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MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves ANEMIAS HEREDITÁRIAS ANEMIA FALCIFORME E TALESSEMIA HEMOGLOBINOPATIAS As anormalidades da hemoglobina podem ser de 2 naturezas: Estruturais (hemoglobinopatias); ou Defeitos de síntese de uma ou mais cadeias globínicas da molécula da hemoglobina (talassemias). ANEMIA FALCIFORME As hemoglobinopatias de maior importância no meio médico, pela frequência e morbidade, são as doenças falciformes. DEFINIÇÃO As doenças falciformes (DF) constituem um grupo de anemias hereditárias que cursam com: Anemia hemolítica crônica; Vasculopatia; Fenômenos vaso-oclusivos; e Lesão orgânica aguda e crônica generalizada. Elas se caracterizam pela: Presença em homozigose ou dupla heterozigose da hemoglobina S (HbS), que resulta de uma mutação no sexto códon do gene da betaglobina (cromossomo 11) com substituição da adenina pela timina, codificando valxina em vez de ácido glutâmico na 6ª posição da cadeia beta da hemoglobina. O estado homozigoto para HbS (HbSS) é denominado anemia falciforme. O gene para HbS pode ser herdado com genes para outras hemoglobinas anormais ou para talassemia. As combinações mais frequentes em nosso meio são com a: Hemoglobina C constituindo a hemoglobinopatia SC; e com a Betatalassemia, seja beta0 ou beta+, originando a Sbeta0-talassemia e a Sbeta+-talassemia. Essas combinações são denominadas, em conjunto, doenças falciformes. A!! A combinação de HbS com HbA (HbAS) não é considerada doença falciforme. Caracteriza o chamado traço falciforme, que tem importância para o aconselhamento genético, mas os seus portadores não são considerados doentes, tendo expectativa de vida normal. EPIDEMIOLOGIA A prevalência das várias formas de doença falciforme e do traço falciforme varia ao redor do mundo e nas diferentes regiões do Brasil. De acordo com a OMS, há 20 milhões de pessoas com doenças falciformes em todo o planeta. Embora as doenças falciformes sejam mais comuns na África, onde, em determinadas regiões, metade da população carrega um gene para HbS, os fluxos migratórios voluntários e forçados disseminaram o gene ao redor do mundo. No Brasil, a prevalência estimada do traço falciforme é estimada em 2 a 8%. FISIOPATOLOGIA A substituição do ácido glutâmico pela valina na cadeia beta da hemoglobina diminui a solubilidade da HbS no estado desoxigenado, fazendo as moléculas de desoxiHbS se polimerizarem. A polimerização é o evento primário e indispensável na patogênese molecular da DF. MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves O polímero é uma estrutura helicoidal, que se dispõe no eixo longitudinal do eritrócito, distorcendo a célula, a qual assume o formato de foice ou crescente. Com a reoxigenação, os polímeros se desfazem e a célula reassume seu formato original. Os diversos ciclos de falcização e desfalcização levam a: Alterações permanentes da membrana eritrocitária, tornando a célula irreversivelmente falcizada, independentemente da tensão de oxigênio. A polimerização da desoxiHbS é influenciada por numerosos fatores, sendo particularmente importantes a: Concentração intracelular de HbS; Hipóxia; Acidose; e Quantidade de HbF. A HbF inibe a polimerização da HbS, e sua proporção varia: De paciente para paciente; e Entre os eritrócitos do mesmo paciente, dando origem a uma população celular heterogênea. A homeostase de cátions também está prejudicada nas células falciformes, devido à: Redução da capacidade de manter o gradiente normal de potássio pela ativação dos canais de Gardos e de cotransporte K/Cl. Como resultado, os eritrócitos falciformes variam em densidade e deformabilidade. Os indivíduos com maiores quantidades de eritrócitos irreversivelmente falcizados e de células densas têm mais hemólise e mais anemia, mas não têm, necessariamente, maior