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De 64 a 68. A cultura em andante (Os movimentos culturais de 19p4 a 1968) Depois de gozar de ampla liberdade de expressao, a cultura brasileira, a partir de 64, passou a viver urn novo contexto, mais sensivel as transforma~6es impostas pelo golpe militar. Da mesma forma que na polftica, a produ~ao sofreu urn racha. De urn lado, egressos do CPC da UNE e remanescentes das ideias nacionalistas e reformistas, que passararri a ser compreendidas como de "esquerda", formavam 0 bloco dos lfngajados. De outro, os influenciados pelos conceitos americanos de rebeldia da decada de 50, mais identificados com 0 comb ate a moral rigida e a favor de uma maior liberdade de comportamento, eram vistos pelos outros como alienados. A tribo dos engajados caminhava pela trilha da contesta~ao politic a incendiando a imagina~ao do publico estudantil, que lotava diariamente as se~6es do show "Opiniao", no Teatro de Arena, no Rio, e da pe~a "Arena Conta Zumbi", em Sao Paulo. Mas a ditadura estava atenta e fechou 0 teatro depois da montagem de "Liberdade, Liberdade", de Millar Fernandes. No cinema, a mesma tribo produzia "Os Fuzis", de Ruy Guerra,ganhador do Urso de Prata do Festival de Bedim, e uma infinidade de obras com a preocupa~ao de explicitar nas telas os contrastes sociais do pais. Era 0 tempo dos festivais de musica, onde os engajados s6 nao vaiavam as can~6es de protesto. Sem perder 0 born humor, a Turma da Pilantragem cantava: Ui vem a Dorinha Bota e minissaia Pela praia, Castelinho Toma 0 seu chQppinho E diz que vai Quando vai aos festivais A novidade na literatura era a satira politica e de costumes consagrada no best-seller de Stanislaw Ponte Preta: "0 Festival de Besteiras que Assola 0 Pais", e, nos poucos numeros da impagavel revista Pif-Paf, de Millar, acompanhado pel os caricaturistas Claudius, Fortuna, Ziraldo e Jaguar. Era 0 germen do que viria a se tornar uma das maiores vozes de combate a ditadura, que foi 0 tabl6ide semanal 0 Pasquim. Os engajados se pretendiam "populares" e se atribuiam 0 merito de serem a manifes- ta~ao do imaginario do povo. Entre novembro e dezembro de 1965, numa pesquisa-piloto sobre htibitos e tendencias. realizada no Estado da Guanabara com 100 entrevistados da populafoo de 12 anos e mais. olBOPE constatou que. pelo menos no consumo dos meios de comunicafoo. 0 Brasil tinha mudado. E muito. ALem de declarar abertamente e sem mais nenhuma vergonha a total preferencia pela telinha. 0 brasileiro ja comefava a achar a televisoo algo fundamental em sua vida. Na area de revistas a certeza de que "Manchete" estava,finalmente, fazendo seria concorrencia a "0 Cruzeiro". J:;; F estivais de mUsica marcaram uma e;:.xa. Torcia-se par mUsicas como par "'.,.,time de futebol. Explicitava-se u.:sa hora as duas grandes tendencias "".',chamado "gosto musical": as !"'": ~GJados e as alienados. A platiia "..-'s:rava sua preferencia no grilo e na .,.:.:..:.Caetano Veloso dizia: "voces nao <::.3J entendendo nada". A MPB era ,,,..::adeiramente um reflexo da _cx.edade. Nafoto, Nana Caymmi e :::::-erto Gil cantavam "Bom dia" no 'i!::~·.·alda Record de 1967 ~_-=--" yo Nacional). "Caminhando e cantando e seguindo a can~ao somos todos iguais, bra~os dados ou nao, nas escolas, nas ruas, campos, constru~oes, caminhando e cantando e seguindo a can~ao. Vem, vamos embora, que esperar nao e saber quem sabe faz a hora (bis) nao espera acontecer. Pelos campos a fome em grandes constru~oes, pelas ruas marchando indecisos cordoes, ainda fazem da flor seu mais forte refrao e acreditam nas flores vencendo 0 canhao. Ha soldados armados, amados ou nao, quase todos perdidos de armas na mao, nos quarteis Ihes ensinam uma antiga li~ao de morrer pela Patria e viver sem razao. Nas escolas, nas ruas, campos, constru~oes, somos todos soIdados, armados ou nao, caminhando e cantando e seguin do a can~ao, somos todos iguais, bra~os dados ou nao. Os amores na mente, as flores no chao, a certeza na frente, a hist6ria na mao, caminhando e cantando e seguindo a can~ao, aprendendo e ensinando uma nova li~ao. Geraldo Vandre, Pra nao dizer que mio fa lei de flares. Afase adulta da televisiio brasileira se caracterizou pela profissionalizafiio de todos os setores, principalmente pela aferi(:iio da preferencia do publico de forma sistematica. a que antes era mero "achismo" passou a con tar com informafoes consistentes. Nesta area, trazendo a experiencia de muitos anos, 0 IBOPE consolidou sua posi(:iio, transformando-se no principal instrumento de programadares, criadores e anunciantes. Este e urn trabalho realizado em novembrv e dezembro de 1964, em 1.800 domidlios com IV no Estado da Guanabara, sobre a opiniiio dos telespectadores a respeito de alguns programas. l~.? de frente da ala dos '~or l!o en tender da turma dos '~~':; . ..1.ospoucos 0 Rei e 0 ~ joram conquistando seu ,... "'-.