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Process� d� Envelheciment� Marin� Ferreir� Magalhãe� 3P “ME AJUDE, POR FAVOR” Objetivo 1: Definir Síndrome da Imobilidade; Definição: A SI, apesar de muito usada entre os geriatras, é, na realidade, pouco conhecida e entendida por médicos de outras especialidades. Até mesmo na literatura especializada, nacional ou estrangeira, essa denominação não é encontrada, havendo referência específica apenas no livro de Pietro de Nicola. Trabalhos científicos publicados também não adotam essa terminologia, sendo encontradas referências tais como imobilidade, repouso prolongado no leito (bed rest) e síndrome do desuso – definida como deterioração dos sistemas corporais secundários à inatividade musculoesquelética. O pouco que se sabe da SI é proveniente do conhecimento da medicina espacial, na qual se estuda o efeito da falta de gravidade sobre o corpo humano e a influência dessa ausência em várias funções orgânicas. Na posição supina prolongada, a força da gravidade sobre nosso corpo é menor e daí surgem a perda óssea, muscular etc. Percebe-se que a SI, apesar de muito citada e estar presente em muitos idosos, parece não estar definida com clareza na literatura ou no meio médico em geral, o que torna difícil avaliar sua prevalência em asilos, hospitais ou na comunidade, assim como caracterizar o paciente que a apresenta. Em face dessas dificuldades, tornam-se necessárias algumas definições para estabelecimento da síndrome especificando seus critérios para depois apontar suas causas e características: ● Síndrome: conjunto ou complexo de sinais e sintomas que ocorrem ao mesmo tempo, que individualizam uma entidade mórbida e podem ter mais de uma etiologia. ● Imobilidade: ato ou efeito resultante da supressão de todos os movimentos de uma ou mais articulações em decorrência da diminuição das funções motoras, impedindo a mudança de posição ou translocação corporal. ● Síndrome de imobilização: complexo de sinais e sintomas resultantes da supressão de todos os movimentos articulares, que, por conseguinte, prejudica a mudança postural, compromete a independência, leva à incapacidade, à fragilidade e à morte. Critérios para Identificação: Não podemos dizer que todo paciente confinado no leito tenha SI. Existe uma classificação temporal que denomina de “repouso” a permanência no leito de 7 a 10 dias; “imobilização de 10 a 15 dias” e “decúbito de longa duração – mais de 15 dias”. Para caracterizar a SI, devemos usar critérios que nos orientem para fazer um diagnóstico específico da síndrome e que tenham características próprias. O critério maior seria déficit cognitivo médio a grave e múltiplas contraturas. No critério menor consideramos sinais de sofrimento cutâneo ou úlcera de decúbito, disfagia leve a grave, dupla incontinência e afasia. Define-se um paciente com SI quando ele tem as características do critério maior e pelo menos duas do critério menor. Causas da Imobilidade: Diversas são as patologias que levam o idoso à imobilidade, as quais podem evoluir para a SI. É necessário conhecê-las para estabelecer o tratamento adequado e prevenção de suas complicações. O resultado de todos esses problemas seria, em última instância, equilíbrio precário, quedas, limitação da marcha, perda da independência, imobilidade no leito e, finalmente, suas complicações – a SI. Independentemente da causa da imobilidade, mesmo por curtos períodos de tempo, a imobilização resulta em modificações para pior dos sistemas cardiovascular, osteomuscular, respiratório e do metabolismo. O estado psíquico também pode se ressentir do imobilismo, sendo frequentes depressão, apatia, déficit cognitivo e ansiedade. Na prática, não se observa uma linha divisória nítida entre imobilidade e SI, mas sim um largo espectro que iria de casos leves até os mais graves. Prevalência e Taxa de Mortalidade: Os indivíduos que chegam à SI, são, em geral, idosos fragilizados que, por necessidade, internam-se em hospitais ou vivem em instituição onde o ambiente não familiar, o repouso prolongado e forçado, a desnutrição, a iatrogenia e a comorbidade transformam o ancião em um ser dependente. Por vezes, cura-se a doença de base, mas sua independência e mobilidade estão irremediavelmente comprometidas. Uma variedade de “síndromes geriátricas” (complexos de problemas médicos com causas múltiplas) está associada a declínio funcional, sendo que 25 a 50% dos idosos perdem sua independência física, ficando confinados ao leito após tratamento hospitalar Process� d� Envelheciment� Marin� Ferreir� Magalhãe� 3P “ME AJUDE, POR FAVOR” prolongado. Não há dados específicos da prevalência da SI, mas, baseando-se no número de idosos que se tornam incapacitados e perdem sua independência, conclui-se que a prevalência seja alta. Esses idosos necessitam de dieta especial por sonda, usam antibióticos de última geração para tratamento de infecção do trato urinário (ITU), pneumonias e úlceras e requerem curativos especiais, o que eleva sobremaneira os custos de manutenção. Estudos controlados mostram alta taxa de mortalidade entre os idosos imobilizados no leito – em torno de 50%. A causa mortis é quase sempre devido à falência múltipla de órgãos, mas, por vezes, uma causa específica pode ser encontrada, sendo a pneumonia, a embolia pulmonar e a septcemia as mais comuns. Consequências da Imobilidade e Características da Síndrome de Imobilização: O repouso no leito foi reconhecido como modalidade terapêutica a partir do século 19 a fim de poupar os “humores ou energia” para restabelecimento da doença, a qual esgotaria a energia corporal (com base na teoria hipocrática dos humores e calor intrínseco). A partir disso, esse procedimento passou a ser adotado de modo abusivo para todos os processos mórbidos. Após a Segunda Guerra Mundial, tal conduta tem sofrido mudanças, tais como mobilização precoce no pós-operatório, reabilitação para doenças cardiorrespiratórias etc. Não ter atividade física, seja por falta de iniciativa ou desejo, por imposição dos cuidadores, por monotonia do ambiente ou por doenças físicas ou psiquiátricas, induz o indivíduo a um descondicionamento global, levando ao agravo de sua condição física, cognitiva e emocional. Ao contrário, priorizar e valorizar atividades regulares e orientadas produziria ganho de força e resistência, melhor condicionamento cardiorrespiratório e bem-estar psíquico. Como o envelhecimento, infelizmente para os idosos, é uma fase de maior fragilidade e dependência, o repouso ou confinamento no leito passou a ser, de maneira errônea, uma prática ou conduta universal que prevalece ainda hoje, seja na comunidade ou na instituição. O que se vê, então, são idosos capazes e fisicamente estáveis passarem dias sem sair do leito. Isso acontece porque os cuidadores impedem que o paciente permaneça útil e ativo, induzindo-o ao repouso prolongado, sendo esse o ponto de partida para a mudança de comportamento e má qualidade de vida, com rápido e grave desgaste. Após essa fase, tirá-los do leito torna-se difícil, pois eles choram, gritam e agridem diante de qualquer Process� d� Envelheciment� Marin� Ferreir� Magalhãe� 3P “ME AJUDE, POR FAVOR” tentativa. Foi descrita recentemente a síndrome de desadaptação psicomotora (PDS), a qual se caracteriza por desequilíbrio para trás (backward), seja na posição sentada ou de pé, hipertonia reacional, alterações na reação postural, modificação na marcha e medo de cair. Na realidade, essa síndrome assemelha-se à que Barnard Isaacs, geriatra inglês, chamou, na década de 1980, de síndrome post-fall. A PDS pode ser resultado da perda de mecanismo de reserva postural, atingindo um limiar que impede o indivíduo de manter um nível funcional adequado. Sabe-se que a PDS pode ser desencadeada por vários fatores, tais como demências, quedas e imobilidadeprolongada no leito. A imobilidade prolongada leva à deterioração funcional progressiva dos vários sistemas, muito além da senescência normal, chegando-se mais tarde à síndrome de imobilização. Sistema Tegumentar: A pele senil apresenta declínio na produção das células epiteliais, causando adelgaçamento de 20 a 30% na espessura da epiderme, redução de número, tamanho e secreção da glândula sudorípara, escasso tecido de sustentação e diminuição da vascularização. A derme desidrata, perdendo seu vigor e elasticidade. Esses fatores combinados tornam a pele inelástica e mais friável, facilitando as lesões dermatológicas do paciente acamado. Micoses: São facilitadas pela umidade constante na superfície corporal, fato comum em acamados, pois suor, urina e restos de alimentos acumulam-se, principalmente se o colchão for revestido de material não poroso e a higiene for precária. Eritrasma, micose causada pela Nocardia minutissima, atinge regiões úmidas e intertriginosas (axila, mamária e inguinal). Infecção por cândida é problema também em áreas de dobras ou pregas. As micoses são porta de entrada para importantes infecções bacterianas e estão presentes, com frequência, em