos, Thomas Piketty chegou a conclusões de grande repercussão internacional, baseadas em dados que remontam ao século XVIII, colhidos de diversos países e reunidos nas páginas de sua principal obra. Apesar do crescimento econômico dos grandes Estados nacionais, juntamente com a ampla difusão do conhecimento humano, ter impedido que se concretizasse no mundo um cenário sombrio e tenebroso, tal como previsto por Karl Marx no século XIX, Thomas Piketty tentou demonstrar, com base em registros históricos, que o capitalismo tende a criar um círculo vicioso de desigualdades sociais e econômicas, e isso se deveria ao fato de que, em longo prazo, a taxa de retorno sobre os ativos seria maior que o ritmo do crescimento econômico dos países, o que se traduziria numa concentração cada vez maior da riqueza. Se, por um lado, uma situação de extrema desigualdade pode causar a decepção geral de uma nação e até mesmo ameaçar os valores democráticos; por outro lado, Thomas Piketty lembra que a intervenção política já foi um instrumento eficaz para reverter tal quadro no passado e poderá voltar a fazê-lo nos tempos do presente. O capital no século XXI, que já se tornou uma referência de estudo para os economistas, talvez tenha contribuído para que muitos deles tivessem suas mentes renovadas sobre a dinâmica do capitalismo globalizado, deste século, ao fixar sua principal contradição na íntima e necessária relação entre o crescimento econômico e o rendimento do capital. Com efeito, esta obra tem levado diversos leitores a refletir, principalmente do ponto de vista econômico, sobre algumas das questões mais prementes da contemporaneidade, dentre elas: a necessidade de instituir-se uma espécie de Imposto Mundial sobre o Capital, como tentou demonstrar o autor, mais especificamente no Capítulo 15 de sua obra. Mas, sob a óptica da Ciência do Direito – especialmente do Direito Tributário e de seus preceitos magnos –, seria possível instituir, no Brasil, uma espécie de tributo mundial, tal como proposta por Thomas Piketty, em O capital no século XXI? A partir da publicação da mencionada obra, a comunidade acadêmica se deparou com um novo problema a ser enfrentado pelos teóricos do Direito, a saber: o da tributação em face da globalização. Objetivou-se, com esta pesquisa, analisar os pressupostos teóricos de uma tributação cosmopolita; identificar os elementos característicos do Imposto Mundial sobre o Capital, a partir da teoria econômica de Thomas Pikkety; confrontar os argumentos favoráveis e contrários à instituição de uma espécie de tributo mundial; e identificar as implicações práticas de uma eventual introdução dessa nova espécie tributária no sistema jurídico brasileiro. Quanto à metodologia adotada nesta obra, recorreu-se às investigações teóricas que apontam possibilidades de análise acerca do Imposto Mundial sobre o Capital, enquanto manifestação de um poder supranacional de tributação. Assim, a validade científica desta pesquisa está consubstanciada no estudo bibliográfico, com método dialético de análise, com base no qual foi possível verificar, com mais rigor, a validade da “Teoria da Tributação Mundial sobre o Capital”, de Thomas Piketty, justamente por ter sido posta frente a frente com o teste de suas possíveis contradições. Esta obra está dividia em três capítulos. Inicialmente, este trabalho busca compreender o que seria uma tributação cosmopolita, levando-se em consideração os conceitos de soberania estatal, supranacionalidade e poder tributário. A partir desta contextualização, num segundo momento, examina-se detidamente a “Teoria da Tributação Mundial sobre o Capital”, de Thomas Piketty, destacando-se, ainda que de forma incipiente, os aspectos jurídicos da hipótese de incidência tributária do Imposto Mundial sobre o Capital. Ao final, este estudo traça os limites constitucionais ao poder supranacional de tributação, revelando as principais (in)compatibilidades de uma eventual introdução do Imposto Mundial sobre o Capital no sistema jurídico brasileiro. Em função das mais variadas espécies de tributos, da elevada e crescente carga tributária, do número de cidadãos-contribuintes no Brasil e no mundo, os conflitos em matéria tributária têm se tornado cada vez mais frequentes, inclusive em nível internacional, exigindo dos profissionais que atuam nesta área um grau maior de especialização. Apesar do grande número de publicações na área tributária, existe ainda uma enorme carência de conhecimento jurídico acerca do Imposto Mundial sobre o Capital. A maioria dos livros, ou trata apenas da parte geral do Direito Tributário; ou, simplesmente, de alguns tributos nacionais, em espécie. Imprescindível, portanto, que o estudante e o profissional do Direito tenham em mãos uma obra que contribua para a melhor compreensão destes novos fenômenos, bem como para o aprimoramento do debate acadêmico acerca dos tributos mundiais, enquanto manifestação de um poder supranacional de tributação. CAPÍTULO 1 A TRIBUTAÇÃO COSMOPOLITA 1.1 A soberania estatal A história nos mostra que, para conservarem mutuamente as suas vidas, suas liberdades e seus bens, os indivíduos se associaram, formando um corpo político e, desta convenção mútua, nasceu uma autoridade pública, uma soberania. Com extrema didática e clareza, o douto Conselheiro José Maria de Avellar Brotero, primeiro professor universitário de Curso Jurídico a ser nomeado no Brasil, traça as seguintes explanações sobre os diversos sentidos em que se emprega este termo, dizendo que: Soberania é a supereminência, a elevação e a primazia que tem uma associação em geral sobre cada um de seus membros em particular; soberania é a independência absoluta em que está um estado de outro estado; soberania é o poder supremo que tem um povo de se reger e governar; soberania é este grau mais elevado de dignidade e poder que não tem nenhum homem considerado como indivíduo, e que só tem o povo considerado como uma nação, que se compõe das vontades e liberdades de todos os homens que formam a mesma associação; soberania é, finalmente, esta autoridade política de um estado que, fazendo-o independente de outro qualquer, como já fica dito, o faz ao mesmo tempo senhor de suas instituições constitucionais, orgânicas, administrativas e civis.[1] O termo soberania (do latim medieval, superanus e, mais recentemente, do francês, souveraineté) foi utilizado por Jean Bodin para caracterizar a realidade então nascente no mundo moderno,[2] que Nicolau Maquiavel designara por Estado (do latim, stato),[3] de certa forma já concretizado em alguns reinos como a Inglaterra, França, Castela, Aragão, Navarra e Portugal, bem como nas comunas e cidades livres. Trata-se, assim, de uma construção conceitual da modernidade,“expressão da reivindicação da plenitudo potestatis por parte dos reinos medievais [...] face, por um lado ao Império e à Igreja (rectius ao Papado) e, por outro, aos poderes feudais e comunais”.[4] Na definição de Jean Bodin, “souveraineté est la puissance absolue et perpétuelle d’une République”,[5] o que pode ser traduzido como o poder político de um Estado que não está submetido a nenhum outro organismo. Daí porque quase a totalidade dos estudiosos do Estado reconhecem a soberania como sendo una, indivisível, inalienável e imprescritível – características estas que não só revelam a plenitude do seu próprio conceito, mas que também distingue o poder estatal de todos os demais centros de imputação política.[6] Apesar de ter sido uma construção conceitual da modernidade, a ideia de soberania tem suas raízes na Idade Média, mais precisamente entre os séculos XII e XIII, quando se andava afirmando, na Europa, a nova realidade dos Estados nacionais e no momento em que a ideia do Império universal começava a se aproximar de sua crise. Foi exatamente neste contexto que o princípio da soberania apareceu às consciências, expresso na seguinte fórmula: rex in regno suo est imperator.