incidência de eventos vaso-oclusivos. A hemólise nas DF é principalmente extravascular, decorrente da fagocitose, pelas células reticuloendoteliais, dos eritrócitos danificados. Uma proporção dos eritrócitos lesados é destruída no intravascular, com liberação excessiva de hemoglobina na circulação, superando a capacidade de ligação da haptoglobina. A hemoglobina livre no plasma inativa o óxido nítrico (NO). Esse processo promove vasoconstrição e inflamação, deflagrando as complicações vaso-oclusivas. Certas complicações, como AVC, hipertensão pulmonar, priapismo e úlcera de perna, estão intimamente relacionadas à intensidade da hemólise, enquanto outras, como crises dolorosas, síndrome torácica aguda (STA) e osteonecrose, estão ligadas à viscosidade sanguínea elevada e às interações entre as células falciformes, leucócitos e endotélio. Legenda: fisiopatologia das DT. Papel da hemólise intravascular Os eventos vaso-oclusivos dependem provavelmente da interação entre as ocorrências intrínsecas do glóbulo vermelho, como a: Presença do polímero e o grau de lesão celular, com os fatores do ambiente celular; como a Lesão endotelial, o tônus vascular e as células do sangue. Acredita que células menos densas, mais deformáveis e mais aderentes, como os reticulócitos, iniciem a vaso-oclusão, enquanto as MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves células densas são sequestradas ou destruídas na microvasculatura durante esse processo. Os reticulócitos liberados prematuramente pela medula estimulada possuem ligandos adesivos que favorecem a interação do eritrócito com o endotélio. Já as células endoteliais são responsáveis por muitos modificadores biológicos que são gerados durante os episódios vaso-oclusivos. Sua lesão e ativação podem ser provocadas pela aderência dos eritrócitos ao endotélio, com liberação de radicais oxidantes, aumento de endotelina (vasoconstritor) e distúrbios no balanço de NO (vasodilatador). A associação entre células endoteliais e células falciformes por uma variedade de moléculas de adesão lentifica o fluxo: Favorecendo a polimerização da HbS, a falcização e a vaso-oclusão. A anemia falciforme é extremamente heterogênea do ponto de vista clínico. Apesar de ser o protótipo da doença monogênica mendeliana, comporta-se clinicamente como: Multigênica, com grande variabilidade fenotípica. Têm sido encontrados polimorfismos em genes candidatos que afetam componentes inflamatórios e vasculares envolvidos no mecanismo da doença, e alguns podem ter utilidade prognóstica futuramente. Além disso, outros fatores influenciam o comportamento clínico da doença. A deleção concomitante de genes da alfa- globina diminui a disponibilidade dessas cadeias para síntese da hemoglobina. Pacientes que possuem essas mutações associadas têm menor taxa de hemólise e valores mais elevados de hemoglobina. Os níveis de Hb fetal, como já citado, estão entre os principais moduladores da gravidade clínica dessas doenças. ASPECTOS CLÍNICOS GERAIS O quadro clínico das DF é dominado por: Anemia hemolítica crônica de graus variados; e por Fenômenos vaso-oclusivos e suas consequências. Os eventos agudos que requerem tratamento de urgência nesses pacientes são: Crises dolorosas; Síndrome torácica aguda; Acidente vascular cerebral; Episódios de anemia aguda (crise aplástica, sequestro esplênico); e Priapismo. As principais complicações crônicas são: Úlceras de perna; Colecistopatia crônica calculosa; Acometimento renal de várias naturezas podendo culminar com insuficiência renal dialítica; Hipertensão pulmonar e cor pulmonale; Necrose isquêmica de cabeça de fêmur; Retinopatia proliferativa; Sobrecargade ferro nos pacientes politransfundidos; Insuficiência cardíaca congestiva; e Osteomielite. Embora todas as formas de doença falciforme possam apresentar esses comemorativos, o quadro