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IMPACTOS DA PANDEMIA DA COVID-19 NA POPULAÇÃO INDÍGENA: ATENÇÃO À SAUDE DOS POVOS INDÍGENAS NO CONTEXTO DA PANDEMIA DA COVID-19: DEBATES E REFLEXÕES D I S C E N T E S : E M I L Y M A R I A N N E E R Y A N F I L I P E A negligência do poder público frente a ameaça iminente da covid- 19, e a vulnerabilidade desses povos, são fatores que, juntos, acarretam em grandes tragédias. O Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena, criado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), já contabilizava a marca de mais de 1000 mortos pela covid-19 Desde a colonização portuguesa em terras brasileiras até a atualidade, muitos foram os genocídios praticados contra a população indígena, tantos desses silenciosos, devastadores e mortais. Um exemplo claro, que ocorre em nossa atualidade, é a chegada do vírus da covid-19 em terras indígenas, e a devastação ocasionada por ela. PÁG. 01 Foto: Lucas Silva/DPA/PA Images e mais de 50.000 infectados até a metade do mês de março de 2021, no Brasil. Esses são números bem diferentes dos dados oficiais do Governo Federal, que somente contabilizam indígenas aldeados. A médica sanitarista, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e coordenadora do GT de saúde indígena da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) Ana Lucia Pontes avalia que o Governo Federal é omisso em relação aos registros dos efeitos que a covid-19 tem sobre essa população. Os dados do Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI) não são atualizados desde 2010, quando foram incorporadas informações do censo do IBGE daquele ano, o que reflete claramente num desconhecimento da situação dos indígenas residentes nas cidades. Em relação aos povos indígenas aldeados, o impacto da covid-19 se torna imensamente superior, visto que muitas localidades estão a dezenas de quilômetros de um posto de saúde. Essa falta de assistência em saúde, aliada a pouca informação sobre o vírus, é certamente um dos motivos que tem levado tantos indígenas a se contaminarem. Além disso, o modo de vida nas aldeias não permite alguns protocolos de saúde, como o isolamento social, logo, uma pessoa contaminada tem grande facilidade de transmitir o vírus para um número grande de pessoas. PÁG. 02 https://portal.fiocruz.br/ https://www.abrasco.org.br/site/ do Instituto de Apoio aos Povos Originários da Amazônia (Iapoam), a indígena Kamila Katusawa Mura relatou que a covid-19 trouxe um grande impacto para os povos indígenas, "São 520 anos de resistência dos povos e a gente ainda não tem uma saúde 100%. Eu creio que o Brasil e o Amazonas vêm sofrendo esse impacto, porque tem pessoas que não entende da gestão e de como se desenvolve em saúde, PÁG. 03 FALTA DE ASSISTÊNCIA EM SAÚDE PARA OS INDÍGENAS DURANTE A PANDEMIA NO AMAZONAS: Na região Norte, grande parte da população reside em suas terras–, no entanto, estas são invadidas, devastadas e muitas comunidades estão submetidas a ações violentas, ameaças de morte e homicídios. Num contexto como este em que estamos vivendo, é complicado para os povos indígenas protegerem-se da pandemia, visto que nestas terras rotam grileiros, posseiros, madeireiros, garimpeiros que, além do risco de contágio ser iminente, todos podem ser disseminadores do vírus. Outro fator que complica ainda mais a situação, é a falta de assistência em saúde para com os povos indígenas no Amazonas. Eles estão entre os grupos mais vulneráveis à pandemia e encontram-se desprovidos de condições para encarar a doença. Em uma conversa com a equipe do Portal AM1 para a presidente Foto: Carolina Diniz PÁG. 04 principalmente quanto à indígena, que vem se tornando bem grave, em nível municipal, em Manaus, porque nunca existiu uma área de atendimento específico para os indígenas que moram na capital." "Queremos atendimento básico, agentes de saúde que possam visitar as comunidades indígenas. Imagina, hoje, no século 21, nós termos essas mortes dos povos indígenas, nossa cultura pode morrer. É preciso que o poder público proporcione uma maior visibilidade aos cidadãos amazonenses. Já tivemos etnias extintas aqui em Manaus. Tem muitos parentes até sofrendo depressão e cometendo suicídio", enfatiza a indígena Kamila Mura. É revoltante essa falta de atenção dos órgãos públicos com os indígenas, tanto com os aldeados, quanto com os que vivem no contexto urbano. Eles precisam do apoio