[7] A partir deste paradigma medieval, os elementos intrínsecos ao conceito de soberania, vale dizer, a plenitude de poderes e independência de todos os outros poderes, começaram a se consolidar na era dos Estados Absolutos. Neste período, o poder soberano do Estado não conhecia limites de qualquer espécie. Só mais tarde, com o advento das revoluções liberais e o consequente triunfo do Estado de Direito, é que a soberania passou a compreendida como um poder sujeito a certos limites, constituídos estes, sobretudo, pelos princípios superiores de justiça e pelo Direito Internacional. Com uma tal compreensão, percebe-se que a soberania consiste, sem qualquer sombra de dúvida, num elemento essencial do Estado, que, por um lado, indica a posição de independência em relação a qualquer outro ente ou organismo existente fora dele (soberania externa); e, por outro, a supremacia em face de todas as outras pessoas, físicas e jurídicas, que se encontram em seu território (soberania interna) e, consequentemente, o mesmo poder de governo do ente estatal. Em síntese, a soberania estatal traduz-se naquele poder supremo e independente: supremo, porque não está limitado por nenhum outro poder na ordem interna; e independente, porque não deve obediência a ordens de governo ou organismo estrangeiro, estando em pé de igualdade com os demais poderes soberanos dos outros Estados, na ordem internacional.[8] Referindo-se à posição do Estado na ordem internacional, o professor Dalmo de Abreu Dallari observa que: O mundo é uma sociedade de Estados, na qual a integração jurídica dos fatores políticos ainda se faz imperfeitamente. Para o jurista, o Estado é uma pessoa jurídica de direito público internacional, quando participa da sociedade mundial. Na prática, entretanto, apesar de todas as restrições dos teóricos e dos próprios líderes políticos, o reconhecimento de um Estado como tal não obedece a uma regulação jurídica precisa, ficando na dependência da comprovação de possuir soberania. Com efeito, independentemente de atos formais de reconhecimento, o que se exige é que a sociedade política tenha condições de assegurar o máximo de eficácia para sua ordenação num determinado território e que isso ocorra de maneira permanente, não bastando a supremacia eventual ou momentânea. Assim, pois, o que distingue o Estado das demais pessoas jurídicas de direito internacional público é a circunstância de que só ele tem soberania. Esta, que do ponto de vista interno do Estado é uma afirmação de poder superior a todos os demais, sob o ângulo externo é uma afirmação de independência, significando a inexistência de uma ordem jurídica dotada de maior grau de eficácia.[9] Todavia, não se pode negar que, desde o entardecer da modernidade, já se podia observar, no céu das relações internacionais, um eclipse da soberania estatal. No atual século, aquele fenômeno que, antes, ainda era um pouco nebuloso ficou, agora, nitidamente inteligível: a plenitude do poder estatal está sendo ofuscada pela interposição de um outro astro, de grandeza superior aos tradicionais Estados soberanos, a saber: as chamadas comunidades supranacionais. Fazendo uma leitura atenta dos fenômenos políticos que estão ocorrendo na contemporaneidade, com destaque para a atual crise pela qual vem passando o conceito de soberania, o cientista político italiano, Nicola Matteucci, aduz que: No nosso século, o conceito político-jurídico de Soberania entrou em crise, quer teórica quer praticamente. Teoricamente, com o prevalecer das teorias constitucionalistas; praticamente, com a crise do Estado moderno, não mais capaz de se apresentar como centro único e autônomo de poder, sujeito exclusivo da política, único protagonista na arena internacional. Para o fim deste monismo contribuíram, ao mesmo tempo, a realidade cada vez mais pluralista das sociedades democráticas, bem como o novo caráter dado às relações internacionais, nas quais a interdependência entre os diferentes Estados se torna cada vez mais forte e mais estreita, quer no aspecto jurídico e econômico, quer no aspecto político e ideológico. Está desaparecendo a plenitude do poder estatal, caracterizada justamente pela Soberania; por isso, o Estado acabou quase se esvaziando e quase desapareceram seus limites.[10] Portanto, este esvaziamento dos entes estatais deve-se, basicamente, a dois fatores: ao pluralismo das sociedades democráticas; e ao processo, cada vez mais estreito, de colaboração internacional entre os Estados. Mas, como bem observou Nicola Matteucci, neste processo de obscurecimento da soberania estatal, “o golpe maior veio das chamadas comunidades supranacionais, cujo objetivo é limitar fortemente a Soberania interna e externa dos Estados-membros”, colocando-se acima de cada um deles.[11] Assim, forçoso reconhecer que houve uma relativização tanto da posição de independência, até então assumida pelos tradicionais Estados soberanos em relação a qualquer outro ente ou organismo existente fora dele; como da supremacia exercida em face de todas as outras pessoas, físicas e jurídicas, que se encontram em seu território e, consequentemente, do mesmo poder de governo do próprio ente estatal. Convém destacar, todavia, que – não obstante a plenitude do poder estatal, caracterizado pela Soberania, esteja em via de extinção – isto não significa que o poder, em si, isto é, enquanto fenômeno social, tenha desaparecido. Pois, caso contrário, desapareceria também a relação entre os homens, mantida por esta força que se está a serviço de uma ideologia cristalizada na consciência coletiva.[12] Portanto, mediante uma leitura atenta deste complexo fenômeno político, verifica-se que, na verdade, “desaparece apenas uma determinada forma de organização do poder, que teve seu ponto de força no conceito político- jurídico de Soberania”,[13] dando lugar, assim, a um novo modelo de organização do poder, cuja expressão máxima encontra-se no conceito de “supranacionalidade”, que será estudado a seguir. 1.2 O fenômeno da supranacionalidade A história da humanidade sempre foi marcada por movimentos de união e dispersão, sendo esta uma característica peculiar das relações humanas ao longo dos séculos. Se, por um lado, o “nacionalismo-regional” luta, constantemente, para (re)desenhar os (novos) limites territoriais; por outro, o “supranacionalismo” quer apagar as antigas fronteiras do mapa e, como ideologia, ele se opõe ao nacionalismo, que defende a soberania absoluta das nações.[14] Em que pese à constante luta do “nacionalismo-regional”, não se pode negar que, nos últimos cem anos, principalmente depois da Segunda Guerra Mundial, tem-se multiplicado a formação de entes políticos supranacionais. Expondo com clareza e exatidão os caracteres distintivos deste fenômeno, Martin Große Hüttmann, explica que: Der Begriff supranational [dt.: überstaatlich]beschreibt eine besonders enge Form der politischen, rechtlichen und wirtschaftlichen Zusammenarbeit und Verflechtung von Staaten, die sich durch die Übertragung von Kompetenzen und Ressourcen auf eine den Staaten übergeordnete politische Ebene und die Errichtung eines supranational Rechtssystems ergibt.[15] O fenômeno da supranacionalidade diz respeito, portanto, a algo que está fora da competência do governo de uma nação, vale dizer, além dos limites do próprio Estado nacional. Trata-se, portanto, da capacidade de uma organização internacional (ou, mais especificamente, de uma Comunidade Supranacional) ir além da soberania dos Estados tradicionais, ao adotar normas jurídicas e impor medidas, sobretudo de natureza política e econômica, suscetíveis de atingir seus cidadãos. A supranacionalidade se distingue em duas esferas de competência: uma normativa, e outra executiva. Enquanto a primeira indica as relações e a hierarquia existentes entre as medidas político-jurídicas acatadas pelos órgãos de uma organização internacional e aquelas adotadas pelos Estados- membros; a segunda, por sua vez, se ocupa dos órgãos e da forma de atuação dessa organização internacional frente às medidas imprescindíveis para a consecução de suas finalidades.