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68 Unidade II Unidade II 5 ESTABILIDADE DE TALUDES Talude é uma denominação genérica dada a superfícies inclinadas de maciços terrosos, rochosos ou constituídos tanto de terra quanto de rochas. Os taludes podem ser naturais ou artificiais, criados para alguma terraplenagem, como veremos nas figuras a seguir. Figura 45 – Taludes naturais, rochosos e terrosos Figura 46 – Talude artificial terroso, em terraplenagem para rodovia 69 OBRAS DE TERRA Avaliar a estabilidade de taludes, principalmente dos terrosos, requer um conhecimento profundo da composição dos solos que o constituem, bem como a consideração dos seus comportamentos típicos, em decorrência de tensões aplicadas sobre eles, ou deles retiradas. As variações no estado de tensões em um maciço, de terra ou de rocha, tanto podem ser naturais, principalmente devido às inevitáveis transformações das condições climáticas, quanto podem ser causadas pela realização de obras, com acréscimo de cargas ou redução de resistências. Os solos são materiais compostos, constituídos de partículas sólidas, de origem mineral ou orgânica, formados de partículas líquidas, em sua maior parte de água, e de partículas gasosas, geralmente apenas ar da própria atmosfera, cuja proporção varia de modo contínuo, mesmo em condições normais de estabilidade. Para um maciço terroso qualquer, constituído de certa quantidade de partículas sólidas, os valores de partículas líquidas e gasosas, presentes nos espaços vazios entre as partículas sólidas sofrem variações contínuas, sobretudo em função das mudanças das condições climáticas. Sempre que há mais incidência de precipitações e, por isso, maior volume de águas pluviais escoando sobre a superfície do maciço, a quantidade de partículas líquidas aumenta e parte das partículas gasosas é expulsa dos vazios, alterando a proporção entre elas, já que a quantidade de partículas sólidas permanece inalterada. A quantidade de partículas sólidas só será alterada se parte dela for carreada pelas águas pluviais, caso ocorra alguma ruptura do maciço, com desmoronamento ou deslizamento, ou se houver cortes ou aterros para a realização de obra, o que já significa uma alteração no estado de equilíbrio de tensões, cuja previsão é o principal objetivo da análise de estabilidade. 5.1 Equilíbrio de tensões atuantes e resistentes As tensões atuantes nas partículas sólidas são devidas principalmente ao seu peso, às forças de percolação e a eventuais sobrecargas nos maciços. Tais tensões podem ser decompostas em componentes normais (σ) e tangenciais (τ), atuando nas superfícies de cada partícula sólida, como as esquematicamente representadas a seguir. σ τ Figura 47 – Componentes normais (σ) e tangenciais (τ) das tensões atuantes As tensões resistentes são em decorrência basicamente da coesão e do atrito entre as partículas. Assim, enquanto componentes tangenciais das tensões atuam como tensões cisalhantes, que podem 70 Unidade II levar a uma ruptura do maciço por cisalhamento do solo, as componentes normais funcionam elevando a resistência devida ao atrito entre elas. O conjunto dessas tensões em um maciço homogêneo e isotrópico dá origem a uma superfície provável de ruptura e a uma massa de solo, denominada cunha de ruptura, cuja forma genérica veremos na sequência. N P S τ T Cunha de ruptura Figura 48 – Cunha de ruptura de um maciço terroso A ruptura do maciço ocorre se o conjunto das tensões cisalhantes (τ), atuantes na superfície de ruptura, se tornar maior do que o conjunto das tensões resistentes (s). Nesse caso, a cunha se destaca do maciço e se desloca sob ação do seu peso. A influência da água, sobretudo em consequência da infiltração das águas pluviais, fica evidente considerando-se o seu efeito lubrificante, que reduz as tensões resistentes devidas ao atrito entre as partículas sólidas. Paralelamente, o formato das partículas sólidas, que influi diretamente na intensidade da coesão entre elas, por causa das ligações eletrolíticas, como exposto anteriormente, também contribui para gerar tensões resistentes de maior ou de menor intensidade. Tal influência reflete na forma da superfície de ruptura e na magnitude da cunha formada. Para os solos arenosos, cuja ligação eletrolítica é muito fraca em relação ao peso das partículas, as superfícies de ruptura são praticamente planas e as cunhas formadas são pequenas, ou seja, com poucos centímetros de escavação as tensões cisalhantes já superam as tensões resistentes, provocando a ruptura e o deslocamento da cunha, ilustrada esquematicamente a seguir. Cunha de rupturaCunha de ruptura Figura 49 – Superfície e cunha de ruptura de um maciço de solo arenoso 71 OBRAS DE TERRA Os solos com coesão elevada, por desenvolverem tensões resistentes mais elevadas, podem formar cunhas de grandes dimensões e, ao se destacar, são capazes de causar deslocamentos de massas de grandes proporções. Esses deslocamentos, que tecnicamente são denominados movimentos de massas, não ocorrem sempre de forma repentina, ou seja, o reequilíbrio das tensões pode acontecer logo após um pequeno deslocamento da massa. Os tipos de movimentos de massas terrosas ou rochosas, apesar da ampla variedade de possibilidades, costumam ser classificados em alguns grandes grupos com características semelhantes, como os resumidamente descritos a seguir. • Rastejo (creep, em inglês): cujas características são os deslocamentos lentos e superficiais, em camadas aproximadamente paralelas à superfície inclinada do terreno. São movimentos muito lentos, com velocidade de poucos centímetros por ano, sendo perceptíveis apenas por seus efeitos, observados com a presença de árvores inclinadas, por exemplo. As velocidades de tais deslocamentos são um pouco mais elevadas nas épocas das chuvas do que naquelas de estiagem. • Escorregamento (landslide, em inglês): caracterizado por uma ruptura repentina, com um deslizamento rápido da massa de solo ou de rocha destacada do maciço, como a ilustrada a seguir. Figura 50 – Escorregamento em cunha A superfície de destacamento, em geral, pode ser assemelhada a formas geométricas para o estudo de estabilidade. Em rupturas de solos coesivos, a linha que representa a superfície de destacamento pode ser considerada circular. Em solos arenosos, pouco coesivos, essa superfície pode ser considerada plana. A observação e o estudo desse tipo de movimento de massas, desde o início das construções de ferrovias na Suécia, deram origem a diversos métodos de análise de estabilidade de taludes, desenvolvidos a partir do denominado método sueco. 72 Unidade II • Desprendimento ou queda (falls, em inglês): caracterizado pelo destacamento repentino seguido de queda livre ou tombamento de blocos inteiros de fragmentos de rochas ou de terra, às vezes deixando superfícies verticais nos maciços. • Corridas ou escoamentos (flows, em inglês): caracterizam-se pelo deslizamento de grandes massas de solos que se tornaram fluidas, devido ao excesso de água em seu interior. Em geral, esse tipo de movimento ocorre com velocidades razoavelmente altas, durante ou após a incidência de precipitações de elevada intensidade. 5.2 Influência da água na estabilidade de taludes Qualquer que seja o tipo de movimento das massas que se destaca de maciços rochosos ou terrosos, a influência da água é um dos fatores mais importantes para a estabilidade dos taludes, sejam naturais, sejam artificiais. A infiltração e a percolação da água no terreno, através dos espaços existentes entre as partículas sólidas, como já exposto, contribuem tanto para a elevação das tensões atuantes quanto para a redução das tensões resistentes. Nos taludes de maciços naturais, ainda intocados, os destacamentos e movimentos de massas são frequentes, sobretudo por ação das águas pluviais, mas por ação de águas fluviais, nas margens mais íngremes dos rios. Já nos taludes artificiais, aqueles criados por ações humanas para alguma finalidade, como a construção de estradas,de barragens ou em terraplenagens para edificações, entre outras, tais destacamentos e movimentos de massas em geral são previsíveis e devem ser evitados. Considerando que, para as obras de terra, tanto os meios e métodos de execução e controle, quanto os materiais, isto é, os solos e rochas, são definidos para cada obra específica, os fluxos da água no seu interior devem ser objeto de estudo minucioso e criterioso. Conforme o porte da obra e das possíveis consequências de eventuais falhas, os estudos relativos à estabilidade de taludes devem recorrer a experimentos com modelos reduzidos, além das considerações teóricas e analíticas pertinentes, o que constitui um amplo campo de especialização profissional para o engenheiro civil. A percolação da água em maciços terrosos, como exposto anteriormente, pode ser imaginada, representada e analisada por meio dos conceitos de redes de fluxo, constituídas de linhas de fluxo e linhas equipotenciais. Para maciços artificiais, em que os solos selecionados podem ser mais próximos do conceito teórico de meio homogêneo e isotrópico, a análise da sua estabilidade, pelo foco das redes de fluxo, terá maior validade e precisão. 