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Capítulo I DO DIREITO À VIDA E À SAÚDE Art. 7.º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.1 1. Direito ao nascimento amparado pelo Estado: abstraídas as formulas genéricas, que dominam este Estatuto (como dizer que a criança tem direito à proteção à vida, como todo e qualquer ser humano, bastando conferir a Constituição Federal), o objetivo deste dispositivo, em verdade, é garantir que o Poder Público seja obrigado a tutelar o nascimento daqueles que não têm amparo suficiente, seja por falta de recursos financeiros dos pais, seja porque a mãe não deseja mantê-lo sob sua guarda e proteção. Em suma, é dever do Estado assegurar esse nascimento saudável. Na sequência, zelar para que obtenha um desenvolvimento físico e mental sadio, em família natural ou substituta. O abrigamento em instituições governamentais ou privadas é a derradeira hipótese. Pior que o abrigo só existe um lugar: a rua. Mas não se menciona tal frase como algo puramente abstrato; cremos, firmemente, inexistir desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência longe do aconchego de uma família. Se a natural não se presta a amparar o filho, busca-se a substituta, porém sempre a família. Art. 8.º É assegurado à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o atendimento pré e perinatal.2 § 1.º A gestante será encaminhada aos diferentes níveis de atendimento, segundo critérios médicos específicos, obedecendo-se aos princípios de regionalização e hierarquização do Sistema. § 2.º A parturiente será atendida preferencialmente pelo mesmo médico que a acompanhou na fase pré-natal. § 3.º Incumbe ao poder público propiciar apoio alimentar à gestante e à nutriz que dele necessitem. § 4.º Incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica3 à gestante e à mãe, no período pré e pós-natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as consequências do estado puerperal.4 § 5.º A assistência referida no § 4.º deste artigo deverá ser também prestada a gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção.5 2. Apoio à gestante: o Sistema Único de Saúde deve proporcionar à gestante, de qualquer nível social, a possibilidade de realizar o acompanhamento médico, incluindo os exames necessários, para o período pré-natal e na fase perinatal – logo antes e imediatamente depois do nascimento. Eventual negativa de atendimento dá ensejo ao ingresso em juízo para exigir esse direito cristalinamente consagrado em lei. Porém, o que se observa, na prática, é o descaso de muitas gestantes com o pré- natal, pois são pessoas vivendo na erraticidade, envolvidas em situações de risco (portadoras de graves enfermidades, como a AIDS, viciadas em drogas de toda espécie, dentre outros quadros de abandono), que não prezam nem mesmo pela própria saúde. Diante disso, cabe ao Estado promover não somente campanhas de esclarecimento à gestante, acerca de seus direitos durante essa fase da sua vida, mas também lhe fornecer o atendimento direto e domiciliar, quando preciso atingir quem não se cuida, deixando de procurar o posto de saúde. No mais, os direitos previstos nos parágrafos deste artigo são proveitosos à gestante, restando saber como exigi-los, se o próprio poder público não se incumbir, realmente, de implementá-los. Deveria o Ministério Público zelar pelo interesse das gestantes? Ou seria um direito individual, que somente a própria interessada poderia exigir? De todo modo, a conscientização dos direitos é a maior arma para a sua implementação. Mulheres sem recursos podem se valer da Defensoria Pública para conseguir, na Justiça, o apoio pré-natal e perinatal. Porém, quando alguém vai a juízo pedir um simples remédio, que o posto de saúde não fornece, alega o Estado- Executivo estar o Judiciário se imiscuindo em seara alheia, pois a política de saúde pública lhe compete. Ora, se cumprisse o seu papel, como determina a lei – e a própria Constituição –, as pessoas sem recursos não iriam se desgastar, dirigindo-se ao juiz para conseguir um mero medicamento. Na jurisprudência: TJRS: “1. Enquanto não houver manifestação definitiva do STF no RE 566.471/RN, ainda pendente de julgamento, cuja repercussão geral já foi admitida, para efeitos práticos – ante a jurisprudência consolidada no STJ – admite-se a solidariedade entre União, Estados e Municípios nas demandas que dizem respeito ao atendimento à saúde. 