[16] Esse fenômeno associativo certamente foi intensificado pela globalização, que traz consigo algumas questões de ordem política, econômica e social, as quais superam as possibilidades dos tradicionais Estados soberanos, resultando na necessidade destes entes se associarem para encontrar melhores condições para enfrentá-las. Posta assim a questão, é de se dizer, juntamente com Massimo Jasonni, que: De fato, a conseqüente formação de organismos supranacionais, dotados de poder efetivo e exercendo funções concretas, tornou evidente a posição subsidiária do Estado, obrigando não raro a subordinar suas próprias decisões governamentais a opções econômicas e desígnios políticos que lhe são externos.[17] Não se pode negar, portanto, que essas entidades, de âmbito supranacional, moldam efetivamente a maneira pela qual o direito deve ser aplicado pelos Estados-membros, em cada caso concreto. Com muita propriedade, o douto Ives Gandra da Silva Martins traça as seguintes explanações sobre o assunto: À medida que os direitos comunitários vão ganhando expressão no mundo, nitidamente os direitos locais perdem relevância e um conceito de ‘soberania subordinada’ passa a vigorar, pois os países, ao abdicarem de sua soberania de dizer o direito para acatarem o direito dito pela comunidade, conformam um novo tipo de relação jurídica a que denomino o direito da ‘Federação Comunitária’.[18] Com efeito, um dos grandes desafios que o Direito já está enfrentando neste século diz respeito a essa transição do conceito clássico de soberania estatal para o conceito pós-moderno de soberania comunitária. Isto implica, inevitavelmente, numa mudança de responsabilidades legais do Estado-nação para um nível superior, denominado “Comunidade Supranacional” (ou “Federação Comunitária”), que significa “ogni unione internazionale di stati istituzionalmente organizzata, dotata cioè di organi proprî, agendo per mezzo dei quali viene naturalmente a porsi ‘sopra gli stati’”,[19] Hoje, a União Europeia, representa o modelo mais avançado de integração econômica e política e, portanto, de uma ordem supranacional. Assim, o conceito de “Comunidade Supranacional” é, por vezes, utilizado para descrever a União Europeia como um novo tipo de entidade política. Como bem acentuado por Sérgio Pistone, a escolha do interesse nacional por esta forma de integração política consiste, basicamente, numa “abdicação progressiva da soberania nacional absoluta a favor de instituições supranacionais, mediante as quais um conjunto de povos, que perderam a capacidade de uma real autonomia internacional, tende a recuperá-la, não individual, mas coletivamente”.[20] As Comunidades Supranacionais diferem-se das demais Organizações Internacionais – como, por exemplo, a Organização Mundial do Comércio e a própria Organização das Nações Unidas – pelo grau mais acentuado de integração entre seus membros. Isto pode ser observado, a título exemplificativo, pela existência de uma ordem jurídica autônoma, de um tribunal de justiça com poderes vinculantes ou de instituições com legitimidade direta (como o Parlamento Europeu). Assim, a principal característica de uma Comunidade Supranacional – que a diferencia das demais Organizações Internacionais acima mencionadas –, está na existência de uma ordem jurídica própria, fundada no primado da lei supranacional. Com base nessas premissas, pode-se dizer que o poder supranacional de tributação seria aquele exercido sobre um grupo de Estados, estando acima do poder tributário nacional. Assim, essa nova forma de organização do poder seria caracterizada, particularmente, pela estreita cooperação entre os Estados em matéria tributária, resultando na transferência de parte da soberania fiscal e de recursos financeiros para um nível político mais alto, bem como no estabelecimento de um sistema tributário supranacional. Não obstante os elementos postos de relevo, cumpre refletir, todavia, acerca da real possibilidade de se sustentar, nos dias de hoje, dada a limitada casuística, a existência de comunidades supranacionais que promovessem a captação de recursos financeiros, por meio de uma tributação de cunho supranacional, com vistas à consecução de interesses de toda a comunidade, dentre eles: a redução das desigualdades socioeconômicas. Como remate a este tópico, melhor não se faça que transcrever mais uma vez o abalizado pensamento de Ives Gandra da Silva Martins, que, por um lado, reconhece que “os espaços comunitários que conseguirem vencer os preconceitos ideológicos e a força nacionalista serão os que mais se desenvolverão no futuro”, mas, por outro, não se esquece de que “as nações, mesmo quando agregadas, tendem a se defender, e, em momentos de crise, respeitam pouco os acordos internacionais”.[21] 1.3 O poder (supra)nacional de tributação Como se sabe, o Estado, em regra, não está autorizado a exercer atividade econômica, cujo exercício encontra-se reservado à iniciativa privada. Por isto, não restam muitas opções ao ente estatal que não sejam explorar seu próprio patrimônio, ou transferir compulsoriamente a riqueza produzida pelo setor privado para os cofres públicos, mediante o exercício do poder tributário. Na precisa lição de Carlos Fonrouge, a expressão “poder tributário” significa “la facultad o la posibilidad de exigir contribuiciones con respecto a personas o bienes que se hallan en su jurisdicción”.[22] Trata-se, portanto, do poder estatal de avançar sobre a propriedade privada, por meio dos tributos. Em trabalho inexcedível, o grande constitucionalista brasileiro, José Afonso da Silva, também apresenta o conceito de poder tributário, de forma precisa e juridicamente escorreita, dizendo que este poder: É a capacidade de impor tributos. É inerente ao Estado. Fundamenta-se no poder político ou poder de império, que é atributo das entidades estatais, únicas que podem impor condutas aos particulares, mediante lei. Por isso, só a entidade pública que dispõe de capacidade normativa pode lançar contribuições compulsórias. Em última análise, o poder de tributar é manifestação do poder constituinte, que o outorga, pela Constituição, e nos limites nela estabelecidos, às entidades estatais. Nele fundamenta-se a faculdade de criar tributos. Ao se instituir o tributo – o que implica sua criação, fixação do fato gerador da obrigação tributária principal, estabelecimento de suas alíquotas –, está-se exercendo o poder de tributar. A competência tributária é função do poder de tributar.[23] O poder de tributar consiste, portanto, naquele poder estatal de transferir, compulsoriamente, parcela da propriedade privada para os cofres públicos, a fim de assegurar ao Estado a obtenção de recursos financeiros necessários à manutenção da máquina estatal e à promoção do bem comum, conforme as finalidadesimpostas pela ordem jurídica vigente. Para Liam Murphy e Thomas Nagel, professores de Filosofia da Universidade de Nova York, a tributação tem duas funções principais, in verbis: (1) Ela determina que proporção dos recursos da sociedade vai estar sob o controle do governo para ser gasta de acordo com algum procedimento de decisão coletiva, e que proporção será deixada, na qualidade de propriedade pessoal, sob o arbítrio de indivíduos particulares. Essa é a repartição entre o público e o privado. (2) Ela é um dos principais fatores que determinam de que modo o produto social é dividido entre os diversos indivíduos, tanto sob a forma de propriedade privada quanto sob a forma de benefícios fornecidos pela ação pública. Esta é a distribuição.