73 OBRAS DE TERRA Contudo, antes da aplicação de métodos adequados de cálculo, que serão apresentados mais adiante, é indispensável a imaginação da situação concreta, com os possíveis e prováveis caminhos das águas através do maciço criado, bem como a representação mental das possíveis formas de evitar sua ação relativa à redução das condições de estabilidade. Nesse contexto, um princípio altamente recomendado pelo livro Mecânica dos solos e obras de terra de (1968), dos professores Mello e Teixeira, algumas das maiores autoridades internacionais no assunto, que parece simples, à primeira vista, mas que tem importância basilar para os projetos de obras de terra, pode ser postulado em duas etapas, quase que textualmente descritas a seguir. • Dificultar ao máximo a infiltração da água nos maciços terrosos criados. • Facilitar ao máximo a saída da água que, inevitavelmente, infiltra e percola através dos maciços terrosos, permitindo que ela escoe provocando o mínimo dano possível. Para dificultar a infiltração das águas pluviais, a solução mais habitual consiste em revestir os taludes com cobertura vegetal, geralmente grama. As bermas, que são como que degraus executados no talude, ilustrada na sequência, têm a função de evitar que a velocidade do escoamento superficial se torne excessiva. As bermas devem conter calhas, junto ao pé do talude de montante, a fim de coletar e conduzir as águas pluviais, de forma a evitar que o volume escoando se torne excessivo e, também, para que o impacto provocado pela redução brusca da velocidade de escoamento não cause erosão. Figura 51 – Bermas, calhas e revestimento vegetal em taludes Para facilitar a saída da água que percola através do maciço, evitando o carreamento de partículas sólidas, as soluções mais habituais são os drenos, constituídos de materiais com elevada permeabilidade, em geral construídos com areia, pedrisco, pedra britada, rachão e até pedras grandes, conforme a necessidade, em graduação crescente. Sempre que possível, para minimizar o carreamento de partículas mais finas, são utilizadas mantas geotêxteis entre o solo do talude e a areia do dreno. É possível concluir, portanto, que a forma mais sensata e eficaz de lidar com a influência da água na estabilidade dos taludes consiste em eliminar ou minimizar tal processo. 74 Unidade II Nesse sentido, o primeiro passo da concepção de um projeto de obras de terra e de todas as demais obras que impliquem movimentos de terra deve consistir em criar condições a fim de dificultar ao máximo a infiltração de água no solo e, ao mesmo tempo, para facilitar ao máximo a sua saída de taludes. 5.3 Análise da estabilidade de taludes A análise da estabilidade de um talude consiste, basicamente, no estudo do equilíbrio entre os principais esforços intervenientes numa massa de solo, que são devidos ao seu próprio peso, às forças originadas pela percolação da água no seu interior e a sua resistência ao cisalhamento. Os métodos de análise podem considerar as tensões atuantes em todos os pontos da massa em estudo, comparando as resultantes de esforços atuantes e resistentes, ou dividir a massa em diversas porções e estudar o equilíbrio da porção considerada em condições mais desfavoráveis. Dentre os métodos mais empregados, destaca-se o método sueco, que na prática representa um conjunto de procedimentos, cujo ponto em comum é partir da consideração de uma superfície de ruptura cilíndrica. Quando o método é aplicado considerando o total dos esforços atuantes e a resistência ao cisalhamento, ao longo de toda a superfície de ruptura, como o representado esquematicamente a seguir, denomina-se método global. R T S Figura 52 – Esforços atuantes (T) e resistência ao cisalhamento (S) A localização do centro da circunferência, que representa, no plano, a superfície cilíndrica de ruptura, depende da resistência por atrito (ϕ) e da coesão (c) do solo que constitui o talude, bem como da inclinação do talude, sendo a sua determinação uma das mais complexas tarefas da aplicação do método. Fellenius, um dos pioneiros e mais importantes pesquisadores da estabilidade de taludes, propôs uma tabela que permite a determinação gráfica desse centro, mas válida apenas para solos puramente coesivos, com ϕ = 0, o que torna a sua aplicação excessivamente restrita, considerando-se que não se encontram solos estritamente argilosos na natureza. 75 OBRAS DE TERRA Na prática, para os solos reais, a definição do centro da circunferência deve ser interativa, ou seja, repetem-se os cálculos a diversos centros de rotação e adota-se aquele cuja circunferência conduz aos resultados mais desfavoráveis, que será denominada circunferência crítica. Em taludes constituídos de solos com coesão e atrito, o método mais utilizado é o das fatias, também conhecido por método das lamelas, que consiste em dividir a massa de solo, definida pela circunferência de ruptura adotada, em fatias, como as representadas na sequência. O P = γ × V P = γ × b × h × 1,00 m N = P × cos α T = P × sen α R b h S N T ρρ ii αi Xn En Xi Xn+1 En+1 Figura 53 – Esforços atuantes e resistentes em cada fatia, ou lamela A análise do equilíbrio do conjunto é realizada com a soma de todas as forças, relacionadas a seguir, calculadas para cada lamela. • P é o peso da lamela. • T é a componente tangencial da resultante das forças atuantes, na direção da superfície de ruptura. • S é a componente tangencial da resistência ao cisalhamento do solo, na direção da superfície de ruptura. • N é a componente da reação do solo normal à superfície de ruptura. • En e En+1 são as componentes horizontais das reações das fatias vizinhas. • Xn e Xn+1 são as componentes verticais das reações das fatias vizinhas. Considerando que o sistema é indeterminado, por ter mais incógnitas do que equações, Fellenius desenvolveu uma solução aproximada, admitindo que as reações das lamelas adjacentes, anterior e posterior, fossem iguais. Assim, as reações, normal e tangencial, na superfície de ruptura da lamela serão: 76 Unidade II N = P × cos α T = P × sen α Os valores das pressões na superfície de ruptura da lamela, com extensão ∆L, para cada metro de espessura de talude, serão: P cos L × ασ = ∆ P sen L × ατ = ∆ O valor da força cisalhante ao longo de toda a superfície de ruptura, para cada metro de espessura de talude, será a soma dos valores obtidos para cada lamela, expressa por: ∑P × senα Já o valor da resistência ao cisalhamento na superfície de ruptura da lamela, com extensão ∆L, para cada metro de espessura de talude, pode ser obtido por: r P cos c tan c tan L × ατ = + σ × ϕ = + × ϕ ∆ r P cos L c L tan L L × ατ × ∆ = × ∆ + × ϕ × ∆ ∆ τr × ∆L = c × ∆L + P × cos a × tan ϕ O valor da resistência ao cisalhamento ao longode toda a superfície de ruptura, para cada metro de espessura de talude, será: ∑[c × ∆L + P × cos a × tan ϕ] Então, o valor do fator de segurança (S) será: [ ]c L P cos tan S P sen Σ × ∆ + × α × ϕ = Σ × α Após repetir esse procedimento para diversos círculos de ruptura, com centros situados nas proximidades do primeiro, é possível observar tendências a fim de definir o círculo crítico, algo que implicaria o menor valor de fator de segurança. 77 OBRAS DE TERRA Muito embora o valor 1,0 para o fator de segurança indique que a força resistente é igual à força atuante, em geral, o talude só é considerado estável quando o menor fator de segurança obtido for maior do que 1,5. Exemplo de aplicação Considere que o solo do maciço de terra apresentado anteriormente, na figura anterior, tem peso específico γ = 17,5 kN/m3, que a largura de cada lamela seja b = 80 cm, e a altura média da lamela hachurada seja h = 3,60 m e que o ângulo α é de 16º. Com base nessas informações e considerando 1,00 m de espessura do talude, na direção perpendicular ao desenho, avalie a seguir: I – O valor do peso da lamela hachurada é P = 50,4 kN. II – O valor da componente desse peso, normal à superfície de ruptura, será N = 50,4 kN. III – O valor da componente desse peso, tangencial à superfície de ruptura, será N = 12,4 kN. É correto o que se afirma: A) Em I, II e III. B) Apenas em I e II. C) Apenas em I e III. D) Apenas em II e III. E) Apenas em I. Resolução I – Afirmativa correta. Justificativa: o valor do peso da lamela hachurada pode ser obtido multiplicando-se o seu volume pelo valor do peso específico do solo. O valor desse volume equivale aquele da área da figura que representa a lamela, que é um trapézio, multiplicado pela espessura e = 1,00 m do maciço. 3V b h e 0,80m 3,60m 1,00m 2,88m= × × = × × = Então, o valor desse peso é 3 S 3 2 kN kNP V 17,5 2,88m 50,4 m m = γ × = × = 78 Unidade II II – Afirmativa correta. Justificativa: o valor da componente do peso da lamela hachurada, normal à superfície de ruptura, equivale ao valor desse peso multiplicado pelo cosseno do ângulo α, formado pela linha perpendicular à superfície de ruptura, no centro da lamela, e pela linha vertical que indica a direção do peso. Como cos 16º = 0,96, o valor de N será: 2 kNN P cos 50,4 0,96 50,384 50,4kN m = × α = × = ≅ III – Afirmativa incorreta. O valor da componente do peso da lamela hachurada, tangencial à superfície de ruptura, equivale ao desse peso multiplicado pelo seno do ângulo α, formado pela linha perpendicular à superfície de ruptura, no centro da lamela, e pela linha vertical que indica a direção do peso. Como cos 16º = 0,24, o valor de N será: 2 kNT P cos 50,4 0,24 12,096 12,1kN m = × α = × = ≅ As afirmativas corretas são I e II, alternativa B. Posteriormente, Bishop desenvolveu uma solução incluindo as reações das lamelas vizinhas, que foi denominada solução generalizada. Considerando as componentes verticais e horizontais de tais reações, representadas por Xn, Xn+1, En e En+1, na figura anterior, o valor devido à pressão neutra (U) e aplicando as condições de equilíbrio de forças nos eixos, vertical e horizontal, e dos momentos em relação ao ponto O, bem como trocando o símbolo (S) do fator de segurança por (F), Bishop chegou à expressão: [ ]n n 1c L cos P V V Ucos tan sen cos tan FF P sen −× ∆ × α + + − − α × ϕΣ αα + × ϕ = Σ × α Observando que a diferença entre Vn-1 e Vn+1 só pode ser avaliada por aproximações sucessivas e verificando que o erro resultante de considerá-las iguais, na avaliação de F, não era superior a 1%, Bishop admite utilizar: ( )n 1 n 1V V tg 0− +Σ − ϕ = 79 OBRAS DE TERRA Assim, o processo interativo passa a referir-se apenas ao coeficiente de segurança (F). Partindo de um valor estimado (Fo), como o valor obtido com a solução simplificada de Fellenius, por exemplo, chega-se a um valor (F1). Se os valores (F1) e (Fo) forem muito diferentes, adota-se um valor intermediário para (Fo) e calcula-se um novo (F1). Essa operação deve repetir-se até que o valor de (F1) seja suficientemente próximo daquele de (Fo) adotado. 