clínico varia com os diferentes genótipos e de paciente para paciente no mesmo genótipo. Os genótipos associados com maior gravidade clínica são os: Homozigóticos para HbS (anemia falciforme); seguidos de perto pelos Sbeta0-talassemia. MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves O quadro clínico da Sbeta0-talassemia é muito semelhante ao da anemia falciforme, com a exceção do baço que pode estar aumentado. Os pacientes com hemoglobinopatia SC e Sbeta+-talassemia, apesar da significativa morbidade, apresentam manifestações clínicas mais brandas. Os casos de Sbeta+-talassemia são menos graves. Os pacientes apresentam menos sintomas vaso-oclusivos, menos sinais de anemia e o baço geralmente é palpável. Os pacientes com HbSC apresentam curso clínico menos sintomático, a anemia é menos acentuada ou ausente e a esplenomegalia é frequente. Os pacientes apresentam, no entanto, maior frequência de retinopatia proliferativa e necrose isquêmica de cabeça de fêmur que as demais doenças falciformes. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL A maioria dos pacientes tem anemia moderada, normocítica ou microcítica, dependendo do genótipo, com níveis de hemoglobina entre 7 e 9 g/dL. A leucocitose é frequente, sendo mais comum entre os pacientes com HbSS e Sbeta0- talassemia. As plaquetas estão em número normal ou elevado, e os reticulócitos estão aumentados em número relativo e absoluto. Alguns pacientes apresentam: Hemólise mais pronunciada com Hb < 6 gldL; Intensa reticulocitose; e Níveis muito elevados de DHL. Muitos pacientes com doença SC têm níveis normais de hemoglobina. No esfregaço de sangue periférico, estão presentes: Eritrócitos falcizados sugerindo o diagnóstico de doença falciforme. Nos casos de hemoglobinopatia SC, existem numerosas hemácias em alvo; Nos casos de Sbeta0-talassemia, há hipocromia e microcitose. Legenda: esfregaço de sangue periférico mostrando hipocroomia e eritrócitos falcizados (seta) em um caso de Sbeta0-talossemla (coloração de Leishman) A hemólise pode ser evidenciada pelo: Aumento de bilirrubina indireta; Redução da haptoglobina sérica; e Aumento de DHL. O diagnóstico das diferentes doenças falciforme é feito pela: Identificação e quantificação das hemoglobinas, geralmente por eletroforese de hemoglobina. Na anemia falciforme, não existe HbA, que é substituída pela HbS. Na Sbeta-talassemia, o VCM está diminuído, em contraste com os valores normais encontrados na anemia falciforme, e os níveis de HbA2 estão elevados. Legenda: valores hematimétricos e eletroforese de Hb nas doenças falciformes MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves ASPECTOS GERAIS DO TRATAMENTO O único tratamento curativo é: Transplante de medula óssea, procedimento que envolve certa morbidade e mortalidade, além da necessidade, por enquanto, de doador compatível. O tratamento geral é baseado em: Suporte clínico; e Cuidados específicos. Nas crianças, além da vacinação contra pneumococo e hemophillus, está indicada a profilaxia com penicilina. Todos os pacientes com sorologia negativa para hepatite B devem ser vacinados contra a doença. Em razão da hemólise, existe necessidade aumentada de folatos, sendo recomendada a reposição com 1mg/dia de ácido fólico. HIDROXIUREIA A hidroxiureia é utilizada na prevenção de crises dolorosas. Por se tratar de um agente citotóxico, ainda existe preocupação com relação à: Aspectos teratogênicos; e Indução de neoplasias secundárias. Os dados recentes indicam que se trata de medicação segura, com benefício evidente no controle de dor e possível redução de mortalidade associada ao uso prolongado. O seu efeito benéfico deve-se à interferência em múltiplos mecanismos envolvidos na fisiopatologia da doença, que incluem: Aumento da HbF; Modificação das interações entre os eritrócitos e o endotélio vascular, com alterações