2. O direito à saúde, superdireito de matriz constitucional, há de ser assegurado, com absoluta prioridade às crianças e adolescentes e é dever do Estado (União, Estados e Municípios) como corolário do direito à vida e do princípio da dignidade da pessoa humana. 3. Em face do precedente do Superior Tribunal de Justiça (EREsp 699545/RS) que uniformizou a jurisprudência se tratando de reexames necessários em sentenças ilíquidas desfavoráveis aos Entes Públicos, é de ser conhecido o reexame necessário. No caso, verificada a necessidade de transferência da gestante para hospital que disponha de UTI Neonatal para fins de resguardo do direito à vida e à saúde dos nascituros, a sentença atacada deve ser confirmada por seus próprios e jurídicos fundamentos” (Tribunal de Justiça do RS, Apelação Cível 70056268113, 8.ª Câm. Cível, rel. Luiz Felipe Brasil Santos, j. em 28.11.2013). 3. Assistência psicológica: a valorização dessa prestação, ao longo do pré-natal, já deveria consistir em cartilha obrigatória de qualquer serviço público de saúde. É justamente nessa delicada fase da mulher que se acumulam os traumas, dissabores e fortes emoções, quando não possui o apoio familiar, desencadeando o incremento do estado puerperal (ver a próxima nota), que dá ensejo à prática do crime de infanticídio ou mesmo do delito de abandono de recém-nascido. 4. Estado puerperal: trata-se do conjunto de alterações físico-psíquicas da mulher parturiente. É inquestionável que a gestante passa por emoções intensas ao longo da gestação; se tiver apoio da família e do marido, companheiro ou pai da criança, ultrapassa tal fase com maior equilíbrio e segurança; porém, caso tenha sido abandonada à própria sorte, psicologicamente, tende a culpar a criança pelas desgraças vividas. No momento do parto, há dores físicas penosas a enfrentar que, associadas ao abalo emocional de estar sozinha, sem qualquer assistência, provoca uma nítida perturbação da saúde mental. É justamente esse estado de desnorteamento que pode levá-la à prática do infanticídio (art. 123, CP), matando o próprio filho, após o parto. 5. Conscientização para adoção: além da assistência psicológica à gestante e à mãe, conforme previsto no parágrafo anterior, para o fim de receber bem seu filho, dando-lhe todos os cuidados necessários, abrandando os efeitos negativos do estado puerperal, é muito importante que se possa prover a gestante de cuidados psicológicos, quando ela não quer ficar com seu filho. Deve ser apoiada e orientada no sentido de, sendo mesmo esse o seu desejo, não abandonar o recém-nascido em qualquer lugar ou submetê-lo a maus-tratos, mas entregá-lo à Vara da Infância e Juventude para que possa ser adotado. Muitas mulheres atiram seus filhos em lugares públicos por completa ignorância, achando que a entrega à autoridade da criança pode representar algum ilícito, passível de punição. É justamente o contrário. Abandonar o filho pode constituir infração penal, mas não a sua entrega para inserção em família substituta. O suporte psicológico, ao longo da gestação, pode acalmá-la, evitar um aborto provocado e malfeito – este sim, criminoso – conseguindo dar prumo ao parto que se aproxima. Art. 9.