6 CONTENÇÃO DE MACIÇOS DE TERRA – EMPUXO 6.1 Generalidades Escavações, aterros e sobrecargas em geral, devidas a edificações, dão origem a acréscimo de esforços ou redução de resistências nos terrenos, cujas componentes horizontais tendem a provocar o deslocamento de parte dessas massas de terra. Empuxo de terra é a denominação dada à resultante desses esforços horizontais, enquanto contenção é a nomenclatura técnica dos elementos estruturais construídos para evitar tais deslocamentos, basicamente resistindo ao empuxo. Considerando uma porção qualquer de solo, situada a uma profundidade (z) qualquer de um maciço terroso em equilíbrio, como a representada em corte esquemático na figura a seguir, ela estará sujeita a uma tensão vertical (σV), em decorrência do peso do solo existente sobre a sua superfície. z h b σV Figura 54 – Tensão vertical atuante sobre uma porção de solo no interior de um maciço Como a porção está confinada no interior do maciço, essa tensão causa tensões laterais em todas as direções, que são equilibradas por tensões iguais e contrárias, ocorridas por causa de toda a massa de solo que a envolve, e que também podem ser decompostas nas direções horizontal e vertical. Qualquer acréscimo de tensão vertical, seja em ocorrência de aterros, seja de outras sobrecargas, causa um acréscimo nas tensões horizontais (σH), representadas em corte esquemático a seguir, que podem provocar tanto a sua deformação quanto o seu deslocamento. A relação entre as tensões verticais e horizontais, para o solo constituinte de um maciço, que recebe a denominação genérica de coeficiente de empuxo, é um dos principais objetos desse estudo. 80 Unidade II z k = σH σV b+∆b ∆h σV σH Figura 55 – Tensão horizontal causada pela tensão vertical atuante em uma porção de solo Porém, o deslocamento dessa porção também pode ser provocado pela redução das reações contrárias, devida à remoção de parte da massa de solo que a envolve, causada por escavações no maciço. A quantificação do empuxo de terra, indispensável para a definição e o dimensionamento de estruturas de contenção, depende essencialmente de uma determinação do coeficiente de empuxo do solo constituinte do maciço. O valor da tensão vertical (σV), em um ponto qualquer de uma camada de solo homogêneo, é igual aquele do peso específico (γ) desse solo, multiplicado pelo valor da profundidade (z) do ponto. O valor da tensão horizontal (σH) decorrente, no entanto, é apenas uma parte do referente ao da tensão vertical (σV), devido à coesão e ao atrito entre as partículas sólidas do solo. Terzaghi, um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento da mecânica dos solos, constatou que a influência da coesão (c) e do ângulo de atrito (ϕ) no valor da tensão de cisalhamento (τ) segue a expressão: c tgτ = + σ × ϕ Com base nesses parâmetros de resistência ao cisalhamento, que podem ser obtidos em ensaios de laboratório, foram desenvolvidos diversos métodos para a determinação de coeficientes de empuxo, seja em estado de repouso, denominado coeficiente de empuxo no repouso (k0), seja para o empuxo que atua sobre contenção, chamado coeficiente de empuxo ativo (ka) ou para o empuxo passivo, que contribui com a contenção para resistir ao empuxo ativo, conhecido como coeficiente de empuxo passivo (kp). Assim, considerando um paramento vertical, suportando um maciço de terra constituído de solo homogêneo, com certo coeficiente de empuxo ativo (ka), como o representado na figura a seguir, o valor da tensão horizontal (σH) sobre esse paramento, em um ponto situado a uma profundidade (z), será: h ak zσ = × γ × 81 OBRAS DE TERRA z h Ea = Ea = Ea = h/3 σh = Ka × yS × h Ea σz σH × h 2 (Ka × γS × h) × h 2 Ka × γS × h 2 2 Figura 56 – Empuxo atuante em um paramento de contenção O diagrama dos valores de tensão horizontal sobreo paramento será representado por um triângulo e o valor do empuxo ativo (Ea), que é uma força, será equivalente ao da área desse triângulo, aplicada no seu baricentro. A concepção e o dimensionamento das estruturas de contenção têm como ponto básico de partida a determinação e a quantificação desse empuxo ativo. Sem a correta definição dessa força atuante e dos possíveis esforços resistentes, todo e qualquer cálculo de equilíbrio estático será inútil. Exemplo de aplicação Considere que o paramento da contenção que deve suportar o maciço de terra apresentado, na figura anterior, tem altura h = 3,45 m, enquanto o valor do peso específico do solo que constitui o maciço é γS = 16,0 kN/m 3, e o valor do seu coeficiente de empuxo ativo seja ka = 0,58. Admitindo que a direção do empuxo ativo do maciço sobre o paramento seja horizontal, determine o seu valor, para cada metro de espessura de maciço, e a distância entre a sua linha de aplicação e a base do paramento. Resolução O diagrama das tensões horizontais que o maciço aplicará sobre o paramento de contenção corresponde a um triângulo, cuja altura é h = 3,45 m e a base equivale a: h a S 3 2 kN kNk h 0,58 16 3,45m 32,02 32,0 m m σ = × γ × = × × = ≅ O valor do empuxo será igual aquele da área desse triângulo multiplicado por e = 1,00 m de espessura do maciço. 2 h a kN32,0 3,45mh mE e 1,00m 55,20kN 2 2 ×σ ×= × = × = 82 Unidade II O baricentro de um triângulo situa-se a 1/3 da altura da base, ou seja, observando a figura, a distância entre a linha de aplicação desse empuxo e a base do paramento será: h 3,45m d 1,15m 3 3 = = = Para melhor compreensão da situação de cada obra específica, é possível classificar os empuxos em três tipos principais, descritos a seguir. • Empuxo de terra, devido ao peso próprio do solo, gerado pela ação produzida pelo maciço terroso sobre as obras com ele em contato. • Empuxo devido a sobrecargas externas ao solo, podendo ser acidentais ou permanentes (tais como: edifícios; piso estrutural; equipamentos; rodovias; tráfego de veículos; estocagem de materiais; obras provisórias; estradas; pontes; estabilização de encostas; fundações; canalizações; saneamento; metrôs, entre outras). São importantes as considerações de sobrecargas especiais de elementos próximos ao talude, à vala ou ao muro. • Empuxo devido à água, isto é, originado de pressões hidrostáticas geradas por condicionantes hidrogeológicas da região, tais como as permeabilidades das várias camadas de solo. Esses esforços devem ser previstos e aliviados por sistemas de drenagem. Cabe ressaltar que dentre os estudos preliminares, anteriores ao projeto propriamente dito, devem ser realizadas análises pertinentes, destacando-se os seguintes pontos: • Levantamento do perfil geológico-geotécnico do terreno. • Investigação do subsolo. • Comportamento provável do solo, tendo em vista sua formação geológica e suas características de resistência e deformabilidade, devido à obra em questão. • Efeito da água, o nível de deformações e tensões. Destaca-se que é importante mapear o entorno à obra para verificar a existência de adutoras (com ou sem rompimento). Tendo em vista a complexidade da questão das contenções, é importante que o engenheiro, além de se fundamentar em sua própria experiência, na bibliografia especializada e em ensaios de laboratório e de campo, conte com o apoio de controle tecnológico e de qualidade, que será de grande valia para o bom andamento do projeto e da obra. 83 OBRAS DE TERRA 6.2 Métodos de dimensionamento A distribuição das tensões ao longo da altura de um elemento de contenção e o valor do empuxo de terra, para o dimensionamento de uma obra geotécnica, podem ser determinados por três classes de métodos, denominados clássicos, modernos ou empíricos, cujas características são descritas a seguir. Métodos clássicos, como os de Rankine e de Coulomb, são fundamentados em teorias que permitem o cálculo de empuxos ativos e passivos com base apenas em parâmetros geotécnicos simples. A simplicidade permite que esses métodos sejam amplamente empregados em projetos para obras de pequeno e médio porte, bem como em anteprojetos para obras com maior vulto. A grande vantagem dos métodos clássicos é que se baseiam apenas nos parâmetros de resistência ao cisalhamento, coesão, ângulo de atrito interno e massa específica, de fácil obtenção, além de serem métodos de dimensionamento direto, isto é, fornecem resultados para aplicação nos cálculos das dimensões da estrutura. Métodos modernos, ou métodos numéricos, que surgiram com o aparecimento dos computadores e continuam a ser desenvolvidos, permitindo levar em conta características de deformabilidade dos maciços e das contenções, dando origem a cálculos de interação entre maciço e estrutura, como o método dos elementos finitos e os baseados no conceito de módulos de reação. Esses métodos exigem uma caracterização dos maciços através de parâmetros geomecânicos, que possam descrever as leis de interação solo-estrutura. Tais parâmetros são mais difíceis de obter, exigindo ensaios mais sofisticados, além da necessidade de aferir os resultados através de medidas de deformações e deslocamentos em estruturas reais. O grande problema é que, em estruturas mais rígidas, como paredes-diafragmas, pequenas deformações podem estar associadas a esforços muito elevados, e pequenas variações nos parâmetros podem provocar variações acentuadas nos resultados. Além disso, os métodos numéricos permitem fazer apenas cálculos de verificação do dimensionamento, exigindo, portanto, um pré-dimensionamento que, quase sempre, é feito a partir do emprego dos métodos clássicos. Métodos empíricos, que se valem de medições feitas em modelos, dentre os quais cabe destacar o que foi publicado por Marcel e André Reimbert, em 1969, para materiais pulverulentos (não coesivos), além de modelos ensaiados em centrífugas. As estruturas de contenção constituem um dos campos mais amplos e, ao mesmo tempo, complexos das obras de terra. Novas pesquisas, bem como novas tecnologias de execução, permanecem em constante desenvolvimento, representando um promissor campo de espacialização aos novos engenheiros. 