da expressão de moléculas de adesão e do metabolismo do NO; e Mielossupressão, com diminuição principalmente do número de neutrófilos. A contracepção deve ser praticada por homens e mulheres. A principal toxicidade é a mielossupressão, que é geralmente transitória. TRANSRUSÃO DE SANGUE As indicações de transfusões de concentrado de hemácias em pacientes com doenças falciformes têm 2 propósitos principais: Melhorar a anemia sintomática; e Reduzir ou prevenir complicações por meio da redução da proporção da HbS. A anemia por si não é indicação de transfusão, mas, à medida que os pacientes envelhecem, podem surgir complicações que agravam a anemia, como: Insuficiência renal. Nesses casos, o tratamento com eritropoetina pode ser benéfico, desde que os níveis de hemoglobina não excedam os níveis prévios à insuficiência renal. Todos os pacientes que precisem ser submetidos a programa transfusional devem ter suas hemácias fenotipadas para evitar aloimunização. Na presença de múltiplos aloanticorpos, torna-se difícil encontrar sangue compatível. Os pacientes com níveis de Hb≥10 g/dL, nos quais o procedimento visa à diluição da hemoglobina S, devem ser submetidos a exsanguineotransfusão parcial. Em pacientes com 8 a 10g/dL, é desejável adotar o mesmo procedimento. As transfusões repetidas causam sobrecarga de ferro, devendo ser associado tratamento com quelantes de ferro nos pacientes que estão em programa transfusional. MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves TALASSEMIA DEFINIÇÃO E CONSIDERAÇÕES GERAIS As talassemias constituem um grupo heterogêneo de doenças hereditárias, caracterizadas por: Diminuição ou ausência de síntese de 1 ou mais cadeias globínicas da molécula de hemoglobina. A molécula de hemoglobina (Hb) é constituída por: 4 cadeias globínicas; e 4 grupos heme. No início do desenvolvimento, estão presentes as: Hb embrionárias, que são substituídas pela Hb fetal (HbF) durante a vida intrauterina; e gradualmente pela HbA, após o nascimento. A estrutura de todas estas hemoglobinas é semelhante e, cada uma delas é constituída por 2 pares de cadeias globínicas idênticas. Com exceção de algumas Hb embrionárias, todas as hemoglobinas normais são constituídas por 1 par de cadeias alfa, combinadas com 1 par de cadeias não alfa, sintetizadas na proporção de 1:1. A hemoglobina do adulto é formada por uma mistura de: HbA, HbA2 e HbF. Legenda: constituição das hemoglobinas normais no adulto e proporção média de cada uma em indivíduos normais A HbF é uma mistura de 2 formas moleculares A-gama e G-gama, que diferem em 1 aminoácido (alanina ou glicina). Os pacientes com beta-talassemia têm: Diminuição de produção de cadeias beta com relação à produção de cadeias alfa, acontecendo o inverso nos casos de alfa- talassemia. PREVALÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO As talassemias são consideradas as doenças genéticas mais comuns do mundo, sendo de distribuição universal. A maior prevalência de alfa-talassemia ocorre no Sudeste da Ásia e entre as populações originárias da costa oeste da África. As beta-talassemias predominam numa ampla região que inclui a bacia do Mediterrâneo, o Oriente Médio, a fndia e o Sudeste da Ásia. Aproximadamente 3% da população do mundo é portadora de um gene beta-talassêmico. Estes genes são particularmente prevalentes na Itália e na Grécia. No Brasil, a doença predomina entre descendentes de italianos, gregos e africanos. CLASSIFICAÇÃO As síndromes talassêmicaspodem ser classificadas de forma clínica, genética e molecular. A classificação mais antiga é a classificação clínica, que divide as talassemias de acordo com a gravidade: Talassemia major; Talassemia intermedia; Talassemia minor Portador silencioso. A classificação clínica, apesar de não ter base genética ou molecular, é útil na prática médica. As formas major ou