diabéticos. Higiene, bom estado nutricional, exposição ao sol, uso de roupa de material poroso (evitar tecidos sintéticos e fraldas), temperatura ambiente agradável, controle glicêmico e o não uso de colchão com superfície plástica são medidas preventivas de micoses. Xerose: Nome dado ao ressecamento da pele, causado pela diminuição das glândulas sudoríparas, que causa prurido e descamação. O uso de sabões, banhos de imersão, banhos quentes e demorados pioram o problema. Deve-se, por isso, evitar esses fatores precipitantes, usar hidratante para pele e induzir a ingestão de líquidos. Laceração: O constante atrito sobre o leito associado à pouca elasticidade da pele, à falta de tecido de sustentação e à xerose acabam produzindo lacerações na pele, principalmente braços e pernas. Jamais mobilizar o paciente pelo antebraço ou contê-lo com faixas de crepe diretamente nos punhos. Process� d� Envelheciment� Marin� Ferreir� Magalhãe� 3P “ME AJUDE, POR FAVOR” Dermatite Amoniacal: Lesão muito frequente devido ao contato da pele com a urina. O uso de fraldas geriátricas pode até agravar o problema, pois, por serem revestidas de plástico, criam um meio próprio (umidade e calor) para a proliferação de bactérias que desdobram a ureia em amônia. Por essa razão, para homens, dá-se preferência ao uso de coletor. Nas mulheres que usam fraldas, deve-se dar banho ao trocá-las, não permitindo que fiquem molhadas de urina. Úlcera de Decúbito: Não é finalidade deste capítulo dissertar sobre a úlcera de decúbito (UD), mas como se trata de lesão frequente e grave, alguns pontos devem ser considerados. Estudos mostram incidência de 10 a 20% em idoso acamado e taxa de mortalidade de 70% ao ano. Cerca de 13% desses idosos têm úlceras de graus III e IV. O fator desencadeante da UD é, em última instância, a compressão por mais de duas horas de uma área tecidual restrita, que, por sua vez, produz pressão e colabamento (isquemia) dos vasos sanguíneos. Uma úlcera surge em poucas horas, mas necessita de meses para cicatrizar, sendo que o paciente tem 50% de chances de morrer em 4 meses. As úlceras surgem de dentro para fora, ou seja, dos tecidos adjacentes às proeminências ósseas, estendendo-se para a superfície até exteriorizarem-se na epiderme, recebendo graduação I, quando existe apenas hiperemia, a qual não empalidece ao ser comprimida, até o grau IV, em caso de necrose de músculos, ligamentos, tendões e pele. A isquemia produz anoxia, morte celular e reação inflamatória em cadeia, resultando em necrose tecidual. Desnutrição, desidratação, má higiene, anemia, obesidade, sedação excessiva, doença cardiorrespiratória, hipoalbuminemia, predisposição individual, doenças crônicas, colchão inadequado, perda de sensibilidade dolorosa, falta de mobilidade e diminuída captação de oxigênio pelos tecidos são elementos que contribuem para sua formação. A melhor prevenção é a correção de todos os fatores citados, além de proteção para as proeminências ósseas, posicionamento no leito, mobilização de 2 em 2 h (mesmo à noite) e assentar o paciente o maior tempo possível. Em termos de colchão, o mais adequado é o “pneumático”, com insuflação intermitente, sendo o colchão tipo “caixa de ovo” pouco eficaz. Equimoses: São frequentes nesses pacientes e representam a grande fragilidade capilar associada à falta de tecido de sustentação para os vasos sanguíneos. O uso de anticoagulante e traumas contribuem para o seu aparecimento. Deve-se manipular esses pacientes com cautela, usando-se bandagens para proteção dos membros. Sistema Esquelético: Alterações Articulares: Na imobilidade, uma série de alterações mecânicas e físico-químicas ocorre nas articulações, levando à contratura. Com a falta de mobilidade, o líquido sinovial e seus nutrientes deixam de fluir na cartilagem intra-articular por ausência do efeito de bomba, responsável por sua difusão. Devido aos processos neuromusculares primários que levam à flexão das articulações, principalmente de quadril, joelhos, punhos e cotovelo, surgem, com o passar do tempo, as contraturas, que podem ser definidas como a “limitação da amplitude do movimento articular a ponto de impedir um desempenho normal de sua função”. Pessoas têm contraturas resultantes de uma gama variável de condições osteoneuromusculares que, por sua vez, resultam em outras condições mórbidas. Uma articulação contraturada é caracterizada por ter menor fluidez e nutrientes no líquido sinovial com proliferação do tecido conectivo fibroso e gorduroso (fibroblastos, adipócitos e matriz extracelular). Esse conjunto de modificações é chamado pannus, o qual é responsável pela aderência intra-articular. O tecido conectivo frouxo torna-se denso e fibroso, com elasticidade diminuída. A sinóvia torna-se fibrosa, retrátil, espessada e hiperemiada. A cartilagem sofre degeneração, pois os condrócitos apresentam sistema de retículo endoplasmático degenerado, edema das mitocôndrias, aumento de lisossomos, perda das organelas, modificação da forma celular e invasão de gotículas gordurosas que ocupam o citoplasma. Além disso, a matriz da cartilagem torna-se mais frouxa, o colágeno menos elástico e suas fibras cruzam-se. Com apenas 2 semanas de imobilização, surgem reabsorção óssea e cartilaginosa com cistos ósseos subcondrais Process� d� Envelheciment� Marin� Ferreir� Magalhãe� 3P “ME AJUDE, POR FAVOR” (artrofibrose), principalmente pela falta de sobrecarga articular. O tecido conectivo periarticular hipertrofia-se, produzindo uma fibrose que, associada às modificações musculares, leva a contraturas e anquilose. Flexão de joelhos, quadril e cotovelos é característica comum a todos os pacientes com SI. Contraturas devem ser prevenidas com movimento ativo e passivo da articulação (cinesioterapia) e posicionamento no leito com coxins, almofadas, pranchas ou órteses para alongamento. Osteoporose: A imobilidade produz intensa e rápida perda de massa óssea (em torno de 0,9% da massa óssea total/semana, com pico máximo entre o quarto e o sexto mês, quando se estabiliza), podendo ser medida pelo aumento da calciúria e hidroxiprolina urinária, a qual é um marcador de reabsorção óssea (atividade osteoclástica). A perda de cálcio é de 0,4 a 0,7% de cálcio orgânico total/mês de imobilidade no leito. A perda de massa óssea relaciona-se com aumento de reabsorção do osso trabecular e diminuição em sua formação, sugerindo-se que 30% da perda óssea sejam resultantes de absorção aumentada e 70% resultantes da formação diminuída. Essa perda é proporcionada pela falta de atividade muscular e pela falta de sustentação de peso corporal do paciente acamado, pouca ingestão de cálcio e falta de exposição solar. A hipercalciúriapode ser diminuída se o paciente ficar em ortostatismo pelo menos três horas/dia. Essa posição desencadeia o estresse ósseo, elemento essencial para o turnover desse tecido. Para isso, coloca-se o paciente em uma mesa de ortostatismo (prancha que se inclina até a posição vertical com o paciente contido) ou, se possível, em barras peralelas. A posição assentada não causa esse efeito. A perda de nitrogênio, que representa desgaste muscular, segue paralela à hipercalciúria do repouso prolongado. Mesmo que o paciente volte a ter alguma atividade física em ortostatismo, pode demorar mais de dez semanas para recuperar parte da massa óssea perdida. Além da osteoporose, osteomalacia pode ser também encontrada, já que esse paciente, sendo raramente exposto ao sol, tem síntese diminuída de vitamina D. Outras causas seriam má absorção e baixa ingestão de vitamina D e disfunções renal e hepática. Vale lembrar que a perda óssea, segundo alguns estudos, é da faixa de 1% do seu total por semana, percentual esse bem menor que a perda muscular. Sistema Muscular: Idosos sadios, após a sétima década de vida, apresentam importante processo degenerativo na musculatura, mesmo quando mantêm atividades físicas. A restrição de pacientes idosos saudáveis ao seu leito leva a atrofia muscular importante já nos primeiros 10 dias. Na imobilidade, esse processo é mais intenso e acelerado, pois alteram-se a estrutura e a função do sistema neuromuscular, a transmissão do potencial de ação, as fibras musculares e os elementos do tecido conjuntivo. Tais mudanças resultam em atrofia muscular, perda de força, encurtamento de fibras e perda de sarcômeros. O aumento de tecido conjuntivo forma uma barreira para os capilares, que deveriam suprir as fibras musculares, prejudicando assim o aporte de nutrientes e de oxigênio. O número de unidades motoras excitáveis (neurônio motor único somado ao conjunto de fibras musculares por ele inervado) no músculo estriado diminui acentuadamente, o que acarreta grande perda de fibras de contração rápida (tipo II) e, após 3 semanas, já predominam fibras lentas (tipo I). Observa-se na imobilidade perda mais acentuada de massa muscular na coxa do que nos membros superiores (MMSS). Com 6 semanas de inatividade, a força muscular dos membros inferiores (MMII) declina 20% e a dos MMSS 10%, havendo estudos mostrando