[24] Em outras palavras, a atividade tributária caracteriza-se tanto pela partilha das riquezas produzidas pela sociedade, destinando uma porção para o Estado, e reservando a outra para os cidadãos-contribuintes; como pela distribuição do produto social entre os diversos indivíduos para a satisfação das necessidades coletivas. Apesar do processo contemporâneo de descentralização estatal, o núcleo essencial do poder tributário, ainda hoje, permanece exclusivamente nas mãos do Estado, e sendo a soberania um atributo inerente às entidades estatais, não se pode negar que este poder também mereça o qualitativo de soberano. Por isto que, a priori, só os Estados dispõem de capacidade normativa para lançar contribuições pecuniárias compulsórias sobre as pessoas ou bens que se encontrem sob sua jurisdição. Com efeito, a jurisdiction to tax seria um simples corolário lógico da soberania estatal, sendo ambas duas grandezas inversamente proporcionais, de tal modo que aquela só se estende até os limites da primeira e, inversamente, perde seu âmbito de incidência onde tais limites cessarem. Considerando que a Constituição, enquanto expressão da vontade geral e estatuto fundante do Estado, institui os poderes que por ele serão exercidos em nome do povo, não se pode negar que assim também se dá em relação aos tributos lançado ao povo pelo ente estatal. Neste sentido, oportuna a lição de Sacha Calmon Navarro Coêlho, ao enfatizar que: O poder de tributar é exercido pelo Estado por delegação do povo. O Estado, ente constitucional, é produto da Assembleia Constituinte, expressão básica e fundamental da vontade coletiva. A Constituição, estatuto fundante, cria juridicamente o Estado, determina-lhe a estrutura básica, institui poderes, fixa competências, discrimina e estatui os direitos e as garantias das pessoas, protegendo a sociedade civil.[25] Com o advento do Estado Constitucional de Direito, o poder de tributar passou a ser o campo de labor preferido do constituinte, estando seu conteúdo previsto, não raramente, em diversos textos constitucionais, e isto se justifica por duas razões: A uma, porque o exercício da tributação é fundamental aos interesses do Estado, tanto para auferir as receitas necessárias à realização de seus fins, sempre crescentes, quanto para utilizar o tributo como instrumento extrafiscal, técnica em que o Estado intervencionista é pródigo. A duas, porque tamanho poder há de ser disciplinado e contido em prol da segurança dos cidadãos.[26] Dessa forma, o poder de criar impostos tem, necessariamente, por fundamento jurídico a própria Constituição, seja porque sua titularidade resulta dela, seja porque o seu exercício deva ocorrer dentro dos estritos limites constitucionais, de modo a manter a tributação dentro de um quadro tolerável para os cidadãos-contribuintes. Partindo-se, então, dessas premissas, pode-se dizer que um poder supranacional de tributação compreenderia a capacidade de impor tributos mundiais. Seria inerente àqueles Estados inseridos em Organizações Internacionais. Encontrar-se-ia, todavia, alicerçado na soberania de um Ente Supranacional; ou, ao menos, na soberania estatal, vista, agora, não mais sob o aspecto absoluto, mas compreendida a partir dos conceitos de abertura, cooperação e integração.[27] De toda sorte, não se pode negar que, embora a soberania seja ainda um atributo das entidades estatais, num eventual exercício da capacidade normativa para lançar contribuições compulsórias no âmbito supranacional o Estado deixaria de atuar de forma absoluta, compartilhando essa competência com outros Estados, mediante tratados e convenções internacionais. Em última análise, pode-se dizer que, havendo uma ruptura das premissas de organização dos Estados tradicionais, o poder supranacional de tributação passaria a ser considerado uma manifestação do poder constituinte supranacional,[28] que o outorgaria, pela Constituição comunitária, e nos limites nela estabelecidos, às entidades estatais. Nele estaria abalizada a faculdade de criar tributos mundiais. Neste caso, ao se instituir um tributo mundial, estar-se-ia exercendo o poder supranacional de tributação. CAPÍTULO 2 A TEORIA DA TRIBUTAÇÃO MUNDIAL SOBRE O CAPITAL Considerações iniciais Como se sabe, ainda hoje prevalece na doutrina a divisão histórica da tributação em cinco etapas, incidentes sobre fenômenos distintos de manifestação de riqueza, sendo elas: 1. Tributação sobre o indivíduo ou classe (capitação); 2. Tributação sobre o patrimônio; 3. Tributação sobre a despesa individual; 4. Tributação sobre o produto do capital; e 5. Tributação sobre a renda.[29] Não obstante a tributação sobre o patrimônio remontar à antiguidade e preceder historicamente à tributação sobre a renda, a principal proposta apresentada por Thomas Piketty para reduzir as desigualdades sociais e econômicas está ligada a um acordo internacional abrangente que estabeleça um imposto mundial e progressivo sobre a riqueza individual, incluindo todo tipo de ativos – o que, a priori, representaria um retrocesso no modelo impositivo. Mas, segundo a concepção pikettyana, isso se justificaria porque “não basta repensar o modelo fiscal e social do século XX e adaptá-lo ao mundo de hoje”.[30] É indispensável que haja “uma reatualização adequada do programa social-democrata e fiscal-liberal do século passado”.[31] Ou seja, é necessário que haja uma reforma financeira apropriada ao século XXI. Então, na expectativa de regular o capitalismo patrimonial globalizado do século XXI, preservando-se, em última instância, o Estado de bem-estar social, o economista francês elege duas grandes políticas fiscais que devem ser tomadas para que se possa alcançar esta finalidade, sendo elas: (1) a instituição de um Imposto Mundial sobre o Capital (2) acompanhada de uma transparência financeira e democrática, garantida por meio de uma cooperação internacional, conforme será analisado, com mais rigor, ao longo deste capítulo. Com base nesta perspectiva, o que ele chama de “capitalismo patrimonial” – que significa uma concentração de riqueza acompanhada pela transmissão do poder político, de geração em geração, numa ordem social baseada em classe –, estaria corroendo o compromisso do Estado Social com a igualdade de oportunidades. Assim sendo, o que será abaixo analisado, sobretudo do ponto de vista jurídico, é a proposta de um economista que abre uma série de possibilidades para a alteração do paradigma do século passado, com vistas a uma reforma financeira adequada aos dias de hoje. Mas, em virtude de ainda não ter sido criado, o debate sobre os elementos jurídicos da hipótese de incidência deste tributo estará adstrito a aspectos teóricos e conjecturais. Posta assim a questão, é de se dizer que uma explanação científica de uma espécie tributária, que ainda não foi instituída em lei, nem tampouco verificada na realidade fenomênica, como é o caso de um Imposto Mundial sobre o Capital, justifica-se na medida em que serve de instrumento de estudo, investigação e influência prévia na compreensão da (in)constitucionalidade de uma lei que venha a instituir um tributo mundial, sendo contemporânea na sua interpretação e aplicação. 2.1 O imposto mundialsobre o capital 2.1.1 Competência tributária No Brasil, caso realmente fosse instituído um Imposto Mundial sobre o Capital, este tributo estaria reservado à competência federal, porque somente a União pode criar, na porção de sua competência residual, outros impostos além daqueles que já lhe foram assegurados pela Constituição, ex vi do disposto na literalidade do artigo 154, inciso I, da Lei Fundamental.