-=-~al,If muito justo que em ~: 1Ir,:or.entosse deseje que tudo ,_::,. 7Cc"a0 inferno "'Ir-.."'IiE:<r.al). Do outro lado, os meios de comunica~ao de massa, especialmente a televisao, veiculavam urn tipo de cultura baseado na exibi~ao de filmes seriados, os "enlatado~" americanos, e programas musicais, que copiavam similares estrangeiros embalados ao ritmo do is-iS-iS e dapop music. a programa lovem Guarda, comandado por Roberto Carlos, Wanderlea e 0 "tremendao" Erasmo Carlos, combinava rebeldia e ingenuidade e lan~ou uma serie de artistas e grupos musicais, que muitas vezes imitavam integral- mente seus espelhos de sucesso intemacional. Era uma brasa mora! o movimento tropicalista criou a geteia geral que unia os engajados e os alienados, 0 rock e 0 folclore, as rafzes e as injluencias externas. A palavra de ordem era cMcar "aquelas pessoas na saladejantar". (Agenda JB - Foto Ariovaldo Santos) Sem negar nenhum dos lados e ainda agregando outras tendencias universais da cultura de massas, surge em 68 0 Tropicalismo. 0 mo"" explodiu na musica popular, na verdade teve suas origens no cinema, DC artes phisticas e, mais remotamente, no antropofagismo do modemisa Andrade. A frente, Caetano, Oil, Torquato Neto, Capinam e Helio Oitici:a. "Sobre a cabe~a o.savioes Sob os meus pes os caminhoes Aponta contra os chapad6es Meu nariz Eu organizo 0 movimento Eu oriento 0 camaval Eu inauguro 0 monumento No Planalto Central do Pais Viva a Bossa-sa-sa Viva a palho~a-~a-~a-~a-~a Bis o Monumento e de papel crepom e prata Os olhos verdes da mulata A cabeleira esconde atnls da verde mata 0 luar. Na mao direita tern uma roseira Autenticando a eterna primavera Enos jardins os urubus passeiam a tarde inteira Entre os girass6is Viva Maria-ia-ia Viva a Bahia-ia-ia-ia-ia (bis) No pulso esquerdo 0 bang-bang Em suas veias corre muito pouco sangue Mas seu cora~i'io balan~a ao som de urn samba de urn tamborim Emite acordes dissonantes Pelos cinco mil alto-falantes Senhoras e senhores ele p6e os olhos grandes Sobremim Viva Iracema-ma-ma Viva Ipanema-ma-ma-ma-ma (bis) Domingo e 0 fino da bossa Segunda-feira esta na fossa Ter~a-feira vai a ro~a Porem o Monumento e bem moderno Ni'io disse nada do modelo do meu terno Que tudo mais va pro inferno Meu bem Viva a banda-da-da Carrnem Miranda-da-da-da-da (bis)." Tempos de metafora. A cultura brasileira, sob intensa censura, aprende a dizer sem dizer. NOTAS 1. Alencar, Francisco e outros, obra citada, pAg. 326. HEdo amor gritou-se 0 escandalo Do medo criou-se 0 tnigico Na rosa pintou-se 0 palido E niio rolou uma lagrima Nem uma lastima Pra socorrer E na gente deu 0 habito De caminhar entre as trevas De murmurar entre as pregas De tirar 0 leite das pedras De ver 0 tempo correr Mas sob 0 sono dos seculos Amanheceu 0 espetaculo Como uma chuva de petal as Como se 0 ceu vendo as penas Morresse de pena E chovesse 0 perdiio Haja censor! Naquele momento de efervescencia cultural manter tudo sob ce uma tarefa herculea. Espetaculos musicais, cinema, literatura, imprensa n . jomalismo, televisao, festivais de musica, festivais de teatro, antiarte, an . cartoons, posters, charges, 0 humor politico e a imprensa. HFoi em meioa cultural - que 0 te6rico canadense Mac Luhan chamou de 'aldeia global' sobreveio 0 fato politico do Ato Institucional nQ 5. As suas conseqiiencias profundamente a fisionomia cultural do Brasil. Primeiramente, houve uma • nos nossos artistas e intelectuais (niio s6 muitos deles exilados mas tambem em suas pr6prias propostas criadoras), que passaram por urn perfodo de hi que s6 ha poucos anos come~ou a ser rompida. Nossa produ~iio artistica en fase (novamente) escapista: pe~as de teatro faziam alegorias tao rebuscadas seus pr6prios autores as entendiam; letras de musicas enveredavam pela pura ra( ...); 0 Cinema Novo, estrangulado pela censura vigente, morria a mingua, passava a imperar a pomochanchada."J E a prudencia dos sabios Nem ousou conter nos labi05 o sorriso e a paixao Pois transbordando de flores A calma dos lagos zangou ..• A rosa-dos-ventos danou-se o leito dos rios fartou-se E inundou de agua doce A amargura do mar Numa enchente amazonica Numa explosao atlantica E a multidao venda em p' . E a multidiio vendo atonita Ainda que tarde o seu despertar."
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