º O poder público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade.6 6. Aleitamento materno em qualquer condição: a medida é certamente positiva, dependendo, em grande parte, da conscientizaçãode todos acerca de relevância ao aleitamento materno. Assim ocorrendo, o empregador terá satisfação em proporcionar intervalos à sua funcionária, para que amamente o filho recém-nascido, pois estará colaborando com a efetiva saúde de alguém. Porém, algumas considerações merecem destaque: a) a sociedade precisa ter consciência da importância do aleitamento materno, vendo-o como algo essencial à saúde da criança – e jamais como um ato obsceno. Infelizmente, já tive oportunidade de receber, no Tribunal, uma apelação contra condenação de primeiro grau, com fundamento em ato obsceno, porque a mãe aleitou seu filho em público. Nem é preciso salientar que houve absolvição. Na verdade, precisa de assistência psicológica quem visualiza na amamentação um ato ofensivo ao pudor; b) abusos também merecem limitação; inexiste cabimento para a mãe pretender amamentar seu filho de cinco anos de idade no horário de trabalho (algo que acontece); c) quanto às mães presas, é preciso que elas queiram amamentar seus filhos pequenos; o poder público não pode obrigar a realização do aleitamento, mas proporcionar condições para que ocorra. Muitas mulheres presas não têm o menor interesse em seus filhos, nascidos dentro ou fora do presídio, demonstrando pelo seu descaso – inclusive com a ausência de amamentação – pelo filho. Noutros termos, mães presas também podem abandonar seus bebês; não se pode partir da presunção de que, por estarem detidas, não dão atenção aos filhos porque não podem; muitas delas simplesmente não querem. As que realmente desejam aleitar os recém-nascidos e ficar com eles, dirigem requerimentos à direção da cadeia ou presídio, insistem com o juiz, procuram advogado para isso. Se elas sabem pedir benefícios (liberdade provisória, progressão de regime etc.), sozinhas ou por defensor dativo ou público, por certo, têm plenas condições de lutar pelo filho, que se encontra fora do cárcere. A maternidade não é apenas um laço de parentesco, mas um sentimento intenso acima de tudo. Não fosse assim, mães adotivas nem poderiam criar seus filhos com amor, amor este muitas vezes mais forte do que o nutrido por várias mães biológicas. Art. 10. Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e particulares, são obrigados a:7 I – manter registro das atividades desenvolvidas, através de prontuários individuais, pelo prazo de dezoito anos; II – identificar o recém-nascido mediante o registro de sua impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas normatizadas pela autoridade administrativa competente; III – proceder a exames visando ao diagnóstico e terapêutica de anormalidades no metabolismo do recém-nascido, bem como prestar orientação aos pais; IV – fornecer declaração de nascimento onde constem necessariamente as intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato; V – manter alojamento conjunto, possibilitando ao neonato a permanência junto à mãe.8 7. Obrigações dos hospitais e estabelecimentos congêneres de atenção a gestantes: estão expostas nos incisos I a V deste artigo. O legislador as considera tão importantes – exceto a prevista no inciso V – que tornou a omissão em figura criminosa (arts. 228 e 229 deste Estatuto). Convenhamos que a mantença de registro das atividades desenvolvidas durante o parto (antes e após), em prontuário individual, por 18 anos é um cuidado excessivo. Não esclarece a lei qual é o propósito e não indica quais são os dados exatos a serem guardados. Afinal, o que significam “atividades desenvolvidas”? Não há apontamento suficiente para tanto. Ademais, é curioso comparar a figura típica do art. 228 (ver os nossos comentários) com o prazo de 18 anos do inciso I deste artigo. Deixar de manter esse registro (imagine-se que, logo após o parto, ele foi descartado ou nem houve qualquer anotação) durante 18 anos vai muito além do que o prazo prescricional do delito em abstrato, que é de 4 anos. Portanto, se o encarregado se desfizer de tais registros logo após o parto, quatro anos depois já não responderá por crime algum. O contrassenso nasce quando se constata que o responsável pelo registro, ao descartá- lo após 17 anos, ainda poderá ser punido, pois o delito se consuma no exato momento em que as anotações são desperdiçadas – e deveriam ficar arquivadas por precisos 18 anos. Passa a correr a prescrição a partir daí (17 anos depois), enquanto o outro encarregado, muito mais negligente, nem mesmo anotou o que deveria durante o parto, embora quatro