maior são as: Formas graves, dependentes de transfusões, que devem ser tratadas em centros especializados. MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves As formas minor ou menor são: Assintomáticas, representam o chamado traço talassêmico e são as mais frequentes na prática clínica. As talassemias que apresentam: Grau maior de anemia do que o traço talassêmico, mas que não são graves como as major, são chamadas de talassemias intermedias e são as com maior variabilidade clínica. Finalmente, existem alguns portadores do gene talassêmico que são clínicas e hematologicamente normais, sendo designados como: Portadores silenciosos. A classificação genética leva em conta a cadeia globínica cuja síntese está deficiente ou ausente. Legenda: classificação baseada no efeito da alteração molecular sobre a síntese da cadeia globínicas afetada A classificação molecular é extensa, complexa e baseia-se nas diferentes mutações ou deleções que causam as talassemias. MECANISMOS GENÉTICOS E PATOLOGIA MOLECULAR A síntese das cadeias globínicas é controlada por: Agrupamentos gênicos localizados nos cromossomos 11 e 16. Os genes que controlam a síntese de cadeias alfa são duplicados (alfa2 e alfa1) e localizados no cromossomo 16. A síntese das cadeias globínicas beta, delta e gama é controlada por um: Agrupamento gênico localizado no cromossomo 11. A expressão dos genes das globinas é comandada em grande parte por elementos reguladores designados HS-40 para o agrupamento gênico da alfa-globina e LCR para o da beta-globina. Legenda: organização dos genes que controlam e síntese das cadelas globínicas com suas respectivas regiões controladoras DEFEITOS MOLECULARES ALFA-TALASSEMIA As síndromes alfa-talassêmicas são atualmente classificadas em 2 grupos, referidos como: Alfa0-talassemias; e Alfa+ -talassemias. As alfa0-talassemias geralmente resultam de: Deleção dos genes alfa2 e alfa1, em cis (no mesmo cromossomo); ou Deleção do grupamento gênico inteiro junto com a principal sequência reguladora (HS-40); ou da Deleção apenas do elemento regulador (HS-40). Menos frequentemente, as alfa0-talassemias podem ser causadas por: Mutação em um dos genes alfa em cis com deleção do outro gene alfa. As alfa+-talassemias geralmente são causadas por: Deleção de um único gene alfa; ou, menos frequentemente, por Mutações de ponto afetando os genes alfa1, ou alfa2. MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves BETA-TALASSEMIA As mutações beta-talassêmicas também podem dar origem a 2 fenótipos: Beta+; e Beta0. Ao contrário das alfa-talassemias, as beta raramente são causadas por deleção gênica. As deleções, quando presentes, podem atingir os: Elementos reguladores da região beta- LCR; Genes estruturais do grupamento gênico; e Elementos críticos da região promotora. Porém as mais comuns são as: Variantes não delecionais, que podem afetar cada passo da função do gene beta - a transcrição, o processamento, o transporte e a tradução do RNA, assim como a estabilidade da cadeia beta produzida. As beta-talassemias são causadas por mais de 200 mutações, embora apenas aproximadamente 20 diferentes alelos sejam responsáveis por 80% dos genes beta-talassêmicos na população mundial. Cada grupo étnico tem seus alelos beta- talassêmicos particulares. A persistência hereditária de hemoglobina fetal caracteriza-se pela: Presença de níveis aumentados de HbF na vida adulta, na ausência de anormalidades hematológicas relevantes. A!! A quantidade de HbF varia de 2 a 30%, refletindo a heterogeneidade molecular. Pode ser causada por defeitos dclecionais e não delecionais. FISIOPATOLOGIA A deficiência de síntese de 1 ou mais cadeias globínicas tem 2 consequências: Desequilíbrio de produção entre as cadeias alfa e não alfa; e Síntese diminuída de hemoglobina. As cadeias produzidas em excesso levam a: Alterações na