perda diária de 1 a 1,5% da força total, ou seja, quase 10% por semana. Esse declínio acentuado na força muscular resulta em perda de torque (força utilizada para sair da imobilidade) e prejuízo da coordenação motora. A perda de força do músculo imobilizado não pode ser explicada só pela atrofia. Análise tomográfica mostra que, enquanto um músculo perde apenas 8% de sua área transeccional, ele tem 21% de sua força diminuída. A progressão da atrofia muscular pode ser também medida pela eliminação urinária de nitrogênio. Acredita-se que a atrofia e a perda de força sejam decorrentes da ausência das unidades motoras excitáveis, já que o potencial de ação dessas unidades libera substâncias tróficas para o músculo. A perda do estímulo nervoso causa também alteração da disposição de Process� d� Envelheciment� Marin� Ferreir� Magalhãe� 3P “ME AJUDE, POR FAVOR” actina e miosina, o que desencadeia a indesejável contratura muscular. Uma série de funções metabólicas das fibras musculares estão alteradas, entre elas redução da síntese proteica e aumento de sua degradação, menor respiração celular e menor consumo de oxigênio, diminuída produção de energia e menor síntese de glicogênio. O aumento da atividade da creatinoquinase (CK) plasmática é sinal de dano muscular. Estudo em humanos usando isótopos de aminoácidos indica que músculos em repouso diminuem o turnover proteico, havendo, consequentemente, inibição da síntese. Após as refeições, o estímulo para a síntese proteica mediada por aminoácidos está bastante alterado nas pessoas em repouso. Assim, é a incapacidade dos aminoácidos usados na dieta em sintetizar proteínas o principal mecanismo do catabolismo proteico do repouso. Isso sugere que um aporte muito maior de proteínas e aminoácidos deve ser dado a uma pessoa em repouso prolongado para que ela possa ter um mesmo nível de anabolismo de uma pessoa em atividade. As fibras de colágeno, que estão presentes na composição do músculo, em formato de rede e com função de apoio estrutural, cruzam-se, fundem-se (cross-linkage) e encurtam-se, perdendo sua propriedade elástica, o que, por sua vez, encurta o músculo e o tendão, resultando em contratura das articulações. Os músculos encurtados sofrem atrofia duas vezes mais rápido e mais intensamente que os músculos estendidos. Greenleaf e Kozlowski (1982) também demonstraram o aumento da produção de citocinas pró-inflamatórias e espécies reativas de oxigênio com a imobilidade, levando a maior quebra de fibras musculares por proteólise. Conclui-se, então, que modificações musculares são responsáveis pelas deformidades articulares vistas na SI, sendo prevenidas com mobilização precoce e posicionamento, já descritos anteriormente. Sistema Cardiovascular: Trombose Venosa Profunda: Sabe-se que a estase é o principal elemento desencadeador de trombose venosa profunda (TVP), já que ela facilita os fatores ativadores da coagulação. À medida que a idade avança, dois outros elementos facilitam a TVP, como o estado de hipercoagulabilidade e as lesões das paredes venosas, formando, assim, a tríade de Virchow. Na SI, a posição supina, a contratura dos MMII (quadril e joelho) e a ausência do efeito de bomba da musculatura da panturrilha predispõem à estase venosa profunda. Associadas a isso, comorbidades, como o acidente vascular encefálico (AVE), neoplasias, insuficiência cardíaca congestiva (ICC), infarto agudo do miocárdio (IAM), fraturas e infecções, são coadjuvantes nessa complicação. A somatória de todos esses fatores faz com que a TVP tenha uma incidência de 15% em idosos internados. Ao contrário da tromboflebite, 60 a 80% dos casos de TVP passam despercebidos, evoluindo silenciosamente. Sinais como edema podem ser confundidos com o edema da própria imobilidade, hipoalbuminemia, ICC etc. Dor pode não ser percebida, já que esses pacientes, com grave déficit cognitivo, não sabem expressar seus sintomas. Em 70% dos pacientes com TVP a dor tem outras origens, tais como contraturas e dor muscular. Deve-se examinar e observar frequentemente os membros inferiores desses pacientes, onde se procura aumento súbito do diâmetro dos MMII, palidez, hipotermia local, empastamento à palpação da panturrilha, edema duro etc. Na forma cianótica, a trombose venosa iliofemoral é reconhecida pela cianose dos MMII em sua totalidade, dor à palpação da região inguinal e febre baixa. Por vezes, a trombose das veias profundas torna-se tão extensa que impede o retorno venoso, produzindo a flegmasia cerúlea dolens, caracterizada por dor intensa, coloração violácea da pele, edema maciço, bolhas hemorrágicas e gangrena dos dedos do pé. O diagnóstico é feito com venografia e dúplex venoso de MI. Prevenção e profilaxia devem ser feitas com movimentação frequente dos MMII, além do uso de heparina de baixo peso molecular. Embolia Pulmonar: A consequência mais temida de TVP é a embolia pulmonar, sendo ela responsável por 20% de todas as causas de morte do paciente acamado. A fonte de origem dos êmbolos seriam as veias ilíacas, femorais e da panturrilha. A manifestação clínica é variável, podendo ser assintomática e inespecífica ou apresentar-se com Process� d� Envelheciment� Marin� Ferreir� Magalhãe� 3P “ME AJUDE, POR FAVOR” dispneia e taquipneia, tosse, além de taquicardia, cianose, broncospasmo, hipotensão, sudorese, febre, choque, escarro hematoptoico etc. A dor pleurítica é de difícil avaliação nesses pacientes. Deve-se ter alto índice de suspeita nesses casos, realizando-se propedêutica com radiografia de tórax,eletrocardiograma (ECG), gasometria, D-dímero e, quando possível, cintigrafia de ventilação e perfusão e angiotomografia. A prevenção é a mesma da TVP e o tratamento é feito com infusão de heparina seguida de anticoagulantes orais. Isquemia Arterial Aguda dos Membros Inferiores: A isquemia arterial na imobilização é causada por obstrução ateromatosa da artéria, a qual pode estar comprometida pela idade avançada, diabetes melito, dislipidemia, hipertensão arterial, tabagismo etc. Frequentemente também a isquemia pode ser por embolia proveniente de fibrilação atrial, IAM, aneurismas de aorta etc. Como visto anteriormente, na SI ocorre, com frequência, contratura do quadril (a face anterior da coxa encosta no abdome e no tronco) e do joelho (a panturrilha apoia-se na face posterior da coxa), o que causa estrangulamento do lúmen arterial nesses locais e formação de trombo, levando finalmente à isquemia do membro. Outros fatores precipitantes seriam neoplasias, arterites, infecção etc. O quadro clínico é súbito, surgindo em poucas horas, e caracterizado por palidez do membro e posterior cianose, dor intensa, hipotermia, ausência de pulso e, finalmente, gangrena. Pela gravidade do déficit cognitivo desses pacientes, um sintoma inicial como a dor pode não ser manifestado, fazendo com que o quadro seja diagnosticado tardiamente, perdendo, assim, a chance de restabelecer a revascularização. Às vezes, mesmo diagnosticando precocemente a isquemia, o acesso do paciente a serviços especializados é precário, levando a complicações. Casos de mumificação e gangrena não são raros, sendo indicada a amputação como método de tratamento. O problema é que o alto risco cirúrgico para esses pacientes, que são frequentemente terminais, leva sempre à dúvida entre intervir agressivamente ou deixar evoluir, dando-se apenas suporte clínico. Médicos devem alertar o cuidador ou a enfermagem para não permitir que o paciente fique no leito com o quadril e joelho fletido em ângulo menor do que 20°, pois isso impede quase que completamente a circulação arterial. Deve-se tentar posicionar essas articulações em ângulo mais aberto. Hipotensão Postural: Considera-se hipotensão postural quando existe uma queda da pressão arterial sistólica (PAS) > 20 mmHg e pressão arterial diastólica (PAD) > 10 mmHg em posição ortostática, podendo ocorrer em períodos curtos de imobilidade, como 72 h. Observa-se a hipotensão postural (HP) em 20 a 30% dos idosos, sendo que essa frequência é mais elevada em pacientes fragilizados. A etiologia da HP é complexa e múltipla, sendo resultante de modificações cardiovasculares associadas a outras condições patológicas, como a própria redução do volume sanguíneo. Na SI, a posição supina prolongada faz com que os barorreceptores percam sensibilidade, além das modificações naturais do envelhecimento (rigidez das paredes arteriais, baixa resposta dos receptores adrenérgicos). Assim, respostas como aumento da frequência cardíaca, vasoconstrição arterial e constrição dos vasos de capacitância para elevar o débito cardíaco não ocorrem, causando má perfusão cerebral e síncope. Outros elementos associados a isso, tais como desidratação, ICC, diabetes melito, doença de Parkinson, antipsicóticos e anti-hipertensivos, também facilitam a HP. Sistema Urinário: Incontinência Urinária: Na SI, podemos observar que praticamente todos os pacientes são incontinentes, já que são portadores de quadro demencial avançado, têm dificuldade de comunicação, não deambulam, são