de todos. Não é apenas existência física dos indígenas que está em risco, mas a cultural também. A pandemia afetou e vem afetando cada vez mais os modos de vida e as relações culturais dos povos, impossibilitando práticas que são identidades deles: rituais, danças, lutas, lazer, tradições religiosas, entre outros. PÁG. 05 Desde o início da pandemia, o governo federal declara apenas indígenas “aldeados” na contagem de casos e mortes por covid-19 na população indígena. Essa decisão, foi tomada pela Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), que não tem contabilizado os casos e nem os óbitos de covid-19 entre indígenas que vivem nas cidades, o que ocasionou à subnotificação do número real de infecções e óbitos pela doença entre esses povos, segundo organizações indígenas. Vale ressaltar também que, o plano nacional de imunização contra a covid-19 definiu que apenas parte dos indígenas do país estão entre os grupos prioritários da campanha de vacinação: os indígenas aldeados, o que chega a se tornar um absurdo, pois o fato de o indígena estar fora da aldeia não faz com que ele deixe de ser indígena, é como se eles não existissem para o governo federal. Indígenas do contexto urbano do estado de Pernambuco, estão lutando em busca de seus direitos, pedindo socorro através de redes sociais justamente pelo fato de estarem sendo invisibilizados na campanha de vacinação contra a COVID-19: “É por meio desta nota coletiva que pedimos socorro para que possamos impedir o nosso genocídio, algo que persiste e se atualiza na manutenção do projeto colonial. Entendemos que a deslegitimação e a não inserção dos indígenas em contexto urbano no plano de vacinação prioritária contra a COVID-19, no Estado de Pernambuco, é compactuar com nossas mortes em massa, já que temos o direto de reexistir em todos os contextos. Muitos dos nossos já chegaram a óbito! Casos invisíveis perante a FUNAI, SESAI e demais órgãos indígenas e indigenistas, pois na cidade não somos assistidos por essas organizações, vivemos margi- OS DESAFIOS DA VACINAÇÃO DE INDÍGENAS CONTRA A COVID-19: PÁG. 06 nalizados. Sendo alvos de racismo estrutural, institucional e cotidiano, e muitas das vezes colocados em um cenário de disputa de direitos com os nossos próprios parentes que estão nas nossas aldeias de origem”, publicação feita no Instagram da Associação Indígena em Contexto Urbano KARAXUWANASSU – ASSICUKA. Outro fator que se tornou um desafio e vem prejudicando bastante essa fase de campanha da vacinação, foi a disseminação de fake news. Até mesmo onde as vacinas chegam, em algumas comunidades muitos povos têm recusado receber a dose, influenciados por mentiras que questionam a eficácia e a segurança dos imunizantes. Alguns integrantes de igrejas evangélicas que atuam em parte das aldeias também afirmam que as vacinas foram produzidas com muita velocidade, e que indígenas estariam entre os grupos prioritários da campanha de vacinação para servirem de "cobaias” dos imunizantes. Em resposta a falta de informação, a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) criou a campanha “Vacina, parente”, que busca criar ações de conscientização sobre as vacinas entre os povos indígenas. Sob outra perspectiva, a campanha deve também pressionar os governos para garantir a imunização para todos os povos. PÁG. 07 Um direito que deveria garantir que as pessoas pudessem ficar em casa, representou aos indígenas mais umrisco: a contaminação em filas quilométricas de bancos. Pela falta de instrução aos povos indígenas, muitos, sem que tivessem conhecimento dos riscos que corriam, saiam de suas localidades e se dirigiam as cidades para buscarem informações em agências bancárias ou para sacarem mensalmente os valores referentes às parcelas do auxílio emergencial, formando grandes filas, sem que houvesse distanciamento seguro nesses locais. O Ministério Público Federal (MPF), no Amazonas, ajuizou, em 08.05.2020, uma Ação Civil Pública (MPF,2020ª) com pedido de liminar, para que a União, a Caixa Econômica Federal, o INSS, Conab e a Funai adotassem medidas para facilitar o acesso de indígenas a esses auxílios, evitando que essa prática se mantivesse. PENSANDO A SAÚDE DOS POVOS INDÍGENAS COM UM OLHAR MAIS AMPLO: A promoção da saúde não pode ser vista unicamente relacionada ao senso comum do que é saúde, ou pela ausência de doenças, pois fatores relacionados ao meio onde os indivíduos estão