produção e na vida média dos eritrócitos. A diminuição na produção da hemoglobina: Contribui para a anemia; e Causa a hipocromia característica das talassemias. A!! A gravidade da anemia é determinada pelo grau de desequilíbrio da síntese de cadeias globínicas. Pacientes com alfa-talassemia têm diminuição de produção de cadeias globínicas alfa em relação às cadeias beta. As cadeias beta livres se agrupam em tetrâmeros (beta4). A hemoglobina constituída por estes tetrâmeros beta4 é denominada hemoglobina H (HbH), é instável e se precipita formando corpos de inclusão. Os eritrócitos com esses corpos de inclusão são removidos rapidamente da circulação pelo sistema reticulo-endotelial (SRE), tendo sua vida média encurtada. Isso resulta em anemia que é compensada parcialmente pelo aumento na produção dos glóbulos vermelhos. Na vida intrauterina, a cadeia que sobra é a cadeia gama, que se agrupa formando tetrâmeros gama4 que são chamados de Hb Bart's. MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves Legenda: fisiopatologia das alfa-talassemias Os pacientes com beta-talassemia, por sua vez, têm diminuição da produção de cadeias beta, o que acarreta um excesso relativo de cadeias alfa. Embora a redução na produção de cadeias beta seja compensada por certo aumento na produção de cadeias delta e gama, esse aumento é insuficiente para ligar todas as cadeias alfa produzidas. As cadeias alfa são extremamente insolúveis e precipitam nos precursores eritroides, levando à maturação defeituosa e destruição celular, principalmente intramedular (eritropoese ineficiente). Os monômeros de cadeia alfa formam hemicromos que modificam as proteínas da membrana celular, incluindo a banda 3 e a proteína 4.1, a anquirina e a espectrina, além de causar a externalização da fosfatidilserina da camada lipídica, que é procoagulante, podendo ativar a coagulação. As células anormais que não são destruídas na medula óssea e caem no sangue periférico são removidas rapidamente pelo baço e pelo fígado. Legenda: fisiopatologia das beta-talassemias O baço aumenta progressivamente, na tentativa de fagocitar as células anormais, exacerbando ainda mais a anemia pela hemodiluição. A anemia grave resultante desse processo estimula a produção de eritropoetina, causando enorme expansão da medula óssea e hematopoese extramedular. Essa expansão leva a anormalidades esqueléticas e alterações metabólicas diversas. A hematopoese acelerada induz sinalização para aumentar a absorção de ferro no nível intestinal. A ferroportina e a hepcidina são proteínas críticas na regulação dos mecanismos de absorção e movimentação do ferro pelo organismo. Esse processo, associado à sobrecarga de ferro iatrogênica, secundária ao tratamento transfusional ao longo da vida, leva à hemocromatose tecidual e suas complicações. Legenda: fisiopatologia das beta-talassemias ASPECTOS CLÍNICOS, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO ALFA-TALASSEMIAS A deleção de 1 ou ambos os genes da cadeia globínica alfa é a mutação mais comum do genoma humano. As alfa-talassemias são muito pouco diagnosticadas na prática, porque as formas clinicamente brandas, que são as mais frequentes, necessitam de diagnóstico molecular, que não está disponível de rotina. Apesardo grande número de alelos alfa- talassêmicos. só existem 4 condições clínicas e MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves hematológicas, em ordem decrescente de gravidade: Hidropisia fetal por Hb Bart's; Doença da HbH; Traço alfa-talassêmico; e Portador silencioso correspondendo. Respectivamente, deleção de 4, 3, 2 e 1 genes alfa. Legenda: diferentes genótipos de alfa-talassemia, populações em que eles predominam e síndromes clínicas associadas HIDROPISIA FETAL COM HB BART'S Esta condição resultante da ausência dos 4 genes alfa, é a mais devastadora de todas as