[32] Por ser tratar de um imposto residual (ou imposto previamente indeterminado), a competência tributária seria exclusiva da União, e o exercício desta competência estaria sob reserva de lei complementar, conforme será analisado mais adiante. Em razão disso, esse imposto também não poderia ser cumulativo, nem ter a mesma hipótese de incidência e a mesma base de cálculo daqueles impostos discriminados na Constituição Brasileira e adjudicados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Ademais, levando-se em consideração os parâmetros constitucionais de repartição das receitas tributárias, 20% (vinte por cento) do produto da arrecadação do imposto que a União instituir no exercício da competência residual deverá ser repassado aos Estados e ao Distrito Federal, por força do disposto no artigo 157, inciso II, da Constituição Federal.[33] Observando-se, então, essa mesma sistemática, se realmente fosse introduzido um Imposto Mundial sobre o Capital no sistema jurídico brasileiro, os outros 80% (oitenta por cento) do produto dessa arrecadação seriam repassados a instituições financeiras especializadas que desempenhassem o papel de depositário central, conforme será estudado a seguir, o que nos levaria a entender que, neste caso específico, a União receberia uma parcela da competência impositiva, mas, exercendo-a, não participaria do produto do arrecadação do imposto mundial. 2.1.2 Sujeito ativo Em regra, o polo ativo da relação jurídica tributária será ocupado pela pessoa político-constitucional competente para instituir o tributo, de acordo com os critérios de repartição de competências tributárias estabelecidos na Constituição. Entrementes, poderá ocorrer delegação da capacidade tributária ativa, sendo esta atribuída à pessoa diversa daquela que tem a titularidade da competência tributária. Com efeito, não se pode confundir competência tributária com capacidade tributária ativa. A esse propósito, é de todo oportuno trazer à baila o entendimento do preclaro mestre, Paulo de Barros Carvalho, que obtempera, verbo ad verbum: Uma coisa é poder legislar, desenhando o perfil jurídico de um gravame ou regulando os expedientes necessários à sua funcionalidade; outra é reunir credenciais para integrar a relação jurídica, no tópico de sujeito ativo. O estudo da competência tributária é um momento anterior à existência mesma do tributo, situando-se no plano constitucional. Já a capacidade tributária ativa, que tem como contranota a capacidade tributária passiva, é tema a ser considerado no ensejo do desempenho das competências, quando o legislador elege as pessoas componentes do vínculo abstrato, que se instala do instante em que acontece, no mundo físico, o fato previsto na hipótese normativa.[34] Escudado nesta sólida distinção terminológica, entende-se que, no caso sub examine, a competência tributária seria da União Federal, enquanto que a capacidade tributária ativa estaria delegada a uma instituição financeira especializada. Considerando que “o imposto sobre o capital seria uma forma de cadastro financeiro mundial, algo que não existe hoje”,[35] a capacidade tributária ativa seria delegada a instituições financeiras especializadas que desempenhassem o papel de um depositário central, e que reunissem todos os ativos (financeiro, imobiliários ou corporativos) detidos por uma mesma pessoa, seja ela física ou jurídica.[36] Tais instituições privadas figurariam, portanto, como sujeito ativo da obrigação tributária. Ou seja, aquelas instituições financeiras teriam, à luz da concepção pikettyana, aptidão para arrecadar e fiscalizar o tributo mundial. 2.1.3 Função Quanto às funções que o legislador imprime na lei tributária, quase a totalidade dos tributaristas classificam os tributos em três categorias, quais sejam: a) fiscal, quando seu objetivo principal for carrear recursos financeiros aos cofres públicos; b) extrafiscal, quando seu objetivo principal for intervir numa situação econômica ou social; ou, c) parafiscal, quando seu objetivo principal for arrecadar recursos financeiros para o custeio de atividades que, a priori, não agregam funções próprias do Estado, mas este as desenvolve por meio de entidades específicas.[37] Não excede recordar que, para Thomas Piketty, um Imposto Mundial sobre o Capital teria “o mérito de preservar a abertura econômica e a globalização ao mesmo tempo que regula com eficiência e distribui os lucros de maneira justa dentro de cada país e entre os países”.[38] À luz dessa concepção, essa nova política tributária seria de grande importância para a redistribuição das riquezas mundiais, não apenas em razão de pessoas, como também de lugares. Sua finalidade principal não consistiria em carrear recursos aos cofres daquelas instituições financeiras especializadas, mas intervir numa situação econômica ou social, em escala global. Teria, portanto, função nitidamente extrafiscal porque seu principal objetivo seria a redistribuição de riqueza, em âmbito mundial. Com isso, este novo sistema de tributação cumpriria um duplo papel, qual seja, “evitar uma espiral desigualadora sem fim e regular de forma eficaz a inquietante dinâmica da concentração mundial da riqueza [...], além de possibilitar um controle eficaz das crises financeiras e bancárias”.[39] Mas, não se pode negar, também, a importância que esta figura impositiva teria para o orçamento daquela entidade ou organização internacional, onde figuraria como a principal fonte de receita tributária em nível global. Assim, pode-se afirmar que o Imposto Mundial sobre o Capital, embora tivesse função predominantemente extrafiscal, desempenharia também função fiscal altamente relevante. Na prática, estas novas receitas poderiam ser utilizadas, como sugere Thomas Piketty, “para reduzir as arrendações existentes ou para financiar outras necessidades” como, por exemplo, “ajudas internacionais ou a redução da dívida”.[40] Enfim, o Imposto Mundial sobre o Capital teria, dentre outros objetivos, reduzir a desigualdade de renda, regulamentar o sistema financeiro e bancário, estabelecer regras para avaliar ativos, passivos e riquezas líquidas, e compartilhar dados financeiros e bancários. 2.1.4 Fato gerador No contexto geral da obra O capital no século XXI, Thomas Piketty define o capital como sendo “o conjunto de ativos não humanos que podem ser adquiridos, vendidos e comprados em algum mercado”,[41] o que inclui, portanto, todo tipo de riqueza pertencente a algum indivíduo e que possa ser comercializada. Registra-se, por oportuno, que deste conceito está excluído aquilo que os economistas denominam de “capital humano”, que compreende, basicamente, a força de trabalho, as qualificações, a formação, as capacidades individuais. No conceito utilizado pelo economista francês, o capital abrange, de modo mais específico, “o conjunto formado pelo capital imobiliário (imóveis, casas), utilizado para moradia, e pelo capital financeiro e profissional (edifícios e infraestrutura, equipamentos, máquinas, patentes etc.), usado pelas empresas e pela administração pública”.[42] Partindo deste conceito, entende-se que o fato gerador (isto é, o âmbito material de incidência) do Imposto Mundial sobre o Capital seria um fato econômico, uma demonstração global de riqueza do contribuinte, sobre o qual incidiria uma alíquota. Neste caso, o fato gerador seria a aquisição de capital individual, assim entendido o valor líquido dos ativos financeiros (sobretudo, os depósitos e contas bancárias, ações, títulos e participações de qualquer espécie dentro de empresas cotadas em bolsas de valores ou não) e não financeiros (especialmente, imobiliáriosou corporativos), sem exceção, controlados por cada pessoa.