84 Unidade II Lembrete Os principais processos clássicos abordados e seus respectivos coeficientes de empuxo são: Empuxos nas condições de repouso (E0), empuxo ativo (Ea) e empuxo passivo (Ep); além de coeficiente de empuxo em repouso (K0), coeficiente de empuxo ativo (Ka) e coeficiente de empuxo passivo (Kp). 6.2.1 Módulo de elasticidade Os empuxos gerados no maciço podem ser determinados, de acordo com os fundamentos da teoria da elasticidade, com base no comportamento do solo em relação à sua deformabilidade. Submetendo-se um corpo de prova de certo material a tensões de compressão normal, como no ensaio ilustrado na sequência, este sofre deformações, encurtando-se. A deformação (ε), que representa o valor do encurtamento dividido pelo valor do comprimento inicial, é proporcional à tensão (σ) atuante na sua seção transversal, até o limite do regime elástico. Esta hipótese básica reflete a lei de Hooke, que define o módulo de elasticidade (E), ou módulo de Young, que é expresso pela função: E σ= ε A B R h dR ∆h C D σ σ ε Figura 57 – Ensaio de compressão axial para determinação da deformação Ainda que os solos não sejam materiais perfeitamente elásticos, sobretudo por serem constituídos de partículas sólidas, líquidas e gasosos, em proporções variáveis, é possível observar no gráfico de σ x ε, na figura anterior, que há regiões em que, de acordo com Caputo e Caputo (2017a), é possível adotar um módulo de elasticidade (E), representado pelo segmento de A para B, indicando um módulo inicial semelhante ao da Lei de Hooke, um módulo secante de A para C e outro tangente de C para D. 85 OBRAS DE TERRA O coeficiente de Poisson (µ) é o parâmetro que reflete a relação entre as deformações do solo nos sentidos horizontal e vertical do carregamento.horizontal vertical deformação deformação ∆µ = ∆ = h v ε ε logo, h v . ε = µ ε A seguir apresentaremos os valores de módulos de elasticidades para argilas sedimentares saturadas, em solicitações rápidas, sem tempo para drenagem, bem como os valores de consistência das argilas em função da resistência à compressão. Tabela 5 – Módulos de elasticidade típicos de argilas saturadas em solicitação não drenada Consistência média Módulo de elasticidade Consistência da argila em função da resistência à compressão MPa kN/m²(kPa) kPa Muito mole < 2,5 < 2500 < 25 Mole 2,5 a 5 2500 a 5000 25 a 50 Consistência média 5 a 10 5000 a 10000 50 a 100 Rija 10 a 20 10000 a 20000 100 a 200 Muito rija 20 a 40 20000 a 40000 200 a 400 Dura > 40 > 40000 > 400 Adaptada de: Pinto (2002). Os módulos de elasticidade típicos para areias, apresentados na sequência, de acordo com ensaios desenvolvidos por Pinto (2002), correspondem à situação drenada, pois a permeabilidade é alta em relação ao tempo de aplicação das cargas. Tabela 6 – Módulos de elasticidade típicos de areias em solicitação drenada (para tensão confinante de 100 kPa) Descrição quanto à compacidade Módulo de elasticidade (MPa) Fofa Compacta Areias de grãos frágeis, angulares 15 35 Areias de grãos duros, arredondados 55 100 Areia (SP), bem graduada, pouco argilosa 10 27 Adaptada de: Pinto (2002). 86 Unidade II Dividindo-se os valores de tensão vertical (σv) pelos de tensão horizontal (σh), tem-se uma superposição dos efeitos elasticidade do material (E µ). Assim, é possível obter uma proporcionalidade entre a tensão vertical, em decorrência do peso do solo, e a tensão horizontal gerada na direção horizontal, em tensão efetiva. Observação O empuxo de terra pode ser ativo ou passivo, conforme sua atuação em relação à massa de solo que pode se destacar do maciço. Quando ele atua no sentido de empurrar o paramento da contenção, é denominado empuxo ativo. Já quando contribui com a contenção para evitar o deslocamento, como no caso das fichas de cortinas, é denominado empuxo passivo. Os coeficientes de empuxo ativo (ka) e de empuxo passivo (kp), utilizados para determinar os valores das tensões horizontais (σh) no solo, por causa da profundidade (z), são obtidos em função da coesão e do atrito interno entre as partículas sólidas do solo. A tabela a seguir apresenta valores de coeficientes de empuxo ativo (ka) e de empuxo passivo (kp) para alguns valores de ângulo de atrito interno (φ) Tabela 7 – Coeficiente de empuxos ativos Ka e passivos Kp em função do ângulo de atrito interno φ φ Sen φ Ka Kp 0 0,000 1,000 1,000 5 0,087 0,826 1,211 10 0,174 0,704 1,420 15 0,259 0,589 1,698 20 0,342 0,490 2,041 25 0,423 0,405 4,469 30 0,500 0,333 3,000 35 0,574 0,271 3,690 40 0,643 0,217 4,608 45 0,707 0,172 5,814 Fonte: Verruijt (2018, p. 25). 87 OBRAS DE TERRA 6.3 Comportamento das tensões horizontais em função da profundidade O diagrama de pressão efetiva lateral (σh) do solo em função da profundidade, para solos não saturados, como já exposto, corresponde a um triângulo, como o representado na sequência. NT o’ σv E h/3 h o σn = K . σv Figura 58 – Diagrama de tensões horizontais, com o empuxo resultante Para maciços com solos saturados, a pressão neutra deve ser considerada. O diagrama de pressões corresponde à superposição dos efeitos da pressão devida ao solo e à água, cujos valores são obtidos com a multiplicação do valor do peso específico da água (γa) pelo valor da profundidade (z), representada a seguir. NT NT = NA EE0 h/3 h k0 . γ . h k0 . γsub . h γa . h Figura 59 – Diagrama de pressões horizontais em repouso devido apenas à tensão efetiva (A) e com pressão neutra Para maciços de terraplenos com sobrecargas uniformemente distribuídas, com intensidade q, o valor dessa sobrecarga pode ser substituído pelo de uma altura equivalente (h0) do solo da camada, como a representada na figura da sequência. 88 Unidade II O valor dessa altura equivalente (h0), para uma camada de solo com peso específico (γS), pode ser obtido a partir da igualdade do valor da pressão (p) na superfície do solo, com o valor da sobrecarga (q), da forma descrita a seguir. S 0 0 S q p k h q h k = × γ × = ⇒ = × γ h0 h q σ0 = Ka × yS × h0 σh = Ka × yS × (h0 + h) Ea h0 + h 3 Figura 60 – Diagrama de tensões com sobrecarga no terrapleno Exemplo de aplicação O paramento de certa contenção, que será construída para suportar um maciço de terra, terá 4,20 m de altura. O solo que constitui o maciço tem peso específico γS = 17,5 kN/m 3 e o valor definido para o seu coeficiente de empuxo ativo é ka = 0,56. A superfície do maciço a ser contido é horizontal e faz parte de um depósito de materiais diversos, cujo peso pode ser considerado como uma carga distribuída, com valor máximo que pode chegar a 10 kN/m2. Admitindo que a direção do empuxo ativo do maciço sobre o paramento dessa contenção seja horizontal, determine, para cada metro de espessura de maciço, os valores relacionados a seguir. A) O valor da tensão horizontal (σ0) sobre o paramento da contenção, no nível da superfície do maciço. B) O valor da tensão horizontal (σh) sobre o paramento, no nível da base da contenção. C) O valor do empuxo ativo (Ea) sobre o paramento. D) O valor da distância (d) da linha de ação do empuxo ativo em relação à base da contenção. 89 OBRAS DE TERRA Resolução A) O valor da tensão horizontal (σ0) sobre o paramento da contenção, no nível da superfície do maciço, equivale ao da sobrecarga (q) multiplicado pelo valor do coeficiente de empuxo ativo (ka) do solo. 0 a 2 2 kN kNk q 0,56 10 5,6 m m σ = × = × = B) O valor total da tensão horizontal (σh) sobre o paramento, no nível da base da contenção, equivale à soma de dois componentes, o valor da tensão horizontal (σ0) devida à sobrecarga (q) e o valor da tensão horizontal (σhs) em decorrência apenas do peso de solo, na profundidade h = 4,20 m. h 0 hs a s2 kN5,6 k h m σ = σ + σ = + × γ × h 2 3 2 kN kN kN5,6 0,56 17,5 4,20m 41,2 m m m σ = + × × = C) O valor do empuxo ativo (Ea) sobre o paramento, para cada metro de espessura do maciço, equivale ao valor da área do diagrama de tensões, que é representado pela figura de um trapézio. 2 2 0 h a kN kN5,6 41,2 m mE h 1,00m 4,20m 1,00m 98,3kN 2 2 +σ + σ= × × = × × = D) O valor da distância (d) da linha de ação do empuxo ativo em relação à base da contenção pode ser obtido determinando-se o valor da altura (h0) do diagrama equivalente ao valor da carga sobre o maciço. 2 0 a S 3 kN10q mh 1,02m kNk 0,56 17,5 m = = = × γ × O valor dessa distância será: 0h h 1,02m 4,20md 1,68m 3 3 + += = ≅ Para maciços com diferentes camadas de solos, os diagramas de cada camada de solo devem ser definidos de forma independente e cada uma delas passará a ser considerada como sobrecarga para a camada subjacente, esquematicamente representadas a seguir. 90 Unidade II NT h1 h2 γ1 γ2 ϕ1 ϕ2 Ka1 Ka2 Ka1 × γ1 × h1 Ka2 × γ2 × h2 Ka2 × γz × h2 Figura 61 – Diagrama de tensões considerando ocorrência de várias camadas (Ex. φ2 > φ1) Assim, a camada 1 atuará como sobrecarga: q1 = γ1 × h1 Em relação ao solo da camada 2, atuará como sobrecarga: q1 = γ2 × h0 1 h' 1 1 0 2 2 q h ×γ= = γ γ 1 h' 1 h 0 a2 2 a2 2 2 a2 2 a2 2 22 2 h k k h k k h ×γσ = × × γ + × γ × = × × γ + × γ × γ h a2 1 1 a2 2 22 k h k h σ = × γ × + × γ × Para maciços com diferentes camadas de solos e com lençol freático a uma profundidade menor do que a altura do maciço (z < H), além das superposições já mencionadas, deve ser considerado o valor do peso específico efetivo do solo abaixo da superfície do lençol freático, ou seja, o valor do peso específico saturado do solo menos o valor do peso específico da água (γ’ = γsat - γw), como esquematicamente representado na sequência. Lençol freático H1 H2 H q K0q K0(q + γ H1) K0(q + γ H1 + γ’H2) (γwH2) uσ’h z γ c’ φ‘ γsat c’ φ‘ Figura 62 – Empuxo de terraem reúso com lençol freático localizado a uma profundidade z < H 91 OBRAS DE TERRA Lembrete Com relação ao empuxo devido à pressão da água, é importante ter em mente que, sempre que possível, o ideal é evitá-lo. Para tanto, deve-se minimizar a possibilidade de infiltração de água no maciço a ser contido e, por outro lado, facilitar ao máximo a saída da água infiltrada entre o maciço e o paramento da contenção. 