portadores de infecção urinária crônica, usam diversos fármacos e são fragilizados. Isso está de acordo com trabalhos que correlacionam a incontinência urinária (IU) com a condição clínica do paciente e as doenças de base (Alzheimer, Parkinson, demência etc.) e suas incapacidades. Além disso, esses pacientes, antes de desenvolverem a SI, passaram um longo período confinados em cadeiras ou mesmo no leito, adquirindo, então, a IU. Essa complicação é grave, pois facilita o aparecimento de lesões dermatológicas (dermatite amoniacal, úlceras, micoses, infecções da pele etc.), além de Process� d� Envelheciment� Marin� Ferreir� Magalhãe� 3P “ME AJUDE, POR FAVOR” dificultar as condições higiênicas do paciente e do seu ambiente. Na SI, o paciente responde pouco às medidas terapêuticas para a IU, restando, então, o uso de coletor urinário para homens e fralda geriátrica para mulheres. Para essas mulheres, a sonda estaria indicada quando houvesse úlcera de decúbito e se pretendesse sua cicatrização, já que a urina em contato com úlceras dificulta sua resolução. Além da IU, retenção urinária (bexigoma) é observada com frequência na SI, sendo causada por hipertrofia prostática, fecaloma, uso de diuréticos e fármacos com ação anticolinérgica. A apresentação clínica de um bexigoma pode ser um quadro súbito de delirium, já que dor suprapúbica pode não ser expressa pelo paciente. Associado a isso, eliminação ou extravasamento involuntário de urina faz com que esse diagnóstico passe despercebido. Infecção do Trato Urinário: A infecção do trato urinário (ITU) tem prevalência de 20% entre os idosos, e no paciente imobilizado, incidência de 40%, sendo essa infecção mais comum nos idosos institucionalizados. A pielonefrite tem prevalência de 10 a 30% nas necropsias desses pacientes. Tanto a ITU alta com comprometimento renal quanto a baixa podem ter graves consequências. A ITU é causada por via ascendente, mas quando há outros focos, como úlceras, pode ser hematogênica. Os fatores predisponentes à ITU na SI são incontinência urinária, uso de fraldas geriátricas, obstrução uretral, pouca ingestão de líquidos, internação hospitalar, diminuição da IgA na parede vesical, hipoestrogenismo, diminuída capacidade renal para acidificar urina e manter a osmolaridade. O uso de sonda vesical de demora tem prevalência de cerca de 8% nos idosos imobilizados, sendo um importante fator para ITU. Os agentes etiológicos mais comuns são bastonetes gram-negativos multirresistentes, sendo comum a infecção de repetição. Escherichia coli é o mais comum, mas aparecem com grande repercussão Klebsiellasp., Proteus sp., Enterobacter sp. e Pseudomonas sp. Cocos gram-positivos são menos frequentes, sendo o Staphylococcus aureus multirresistente o mais temido. O quadro clínico é diferente do apresentado por pacientes mais jovens, podendo manifestar-se com prostração, desidratação, confusão, septicemia etc. Diante dessas manifestações, urocultura e urina de rotina são imperativas. Ultrassonografia pélvica pode nos mostrar alterações anatômicas, cálculos, neoplasias etc. O tratamento vai depender dos sintomas, já que a bacteriúria assintomática não requer terapêutica, enquanto para a manifestação sistêmica se usam antibióticos. Sistema Digestório: Desnutrição: Um dos critérios usados para identificar a SI é a desnutrição, o que demonstra sua alta incidência nesses pacientes. Enquanto 14% dos idosos normais maiores de 80 anos são desnutridos na comunidade, naqueles com SI essa condição está presente em 90% deles. A desnutrição proteico-calórica associada à deficiência de oligoelementos, minerais (Ca, Fe, Zn) e vitaminas leva a um estado de caquexia, resultando em alto índice de morbidade e mortalidade. Juntando-se a isso, temos pouca oferta e aceitação de líquidos (o idoso tem menor sensação de sede), causando desidratação crônica. Na imobilidade, há aumento na eliminação urinária e fecal de Ca, P, Zn, N etc. Medidas antropométricas (índice de massa corporal [IMC], prega cutânea, massa muscular), albuminemia, transferrina, colesterol, hemograma, dosagem de vitamina C etc. são índices que se correlacionam com desnutrição, mas são pouco usados em nosso meio para esse fim. Outros parâmetros de grande importância seriam a contagem de linfócitos menor do que 1.500 células/mm3 e teste cutâneo tardio ao derivado proteico purificado (PPD), candidina e Tricophyton, os quais correlacionam a competência imunológica com a desnutrição– e que aqui estão comprometidos. Isso explica, em parte, a alta suscetibilidade às infecções, além da pouca resposta (baixo título de anticorpos) à vacina contra influenza e pneumonia pneumocócica em idosos desnutridos. Avaliar o estado nutricional de idosos é algo complexo e dispendioso, por isso é raramente feito em nosso meio. As causas da desnutrição e caquexia são várias, podendo ser considerados os estados demenciais avançados, depressão, sequela de AVE, disfagia e uso de sonda, anorexia, perda de olfato, visão e paladar, problemas Process� d� Envelheciment� Marin� Ferreir� Magalhãe� 3P “ME AJUDE, POR FAVOR” odontológicos, gastroparesia, diarreia, fecaloma, má absorção intestinal, aumento do catabolismo (úlceras de pressão), pneumopatias e cardiopatias, síndromes dolorosas, falta de pessoal para preparar e oferecer dieta adequada, doenças neuromusculares e infecção. Ao exame clínico, observamos no desnutrido escasso tecido gorduroso subcutâneo, pequena massa muscular, baixo peso corporal, desidratação, infiltrado subcutâneo devido a hipoalbuminemia e úlceras de decúbito de difícil cicatrização. Outras características seriam anemia, osteoporose, fraqueza generalizada e infecções graves.Para efeito prático, pode-se adotar como referência, mesmo para o idoso acamado, uma ingestão diária de 1.800 a 2.000 kcal, 0,8 a 1,0 g de proteína/kg/dia, 30 mℓ de líquido/kg/dia, 1,5 g de Ca++, 70 mEq de K+, 8 g de NaCl e 1 g de P+. Para um cálculo mais preciso, pode-se adotar o gasto energético basal (GEB), que é de 1 kcal/kg/h; multiplica-se pelo FA (fator atividade), que é de 1,2 para pessoas acamadas; multiplica-se novamente pelo FI (fator lesão), que é de 1,2 a 1,6 para infecção e septicemia. O que se percebe na SI é que os cuidadores não se dão conta do quão pouco esses indivíduos se alimentam e, quando procuram orientação, já se instalou a caquexia. Existe resistência por parte dos cuidadores, talvez por motivo sentimental e/ou técnico, ao uso de sonda para alimentação. Até mesmo os médicos responsáveis por esses pacientes, em geral, avaliam mal o problema e não se preocupam muito com a questão alimentar. Em situações em que a aceitação alimentar ou hidratação é deficiente e deverá perdurar por alguns dias, indica-se sonda nasogástrica. Passadas 2 semanas sem melhora da disfagia, opta-se por sonda nasoentérica, que é menos traumática. Finalmente, se o paciente não consegue deglutir o suficiente por mais de 3 meses e tem perspectiva de sobrevida mais longa, então a gastrostomia seria a melhor indicação. Em todas essas situações, a participação de médico, família, fonoaudiólogo, nutricionista e enfermeiros é de fundamental importância para um bom resultado. Constipação Intestinal: Por definição, constipação intestinal é a eliminação de fezes endurecidas, em uma frequência menor do que três vezes na semana e com volume abaixo do habitual. Frequentemente encontrada na SI, acarreta grande sofrimento ao idoso acamado devido às formações de fezes endurecidas e impactadas no sigmoide e no reto, evoluindo para o que chamamos de “fecaloma”. As causas de constipação intestinal são várias, citando-se disfunção anorretal, menor sensação de plenitude retal ou desejo de evacuar, trânsito intestinal mais lento (nos idosos sadios, esse tempo é o mesmo que nos adultos), uso de fármacos anticolinérgicos, menos ingestão de líquidos e fibras, manutenção de paciente no leito no momento de evacuar, constrangimento social, depressão, a própria imobilidade no leito, fraqueza da musculatura abdominal e antiácido à base de sais de alumínio. O paciente apresenta-se com desconforto abdominal, anorexia, vômitos e agitação psicomotora, sendo as complicações mais graves obstrução intestinal, vólvulo do sigmoide e compressão do colo da bexiga, acarretando retenção urinária e bexigoma. Outro sinal observado é a diarreia paradoxal ou espuriosa, que é a eliminação de muco retal misturado às fezes, dando a falsa impressão de serem diarreias. Por engano, são usados nessa situação antidiarreicos, o que piora o quadro. Exame do abdome e toque retal são imperativos no exame físico para diagnóstico dessas complicações. Dietas com resíduos ou fibras, hidratação oral, posicionamento do paciente na cadeira higiênica ou vaso sanitário e privacidade são importantes na sua prevenção. Em caso de fecaloma, a indicação é clister glicerinado a 20% e toque retal para quebrar o fecaloma. Disfagia: Característica presente em quase todos os pacientes de SI, a disfagia antecede a síndrome, sendo o resultado de déficits neurológicos