anos depois já se possa considerar impune. Por outro lado, pode- se indagar o motivo da fixação do período de 18 anos. Quer-se crer seja viabilizar à pessoa que nasceu, ao atingir a maioridade, consultar os registros de seu nascimento. Entretanto, se tal anotação deve ser mantida por 18 anos, nem bem o interessado completa a maioridade, o registro pode ser descartado, vale dizer, ele nem terá tempo de empreender sua consulta. A menos que corra ao hospital no dia em que completa os 18 anos, como prioridade absoluta da sua vida, o que foge totalmente à logicidade. Outro problema surge no tocante à realização de exames visando ao diagnóstico e terapêutica de anormalidade no metabolismo do recém-nascido, sem que a lei indique quais são esses exames e quem exatamente deve fazê-los. A responsabilidade penal é individualizada, depende de dolo ou culpa e está bem longe de aceitar uma responsabilização objetiva, como no Direito Civil. Quem elaborou esse tipo penal desconhece regras básicas do sistema criminal, lesando a taxatividade e, por consequência, a própria legalidade. Enfim, uma aventura penal temerária. Deveria haver um tipo incriminador para quem elabora tipos penais de patente ilogicidade. 8. Alojamento conjunto: manter o recém-nascido junto da mãe é o maior desafio do hospital público e daqueles que atendem no SUS, pois há nítida falta de leitos para casos graves, razão pela qual é quase impossível viabilizar a estada do filho junto da sua genitora no mesmo quarto. Além disso, essa obrigatoriedade é questionável, pois até mesmo quem paga pelo melhor hospital particular tem optado por manter o recém-nascido no berçário, sob os vigilantes cuidados das enfermeiras. Não se trata de situação indispensável ao bem-estar da criança e muito menos da mãe. Além disso, é interessante observar que essa obrigação foi a única não constante das figuras típicas incriminadoras dos arts. 228 e 229 deste Estatuto. Noutros termos, descumprir o disposto nos incisos I, II, III e IV do art. 10 dá margem ao cometimento de crime. Mas desatender o preceituado pelo inciso V, não. Não podemos concluir de outra forma: o alojamento conjunto é uma utopia e até o legislador sabia disso quando o inseriu como obrigação do hospital. Art. 11. É assegurado atendimento integral à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.9 § 1.º A criança e o adolescente portadores de deficiência receberão atendimento especializado.10 § 2.º Incumbe ao poder público fornecer gratuitamente àqueles que necessitarem os medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação.11-12 9. Atendimento integral à saúde: trata-se de outra norma desnecessária na exata medida em que a Constituição Federal é bem clara: “a saúde é direito de todos e dever do Estado…” (art. 196, CF). Todos têm direito ao Sistema Único de Saúde – e não somente crianças e adolescentes. Aliás, a redação do caput do art. 11 foi até modificada pela Lei n. 11.185/2005. Antes, falava-se em assegurar atendimento médico à criança e ao adolescente; agora, menciona-se o atendimento integral à saúde da criança e do adolescente. Com o perdão da ironia, de 2005 para cá tudo mudou; agora, os infantes e os jovens gozam de boa saúde por conta disso. Ora, como se disse, basta seguir o art. 196 da Constituição e tudo se resolve; basta ter vontade política para se destinar à criançae ao adolescente tudo o que eles precisam para a sua saúde. Alterar frases na lei – e quase nada na realidade – não representa algo positivo para a política social no tocante à infância e juventude. Muitos são os casos em que a pessoa necessitada somente consegue o prometido pelo poder público, na Constituição e neste Estatuto, por meio de ação judicial: TJRS: “1. Evidente a necessidade do menor, justifica-se o fornecimento do procedimento cirúrgico postulado, devendo a tutela de seus interesses se dar, pois, com máxima prioridade, como preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente em seus arts. 7.º, caput, e 11, caput, bem como o art. 227, caput, da Constituição Federal” (Tribunal de Justiça do RS, Apelação Cível 70058249533, 7.