[43] Exemplificando, se “determinada pessoa tem um apartamento no valor de 400.000 euros, uma carteira de ações valendo 200.000 euros e um empréstimo de 100.000 euros [...] (no total, essa pessoa detém um patrimônio líquido de 500.000 euros)”,[44] o que corresponderia ao valor líquido de seus ativos financeiros e imobiliários. Com efeito, este imposto teria a conveniência de não se basear apenas nos ativos imobiliários, de tal sorte que o patrimônio financeiro não fosse ignorado por completo, e os empréstimos pudessem ser deduzidos do valor dos bens, de modo que uma pessoa com grandes dívidas não fosse taxada da mesma maneira que um indivíduo que não tem dívida alguma. Na concepção pikettyana, esta nova figura impositiva seria de incidência anual, o que significa que o seu fato gerador seria da espécie dos fatos continuados. E em virtude de ser o capital individual o resultado de um conjunto de fatos que acontecem durante determinado período, seria razoável afirmar, por conseguinte, que se trataria de fato gerador complexo. Sendo assim, iniciado o período, estaria definido o regime jurídico do Imposto Mundial sobre o Capital. Vale dizer, nenhuma lei poderia mais modificar os critérios de determinação do valor desse imposto. Além disso, o Imposto Mundial sobre o Capital seria uma espécie de tributo não vinculado,[45] pois seu fato gerador não decorreria de nenhuma atividade (supra)estatal específica, não havendo que se falar, portanto, em contraprestação/referibilidade. 2.1.5 Base de cálculo Analisando os impostos progressivos sobre o patrimônio global exigidos em alguns países da Europa (por exemplo, França, Suíça, Espanha e, mais recentemente, Alemanha e Suécia), Thomas Piketty aduz que: Na prática, porém, tais impostos são muitas vezes tolhidos pelos regimes derrogatórios: vários ativos são isentos, outros são avaliados em bases cadastrais ou valores fiscais arbitrários e sem relação com os valores de mercado. Assim, muitos países acabaram por eliminar esses impostos.[46] Ou seja, embora alguns países europeus tributem de forma progressiva o patrimônio global, tais impostos estão repletos de isenções e os valores dos ativos estão muito longe dos valores de mercado. Além disso, no que diz respeito aos impostos sobre o patrimônio imobiliário, cobrados em quase todos os países do mundo, o economista francês esclarece que: Esses impostos têm o inconveniente de se basearem unicamente nos ativos imobiliários (o patrimônio financeiro é totalmente ignorado, e os empréstimos não podem ser deduzidos do valor dos bens, de modo que uma pessoa com grandes dívidas é taxada da mesma maneira que um indivíduo sem dívida alguma) e, na maioria das vezes, numa taxa proporcional ou quase.[47] Vale dizer, tais impostos têm a desvantagem de se basearem apenas na riqueza bruta, de tal sorte que uma pessoa profundamente endividada é tributada da mesma forma que uma pessoa sem dívida alguma. Por estas e outras razões, a base de cálculo do imposto sobre o capital, idealizado por Thomas Piketty, deveria ser “o valor líquido dos ativos controlados por cada pessoa”.[48] A forma de determinação da base de cálculo deveria variar, também, de acordo com o tipo de contribuinte (pessoa física, e pessoa jurídica) e a expressão econômica do patrimônio (patrimônios modestos e médios, e grandes fortunas). Quanto ao tipo de contribuinte, seria “recomendável instituir um imposto com taxa baixa sobre o patrimônio líquido das empresas (os fundos próprios), juntamente a um imposto com taxa mais elevada sobre o patrimônio líquido dos indivíduos”.[49] No que diz respeito à expressão econômica do patrimônio, em se tratando das pessoas mais ricas do planeta, a base de cálculo desse imposto seria as “fortunas individuais estimadas por revistas como a Forbes”.[50] Para todo o restante dos indivíduos, a base de cálculo seria o “valor de mercado de todos os ativos”[51] (imobiliários, financeiros ou corporativos), com dedução dos valores das dívidas. Em síntese, a base de cálculo seria a “riqueza líquida”, isto é, o valor de mercado dos ativos financeiros e não financeiros (v.g., depósitos bancários, ações, títulos, sociedades e/ou parcerias empresariais, participações em empresas registradas e não cotadas em bolsas de valores, patentes, imóveis, etc.), líquidos de dívidas. 2.1.6 Alíquotas Também existiriam diversas alíquotas para o Imposto Mundial sobre o Capital, e para a determinação da alíquota aplicável dever-se-ia considerar que esse imposto tem diversos regimes jurídicos: um para as pessoas mais ricas do planeta; e outro para os demais indivíduos. Em ambos os casos, a alíquota do Imposto Mundial sobre o Capital seria progressiva, isto é, aumentaria na medida em que se aumentaria a base de cálculo. Nas palavras de Thomas Piketty: “trata-se de tributar mais os patrimônios maiores e de levar em consideração o total dos ativos, quer sejam imobiliários, financeiros ou corporativos, sem exceção”.[52] Ou seja, quanto maior a base de cálculo, maior seria a alíquota desse imposto. Sobre tal aspecto, merece ser trazido à baila o raciocínio utilizado pelo economista francês: Em relação ao cálculo a ser aplicado para essa base de tributação, podemos, por exemplo, imaginar uma taxa igual a 0% para menos de 1 milhão de euros de patrimônio, 1% entre 1 e 5 milhões e 2% para além de 5 milhões. Contudo, também podemos preferir um imposto sobre o capital com uma progressão muito mais abrupta sobre as maiores fortunas (por exemplo, com uma taxa de 5% ou 10% para patrimônios acima de 1 bilhão de euros). Podemos ainda encontrar vantagens em se ter uma taxa mínima sobre os patrimônios modestos e médios (por exemplo, 0,1% para menos de 200.000 euros e 0,5% entre 200.000 e 1 milhão de euros).[53] O exemplo utilizado pelo autor sobre o critério quantitativo da regra matriz de incidência tributária do Imposto Mundial sobre o Capital pode ser unificada, tomando como base os dois regimes jurídicos aplicáveis à espécie, conforme tabelas abaixo. Tabela 1 – Progressividade do Imposto Mundial sobre o Capital para patrimônios modestos e médios. Base de cálculo Alíquota 1ª Opção Menos de 1 milhão de euros de patrimônio 0% 2ª Opção Menos de 200.000 euros de patrimônio Entre 200.000 e 1 milhão de euros de patrimônio 0,1% 0,5% Fonte: Elaborada pelo autor com base em Piketty, 2014. Tabela 2 – Progressividade do Imposto Mundial sobre o Capital para grandes fortunas. Base de cálculo Alíquota Entre 1 e 5 milhões de euros de patrimônio 1% Entre 5 milhões e 1 bilhão de euros de patrimônio 2% Mais de 1 bilhão de euros de patrimônio 5% ou 10% Fonte: Elaborada pelo autor com base em Piketty, 2014. Como se pode notar, o Imposto Mundial sobre o Capital seria uma espécie de tributo pessoal, já que levaria em conta as características individuais do contribuinte, a exemplo de suas alíquotas progressivas. 2.1.7 Sujeito passivo O sujeito passivo da obrigação tributária relacionada ao Imposto Mundial sobre o Capital pode ser tanto uma pessoa física, quanto uma pessoa jurídica, obrigada ao seu cumprimento.[54] Pessoa física é a pessoa natural, o indivíduo; ao passo que, pessoa jurídica é aquela criada pelo Direito. Ambas detentoras de direitos e obrigações, mas sendo esta distinta daquela ou daquelas pessoas naturais que a compõe. Vê-se, na imagem abaixo, a relação jurídica tributária, pertinente ao Imposto Mundial sobre o Capital, representada na sua integralidade – abrangendo o complexo formado pelo direito subjetivo do sujeito ativo (instituições financeiras), pelo dever jurídico do sujeito passivo (pessoas física ou jurídica), e pelo objeto da prestação pecuniária (tributo mundial). Imagem 1 – Relação jurídica tributária do Imposto Mundial sobre o Capital Fonte: Elaborada pelo autor. 2.1.8 Lançamento O lançamento do imposto sobre o capital seria feito “segundo a lógica da declaração pré-preenchida pelo governo”.[55] A ratificar o exposto, o autor argumenta que tal sistema jáestá vigorando em vários países e sendo aplicável ao imposto sobre a renda como, “por exemplo, na França, onde cada contribuinte obtém um documento indicando os salários declarados por seus empregadores e as rendas financeiras declaradas pelos bancos”.