importantes. Aos poucos, o paciente vai perdendo sua capacidade de trabalhar o alimento dentro da cavidade oral, impulsioná-lo com a língua para a orofaringe e produzir o reflexo voluntário para deglutição. Recusa voluntária de alimentos também é frequente. Com isso, o paciente ingere cada vez menos nutrientes e líquidos, atingindo, finalmente, o estado de caquexia. Outra complicação que pode ser letal é a pneumonia aspirativa, caracterizada por aspiração de alimento e secreção para o pulmão. A disfagia pode ser trabalhada pelo fonoaudiólogo, Process� d� Envelheciment� Marin� Ferreir� Magalhãe� 3P “ME AJUDE, POR FAVOR” mas, devido aos graves déficits neurológicos e cognitivos, costuma não haver boa resposta, sendo necessário sonda nasoentérica (SNE) ou gastrostomia. Sistema Respiratório: Na posição supina prolongada, uma série de modificações ocorre na dinâmica respiratória. A amplitude de movimento do diafragma está diminuída assim como a expansibilidade torácica. Isso ocorre pela fraqueza das musculaturas intercostal e abdominal, além das modificações nas articulações costocondrais. O acúmulo de gazes e fezes nas alças intestinais empurra o diafragma para cima e comprime as bases pulmonares. Funções pulmonares como capacidade respiratória funcional, capacidade respiratória máxima, volume minuto e volume corrente e relação V/Q estão comprometidos em até 50%. O acúmulo de secreção pulmonar se acentua já que a função ciliar, a capacidade de tossir e eliminar essa secreção podem estar ausentes. A pneumonia é a principal causa de morte em idosos acamados, sendo que estudos em hospitais mostram taxa de mortalidade de até 25% para maiores de 70 anos. Cerca de 50% dos mortos, por outros motivos, mostram à necropsia algum grau de acometimento pulmonar. As causas de pneumonia são várias e referem-se à modificação senescente do AR, assim como alterações resultantes de processos patológicos crônicos. O reflexo de tosse é seis vezes menor do que no adulto. A capacidade elástica do pulmão está diminuída devido à degeneração do colágeno e da elastina, que se transforma em pseudoelastina. Os alvéolos tornam-se rasos e com superfície menor. Assim a área total dos alvéolos e a expansibilidade destes estão diminuídas. Observa-se também redução dos capilares e dos macrófagos alveolares. O volume corrente (tital volume) que, em ortostatismo, é mantido pelos arcos intercostais, passa a ser exercido pela musculatura abdominal, mas com pouca eficácia. Essas modificações causam fechamento das unidades respiratórias, que serão alagadas pelo filme mucoso, causando atelectasia, resultando em diminuída capacidade residual e funcional. Doenças estruturais, como doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), bronquiectasia, sequela de tuberculose, fibrose pulmonar e cifose predispõem à infecção pulmonar, assim como o uso de corticoides, diabetes melito, ICC, disfagia, refluxo gastresofágico etc. No paciente acamado existe acúmulo de líquido nos pulmões, que serve de meio de cultura para bactérias que causarão pneumonia hipostática. O quadro clínico da pneumonia no idoso caracteriza-se pela sintomatologia atípica e polimórfica, o que pode fazer com que passe desapercebida ou mesmo levar a erros no diagnóstico. Confusão mental, desidratação, hipotensão, obnubilação são sinaisinespecíficos, mas que chamam atenção. Um fato interessante nesses pacientes é que, apesar da hipoxia e hipercapnia, eles podem não ter sua frequência respiratória aumentada. A reação febril nos idosos é controversa, pois se acredita que não respondam bem à produção de fatores pirogênicos, tais como endotoxinas e interleucina. Alterações no SNC e nos vasos periféricos impedem que o idoso responda com vasodilatação para liberação de calor corporal. Assim, medida de temperatura axilar pode ser normal mesmo na presença de hipertermia. A melhor maneira para diagnosticar febre seria por meio da temperatura retal, mas esse método é pouco usado em nosso meio. Dor torácica, característica comum em pneumonia dos adultos, é de difícil avaliação no idoso com SI. Tosse e expectoração podem também estar ausentes na pneumonia, devido a perda de reflexo e força na caixa torácica. Estertores e crepitação basal são aspectos comuns a quase todos os idosos acamados e, na maioria das vezes, não se correlacionam com pneumonia, sendo muito mais um sinal de estase pulmonar. Em casos suspeitos, leucogramas, proteína C reativa (PCR), radiografia de tórax e hemocultura devem ser providenciados. O problema é que a leucocitose nem sempre está presente e a hemocultura só é positiva em pequena parte dos casos. Resta, então, um alto índice de suspeição sempre que houver alteração cognitiva e comportamental, desidratação, hipotensão arterial e alteração no nível de consciência. Na maioria dos estudos epidemiológicos, o Streptococcus pneumoniae é o organismo mais provável da pneumonia comunitária, sendo talvez o Haemophilus influenzae o segundo, principalmente em portadores de DPOC. Process� d� Envelheciment� Marin� Ferreir� Magalhãe� 3P “ME AJUDE, POR FAVOR” Já no idoso fragilizado com SI – e que geralmente vive em instituição ou tem passagem por vários hospitais –, bacilos gram-negativos são os agentes mais prováveis. Legionella pneumophila, Pseudomonas, Proteus e Klebsiella são frequentes nesses casos, sendo aspirados de secreção da orofaringe. Recentemente, patógenos como Chlamydia pneumoniae e Moraxella catarrhalis têm sido isolados nesses pacientes. Na realidade, esses agentes vivem naturalmente na flora da orofaringe, mas, devido ao uso de antibióticos, queda da imunidade, desnutrição etc. tornam-se agressivos, levando a alta taxa de mortalidade. Staphylococcus aureus multirresistente (MRSA) tem sido diagnosticado com muita frequência nesses pacientes, principalmente quando portadores de úlceras de decúbito com necrose. Então, a via principal da infecção pode ser hematogênica. Pode-se dizer que todos os agentes citados estariam relacionados com aspiração de secreção da nasofaringe, e acrescentem a isso os anaeróbios, quando o conteúdo aspirado for devido ao refluxo gastresofágico. Esse fato é muito comum nesses pacientes devido ao uso de SNG e SNE. O tratamento dessas pneumonias é complexo, de alto custo, com resultados pouco animadores. Os antibióticos a serem usados deverão estar de acordo com as possibilidades maiores de ser um agente específico. A intervenção do fisioterapeuta respiratório é de grande importância neste tratamento. Metabolismo: A eliminação urinária de nitrogênio (N) aumenta rapidamente, podendo-se chegar a 2,0 mg/dia. Esse fato contribui para a hipoalbuminemia. Na posição supina, a secreção de hormônio antidiurético (HAD) está diminuída e, assim, elimina-se maior volume urinário, contribuindo para a desidratação e para a perda de peso. O cortisol plasmático pode estar aumentado, ao contrário dos andrógenos que estão diminuídos, sendo ambas as situações facilitadoras do catabolismo. O metabolismo, em geral, é 20% menor que o normal. A resistência à insulina está aumentada, o que provoca intolerância ao carboidrato e piora nos níveis glicêmicos. Esse fato ocorre pela queda da concentração intramuscular do transportador de glicose do tipo GLUT 4. Elementos como Na+, Ca+, Mg+, K+, S+ são menos aproveitados e, por isso, mais eliminados nas fezes e na urina. Objetivo 2: Caracterizar Úlceras de Pressão; e Definição: De acordo com European Pressure Ulcer Advisory Panel (EPUAP) and National Pressure Ulcer Advisory Panel (NPUAP), a úlcera por pressão é definida como uma lesão localizada na pele e/ou no tecido subjacente, normalmente sobre uma proeminência óssea, em resultado da pressão ou de uma combinação entre esta e forças de cisalhamento e fricção (National Pressure Ulcer Advisory Panel [NPUAP], European Pressure Ulcer Advisory Panel [EPUAP] e Pan Pacific Pressure Injury Alliance [PPPIA], 2014). As localizações mais frequentes são: isquiática (24%), sacrococcígea (23%), trocantérica (15%) e calcânea 8(%). Outras localizações incluem maléolos laterais (7%), cotovelos (3%), região occipital (1%) e região escapular. Etiologia: Por ser a pressão o principal agente para a formação de UP, recomenda-se a adoção da expressão úlcera por pressão na documentação do agravo. As UP podem desenvolver-se em 24 h ou levar até 5 dias para se manifestar. Portanto, todos os profissionais de saúde responsáveis pela prevenção do agravo devem estar familiarizados com os principais fatores de risco para formação de UP. A observação das condutas profiláticas para a eliminação de pressão contínua, cisalhamento ou fricção é essencial para evitar a formação de UP. As úlceras por pressão podem ser ocasionadas por fatores extrínsecos e intrínsecos. Extrínsecos: Estão relacionados ao mecanismo de lesão, influenciando a tolerância tissular pela obstrução da circulação sobre a superfície da pele; refletem o grau em que a pele é exposta. ● Pressão (intensidade e duração): A pressão do fechamento capilar é de aproximadamente 32 mmHg