6.4 Sistemas de drenagem para estruturas de contenção Os dispositivos de drenagem visam tanto minimizar a infiltração de água nas proximidades da contenção quanto facilitar ao máximo a sua saída, evitando seu acúmulo e reduzindo ou até eliminando as pressões da água na estrutura. Os dispositivos mais usuais são representados em corte esquemático na figura a seguir. Para evitar que as águas pluviais, que escoam sobre a superfície do terreno, penetrem entre a contenção e o maciço, são empregadas canaletas de concreto, junto ao topo da contenção, que coletam e conduzem essas águas para alguma rede de drenagem. Observação Para a parcela de águas pluviais que inevitavelmente infiltra no terreno, é indispensável um dreno de pedra britada, pedrisco e areia no pé da contenção, que deve obedecer ao critério de filtro, ou seja, graduação crescente do maciço para a contenção, e ter saídas para outra calha, construída no lado oposto ao maciço, denominadas barbacãs. Conforme as vazões máximas previstas para essas águas pluviais, pode ser necessária a instalação de um dreno vertical, normalmente de areia, entre o maciço e a contenção, com diversas linhas de barbacãs. A função desses drenos verticais é criar uma rede de fluxo de percolação mais ampla no interior maciço terroso, que possibilita uma melhor distribuição e, por isso, certo alívio nas tensões de percolação. A fim de evitar o carreamento de partículas finas do solo contido, pelas águas drenadas, é comum utilizar mantas geotêxteis entre os drenos e o maciço. 92 Unidade II Infiltração Talude Canaleta Dreno de areia Dreno de brita Reaterro Talude de escavaçãoBarbacã Base Barbacãs Figura 63 – Rede de fluxo gerada pelo sistema de drenagem 7 CONCEPÇÃO DE MUROS DE ARRIMO E CONTENÇÕES A consideração básica, ponto de partida para a concepção de estruturas de contenção de um terreno, é a de que toda e qualquer edificação provoca alterações no estado de equilíbrio desse terreno. A partir daí, por mais óbvio que pareça, para todas as demais ponderações, é indispensável um conhecimento claro do terreno em questão, da sua natureza e do seu estado, ainda que o nível desse conhecimento seja apenas o mínimo necessário, adequado ao porte da obra a ser realizada. As questões iniciais básicas, anteriores e pressupostos para a definição da forma de conter os efeitos, devem ser as relativas à identificação correta de todas as mudanças que serão causadas pela obra no referido estado de equilíbrio. Elas estão resumidas a seguir: • Novas tensões que serão aplicadas no terreno. • Resistências que serão suprimidas durante e depois da obra. • Movimentos que podem ser causados pelas mudanças, tanto no solo quanto nas águas, sejam pluviais, sejam do lenço freático. • Formas e meios mais adequados para complementar os devidos esforços resistentes, na situação particular da obra em estudo. 93 OBRAS DE TERRA A magnitude das consequências de decisões incorretas ou insatisfatórias, nesse segmento, pode depender do porte da estrutura de contenção, mas não a sua importância. Considerações corretas e completas em relação a essas questões iniciais são indispensáveis para concepção de uma solução eficaz, segura e, também, econômica. Começar o presente estudo utilizando muros de arrimo é uma decisão proposital, já que é na realização dessas obras de pequeno porte em que normalmente mais se costumam negligenciar tais considerações, confundindo-se economia com baixo custo. Nas pequenas obras é também possível que se concentre a maior quantidade de incidentes e acidentes, tanto em fase de construção quanto depois, durante a sua vida supostamente útil. Para as inúmeras obras de pequeno porte e aparentemente pouca importância, como a representada na sequência, são ainda mais relevantes os conhecimentos básicos acerca do comportamento dos solos, em função de sua constituição e estado, vistos em tópicos anteriores. 102,80 100,10 PNT RN = 100,00 2, 70 2, 70 1, 50 .9 0 Figura 64 – Corte do terreno e muro de arrimo para uma pequena construção Face à escassez de recursos para realização de ensaios de laboratório, as previsões e considerações iniciais corretas, às vezes fundamentadas apenas em análise visual táctil, aliadas à prudência e a coeficientes de segurança mais elevados, podem levar a soluções mais adequadas e econômicas, sem deixar de ser eficazes e seguras, em curto, médio e longo prazos. Muito embora não seja fácil criar um roteiro nem mesmo um elenco de previsões e considerações necessárias, imaginar a sequência de execução pode ser o guia ideal. Para o exemplo representado na figura anterior, supondo que o solo a ser contido seja arenoso, o corte vertical do terreno e depois a construção do muro, como indicado, não pode ser a ordem de execução devido à falta de coesão. 94 Unidade II Será necessário, portanto, a verificação do que existe no terreno do vizinho, a sua permissão, para fazer um corte com talude inclinado e, depois da construção do muro, a realização do reaterro para recomposição daquele terreno. Antes disso, será inútil definir e dimensionar qualquer tipo de contenção. Se fosse uma obra de maior porte, a solução adequada poderia ser, por exemplo, uma cortina tipo estaca-prancha, como será visto mais adiante. Para definir e dimensionar a solução, é preciso considerar as tensões que serão aplicadas na contenção, das quais, nesse caso, a principal é a pressão do maciço de terra e seu correspondente empuxo. Como os solos arenosos são bastante permeáveis, as águas pluviais terão grande influência no valor da pressão (p) e do empuxo (E) sobre esse murro, esquematicamente representados a seguir. EmpuxoEmpuxo p = pp = psolosolo + p + páguaágua Figura 65 – Diagrama de pressões e empuxo do maciço saturado sobre o muro Essa consideração já permite lembrar que, nessa situação, é totalmente desnecessário resistir à pressão d’água. O ideal é providenciar a drenagem do maciço, criando um caminho para facilitar o escoamento das águas pluviais, com tubos e drenos de pedra e areia, como o representado na sequência. Dreno Empuxo do solo Tubo pS = kaγS z Figura 66 – Diagrama de pressões e empuxo sobre o muro, com o maciço drenado 95 OBRAS DE TERRA Os valores da pressão máxima (pmáx) e do empuxo ativo (Ea) do solo são determinados em função da altura (h) do maciço, do peso específico (γS) do solo e do seu coeficiente de empuxo ativo (ka) pelas expressões a seguir. 2 a S máx a S a k h p k h e E 2 × γ ×= × γ × = O valor do coeficiente de empuxo ativo (ka) depende do ângulo de atrito interno e da coesão do solo e raramente apresenta valores superiores a 0,45. O valor do peso específico (γS) depende do estado de compacidade ou de consistência do solo e apenas para areias muito compactas chegam a atingir valores próximo a 2,0 tf/m3. Em casos mais simples, como o desse pequeno muro de arrimo, em que dados de ensaios laboratoriais não são acessíveis, o valor correto da altura (h) do maciço a ser contido é muito mais significativo para o cálculo do valor do empuxo (Ea) do que a precisão dos demais números, desde que adotados com a devida cautela, a favor da segurança. Exemplo de aplicação Com relação ao muro de arrimo representado na figura anterior, em que o terreno natural é constituído de um solo arenoso compacto, admitindo valores de peso específico γS = 2,0 tf/m 3 e de coeficiente de empuxo ativo ka = 0,50, avalie as afirmativas a seguir. I – Considerando que o valor da altura máxima do corte do terreno que esse muro deve suportar seja h =1,50 m, os valores da pressão máxima e do empuxo do maciço de terra contido, por metro de extensão de muro, serão cerca de p = 1,50 tf/m2 e E = 1,125 tf. II – Supondo que o valor real do peso específico desse solo arenoso fosse γS = 1,8 tf/m 3 e que o do coeficiente de empuxo ativo fosse ka = 0,41, os valores da pressão máxima e do empuxo do maciço de terra contido, por metro de extensão de muro, seriam cerca de p = 1,12 tf/m2 e E = 0,83 tf. III – Se o valor da altura máxima do corte do terreno que esse muro deve suportar fosse h = 1,80 m, o valor do empuxo do maciço de terra, por metro de extensão de muro, seria cerca de E = 1,62 tf, ou seja, quase o dobro do obtido com os supostos valores reais de γS e de ka. É correto o que se afirma: A) Em I, II e III. B) Apenas em I e II. C) Apenas em I e III. 96 Unidade II D) Apenas em II e III. E) Apenas em I. Resolução I – Afirmativa correta. Justificativa: para a altura h = 1,50 m, o valor da pressão máxima será: máx a S 3 2 tf tfp k h 0,50 2,0 1,50m 1,50 m m = × γ × = × × = O valor do empuxo depende da área de aplicação da pressão do maciço. Para cada metro de extensão do muro, o seu valor será: ( )22 3 a S a tf0,50 2,0 1,50mk h mE 1,00m 1,125tf 2 2 × ×× γ ×= = × = II – Afirmativa correta. Justificativa: para a altura h = 1,50 m, com γS = 1,8 tf/m 3 e ka = 0,41, o valor máximo da pressão seria: máx a S 3 2 tf tfp k h 0,41 1,8 1,50m 1,12 m m = × γ × = × × ≅ O valor do empuxo, para cada metro de extensão do muro, seria: ( )22 3 a S a tf0,41 1,8 1,50mk h mE 1,00m 0,83tf 2 2 × ×× γ ×= = × ≅ III – Afirmativa incorreta. O valor do empuxo, para cada metro de extensão do muro, para a altura h = 1,80 m, com γS = 2,0 tf/m 3 e ka = 0,50, seria: ( )22 3 a S a tf0,50 2,0 1,80mk h mE 1,00m 1,62tf 2 2 × ×× γ ×= = × ≅ 97 OBRAS DE TERRA O valor do empuxo, para cada metro de extensão do muro, para a altura h = 1,80 m, com γS = 1,8 tf/m 3 e ka = 0,41, seria: ( )22 3 a S a tf0,41 1,8 1,80mk h mE 1,00m 1,20tf 2 2 × ×× γ ×= = × ≅ O valor do empuxo, calculado com os valores de γS e ka superestimados é apenas cerca de 36% maior do que o calculado com os valores supostos como reais. As afirmativas corretas são I e II, alternativa B. Para obras de contenção de maciços terrosos de médio e grande portes, o conhecimento do solo e do subsolo do terreno, bem como os ensaios de laboratório devem ser bem mais profundos e extensos do que para pequenas obras, semelhantes à tratada há pouco. Contudo, apesar da maior quantidade de profissionais especialistas e de recursos disponíveis para a definição, o dimensionamento e o detalhamento de soluções, a linha de raciocínio é basicamente a mesma. Em primeiro lugar é indispensável imaginar o comportamento do maciço de terra, em função de sua constituição, na situação específica da obra. Nesse sentido, é preciso distinguir se a instabilidade desse maciço será resultado de um aterro compactado ou de um corte no terreno natural. 