[56] Com base neste sistema, cada contribuinte receberia uma declaração, na qual estariam inclusos todos os seus ativos e passivos conhecidos pela administração fiscal. Este sistema seria semelhante àquele aplicado em vários estados norte-americanos na constituição do crédito tributário referente ao property tax, no qual o contribuinte recebe, anualmente, uma reavaliação do valor de mercado de suas propriedades imobiliárias, calculado pelo governo com base nos preços observados nas transações de bens similares, sendo que o contribuinte pode contestar a avaliação feita pelo governo e sugerir outro valor, desde que o justifique.[57] Sob esse ponto de vista, o lançamento por declaração pré-preenchida teria uma dupla vantagem: “ela simplifica a vida do contribuinte e evita a grande tentação de reduzir um pouco o valor de seus bens”,[58] além de ser um sistema “mais apropriado ao século XXI do que a solução arcaica de contar com a memória e a boa-fé de todos ao preencher a declaração”,[59] devendo, por isto, ser aplicado automaticamente a toda população mundial. 2.2 Transparência financeira e cooperação internacional 2.2.1 O objetivo de transparência democrática e financeira Para Thomas Piketty, a instituição de um Imposto Mundial sobre o Capital deveria vir acompanhada por uma grande transparência democrática e financeira no que diz respeito aos patrimônios e aos ativos detidos pelos indivíduos, em escala global.[60] A ideia seria “estabelecer um cálculo de tributação para ser aplicada a todas as fortunas do mundo e depois redistribuir harmoniosamente essas receitas entre os países”.[61] Ou seja, cada tipo de capital seria tributado da mesma maneira e depois redistribuída equitativamente essas receitas entre os países que adotassem esse sistema fiscal ideal. No entendimento de Thomas Piketty, essa regulação ideal teria o mérito de preservar a abertura econômica e a globalização, permitindo, ao mesmo tempo, regular com eficiência e distribuir os lucros de maneira justa dentro de cada país e entre os países que adotassem esse sistema.[62] Para o economista francês, seria “perfeitamente possível perseguir essa instituição ideal em etapas, a começar por colocá-la em prática em escala continental ou regional e organizar a cooperação entre os instrumentos regionais”.[63] Vale destacar que, de acordo com esta concepção, o Imposto Mundial sobre o Capital não teria nenhuma vocação para substituir todos os recursos fiscais existentes. Ou seja, seria um imposto a mais para os países que aderissem a essa nova política fiscal. Em termos de receitas, explica Thomas Piketty, “trata-se apenas de um complemento relativamente modesto na escala do Estado social moderno: alguns pontos da renda nacional”.[64] Em primeiro lugar, este objetivo de transparência financeira “permitiria gerar conhecimento e informação sobre os patrimônios e as fortunas”,[65] fundando, assim, as bases para a instituição de um imposto anual e progressivo sobre o capital. Tal transparência “possibilitaria também pavimentar o caminho para uma regulação mais justa e eficaz das crises bancária (tais como a crise cipriota), por meio, se necessário, de arrecadações excepcionais progressivas e bem calibradas”.[66] E, por fim, a instituição de um Imposto Mundial sobre o Capital obrigaria “a especificar e ampliar o conteúdo dos acordos internacionais sobre as transmissões automáticas de informações bancária”,[67] de forma a incluir, nas declarações pré-preenchidas, os ativos detidos em instituições bancárias situadas no exterior. Aliás, isso já ocorre entre os bancos e as administrações fiscais de vários países (por exemplo, Estados Unidos, França e Alemanha). Mas, de acordo com a concepção pikettyana, esse sistema deve abranger, também, os bancos localizados nas ilhas Cayman ou na Suíça. Refletindo sobre os desafios a serem enfrentados, nos dias de hoje, para se efetivar a transmissão automática de informações bancárias em âmbito mundial, Thomas Piketty enfatiza que: Entre outras desculpas que costumam ser evocadas pelos paraísos fiscais para preservar o sigilo bancário e não transmitir essas informações automaticamente, há muitas vezes a ideia de que os governos poderiam fazer mau uso delas. O argumento é pouco convincente: por que o mesmo também não se aplicaria às informações bancárias daqueles que são incautos o suficiente para deixar o dinheiro no próprio país? O motivo mais plausível para os paraísos fiscais defenderem o sigilo bancário é que assim seus clientes evitam encarar suas obrigações fiscais, passando a esses paraísos fiscais uma parte dos ganhos obtidos dessa maneira. O problema, é claro, é que isso não tem estritamente nada a ver com os princípios de economia de mercado. O direito de estabelecer sua própria taxa de tributação não existe. Não se pode enriquecer por meio do livre comércio e da integração econômica com os vizinhos e depois desviar impunemente sua base fiscal. Isso parece roubo, pura e simplesmente.[68] Em outras palavras, devido às lacunas existentes em diversas legislações tributárias, os indivíduos mais ricos e as grandes corporações acabam estabelecendo, grosso modo, sua própria tributação, de tal modo que a quantidade de riqueza escondida nos paraísos fiscais seja algo surpreendente. Mas, por outro lado, os paraísos fiscais defendem o sigilo bancário porque, com isso, seus clientes evitam os encargos fiscais, repassando para eles uma parcela dos ganhos obtidos dessa forma, e não porque a privacidade seja valorizada por si mesma. O livre-comércio e o Estado de bem-estar social são, sob essa óptica, inconsistentes com os paraísos fiscais. Por isto, o primeiro passo para a regulamentação dos mercados bancário e financeiro seria, de acordo com a concepção pikettyana, a transmissão automática de dados bancários em todos os países. Com efeito, o livre comércio de bens, serviços e capital requer, sob esse ponto de vista, um intercâmbio de informações bancárias. 2.2.2 A necessidade de cooperação internacional Além do objetivo de transparência financeira e democrática, Thomas Piketty defende a necessidade de cooperação internacional na implementação deste novo instrumento fiscal adequado ao século XXI. Para o economista francês, a tentativa mais avançada na implementação dessa política de cooperação internacional seja, talvez, a lei americana conhecida como “Fatca” (Foreign account tax compliance act) que, desde 2015, exige que todos os bancos estrangeiros informem ao Departamento do Tesouro dos Estados Unidos sobre contas bancárias e investimentos realizados no exterior por contribuintes norte-americanos. Mas, como destaca Thomas Piketty, esta lei continua a ser insuficiente, por duas razões: Para começar, sua redação não é precisa e sistemática o bastante, de modo que há motivos para acreditarmos que alguns ativos financeiros, sobretudo aqueles detidos por meio de trust funds e fundações, consigam escapar legalmente à transmissão automática de informações. Além disso, as sanções previstas — a saber, uma taxa adicional de 30% sobre as rendas que os bancos recalcitrantes obtêm com suas atividades nos Estados Unidos — são insuficientes.[69] Logo, para se evitar a propagação de pequenos estabelecimentos bancários especializados na gestão de carteiras estrangeiras sem, todavia, realizar nenhum investimento nos Estados Unidos, o economista francês entende que a única maneira de se obter resultados tangíveis seria a imposição de sanções automáticas não apenas aos bancos, mas também aos países que se recusassem a impor a transmissão automática de informações a todos os estabelecimentos financeiros que funcionassem dentro de seus respectivos territórios.