talassemias, observada principalmente na população do Sudeste da Ásia e em algumas regiões do Mediterrâneo. Como o feto não produz cadeias alfa, sua hemoglobina consiste quase completamente de Hb Bart's (gama). O quadro clínico é: Bebê prematuro, pálido e edemaciado que, se não for natimorto, geralmente morre logo após o nascimento. Existem relatos de aumento das complicações relacionadas à gravidez, com alta incidência de hipertensão, convulsões, hemorragia pós-parto. O diagnóstico pré-natal pode ser feito utilizando técnicas de: Análise do DNA em células do líquido amniótico a partir da 14 semana; e pela Biópsia de vilosidade coriônica a partir da 10 semana. Não há, até o momento, tratamento efetivo. DOENÇA DA HBH A doença da HbH afeta indivíduos do Sudeste da Ásia, das ilhas do Mediterrâneo e parte do Oriente Médio, ocorrendo raramente em populações de afrodescendentes. É caracterizada por: Anemia e esplenomegalia. O quadro clínico é de: Talassemia intermedia, com grande variação na gravidade da doença. A anemia é: Hipocrômica e microcítica, com níveis de Hb em geral entre 7 e 10 g/dL. A incubação do sangue com corantes supravitais (azul cresil brilhante) causa a: Precipitação da HbH, vista como múltiplas pequenas inclusões (aspecto de bola de golfe). Legenda: esfregaço de sangue periférico mostrando cél. com aspecto de bola de golfe A eletroforese de hemoglobina mostra quantidades variáveis de HbH (1 a 40%). Os pacientes, em geral, não necessitam de tratamento. Suplementação com ácido fólico pode ser feita como em outras anemias hemolíticas. Orientar os pacientes para evitar drogas oxidantes pelo risco de crise hemolítica. Transfusões de sangue esporádicas podem ser necessárias. Esplenectomia pode ser indicada na presença de hiperesplenismo, mas deve ser considerado o risco de complicações trombóticas. MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves TRAÇO ALFA-TALASSÊMICO Esta condição é benigna e ocorre predominantemente em descendentes de asiáticos, mediterrâneos ou africanos. É assintomática, os níveis de hemoglobina são normais ou discretamente reduzidos. Os glóbulos vermelhos são: Hipocrômicos; e Microcíticos. O diagnóstico é difícil e frequentemente circunstancial. A presença de microcitose em um indivíduo com estoques adequados de ferro, níveis normais de HbA, e de HbF pode ser considerada indicativa de alfa-talassemia, especialmente se existir quadro semelhante em outros membros da família. A quantidade de HbH presente nesses casos é muito pequena para ser detectada na eletroforese de Hb. Raramente, as inclusões de HbH podem ser visualizadas em algumas poucas células em esfregaço de sangue periférico corado com azul cresil brilhante. O diagnóstico de certeza baseia-se em: Estudos do DNA, para evidenciar a alteração gênica. PORTADOR SILENCIOSO A deleção de um único gene alfa não causa anormalidades clínicas ou hematológicas, sendo detectada apenas pela demonstração de alteração gênica em análise de DNA. As deleções de 1 ou 2 genes são assintomáticas e não precisam de tratamento. BETA-TALASSEMIAS O quadro clínico das beta-talassemias reflete o efeito quantitativo da mutação presente em cada caso sobre a síntese da betaglobina. BETA-TALASSEMIA MAJOR É a forma mais grave de beta-talassemia. Manifesta-se por: Retardo de crescimento; Anemia; e Esplenomegalia, com eventual hiperesplenismo, osteoporose e outras alterações esqueléticas associadas à expansão da medula óssea e à sobrecarga de ferro decorrente da combinação de aumento da absorção intestinal e transfusões de sangue. Complicações trombóticas podem ocorrer em 4% dos casos. O fígado, o coração, o pâncreas, a hipófise e outras glândulas endócrinas são os principais locais de deposição excessiva de ferro, a qual causa lesão progressiva e insuficiência desses órgãos. O curso clínico subsequente e as características