7.1 Contenções em cortes do terreno natural No caso de cortes no terreno, para terraplenagem ou a construção de andares subterrâneos para garagem de edifícios, por exemplo, é importante considerar a presença do lençol freático, bem como a magnitude e a forma da cunha de ruptura do maciço, ilustradas em corte esquemático na sequência, que dependem da constituição do solo. Para solos arenosos, devido à baixa coesão, as cunhas apresentam superfície plana e se rompem logo nos primeiros centímetros de escavação. Para os solos argilosos, com coesão elevada, as cunhas demonstram superfície côncava e podem ter até alguns metros de altura antes de atingir a ruptura. Cunha de Cunha de rupturaruptura Cunha de Cunha de rupturaruptura Solos arenosos (baixa coesão) Solos argilosos (coesão elevada) Figura 67 – Cunha de ruptura de maciços de terra 98 Unidade II Do elenco de soluções possíveis para estabilizar o maciço resultante, a primeira e mais simples pode ser utilizada nos dois casos, tanto para solos arenosos quanto para os argilosos. Essa solução consiste basicamente em apenas remover a cunha de ruptura, finalizando o maciço com taludes, como o ilustrado a seguir, que podem ser mais íngremes em solos argilosos. Figura 68 – Corte do terreno natural, em talude Soluções com cortes verticais no terreno, para construção posterior da estrutura de contenção, ilustradas em corte esquemático na sequência, são possíveis apenas em solos muito coesivos, mesmo assim, com muita cautela, para pequenas alturas e em segmentos não muito extensos. Figura 69 – Escavação completa e, depois, execução da contenção É o caso de alguns muros de arrimo e também de contenções de concreto projetado, cuja execução requer equipamentos específicos, mão de obra especializada, planejamento e controle bem detalhados. Para solos com baixa coesão, as soluções mais usuais são as cortinas estaca-prancha, em que a escavação e a contenção são intercaladas, feitas em trechos de pequena profundidade, quase que ao mesmo tempo. Esse tipo de contenção é bastante utilizado para escavações em terrenos urbanos, onde qualquer ruptura pode afetar edificações vizinhas, como a ilustrada a seguir, independentemente do tipo de solo a ser contido. 99 OBRAS DE TERRA Figura 70 – Cortina estaca-prancha para corte vertical do terreno natural Esse processo começa com a cravação de perfis metálicos no terreno, em todo o perímetro a ser escavado, com espaçamento entre eles determinado em função dos valores do empuxo do maciço que a cortina deve suportar. A seguir, a escavação tem início, sendo intercalada com a colocação de pranchas horizontais entre os perfis metálicos, para evitar o deslizamento do solo não escavado, como representado em corte esquemático na sequência. Perfis metálicos Pranchas de madeira ou de concreto Figura 71 – Sequência de execução de cortina estaca-prancha Observação Os painéis compostos de pranchas, de madeira ou pré-fabricadas de concreto, que suportam diretamente o empuxo do maciço, são suportados pelos perfis metálicos, que funcionam como vigas verticais em balanço, engastadas no terreno. A extensão desse balanço, ou altura livre, tem limites, que são definidos pela capacidade do engaste, isto é, da ficha, que é a denominação da parte do perfil metálico que permanece enterrada, representada na figura a seguir. 100 Unidade II Para escavações profundas, as cortinas precisam de vínculos de apoio intermediários, em geral a cada 3,00 m de profundidade, aproximadamente, que são criados com tirantes de cabos de aço, devidamente ancorados por buchas de concreto no terreno natural. Eativo Tirantes Bucha Figura 72 – Sequência de execução de cortina estaca-prancha A principal limitação para o uso de cortinas estaca-prancha é a presença do lençol freático. Entre as pranchas justapostas ficam pequenos vãos, pelos quais a água do lençol freático pode escoar, inclusive carreando partículas mais finas do terreno. Como essa água atrapalha a escavação, a primeira ideia que costuma ocorrer é a sua remoção, utilizando bombas para fazer com que a vazão do escoamento de retirada seja maior do que a vazão de entrada da água no terreno, ilustrada em corte a seguir. Figura 73 – Remoção da água que atravessa a cortina estaca-prancha Ainda que possível, essa é uma ideia simplória, ou seja, que resolve um pequeno problema imediato, mas cria outro problema muito maior, algumas vezes sem solução. Com uma visão um pouco mais ampliada, é possível imaginar que o lençol freático envolve toda a obra. Enquanto se retira a água que escoa para dentro da obra, vinda de todo o seu perímetro, do lado de fora estará ocorrendo um rebaixamento do lençol freático. Como esse rebaixamento é relativamente rápido em relação às variações naturais, em consequência das chuvas e das estiagens, a superfície do lençol se torna curva, ficando tanto mais baixa quanto mais próxima da contenção, como a ilustrada em corte esquemático a seguir. 101 OBRAS DE TERRA A retiradade água dos espaços vazios do solo dos terrenos vizinhos provoca o seu adensamento, principalmente se forem solos arenosos. Se houver construções com fundações diretas nesses terrenos, elas sofrerão recalques. Como o rebaixamento do nível do lençol freático não é uniforme, os recalques das peças de fundação direta serão diferentes, ou seja, a edificação sofrerá recalques diferenciais, que causarão fissura, trincas ou rachaduras. Adensamento e recalque diferencial Figura 74 – Rebaixamento do lençol freático na vizinhança Para terrenos em que o nível do lençol freático é alto, a solução ideal, se não a única, é a parede diafragma. Conceitualmente, esse método consiste em construir um perímetro estanque para a obra inteira, antes de dar início à escavação. É como erguer uma grande caixa de concreto, para impedir que a água do lençol da vizinhança escoe para dentro dele durante a construção. A execução da parede de concreto armado, moldado in loco, é feita por segmentos, denominados lamelas, com extensões que variam de acordo com o equipamento utilizado, geralmente em torno de 3,00 m, e com espessuras e profundidades requeridas pelo projeto. O equipamento usado para escavar o local em que a parede será moldada é um clamshell, ilustrado na sequência. Figura 75 – Clamshell escavando vala para parede diafragma A execução das lamelas é feita em espaços intercalados e, a fim de impedir que o local escavado para a sua moldagem desmorone, ou seja invadido pela água do lençol freático, é utilizada lama bentonítica, ou uma lama sintética, mantendo-o cheio durante todo o tempo da execução. Na sequência veremos, em cortes esquemáticos, a etapa de escavação do local da lamela. 102 Unidade II Execução intercalada Escavação de vala protegida com lama Escavação completa Figura 76 – Cortes longitudinais e transversais da escavação de uma lamela Ao final da escavação, é instalada a armadura e iniciada a concretagem. Utilizando uma mangueira e um grande funil, denominado trépano, o concreto é despejado no fundo da vala. Como o concreto tem densidade maior do que a da lama, ele a empurra para cima, como ilustrado anteriormente. Ao mesmo tempo, a lama é recolhida para as próximas aplicações. Colocação da armadura Concretagem Figura 77 – Cortes transversais da colocação da armadura e da concretagem da lamela Com as lamelas prontas, fechando todo o perímetro da obra, tem início a escavação do terreno, a remoção da terra escavada e da água do lençol freático apenas da parte interna, bem como a execução dos tirantes à medida que sejam necessários, ilustrados nas figuras a seguir. Contenção pronta Escavação e tirantes Bucha Figura 78 – Cortes transversais da parede pronta, da escavação e da execução de tirantes 103 OBRAS DE TERRA A) B) Figura 79 – Escavação, execução de tirante e tirantes prontos e travados A remoção da água do lençol freático da parte interna às paredes, em conjunto com a remoção da terra para a execução da obra, ilustrada na sequência, pouco afeta o nível do lençol freático fora do perímetro. A percolação pelo fundo da escavação, apenas por baixo da fixa, é bem mais lenta do que o escoamento direto, através de uma cortina estaca-prancha. Figura 80 – Corte transversal da parede pronta, da escavação e da execução de tirantes 7.2 Contenções em aterros A concepção de contenções para maciços de terra criados por aterros, em terraplenagens de estradas ou para a regularização da superfície de terrenos a outras finalidades, tais como aeroportos, indústrias, conjuntos habitacionais ou pequenas residências, deve levar em conta considerações teóricas semelhantes às já apresentadas. Ao mesmo tempo, talvez até mais do que antes, o guia ideal continua sendo a imaginação da sequência de execução da obra, já que, nesses casos, o maciço terroso a ser contido não é um existente, mas que ainda será criado. Para esse tipo de contenção, a gama de soluções conhecidas é bem mais ampla, bem como são bem maiores as possibilidades de criar novas soluções. E essa oportunidade não é apenas para especialistas, 104 Unidade II mas, dependendo do porte da obra, para todo engenheiro civil que saiba utilizar os conhecimentos básicos a respeito do comportamento dos solos. O equacionamento das tensões e do empuxo aplicados pelo maciço, para essas contenções, representados em corte esquemático a seguir, além de bem conhecido, não é demasiadamente complexo. z h Ea = Ea = Ea = h/3 σh = Ka × yS × h Ea σz σH × h 2 (Ka × γS × h) × h 2 Ka × γS × h 2 2 Figura 81 – Corte transversal com os esforços aplicados na contenção para um aterro Considerando que esse aterro ainda será executado, os valores do seu peso específico (γS) e do coeficiente de empuxo ativo (ka), necessários para o cálculo do empuxo, são definidos pelo projeto, conforme o solo a ser utilizado. Com relação aos esforços resistentes, no entanto, é decisiva a influência da concepção da contenção. Os possíveis movimentos da estrutura em função dos esforços atuantes são representados esquematicamente na sequência. 