para as arteríolas e 12 mmHg para as vênulas. Quando a pressão aplicada externamente excede 32 mmHg prejudica o fluxo sanguíneo para área e, com a pressão não aliviada, a isquemia tecidual ocorre e resíduos metabólicos acumulam-se no tecido intersticial, levando à anoxia tissular e à morte celular. É importante correlacionar a intensidade da pressão com a duração da pressão. Existe um relacionamento inverso entre a duração e a intensidade da pressão para aparecimento Process� d� Envelheciment� Marin� Ferreir� Magalhãe� 3P “ME AJUDE, POR FAVOR” da isquemia tecidual. Os danos podem ocorrer com: pressão de baixa intensidade durante longo período de tempo e pressão de intensidade elevada durante curto período de tempo. ● Fricção: Originada pela força de duas superfícies, esfregando-se uma na outra. Sua capacidade de danos está restrita à epiderme e à derme, resultando em abrasão e aparecimento de bolhas. A fricção geralmente ocorre em pacientes agitados ou em transferências mal executadas. A umidade piora o efeito da fricção. ● Cisalhamento: Resultante da combinação da gravidade e fricção. Exerce uma força paralela à pele; a gravidade empurra o corpo para baixo, mas a pele resiste ao movimento devido à fricção entre o paciente e a superfície de suporte, provocando danos aos tecidos mais profundos. A força gerada é suficiente para obstruir, lacerar ou estirar os vasos sanguíneos. Isto ocorre em consequência da movimentação ou posicionamento incorreto, quando a cabeceira da cama é elevada acima de 30° ou na posição sentada. Pesquisas indicam que as forças de cisalhamento são responsáveis pela alta incidência de úlcera por pressão. ● Umidade: A umidade altera a resistência da epiderme para forças externas, tornando os efeitos da fricção mais significativos. É o resultado da incontinência urinária e/ou fecal, sudorese, banho e drenagem de feridas. Intrínsecos: São correlacionados com a vulnerabilidade do estado físico do paciente, que influencia tanto a constituição e integridade da pele, as estruturas de suporte ou os sistemas vascular e linfático que servem à pele e às estruturas internas, quanto o tempo de cicatrização. ● Idadeavançada: Muitas alterações ocorrem com o envelhecimento, como: achatamento da junção entre derme e epiderme, menor troca de nutrientes, menor resistência à força de cisalhamento, diminuição da capacidade de redistribuir a carga mecânica da pressão. ● Hipotensão/perfusão sanguínea: Está associada a isquemia tecidual; com baixa pressão arterial o corpo desvia o sangue do sistema vascular periférico em direção aos órgãos vitais. Nível de pressão diastólica abaixo ou igual a 60 mmHg indica um paciente em alto risco para desenvolver úlcera por pressão. ● Imobilidade/procedimentos cirúrgicos: A mobilidade diminuída compromete a capacidade do paciente de se mover em resposta à pressão, predispondo ao cisalhamento e à fricção no momento da transferência. Outro fator importante são as cirurgias prolongadas nas quais o paciente permanece um grande período imóvel em superfície rígida e no pós-operatório imediato, em que a mobilidade fica reduzida pelos efeitos da anestesia, da dor, da analgesia. ● Peso: A diminuição da massa corporal expõe as proeminências ósseas, deixando-as vulneráveis à pressão. Por outro lado, os pacientes obesos são mais difíceis de mobilizar, o que aumenta os riscos das forças de cisalhamento e de fricção. Outro fator importante é que o tecido adiposo é pouco vascularizado e não é elástico, tornando-se mais frágil à pressão e propenso a romper. ● Fármacos: Sedativos, hipnóticos, ansiolíticos, antidepressivos, analgésicos opiáceos e anti-histamínicos podem causar sonolência excessiva, diminuindo a mobilidade e a percepção sensorial. Alguns medicamentos, como esteroides e quimioterápicos, reduzem a capacidade do organismo de promover a resposta inflamatória adequada. Substâncias vasoativas inotrópicas diminuem a perfusão periférica e aumentam o risco de lesão tissular em áreas predispostas. Process� d� Envelheciment� Marin� Ferreir� Magalhãe� 3P “ME AJUDE, POR FAVOR” ● Nutrição: A deficiência nutricional está intimamente ligada ao desenvolvimento de úlcera por pressão. As vitaminas A, C e E têm papel importante, pois atuam na síntese do colágeno, na imunidade e na integridade epitelial. O zinco, o cobre e o selênio são benéficos no processo cicatricial por apresentarem propriedades antioxidantes. A hipoalbuminemia altera a pressão oncótica, desencadeando formação de edema, comprometendo a difusão tissular de oxigênio e de nutrientes, o que predispõe à hipoxia e à morte celular. A anemia também afeta o transporte de oxigênio para os fibroblastos, diminuindo a formação do colágeno. A deficiência de proteínas interfere no processo cicatricial, por ser responsável pela revascularização, formação de tecidos e síntese de colágeno. ● Temperatura elevada: Ainda não está bem esclarecido, mas pode estar relacionada com o aumento da demanda de oxigênio. A pele pode ficar exposta à maceração devido à sudorese. Condições Predisponentes: Insuficiência cardíaca, doença vascular periférica, diabetes, demência, neoplasias, depressão, doença terminal, contraturas, doença da tireoide, insuficiência renal, desidratação, doença pulmonar obstrutiva crônica, alterações neurológicas, dor, tabagismo. Classificação: O sistema de classificação das úlceras por pressão é utilizado para ajudar a descrever a extensão dos danos na pele e nos tecidos que se apresentam sob a forma de úlcera por pressão. Verificar se o eritema branqueia ou não é por vezes difícil de observar. Pode ser difícil distinguir o eritema branqueável do não branqueável, particularmente se o tempo de enchimento vascular é curto. Categoria Grau I - eritema não branqueável em pele intacta: Pele intacta com eritema não branqueável de uma área localizada, normalmente sobre uma proeminência óssea; descoloração da pele, calor, edema, tumefação ou dor podem também estar presentes. Em pele escura pigmentada pode não ser visível o branqueamento. A área pode ser dolorosa, firme, suave, mais quente ou mais fria comparativamente com o tecido adjacente. A categoria I pode ser difícil de identificar em indivíduos com tons de pele escuros. Pode ser indicativo de pessoas “em risco”. Categoria Grau II - perda parcial da espessura da pele: Perda parcial da espessura da derme que se apresenta como uma ferida superficial (rasa) com leito vermelho-rosado sem crosta. Pode também apresentar-se como flictema fechado ou aberto preenchido por líquido seroso ou sero-hemático. Apresenta-se como uma úlcera brilhante ou seca, sem crosta ou equimose. Esta categoria não deve ser usada para descrever fissuras da pele, queimaduras por fita adesiva, dermatite associada a incontinência, maceração ou escoriação. Categoria Grau III - perda total da espessura da pele: Perda total da espessura tecidual. Pode ser visível o tecido adiposo subcutâneo, mas não estão expostos os ossos, tendões ou músculos. Pode estar presente algum tecido desvitalizado (esfacelo). Pode incluir descolamento e túneis. A profundidade de uma úlcera de categoria III varia com a localização anatômica. A asa do nariz, as orelhas, a região occipital e os maléolos não têm tecido subcutâneo (adiposo), e uma úlcera de categoria III pode ser superficial. Em contrapartida, em zonas com tecido adiposo abundante podem se desenvolver úlceras de pressão de categoria III extremamente profundas. Os ossos/tendões não são visíveis ou diretamente palpáveis. Categoria Grau IV - perda total da espessura dos tecidos: Perda total da espessura dos tecidos com exposição óssea dos tendões ou músculos. Pode estar presente tecido desvitalizado (esfacelo) e/ou necrótico. Frequentemente inclui descolamento e túneis. A profundidade de uma úlcera de pressão de categoria IV varia com a localização anatômica. A asa do nariz, as orelhas, a região occipital e os maléolos não têm tecido subcutâneo (adiposo), e estas úlceras podem ser rasas (superficiais). Uma úlcera de categoria IV pode atingir as estruturas de suporte (p. ex., fáscia, tendão ou cápsula articular) tornando a osteomielite e a osteíte prováveis de acontecer. Existe osso/músculo exposto visível ou diretamente palpável. Não Graduáveis/Inclassificáveis - profundidade indeterminada: Perda total da espessura dos tecidos na qual a profundidade base da úlcera está coberta por tecido necrótico (amarelo, acastanhado, cinza, esverdeado ou castanho) e/ou escara (acastanhado, castanho ou preto) no leito da ferida, até que seja removido tecido necrótico suficiente para expor a base da ferida, a verdadeira profundidade não pode ser determinada, mas é, no entanto, uma Process� d� Envelheciment� Marin� Ferreir� Magalhãe� 3P “ME AJUDE, POR FAVOR” úlcera de categoria III ou IV. Nos calcâneos, uma escara estável (seca, aderente, intacta e sem eritema ou flutuação) serve como cobertura natural (biológica) corporal e não deve ser removida. Suspeita de Lesão Tissular nos Tecidos Profundos - profundidade indeterminada: Área