dependem do: Tratamento transfusional adequado associado ao tratamento da sobrecarga de ferro. O quadro clínico típico só ocorre atualmente na criança tratada de forma inadequada. O hemograma inicial mostra: Anemia microcítica e intensamente hipocrômica, com numerosos eritroblastos circulantes. Legenda: esfregaço de sangue periférico com hipocromia, hemácia em alvo (seta) e eritroblastos circulantes (setas) em talassemia major antes do tratamento Homozigotos para beta0-talassemia apresentam: HbA2 e HbF, com ausência de HbA. MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves A talassemia major é pouco frequente, e os casos suspeitos devem ser encaminhados para acompanhamento em centros especializados. O tratamento baseia-se em: Esquema transfusional; e Tratamento agressivo da sobrecarga de ferro. O único tratamento curativo disponível é o: Transplante de medula óssea. A!! Pesquisas em terapia gênica estão em andamento. BETA-TALASSEMIA INTERMEDIA Caracteriza-se por: Anemia hemolítica de gravidade variável, que não requer transfusões crônicas. Como esperado pela heterogeneidade de suas bases moleculares, esta é uma entidade clínica com amplo espectro de manifestações, que variam: Desde uma condição próxima à da talassemia major até uma doença com poucos sintomas, descoberta com exame hematológico de rotina. Anormalidades esqueléticas associadas à expansão medular podem ocorrer, assim como esplenomegalia e hiperesplenismo. Eritropoese extra medular é frequente, apresentando-se como massas em geral de localização paravertebral ou mediastinal. Legenda: hematopoese extramedular em RX de tórax Complicações trombóticas ocorrem em 10% dos casos, e sobrecarga de ferro tecidual pode ser encontrada em adultos, mesmo na ausência de programa transfusional crônico. A concentração de hemoglobina varia geralmente de 6 a 9 g/dL. com as características morfológicas típicas das talassemias. A composição de hemoglobinas é variável, com aumento de HbA2 e quantidades de HbF que dependem do grau de deficiência de síntese causado pela mutação presente em cada caso. A talassemia intermedia, por definição, não requer tratamento transfusional, exceto em circunstâncias especiais. Hiperesplenismo é frequente, causando dependência transfusional que é geralmente revertida pela esplenectomia. O tratamento com hidroxiureia pode aumentar a HbF e ser benéfico em alguns casos. BETA-TALASSEMIA MINOR Causa uma condição assintomática, associada a alterações proeminentes na morfologia dos eritrócitos, com pequena ou nenhuma anemia. A beta-talassemia minor é a doença que provavelmente todo médico encontra em algum momento. É descoberta por acaso em: Exames pré-natais; Pré-operatórios; e Checagem de rotina; ou em Estudos familiares motivados por anemia cm algum membro da família. Como as alterações hematológicas são frequentemente confundidas com deficiência de ferro, muitas vezes os pacientes são tratados de forma errónea por longos períodos. Legenda: principais característicasMÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves As alterações morfológicas proeminentes do sangue periférico contrastam com a: Diminuição discreta dos níveis de Hb. Elas incluem: Aniso e poiquilocitose acentuadas; Microcitose; Hipocromia; e Hemácias em alvo. O diagnóstico é feito pela demonstração de níveis aumentados de HbA2 e, em 50% dos casos, aumento de HbF. A!! Não é necessário estudo molecular para o diagnóstico de beta-talassemia. É importante ressaltar que a deficiência de ferro diminui os níveis de HbA2 podendo mascarar a presença de beta-talassemia minor. Nos casos com microcitose importante persistente após a correção da deficiência de ferro, deve: Repetir a eletroforese de hemoglobina com nova quantificação de HbA2. A talassemia minor não requer tratamento.
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