1) tombamento: resultante dos momentos em relação ao ponto A A 2) escoamento: resultante dos esforços horizontais 3) afundamento: resultante dos esforços verticais Figura 82 – Movimentos de uma contenção em função dos esforços aplicados por um aterro Como o maciço terroso ainda vai ser construído, ou seja, será um aterro compactado camada por camada, a sua estrutura de contenção pode ter, por exemplo, a forma representada, em corte esquemático, exibida a seguir. 105 OBRAS DE TERRA Aterro compactado RN 100,00 PNT Figura 83 – Contenção do tipo cantiléver, misto de flexão e gravidade, para aterros Com esse tipo de contenção, bastante conhecida como cantiléver, parte do próprio maciço terroso pode também contribuir decisivamente na composição dos esforços resistentes aos três tipos de possíveis deslocamentos. O peso do volume de terra sobre a base da estrutura eleva o valor do momento resistente em relação ao tombamento. Contribui ainda para elevar o valor da força de atrito em comparação ao escorregamento, tanto pela elevação da força normal quanto da área de contato em que essa força aturará. O valor da área da base tem também grande contribuição para o equilíbrio das tensões verticais com a tensão admissível do solo natural, no que se refere ao afundamento da estrutura de contenção. Todos esses esforços atuantes e resistentes, obtidos com uma estrutura bem mais econômica do que com um muro de arrimo maciço, equivalente em termos de estabilidade, são representados em corte na sequência. Pcontenção 2 Fatrito σ2 σ1 Pcontenção 1 Eativo h h/3 Paterro Figura 84 – Composição de esforços para uma contenção do tipo cantiléver para aterros 106 Unidade II Exemplo de aplicação A figura a seguir representa o corte esquemático de um aterro compactado, bem como do muro tipo cantiléver imaginado para a sua contenção, que serão executados em um lote de um distrito industrial, para a construção de um galpão sem uso definido. Aterro com entulho Silte arenoso medianamente compacto Silte argiloso rijo 97,35 100,50RN 100,00 Divisa de fundos Figura 85 – Corte esquemático do aterro, do subsolo do terreno e da sua estrutura de contenção Esse aterro será executado, após a remoção de toda a camada de aterro com entulho, utilizando um silte argiloso, pouco arenoso, compactado até atingir um peso específico γS = 1,75 tf/m 3, adotado com base em ensaio normal de Proctor, para o qual é possível admitir, com segurança, um coeficiente de empuxo ativo ka = 0,40. As cotas do nível da superfície acabada do aterro e da base do muro, em relação ao ponto adotado como referência de nível (RN = 100,00 m), estão indicadas na figura. A estrutura de contenção tem 1,50 m de largura por 30 cm de espessura na base e 25 cm de espessura no paramento. Com base nessas informações e considerando uma faixa com 1,00 m de extensão de muro como representativa dos esforços atuantes eresistentes, avalie as afirmativas a seguir. I – Os valores máximos da pressão e do empuxo ativo do aterro sobre o paramento dessa contenção, bem como o valor do respectivo momento, em relação ao seu eixo de tombamento, serão p = 2,2 tf/m2, Ea = 3,5 tf MEa = 4,73 tfm. II – Os valores do peso do aterro sobre a base do muro e do seu momento em relação ao eixo de tombamento serão P = 6,62 tf e M = 5,8 tfm. III – Sabendo que a estrutura de contenção será de concreto armado, com peso específico de 2,5 tf/m3, o valor do momento correspondente ao seu peso, também em relação ao eixo de tombamento, será cerca de M = 2,3 tfm. É correto o que se afirma: A) Em I, II e III. B) Apenas em I e II. C) Apenas em I e III. 107 OBRAS DE TERRA D) Apenas em II e III. E) Apenas em I. Resolução Como de costume, a solução de qualquer problema de engenharia civil sempre se torna mais fácil a partir de um desenho representativo, que permita a compreensão da situação concreta. Com os dados do enunciado, cotas do nível da superfície acabada do aterro e da base do muro, largura da base e espessura, tanto da base quanto do paramento da estrutura de contenção, é possível esboçar o conjunto de esforços atuantes e o eixo de tombamento O, representados na sequência. Pcontenção 2 Pcontenção 1 Eativo .625 .625 .25 .125 .750 O 1, 05 .3 0 3, 15 Paterro Figura 86 – Corte esquemático contendo os esforços atuantes na estrutura de contenção I – Afirmativa correta. Justificativa: o valor máximo da pressão do aterro será: máx a S 3 2 2 tf tf tfp k h 0,40 1,75 3,15m 2,205 2,2 m m m = × γ × = × × = ≅ O valor do empuxo ativo do aterro sobre o paramento será: ( )22 3 a S a tf0,40 1,75 3,15mk h mE 1,00m 3,473tf 3,5tf 2 2 × ×× γ ×= = × = ≅ 108 Unidade II O valor do momento devido ao empuxo ativo, em relação ao ponto O é igual ao valor desse empuxo (MEa) multiplicado pelo valor da distância (d) do ponto até a linha de ação dessa força. Observando a figura anterior, verifica-se que o valor da distância será: d 0,30m 1,05m 1,35m= + = Então, o valor desse momento será: Pa aM P d 3,5tf 1,35m 4,725tfm 4,73tfm= × = × = ≅ II – Afirmativa correta. Justificativa: o valor do peso do aterro (Pa) sobre a base do muro será igual ao valor do seu peso específico (γS) multiplicado pelo valor desse volume (V). a S 3 tfP V 1,75 1,20m 3,15m 1,00m 6,615tf 6,62tf m = γ × = × × × = ≅ O valor do momento dessa força em relação ao ponto O é igual ao valor desse peso (Pa) multiplicado pelo valor da distância (d) do ponto até a linha de ação da força. Observando a figura anterior, verifica-se que o valor dessa distancia será: d 0,625m 0,25m 0,875m= + = Então, o valor do respectivo momento será: Pa aM P d 6,62tf 0,875m 5,793tfm 5,8tfm= × = × = ≅ III – Afirmativa incorreta. Justificativa: o valor do momento correspondente ao peso da estrutura de concreto em relação ao ponto O também é igual ao valor desse peso (PC) multiplicado pelo valor da distância (d) do ponto até a linha de ação da força. Nesse caso, no entanto, devido à complexidade para a determinação dessa linha de ação, é bem mais simples tratar a base e o paramento como peças independentes, apenas para calcular os pesos e momentos. Observando a figura anterior, verifica-se que os valores do peso da base (PC1) e do correspondente momento (MC1), em relação ao ponto O, serão: C1 C C1 3 tfP V 2,5 1,50m 0,30m 1,00m 1,125tf m = γ × = × × × = 109 OBRAS DE TERRA C1 C1M P d 1,125tf 0,75m 0,844tfm 0,85tfm= × = × = ≅ Da mesma forma, os valores do peso do paramento (PC2) e do respectivo momento (MC2), em relação ao ponto O, serão: C2 C C2 3 tfP V 2,5 0,25m 3,15m 1,00m 1,969tf m = γ × = × × × = C2 C2M P d 1,969tf 0,125m 0,246tfm 0,25tfm= × = × = ≅ O valor do momento correspondente ao peso da estrutura de contenção será equivalente à soma dos momentos correspondentes a seus componentes: C C1 C2M M M 0,85tfm 0,25tfm 1,10tfm= + = + = As afirmativas corretas são I e II, alternativa B. Estruturas de contenção similares ao muro cantiléver, mas com tempo de execução mais rápido e custo mais baixo, podem ser construídas com gabiões, que são como caixotes de tela resistentes às intempéries, cheios de pedra britada de dimensões graúdas, representados a seguir. Aterro compactado PNT Figura 87 – Corte esquemático contendo os esforços atuantes na estrutura de contenção 8 BARRAGENS, DIQUES, ENSECADEIRAS E ENROCAMENTOS Barragem é uma obra constituída de um maciço de terra transversal a um curso d’água, construída com aterros meticulosamente controlados, para criar uma represa cuja finalidade básica é garantir, nesse ponto do rio, um escoamento com vazão sempre superior a um certo valor mínimo. O objetivo de garantir esse valor mínimo de vazão pode ser a captação de água para tratamento e distribuição de água potável a um centro urbano, por exemplo, ou à irrigação de lavouras, ou à produção de energia elétrica, entre outros. 