localizada de pele intacta de coloração púrpura ou castanha, ou flictema, preenchida com sangue, devido a dano no tecido mole, decorrente de pressão e/ou cisalhamento. A área pode apresentar um tecido mais doloroso, endurecido, amolecido, esponjoso e mais quente ou frio comparativamente ao tecido adjacente. Pode ser de difícil detecção em indivíduos com a pele de tonalidades mais escuras. A evolução pode incluir um pequeno flictema sobre o leito escurecido da ferida. A lesão pode evoluir, ficando coberta por uma fina camada de tecido necrótico (escara). A sua evolução pode ser rápida com exposição de camadas tissulares adicionais mesmo com o tratamento adequado. Objetivo 3: Explicar cuidados paliativos. A morte é sempre muito pessoal. Responder aos medos e às condições humanas da pessoa na fase final de vida sempre envolve responder a nós mesmos. Enfrentamos continuamente tensões interiores: estar em sintonia com o significado da morte em nós, desenvolver empatia, sensibilizar-se e, alémdisso, ser capaz de manter nosso equilíbrio psíquico e nossa objetividade, de modo que possamos responder às necessidades da pessoa que está prestes a se despedir da vida. Procuramos o inimigo e o encontramos dentro de nós! Poderíamos perguntar: que espécie de idoso serei se tiver a chance de sê-lo? A resposta a essa pergunta depende muito do tipo de pessoa que se é agora, de como se vive e se enfrenta a dimensão da finitude e da mortalidade humanas, no cotidiano da vida. É incansável a nossa busca pela felicidade de viver plenamente com dignidade, e não apenas sobreviver. Fazemos de tudo para combater a doença, a dor e o sofrimento e vencer a própria morte. Estamos cada vez mais aparelhados com fantásticas inovações tecnológicas para essa empreitada, e são previstas transformações ainda mais profundas para este milênio. Em um momento de “ilusão utópica”, chegamos até a acreditar que a realidade do morrer não faz parte de nosso existir, pensamos e agimos como se fôssemos imortais e dificilmente aí poderíamos encontrar ou dar algum sentido. Neste capítulo, ousamos apontar um horizonte de sentido, realçando alguns aspectos éticos importantes ligados ao ocaso da vida, na compreensão e no cuidado do paciente ao final da vida, isto é, do doente fora de possibilidades de cura em quatro pontos: o modelo de cuidar do sofrimento, o modelo de cuidar e curar, a importância dos cuidados paliativos e a dignidade de morrer ligada ao viver com dignidade. Fazemos parte da tradição camiliana de cuidado no mundo da saúde, e especialmente daqueles que estão chegando ao final de sua jornada de vida. Esses religiosos, na Europa, durante os séculos 17-19, ficaram conhecidos como os “padres da boa morte”, devido à sua dedicação aos que estavam morrendo. Ouvimos, frequentemente, de doentes em fase terminal, que eles não têm tanto medo de morrer, mas, sim, de sofrer. O que eles temem, na verdade, é o processo do morrer, especialmente a dependência, a impotência e a dor que, em geral, estão associadas à doença terminal. Enquanto a dor física é a fonte mais comum do sofrimento, o sofrimento ligado ao morrer vai além do mero nível físico, afetando o todo da pessoa. A diferença entre dor e sofrimento tem um grande significado quando temos de lidar com a dor em pacientes ao fim da vida. O enfrentamento da dor exige medicamentos analgésicos, enquanto o sofrimento solicita significado e sentido. A dor sem explicação geralmente se transforma em sofrimento. Este é uma experiência humana profundamente complexa, que intervém na identidade e na subjetividade da pessoa, bem como nos valores socioculturais e religiosos. Um dos principais perigos em negligenciar essa distinção é a tendência de os tratamentos se concentrarem somente nos sintomas e nas dores físicas, como se estes fossem a única fonte de angústias e sofrimentos para o paciente. É a tendência a reduzir o sofrimento a um simples fenômeno físico que pode ser dominada por meios técnicos. Além disso, permite-nos continuar agressivamente com tratamentos fúteis, na crença de que, enquanto o tratamento protege os pacientes da dor física, também os protege de todos os outros aspectos. A continuação de tais cuidados pode simplesmente impor mais sofrimentos para o paciente terminal. O sofrimento tem que ser cuidado em quatro dimensões fundamentais: (1) dimensão física – no nível físico, a dor funciona como um claro alarme de que algo não está bem no funcionamento normal do corpo; (2) dimensão psíquica – surge frequentemente ao enfrentar-se a inevitabilidade da morte; perdem-se as esperanças e os sonhos com a necessidade de redefinir o mundo que está para deixar; (3) dimensão social – é a dor do isolamento, que surge do ser obrigado a redefinir relacionamentos e a necessidade de comunicação; (4) dor espiritual – surge da perda do sentido, do Process� d� Envelheciment� Marin� Ferreir� Magalhãe� 3P “ME AJUDE, POR FAVOR” objetivo de vida e da esperança. Todos necessitam de um horizonte de sentido, uma razão para viver e uma razão para morrer. O cultivo dessa perspectiva holística é fundamental para se proporcionar cuidados humanizados que resgatem a dignidade da vida. Conceito: Os cuidados paliativos são uma modalidade de assistência cujo foco principal é a pessoa e não a doença ou o órgão comprometido. Buscam o alívio do sofrimento e a melhora da qualidade de vida e de morte. As intervenções requerem profundo conhecimento da fisiopatologia da doença de base e de suas complicações previsíveis. Os pacientes geriátricos apresentam comorbidades que dificultam a abordagem terapêutica. Deve-se ter em mente que os sintomas precisam ser priorizados e só se intervém naqueles que realmente causam desconforto ou angústia. É importante ressaltar que os cuidados paliativos não rejeitam a biotecnologia atual: são um tratamento intervencionista que se vale, por exemplo, das avançadas propostas da farmacologia para a efetividade do controle de sintomas. “Cuidados paliativos” e “cuidados ao fim da vida” não são sinônimos. Cuidados paliativos devem ser aplicados ao paciente em um continuum, pari passu com outros tratamentos pertinentes ao seu caso, desde a definição de uma doença incurável e progressiva. Os cuidados ao fim da vida são uma parte importante dos cuidados paliativos, referindo-se à assistência que um paciente deve receber durante a última etapa de sua vida, a partir do momento em que se torna claro o seu estado de declínio progressivo e inexorável, aproximando-se da morte. É de se lamentar que pessoas com indicação precisa de paliação ainda sejam encaminhadas tardiamente para essa intervenção. Na maioria das vezes, cuidados paliativos ainda são oferecidos nos últimos dias ou instantes de vida, favorecendo a marginalização dos cuidados paliativos e a percepção de que se confundem com os cuidados ao fim da vida. Promovem o alívio da dor e de outros sintomas que geram sofrimento Reafirmam a vida e veem a morte como um processo natural Não pretendem antecipar ou postergar a morte Integram aspectos psicossociais e espirituais ao cuidado Oferecem um sistema de suporte que auxilia o paciente a viver tão ativamente quanto possível até a morte Oferecem um sistema de suporte que auxilia a família e entes queridos a sentirem-se amparados durante todo o processo da doença e no luto Utilizam os recursos de uma equipe multiprofissional para focar as necessidades dos pacientes e seus familiares Melhoram a qualidade de vida e influenciam positivamente o curso da doença Devem ser iniciados o mais precocemente possível, junto a outras medidas de prolongamento de vida – como a quimioterapia e a radioterapia –, e devem incluir todas as investigações necessárias para melhor compreensão e abordagem dos sintomas Equipe: Para atender às necessidades essenciais de uma pessoa com doença em fase avançada, é indicada a constituição de equipe multiprofissional com dinâmica de atuação interdisciplinar. Todos os seus componentes devem Process� d� Envelheciment� Marin� Ferreir� Magalhãe� 3P “ME AJUDE, POR FAVOR” ter sólida formação nos princípios do tratamento paliativo e agir rigorosamente de acordo com os preceitos da ética profissional. Os cuidados paliativos devem ser prestados por uma equipe bem articulada, com conhecimento do controle de sintomas e que tenha à sua disposição os medicamentos necessários: analgésicos não narcóticos, opioides, anti-inflamatórios esteroides e não esteroides, antieméticos, antipsicóticos, anticonvulsivantes, antidepressivos, psicoestimulantes, ansiolíticos, antibióticos, protetores de mucosa gástrica e laxativos. O respeito ao corpo da pessoa doente e a utilização de técnicas paliativas requerem competência técnica, rigor ético e alta sensibilidade. Capacidade de compreensão, empatia e bom humor são características adicionais que complementam a boa prática da paliação. Os integrantesde uma equipe podem ser: médico, enfermeiro, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo, terapeuta ocupacional, assistente social, musicoterapeuta, assistente