inseridos são determinantes para o seu bem- estar e qualidade de vida, que são ligados diretamente a saúde. No contexto da pandemia da covid-19, é necessário lembrarmos dos recursos fundamentais para a saúde, que são eles: paz, habitação, educação, alimentação, renda, ecossistemas estáveis e recursos sustentáveis. Para garantir uma saúde de qualidade aos indígenas durante o período de pandemia, é indispensável uma série de ações que assumam o compromisso de priorizar esses temas. Se pensarmos a forma que o Governo Federal lidou para assegurar alimentação e renda a população brasileira, o auxílio emergencial certamente é a primeira lembrança. PÁG. 08 doença, como no exemplo da covid- 19, mas entendendo que o conceito de saúde é amplo, e necessita de um olhar voltado a saúde coletiva. Porém, apenas em 02.09.2020, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região determinou o atendimento exclusivo a indígenas, na cidade de São Gabriel da Cachoeira, estado do Amazonas. Além disso, pensar em demarcação de terras indígenas é garantir habitação segura, alimentação e preservação dos ecossistemas, fatores que diretamente influenciam na qualidade de vida dos indígenas. Outro ponto importante que vale ser destacado é o distanciamento geográfico entre as aldeias e os centros urbanos, que garantem através dessas demarcações, que doenças não cheguem tão facilmente a regiões isoladas. Dessa forma, é garantido aos indígenas o direito de viverem num ambiente de paz, seguindo os seus costumes e crenças ancestrais, sem que exista um cotidiano marcado por guerras pelo poder de suas terras. Só assim, pode ser garantido saúde a esses povos, e não uma saúde pensada unicamente com ausência de uma ENTREVISTA I N D Í G E N A : J A Q U E L I N E G O M E S D E M O U R A M U N I C Í P I O - E S T A D O : I B I M I R I M - P E A L D E I A N A Z Á R I O , P O V O K A M B I W Á RESPOSTA: Um dos principais meios de instrução veio através das mídias, redes sociais. Mas também recebemos o apoio necessário da SESAI( secretaria especial de saúde indígena) juntamente de uma equipe de saúde que nos vem dando suporte durante todo esse período de pandemia. 1.Durante esse período de pandemia, como vocês receberam as instruções necessárias para o enfrentamento à Covid-19? Foi através das mídias/redes sociais, ou por algum órgão governamental? 2. O dia a dia da comunidade mudou desde o início da pandemia? As medidas de proteção que se tornaram comuns na vida da população mundial, com o uso de álcool, da máscara e o distanciamento social, existem dentro da aldeia? Os povos respeitam essas medidas de prevenção? RESPOSTA: Mudou bastante, o contato com nossos parentes se tornou raro. O medo vive presente em nós. Não podemos nos aglomerar com nosso povo se quer para prática dos nossos costumes, PÁG. 09 Direito de uso da imagem autorizado por Jakeline, indígena do Povo Kambiwá. nossa tradição. Hoje nos encontramos distante de tudo e de todos. Porém agradecemos a Deus por a saúde ainda reinar em nosso povo Kambiwá. Graças a Deus não tivemos nenhum óbito. Não perdemos nenhuma vida para esse vírus maldito. Mas, sofremos muito por todos os outros parentes de outros povos que tombaram. Em nosso povo os cuidados são bem rigorosos. Conseguimos manter todas as medidas de prevenção. E de todas, o mais difícil é o distanciamento social. Já que nossos costumes requer esse contato físico e espiritual com os demais indígenas. Vamos caminhando, com muita fé em Deus e na bendita força encantada. Pedido toda proteção que o nosso povo precisa para continuar nesse enfrentamento. 3. Do início da pandemia até o momento atual, houve/há atenção dos órgãos ou entes públicos com a saúde dos povos indígenas? Fizeram ações emergenciais, de prevenção, para evitar a disseminação da doença? RESPOSTA: Alguns povos de Pernambuco contaram com barreiras sanitárias no início da pandemia vindo do próprio sistema de saúde. Já outros foram os próprios indígenas que isolaram o território. Foram meses com as estradas fechadas, ficamos literalmente isolados. Ninguém entrava nem saia. Foram momentos difíceis. Já que é na cidade mais próxima que resolvemos tudo. Porém, conseguimos manter nosso território livre desse vírus durante meses. Havia suporte da comunidade em relação a alimentação, e havia suporte também da SESAI, em relação a álcool, máscaras, EPI's, também contávamos com palestras de instruções ministradas por