110 Unidade II Sendo assim, a função básica da barragem e da represa é apenas reter parte do volume escoado nas épocas das cheias, quando há excesso, e suprir a vazão nas épocas de estiagem, quando o volume escoado é bem menor devido à redução das chuvas. Em certas situações as barragens também podem ser construídas a fim de criar reservatórios de retenção, com o objetivo de prevenir enchentes. Tais represas retêm parte do excesso de águas pluviais, decorrentes de chuvas sazonais muito intensas. Nesses casos, após a passagem das vazões mais elevadas, próximas à denominada vazão de pico, o volume retido é gradualmente devolvido ao curso d’água, para permanecer preparado ao recebimento dos excessos de volume decorrentes da próxima chuva intensa. Trata-se do mesmo princípio utilizado para os tanques de retenção construídos em regiões urbanas, popularmente conhecidos como piscinões, mas em escala e com eficácia muito maiores. Lembrete É importante ter em mente que uma barragem nunca pretende deter a vazão do curso d’água, o que seria impossível na prática, apenas torná-la mais regular, mais aproveitável e menos nociva. Portanto, independentemente da finalidade da represa, são pré-requisitos fundamentais os estudos hidrológicos da bacia hidrográfica do curso d’água. Em uma represa que visa à regularização da vazão para a geração de energia elétrica, como a ilustrada esquematicamente em planta na sequência, a vazão regularizada escoa continuamente pela casa de força, onde ocorre a transformação da energia cinética da água em energia elétrica. S2 S1 QRio QRioQPrincipal QExcedente S3 S4 S5 Casa de força Vertedores Figura 88 – Planta esquemática de uma represa de usina hidrelétrica 111 OBRAS DE TERRA Em períodos de cheias, quando a vazão do rio supera bastante o da vazão regularizada e o volume represado se aproxima do máximo possível, definido em função da altura da barragem, o excesso de vazão é escoado pelos canais vertedores e das bacias de dissipação de energia. Na maior parte das barragens, sobretudo no Brasil, apenas esses dois componentes, casa de força e canais vertedores, são obras de concreto. Todo o restante é constituído por uma obra de terra, um maciço criado cujo volume é muito maior do que o das obras de concreto. Observação Para o âmbito de obras de terra, o volume da reserva tem importância na medida em que o valor definido a esse volume é o que vai definir a altura da barragem e a intensidade dos esforços envolvidos na sua estabilidade. A definição da barragem, qualquer que seja a sua finalidade, depende também de estudos preliminares relativos ao relevo e ao subsolo do terreno. A partir do levantamento topográfico da região é possível determinar o volume da reserva em função da altura da barragem e da área inundada pela represa, exemplificadas nas figuras a seguir. Figura 89 – Área inundada pela represa com o nível máximo da barragem na cota 550 m 112 Unidade II Figura 90 – Área inundada pela represa com o nível máximo da barragem na cota 560 m Saibamais A partir da década de 1990, a área que uma nova represa pode inundar passou a ser objeto de licenciamento ambiental. Os aspectos hidrológicos e de potencial hidrelétrico, desde então, foram definitivamente para um segundo plano no âmbito da concepção das usinas hidrelétricas. Sobre os tipos de aproveitamento hidrelétrico, há um interessante artigo disponível em: FARIA, I. D. O que são usinas hidrelétricas “a fio d’água” e quais os custos inerentes à sua construção? São Paulo: Brasil-Economia e Governo, 2012. Disponível em: http://www.brasil-economia-governo.org.br/2012/03/05/ o-que-sao-usinas-hidreletricas-a-fio-d%E2%80%99agua-e-quais-os- custos-inerentes-a-sua-construcao/. Acesso em: 17 set. 2020. Quanto ao conhecimento do subsolo, os estudos devem ser profundos, tanto do ponto de vista geológico quanto do geotécnico, abrangendo rochas e solos constituintes, bem como seus estados e comportamentos, sobretudo em relação à permeabilidade e capacidade de suporte. Face à magnitude dos esforços desenvolvidos, fica evidente a necessidade da colaboração entre especialistas dessas e de outras áreas. A pressão (p) que a água exerce sobre o terreno e o maciço da barragem é perpendicular às suas superfícies, e o seu valor, em um ponto qualquer, é igual ao valor do peso específico (γ) da água multiplicado pelo valor da sua profundidade (z), como ilustra o diagrama de pressões a seguir. 113 OBRAS DE TERRA zp = γ . z Figura 91 – Perfil esquemático de uma represa com o diagrama de pressões da água Devido à inclinação do talude, uma parte do valor dessa pressão atuará horizontalmente, empurrando o maciço para jusante. A outra parte atuará perpendicularmente à superfície do terreno natural, contribuindo para a força de atrito entre o maciço e o terreno. Com relação aos canais vertedores e à respectiva bacia de dissipação de energia, ilustrados na sequência, os esforços desenvolvidos serão semelhantes. S1 S2 S3 S4 S5 Perfil longitudinal Figura 92 – Perfil da represa passando pelo vertedor e bacia de dissipação de energia Considerando que o atrito entre o solo e o concreto habitualmente não é suficiente para resistir aos esforços horizontais, de montante para jusante, a superfície de contato contém degraus para criar empuxos passivos, visando a contribuir com mais esforços resistentes. Exemplo de aplicação A barragem de terra, cuja seção transversal é representada em corte esquemático a seguir, terá 18,00 m de altura e taludes com inclinação 4V:3H. Os canais vertedores foram definidos de forma que o nível máximo da sua lâmina d’água faça com que o nível máximo maximorum da represa corresponda a uma borda livre de 2,00 m de altura no maciço de terra. p = γ . z z Figura 93 – Seção transversal do maciço de terra da represa 114 Unidade II Com base nessas informações e considerando γa = 1,00 tf/m 3 o valor do peso específico da água, avalie as afirmativas a seguir. I – O valor máximo da pressão da água e da força resultante dessa pressão sobre o maciço, por metro de extensão da barragem, serão cerca de p = 18,0 tf/m2, Rp = 162,0 tf. II – O valor máximo da parcela horizontal da resultante da pressão da água represada, que atuará empurrando o maciço, por metro de extensão da barragem, será cerca de RpH = 128,00 tf. III – O valor máximo da parcela vertical da resultante da pressão da água represada que contribuirá para a força de atrito entre o maciço e o terreno, por metro de extensão da barragem, será RpV = 96,00 tf. É correto o que se afirma: A) Em I, II e III. B) Apenas em I e II. C) Apenas em I e III. D) Apenas em II e III. E) Apenas em I. Resolução Para compreender com clareza a questão, como de hábito, é importante fazer um esboço da situação concreta, contendo todos os dados propostos, como na figura na sequência, que representa um momento em que a altura da lâmina d’água (hlâmina), na entrada do vertedor, atingiria seu valor máximo. O nível da superfície dessa lâmina, nessa situação, corresponde ao nível d’água máximo admitido para a superfície da represa, usualmente denominado nível d’água máximo maximorum. hlâmina Rp 16,00 18,00 2,00 4 3 L N. A. Máx Max p = γ . z Figura 94 – Diagrama de pressões no maciço com a represa no nível máximo 115 OBRAS DE TERRA Nessa condição, para que a barragem ainda fique com uma borda livre de 2,00 m, a profundidade máxima da represa deverá ser de 16,00 m. I – Afirmativa incorreta. Justificativa: a pressão máxima da água represada será exercida no pé do maciço terroso e o seu valor será: 3 2 tf tfp z 1,00 16,00m 16,00 m m = γ × = × = O valor máximo da força resultante dessa pressão sobre o maciço é igual ao valor da área do diagrama de pressões da água, representado por um triângulo com base L e altura p na figura anterior. O valor de L pode ser obtido com o teorema de Pitágoras, já que L é a hipotenusa de um triângulo retângulo no qual um cateto vale 16,00 m e o outro pode ser obtido por meio da inclinação do talude. 3 x x 12,00m 4 16,00m = ⇒ = Então, o valor de L será: ( ) ( )2 22L 12,00m 16,00m L 20,00m= + ⇒ = O valor da área do triângulo, correspondente ao valor máximo da força resultante (Rp) dessa pressão sobre o maciço, será: 2 p tf16 20,00m 1,00m mR 160,00tf 2 × × = = II – Afirmativa correta. Justificativa: conhecendo o valor da força resultante (Rp) da pressão exercida pela água no maciço terroso e sabendo que a sua direção é perpendicular ao maciço, o valor da sua parcela horizontal (RpH) pode ser obtido por semelhança de triângulos, a partir da inclinação do talude. pH pH R 4 R 128,00tf 160,00tf 5 = ⇒ = 116 Unidade II III – Afirmativa correta. Justificativa: da mesma forma, conhecendo o valor da força resultante (Rp) e sabendo que a sua direção é perpendicular ao maciço, o valor da sua parcela vertical (RpH) também pode ser obtido por semelhança de triângulos, a partir da inclinação do talude. pV pH R 3 R 96,00tf 160,00tf 5 = ⇒ = As afirmativas corretas são II e III, alternativa D. Lembrete O valor da pressão em um ponto qualquer de um líquido em repouso é igual ao do peso específico desse líquido multiplicado pelo valor da profundidade do ponto, segundo as leis de Stevin e de Pascal. Dentre as principais propriedades requeridas para uma barragem, uma das mais importantes é ser estanque, ou seja, não permitir a passagem da água represada. Para as barragens de terra, a estanqueidade é obtida com solos finos, argilosos ou silte argilosos. Como nenhum solo se torna totalmente impermeável, por mais que seja compactado, é indispensável facilitar a saída da água que infiltrar no maciço. Se a pressão de percolação se torna excessiva e a água que escoa através do maciço aflorar em qualquer ponto do talude de jusante, sem a devida proteção, como representado a seguir, ela vai carrear o material que o constitui. Figura 95 – Percolação de água no maciço de terra da barragem Esse processo de erosão, também conhecido como erosão regressiva, é função direta da pressão de percolação e se torna progressivamente mais rápido, carreando partículas sólidas cada vez em maior quantidade, podendo até causar a ruína da barragem. 117 OBRAS DE TERRA A proteção é realizada com o emprego de sistemas de drenagem para que a percolação ocorra sem causar danos ao maciço. Em geral, esses sistemas são constituídos por solos arenosos, pedriscos, pedregulhos e pedra britada, com graduação crescente de tamanhos. Conforme a permeabilidade do material empregado no maciço, o sistema de drenagem pode ocasionar um enrocamento ou filtro de pé, como ilustrado na sequência. Figura 96 – Maciço com enrocamento ou filtro de pé É importante lembrar que a permeabilidade do solo que constituirá a barragem não é um parâmetro escolhido para o projeto, mas uma característica do solo da jazida específica que poderá ser utilizada, que deve ser determinada experimentalmente, após a confirmação da sua viabilidade. Para pressões de percolação mais elevadas, os sistemas de drenagem
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