[70] Este mesmo raciocínio se aplicaria quando da instituição de um Imposto Mundial sobre o Capital, que exigiria,por sua vez, uma cooperação internacional para que se pudesse alcançar aquele objetivo de transparência financeira e democrática. Logo, a lei que o instituísse deveria ter uma redação precisa e sistemática o bastante para garantir que nenhum ativo escaparia àquela transmissão automática de informações, além de prevê sanções suficientes contra os seus infratores. Como se pode ver, qualquer espécie de tributo mundial seria, por sua própria natureza, objeto de tratados internacionais, celebrados entre dois ou mais Estados e/ou organizações internacionais, por meio de seus respectivos órgãos competentes. No Brasil, todavia, os tratados internacionais não são dotados de efeito direto nem de aplicabilidade imediata, necessitando, assim, da manifestação e atuação conjunta dos órgãos dos Poderes Legislativo e Executivo para produzirem efeitos no âmbito interno.[71] Assim, para que haja a incorporação de tratado internacionais ao ordenamento jurídico brasileiro, deve-se obedecer, basicamente, quatro fases solenes, sendo elas: (1) Negociações preliminares e assinatura do respectivo documento pelo Presidente da República ou por outra pessoa detentora de plenos poderes; (2) Manifestação do Congresso Nacional por meio de decreto legislativo; (3) Ratificação do tratado internacional pelo Presidente da República, ato mediante o qual o Brasil assume um compromisso perante a comunidade internacional; e, (4) Promulgação por decreto do Presidente da República e publicação oficial do texto desse tratado. Somente depois de obedecidos todos estes trâmites legais é que este ato internacional passaria a ser executável no Brasil. Mas, ainda assim, não estaria criado o Imposto Mundial sobre o Capital. Isto porque, sendo o tributo uma norma jurídica, sua criação está condicionada à tarefa legislativa. Neste caso, a introdução desta nova espécie tributária no ordenamento jurídico brasileiro estaria condicionada à edição de lei complementar, por se tratar de imposto de competência residual. Com isso, a União Federal teria a competência tributária para instituir o imposto mundial; enquanto uma “instituição financeira especializada” teria a capacidade tributária ativa para arrecadar e fiscalizar este tributo, cujo produto da arrecadação seria, posteriormente, (re)distribuído de forma equitativa entre os diversos países signatários do mesmo tratado. 2.3 Considerações especiais 2.3.1 A lógica da contribuição São dois os principais argumentos apresentados por Thomas Piketty que justificam a instituição de um imposto anual e progressivo sobre o capital: um, fundado na lógica da contribuição; e, outro, baseado na lógica do incentivo. Quanto à lógica da contribuição, Thomas Piketty explica que esta “baseia- se no fato de a renda ser, na prática, um conceito frequentemente mal definido [e mensurado] pelos detentores de patrimônios muito elevados”,[72] de tal sorte que “apenas uma tributação direta sobre o capital permitiria captar da forma correta a capacidade contributiva dos titulares de fortunas importantes”.[73] Assim, a maneira mais adequada de taxar bilionários, com base nessa concepção, seria por meio de um Imposto Mundial sobre o Capital. Exemplificando, imagine uma pessoa física que disponha de uma fortuna de 10 bilhões de euros e tenha um acréscimo patrimonial de 5% ao ano, ou seja, 500 milhões de euros. Se essa pessoa fosse residente ou domiciliada no Brasil, ela seria tributada pelo imposto de renda, na forma da legislação brasileira vigente, isto é, em 27,5%, devendo pagar ao Fisco o valor de 137,5 milhões de euros. Mas, se esta mesma pessoa fosse tributada segundo a lógica da contribuição, tal como apresentada por Thomas Piketty, ela pagaria 5% ou 10% (conforme tabela progressiva do Imposto Mundial sobre o Capital para grandes fortunas) sobre seu patrimônio global, o que corresponderia a um valor entre 500 milhões e 1 bilhão de euros. Ou seja, em vez de se tributar a renda, tributar-se-ia o capital e, com isso, privilegiaria melhor o princípio da capacidade contributiva, em nível internacional. 2.3.2 A lógica do incentivo No que diz respeito à lógica do incentivo, Thomas Piketty explica que esta baseia-se “no fato de que um imposto sobre o capital pode incentivar os detentores de patrimônios a obter os melhores rendimentos possíveis”,[74] de tal sorte que, aqueles que utilizam mal suas fortunas, seriam obrigados a se desfazerem delas para pagar seus impostos. Existiriam, de acordo com esta concepção, fortes razões meritocráticas pelas quais dever-se-ia instituir essa espécie de tributo mundial. Exemplificando, imagine um tributo mundial com alíquota de 1% ou 2% sobre o patrimônio global. Para um empreendedor mais talentoso e esforçado, que conseguisse obter um retorno de 10% ao ano sobre seu patrimônio, talvez não fosse tão pesado arcar com os encargos tributários. Mas, por outro lado, para aquele empreendedor mais inexperiente ou menos esforçado, que conseguisse obter um retorno de apenas 2% ou 3% ao ano sobre seu patrimônio – ou, na pior das hipóteses, que não obtivesse rendimento anual algum – aquela mesma tributação atingiria, com maior intensidade, o seu patrimônio. Por isso, o economista francês deixa claro que: “Na lógica do incentivo, o objetivo do imposto sobre o capital é precisamente obrigar aquele que utiliza mal seu patrimônio a, aos poucos, se desfazer dele a fim de pagar os impostos e, assim, ceder seus ativos a detentores mais dinâmicos”.[75] Seguindo essa lógica, aquele empreendedor que, no exemplo acima, não conseguisse obter rendimento anual algum, veria seu patrimônio diluído, aos poucos, pelo efeito corrosivo da carga tributária; ou, senão, ver-se-ia “incentivado” a desenvolver melhor suas habilidades empresariais, a fim de obter os melhores rendimentos possíveis. Em síntese, um imposto progressivo sobre a riqueza líquida desencoraja investimentos ineficientes, e incentiva a tomada de riscos. Com isso, o sistema fiscal ideal equilibra o incentivo para assumir riscos e o incentivo para suavizar a receita. O primeiro, o coração do investimento; o segundo, a alma do consumo. Diante destas primeiras premissas, buscar-se-á, no próximo capítulo, extrair diretamente do conteúdo do texto constitucional as balizas às quais uma eventual lei que instituísse um tributo desta natureza, no Brasil, estaria submetida. CAPÍTULO 3 OS LIMITES CONSTITUCIONAIS À TRIBUTAÇÃO SUPRANACIONAL Considerações iniciais O poder tributário do Estado tem por alicerce jurídico, essencialmente, a Constituição, em cujo conteúdo encontra-se fixada a titularidade desse poder e o quadro de princípios em que o mesmo deve ser exercido. Daí porque pode-se falar num “arquétipo constitucional do tributo”. Antes de adentrar neste assunto, convém ponderar que “a Jurisprudência, apesar de possuir categorias lógicas universais e uma linguagem que acomuna os juristas de todo o mundo, não pode, nem deve prescindir das características e das circunstâncias de cada povo”, isto porque “o Direito é experiência social concreta, processo vital que obedece a motivos peculiares a cada Nação, e não fruto arbitrário das construções legislativas”. [76] Sensíveis à esta preciosa lição de Miguel Reale, neste último capítulo, procederemos à análise dos limites constitucionais à tributação supranacional, de sorte que uma eventual introdução do Imposto Mundial sobre o Capital no sistema de direito positivo interno não seja turvada pela mera incorporação de princípios de economia política formulados em razão de valores que nem sempre mereceram prestígio entre nós, ou para a profilaxia de males que jamais nos afligiram. Assim sendo, os institutos próprios do Direito Tributário devem ser analisados sob a óptica do Direito Constitucional, uma vez que a Constituição da República confere todo o fundamento de validade do sistema jurídico tributário como um dos aspectos relevantes na construção do federalismo brasileiro. Com efeito, o exercício do poder (supra)nacional de tributação está sujeito à observância das limitações jurídicas
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