médicos, enfermeiras e etc... Foi assim que conseguimos naquele período impedir do vírus chega em nossas vivencias. Hoje, não contamos mais com as barreiras sanitárias. Porém, os cuidados continuaram de forma individual. Cada um mantém as precauções devidas, e assim seguimos com o nosso território sem contar nenhum com suspeita de covid-19. PÁG. 10 4. Nas aldeias e cidades de todo o país são muitos os casos de indígenas infectados e já ocorreram muitas mortes. Quais são os maiores desafios para enfrentar a Covid-19? Como o isolamento é feito, visto que nas aldeias, são espaços comunitários e coletivos? RESPOSTA: O que podemos trazer como ensinamento, é a força da união. É a força da fé, é a importância de valorizamos sempre quem amamos. E saber que não há nada mais importante que a nossa saúde, que o nosso ar. Frisamos o quanto é importante a preservação da mãe Natureza. Pois é dela que vem a nossa força, nosso alimento. Nem tudo na vida é baseado em bens, dinheiro, riquezas. Hoje a vida está aí nos mostrando que o que realmente tantas PÁG. 11 5. Como está sendo a vacinação da população indígena? RESPOSTA: Até agora, pelos números da SESAI - Secretaria Especial de Saúde Indígena, cerca de 295 mil indígenas receberam pelo menos a primeira dose. Mas há também outra realidade: a dos indígenas que querem ser vacinados e não são autorizados porque estão fora das aldeias ou de áreas demarcadas. Toda a população de indígenas do Piauí, por exemplo, não conseguiu receber a dose do imunizante, porque no estado não há terras homologadas. No entanto, há decisão do Supremo Tribunal Federal estabelecendo que todos os povos indígenas, mesmo os que moram nas cidades ou que não estão em áreas demarcadas, devem ser vacinados. 6. O que os indígenas podem nos ensinar nesses tempos de pandemia, especialmente sobre esperança, respeito e equilíbrio com as demais formas de vida no planeta? RESPOSTA: Nosso maior desafio desde o início da pandemia, foi em relação a transitação de não indígenas em nosso território. Já que nosso povo fica centrado na BR110 que liga Ibimirim a Petrolândia. Então a movimentação é muito grande. Porém, em relação a nós indígenas, conseguimos nos manter em isolamento. Saindo apenas para comprar mantimentos. Nossos momentos culturais, já não acontecem como antes. Estamos respeitando esse momento de distanciamento. Sabemos o quanto temos que ter esse cuidado. Pois se esse vírus entrar em nossos espaços, a proliferação é gigante. Podendo assim haver amorte em massa dos nossos parentes. pessoas estão precisando o dinheiro jamais poderá comprar, que é o AR nos pulmões. Infelizmente, foi preciso uma doença infeliz se instalar em nossa vida, para nos mostrar que ninguém é melhor que ninguém. PÁG. 12 Direito de uso da imagem autorizado por Jakeline, indígena do Povo Kambiwá. Direito de uso da imagem autorizado por Jakeline, indígena do Povo Kambiwá. REFERÊNCIAS: BELOTA, Juliana Mitoso; JATOBÁ, Socorro do Socorro da Silva. Da pandemia à antidemocracia. Poder público, povos indígenas e perspectiva: um relato sobre negligência estatal. Volume 12, Número 1, 2021. Carta de Ottawa. In: 1ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde. Ottawa, Canadá; 1986. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/carta_ottawa.pdf Acesso em: 10 de abril de 2021. RAQUEL, Martha. Brasil ultrapassa marca de mil indígenas mortos em decorrência da covid-19. Brasil de Fato, 2021. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2021/03/13/brasil-ultrapassa- marca-de-mil-indigenas-mortos-em-decorrencia-da-covid-19> Acesso em: 5 abril 2021. SOUZA, Edilânia. Indígenas relatam falta de assistência médica durante a pandemia no AM. Portal AM, 2021. Disponível em: <https://amazonas1.com.br/indigenas-relatam-falta-de- assistencia-medica-durante-a-pandemia-no-am/> Acesso em: 21 abril 2021. VICK, Marianna. Os desafios da vacinação de indígenas contra a covid-19. 2021. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br> Acesso em: 15 abril 2021. ALVES ROCHA, Bernado. Vidas indígenas importam. 2021. Disponível: <http://www.arbadvogadosassociados.com.br/vidas- indigenas-importam> Acesso em: 24 abril 2021. PÁG. 13 https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/carta_ottawa.pdf https://www.brasildefato.com.br/2021/03/13/brasil-ultrapassa-marca-de-mil-indigenas-mortos-em-decorrencia-da-covid-19
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