espiritual, farmacêutico e odontólogo. Todos precisam trabalhar em sintonia e desenvolver uma linguagem comum, para atingir objetivos de cuidado e proteção, ou seja, identificar e tratar as intercorrências, otimizar o uso de fármacos, manter o estado nutricional e a mobilidade enquanto possível, oferecer apoio psicológico ao paciente e à família, providenciar apoio espiritual se for desejado e maximizar o funcionamento do paciente nas suas atividades habituais. Essa modalidade assistencial visa oferecer maior conforto à pessoa com doença em fase avançada e segurança e tranquilidade aos familiares. Encontrar um discurso harmônico da equipe, construir uma rede de respeito e acolhimento mútuos e abdicar de vaidades pessoais é um processo gradual, trabalhoso e, por vezes, sofrido, mas que gera os melhores resultados. Principais Sintomas: Fadiga, dor de forte intensidade, anorexia, dispneia, constipação intestinal, náuseas e vômito, tosse, confusão mental, tristeza – depressão, ansiedade, agitação – insônia, disfagia, hemorragia, emagrecimento, diarreia e feridas. Após identificação dos sintomas presentes, existem medidas de tratamento farmacológico e não farmacológico apropriadas para tentar controlá-los. A postura paliativista exige do profissional médico uma intervenção rápida, intensiva, dinâmica e resolutiva no uso dos fármacos e das técnicas específicas de paliação. O reconhecimento preciso dos sintomas é o ponto inicial do correto tratamento paliativo. Com a evolução da doença para a fase final, novos problemas podem advir, sendo um deles a não aceitação dos fármacos pela via oral (VO). Nesse momento, a via de eleição para a administração dos fármacos é a subcutânea (SC). A hipodermóclise é o método mais indicado, após a VO, para a reposição de fluidos e de medicamentos para pacientes com doença avançada, devendo ser utilizada pelo baixo risco de complicações, por ser indolor e eficaz. A vascularização do tecido subcutâneo permite que medicamentos dados por essa via sejam bem absorvidos, atingindo concentrações séricas adequadas e com tempo de ação prolongado. Além disso, o acesso é rápido e permite maior mobilidade do paciente. A hipodermóclise é uma técnica simples e segura, desde que obedecidas as normas de administração, volume e qualidade dos fluidos e medicamentos infundidos. Fim da Vida: O bom cuidado aos idosos no fim da vida significa mais do que suspender certas medidas de tratamento. Inclui o desenvolvimento de um plano de cuidados individualizados, que contemple as demandas particulares da pessoa como um ser biográfico e único e atenda aos limites impostos pela doença. O prognóstico do fim da vida nem sempre é uma tarefa simples. Nas doenças crônicas, o processo final pode ocorrer lentamente, com uma sucessão de eventos levando a múltiplas falências orgânicas. Não é de surpreender que a maioria das mortes ocorra em pessoas de mais de 65 anos, mais vulneráveis a doenças incuráveis. Os idosos têm necessidades especiais, com problemas múltiplos e geralmente mais complexos que aqueles dos mais jovens. Frequentemente, os problemas que muitos idosos experimentam no último ano de vida são decorrentes das consequências naturais do envelhecimento. Como é mais difícil prever o curso de doenças crônicas que acometem os idosos, os cuidados paliativos devem se basear nas necessidades dos pacientes e dos seus familiares, e não no prognóstico. Câncer e demência ilustram esse ponto, por serem situações clínicas diretamente relacionadas com o envelhecimento. O Processo de Morrer: A intenção de melhorar a qualidade de vida, da comunidade ou do indivíduo em particular, em última instância, é uma modalidade de regulação de políticas públicas e ações privadas. Avanços na área da saúde são responsáveis pelos ganhos mais significativos de qualidade de vida no passado recente: é fato observável que os indivíduos (em média) estão vivendo mais e com mais saúde. Mas “qualidade de morte” é outra questão. A inevitabilidade da morte não livra o ser humano da angústia diante do seu próprio fim, angústia que se espraia e alcança todos os implicados em uma cena de final de vida. Nas demandas do fim da vida, quando é improvável que o paciente se recupere, compete ao médico, em primeiro lugar, reconhecer esse momento e, então, dedicar-se aos cuidados capazes de proteger o paciente e minimizar o seu sofrimento à medida que a morte se aproxima. Essa é a orientação dos Process� d� Envelheciment� Marin� Ferreir� Magalhãe� 3P “ME AJUDE, POR FAVOR” cuidados paliativos, modalidade de assistência ainda raramente presente. De acordo com a Aliança Mundial de Cuidados Paliativos (AMCP), mais de 100 milhões de pessoas se beneficiariam com os cuidados paliativos e os hospices, por ano, incluindo familiares e cuidadores que precisam de ajuda e orientação. Entretanto, menos de 8% têm acesso a esses cuidados. Nos idosos, a morte pode acontecer associada a várias doenças que comprometem a independência e a autonomia. A multiplicidade de sintomas que ocorrem, dependendo da doença de base, será determinante para o maior ou menor grau de sofrimento do paciente idoso. O adequado atendimento a esses pacientes, visando aliviar qualquer sintoma desgastante, é um ponto fundamental para a boa prática da geriatria. Nos idosos, a trajetória para a morte costuma ser lenta e com sofrimento físico, emocional, social e espiritual, configurando a “dor total” descrita por Saunders (2006). Em geral, o paciente nutre o medo de como e onde será a sua morte. Não é incomum existir um medo maior de como será o processo de morrer do que da morte propriamente dita: medo da dor, de sufocação, da perda do controle, de perda da dignidade, de morrer só, de ser enterrado vivo, de sobrecarregar seus familiares. É importante criar uma comunicação com o paciente, ouvi-lo nas suas expectativas, incentivá-lo a protagonizar o momento final da sua vida, ajudando-o nos enfrentamentos e na tomada de decisões. É preciso acreditar nas possibilidades desse encontro, que cria uma relação em que acontece a emergência da angústia, com suas significações ameaçadoras e letais, quando é possível encarar não só os limites, mas também quaisquer potencialidades que venham a se dimensionar em alguma significação vitalizadora, no processo de morrer. O avanço da tecnologia propicia as tentativas obstinadas de medicalização da morte, ocultando a realidade da morte como parte do processo natural da vida. Morrer passa a ser uma falha técnico-profissional, desconsiderando o processo inevitável do ciclo vital. A medicalização da morte pode causar culpa no profissional que, frustrado por não ter conseguido bloquear o curso da terminalidade do paciente, abala o exercício competente da sua prática profissional. Isso talvez seja um dos grandes responsáveis pela temida distanásia. Nas mudanças inevitáveis que ocorrem no fim da vida, alguns tratamentos acabam por se tornar absolutamente irrelevantes. O uso de anti-hipertensivos, hipoglicemiantes e quimioterápicos, por exemplo, deve ser reavaliado, pois esses fármacos podem não ter mais indicação alguma para uma pessoa idosa que está em sua fase final. Novos sintomas, como a inquietação, a confusão mental e o desconforto respiratório precisam ser imediatamente aliviados. Em casos refratários e selecionados com critério, recomenda-se sedação paliativa, com o uso de levomepromazina ou midazolam. O reconhecimento da morte iminente é feito por meio da observação da mudança do sensório, da ocorrência recente de confusão mental, de fadiga intensa, da flutuação dos sinais vitais sem uma causa aparente, da descompensação hemodinâmica e da não aceitação de alimentos por via oral. Esses sintomas aumentam em intensidade e número nos últimos dias de vida. A intervenção nesse processo não é relevante,pois a doença de base é irreversível. A importância recai no ser humano, um ser biográfico e social, que merece morrer com conforto e com seus entes queridos próximos em um ambiente tranquilo e amigável. Ao início do processo de morrer, didaticamente podem ser apontadas duas possibilidades de percurso. O “caminho usual”, com delirium hipoativo, é o da redução progressiva do nível de consciência com desinteresse crescente pelo ambiente, seguido de coma e, então, da morte que se aproxima como “um sono cada vez mais profundo”. As intervenções farmacológicas nesse percurso limitam-se ao controle meticuloso de sintomas que causam algum desconforto. Por outro lado, no “caminho difícil”, a pessoa fica cada vez mais inquieta, com agitação psicomotora e alucinações, sendo indicada a contenção química. Uma intervenção inadequada pode ter consequências desastrosas, prolongando o processo de morrer. Lamentavelmente, apesar do conhecimento já difundido pela medicina paliativa, muitos idosos ainda estão sujeitos a procedimentos invasivos incompatíveis com o momento final da vida, o que converte o “caminho usual” de morte em um desnecessário e sofrido “caminho difícil”.
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