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Epidemiologia: Conceito, Histórico e Aplicações 
 
Bruno Gil de Carvalho Lima 
 
A herança grega é uma inspiração de partida muito interessante para a reflexão sobre as 
profissões da saúde nos tempos atuais. Para os helenos, o deus olímpico Apolo teve um filho 
com a ninfa Corônis, uma criança que já nasceu vencendo a morte, ao ser retirada do ventre da 
mãe morta. Ensinado nas artes da cura pelo centauro Quíron, Asclépio (que os romanos 
chamavam Esculápio) ultrapassou o mestre, e vale a pena você saber mais sobre ele, se quiser 
explorar este conteúdo opcional aqui. 
Constelação de Sagitário Constelação de Serpente 
 
 
Os mitos atribuem diversos filhos a Asclépio, mas vamos centrar nossa discussão sobre Higeia e 
Panaceia. Esta última tem seu nome citado ainda hoje, como vemos em artigos científicos e 
leigos, com o significado de cura universal ou solução para tudo. Higeia também está “na boca 
do povo”, mas não com o nome original, e sim pela palavra derivada higiene. 
 
Em que essas duas irmãs se diferenciam? Conforme o mapa conceitual acima, Panaceia se 
dedicava à terapêutica, ao cuidado individual a alguém que já estivesse enfermo, prestação de 
assistência individualizada, daí resultando a atividade humana da Clínica (do grego kliné, 
inclinar-se sobre o leito para examinar minuciosamente o enfermo). Higeia, por outro lado, tinha 
como mote a prevenção, abordando o processo saúde-doença por uma perspectiva coletiva ou 
comunitária, desenvolvendo a ciência chamada Epidemiologia. 
Etimologicamente falando, epidemiologia não é o estudo das epidemias (embora se dedique a 
isto, também), mas o estudo (logos) daquilo que se abate sobre (epi) o povo (demos). Significa 
reconhecer que doenças ou patologias acometem as populações humanas segundo padrões que 
http://www.journals.usp.br/revmaesupl/article/view/113567/111522
http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252010000300005
http://aves.edu.pt/tas/?p=449
 
podem ser descritos e ter suas causas compreendidas. O mais famoso dos asclepíades, 
Hipócrates, da ilha de Cós, incorporava muito conteúdo epidemiológico a suas obras, como Ares, 
Águas e Lugares, percebendo que fatores climáticos, de relevo e vegetação influenciavam a 
ocorrência de doenças diferentes de uma região para outra e ao longo do ano. 
Livro de Hipócrates Ilha de Cós, litoral turco 
 
 
Ao longo da história, a Epidemiologia se notabilizou por ter resolvido problemas práticos ou 
fundamentado a tomada de decisões antes mesmo de as ciências básicas saberem explicar a 
fisiopatologia de doenças sérias. O precursor John Graunt não era sequer profissional de saúde, 
mas um comerciante de tecidos, mas teve a perspicácia de tabular eventos como mortes, 
doenças e batismos no século XVII, de forma muito semelhante ao que fazem hoje IBGE e 
DATASUS. 
Batismo, aqui, é proxy de nascimentos Tábuas de Mortalidade, por Graunt 
 
 
James Lind demonstrou que garantir um suprimento de cítricos nas despensas dos navios 
protegia a tripulação de escorbuto, uma doença que atemorizava viajantes por longos períodos, 
sobretudo pela perda dos dentes e sangramentos gengivais. Perceba, ele resolveu o problema 
recorrendo à Epidemiologia, sem precisar saber o que é vitamina C (ácido ascórbico) nem seu 
papel como coenzima nas reações bioquímicas de hidroxilação, síntese do colágeno ou 
antioxidação! 
https://pt.qwe.wiki/wiki/Proxy_(statistics)
 
John Snow (1813-1858) foi um caso à parte. Ele mapeou as mortes por cólera em Londres como 
barrinhas pretas e reparou que havia uma concentração ao redor de uma bomba de captação 
de água do rio Tâmisa. Conseguiu que a bomba da Broad Street fosse lacrada, e a mortalidade 
reduziu prontamente! Confira abaixo como a bomba da Little Marlborough Street tinha bem 
menos mortos pela doença diarreica por perto. Novamente: Snow não sabia nada sobre 
microorganismos, o Vibrio cholerae não tinha sido descrito nem catalogado, e nada se sabia 
sobre sua interação com os enterócitos. Vidas foram salvas pela Epidemiologia, sem aguardar 
pelos avanços da Microbiologia, que chegaram depois. 
 
Este preâmbulo histórico vai terminar com um mártir da Epidemiologia, o húngaro Ignaz 
Semmelweis, internado num hospício pela defesa contundente de suas ideias sobre lavagem das 
mãos como método para reduzir a mortalidade puerperal. O insight veio da morte de seu colega 
que se machucara com um bisturi usado em cadáveres, e desenvolvera um quadro (que hoje 
chamamos de choque séptico) em tudo semelhante ao das mulheres com febre puerperal. A 
hipótese de Semmelweis para explicar por que uma clínica obstétrica tinha até quatro vezes 
mais mortas do que a outra era a inserção de estudantes de medicina em uma, que vinham 
partejar diretamente das dissecações no necrotério, enquanto a outra clínica tinha parteiras que 
não frequentavam aquele ambiente nem manipulavam restos mortais. 
 
 
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ignaz_Semmelweis

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