ª Câm. Cível, rel. Liselena Schifino Robles Ribeiro, j. em 24.01.2014); “Os entes públicos são responsáveis, de forma solidária, pela concretização do direito à saúde, garantido a todo e qualquer cidadão – e, de forma especial, às crianças e aos adolescentes. Eficácia do tratamento comprovada. Devendo-se prestigiar o tratamento prescrito pelo médico que o acompanha, porquanto é quem tem as melhores condições de avaliar a necessidade e conveniência do uso de determinado insumo” (Tribunal de Justiça do RS, Apelação e Reexame Necessário 70057829947, 7.ª Câm. Cível, rel. Sandra Brisolara Medeiros, j. em 22.01.2014); “Os entes estatais são solidariamente responsáveis pelo atendimento do direito fundamental ao direito à saúde, não havendo razão para cogitar em ilegitimidade passiva ou em obrigação exclusiva de um deles. Nem mesmo se o remédio, substância ou tratamento postulado não se encontre na respectiva lista, ou se encontra na lista do outro ente. Direito à Saúde, Separação de Poderes e Princípio da Reserva do Possível. A condenação do Poder Público para que forneça tratamento médico ou medicamento à criança e ao adolescente, encontra respaldo na Constituição da República e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Em razão da proteção integral constitucionalmente assegurada à criança e ao adolescente, a condenação dos entes estatais ao atendimento do direito fundamental à saúde não representa ofensa aos princípios da separação dos poderes, do devido processo legal, da legalidade ou da reserva do possível. Direito, Política e Indisponibilidade Orçamentária. A falta de previsão orçamentária do Estado para fazer frente às despesas com obrigações relativas à saúde pública revela o descaso para com os administrandos e a ordem constitucional, e que não afasta ou fere a independência dos Poderes. A Denominação Comum Brasileira para medicamentos genéricos. A imposição legal referida no art. 3.º da Lei 9.787 de 10/02/1999 não interessa para efeitos de condenação do ente público ao fornecimento de medicamentos. Cabe ao Estado no momento da aquisição do medicamento buscar saber o nome genérico do medicamento, não sendo esta obrigação do particular que busca o direito à saúde. Descabe condenação em custas processuais nas ações da competência do juízo da infância e da juventude, nos termos do art. 141, § 2.º do ECA” (Apelação Cível 70052761566, 8.ª Câm. Cível, rel. Rui Portanova, 28.02.2013). 10. Portadores de deficiência: o atendimento especializado, ao qual se refere este dispositivo, deve ser interpretado de maneira ampla, de modo a garantir o princípio da proteção integral. Na jurisprudência: STJ: “1. Mandado de Segurança impetrado pelo Ministério Público, em face de município, visando a proteção de direito líquido e certo de menor portador de ‘Síndrome de Down’ e hipotiroidismo, ao transporte gratuito e adequado a deficiência, para o deslocamento a centro de tratamento para reabilitação. 2. A análise da comprovação, pelo menor, dos requisitos necessários a inserção no programa, a fim de garantir o acesso ao transporte pelo Município implica em análise fático-probatória, razão pela qual descabe a esta Corte Superior referida apreciação em sede de recurso especial, porquanto é-lhe vedado atuar como Tribunal de Apelação reiterada ou Terceira Instância revisora, ante a ratio essendi da Súmula n.º 07/STJ, verbis: ‘A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial’. 3. In casu, assentou o Tribunal a quo que uma vez demonstrada a deficiência e constatada a necessidade do transporte, a fim de ser realizado o tratamento necessário a saúde do menor, este direito é constitucionalmente garantido, verbis: ‘A pretensão não atende aos interesses do infante, pois não há como negar que ele tem esse direito, em vista do princípio da proteção integral do menor frente à legislação especial e constitucional. Não se pode deixar de aplicar direito absoluto, interligado aos direitos à vida, à saúde, à educação, essenciais para o menor, como prescreve a legislação, em detrimento de um atendimento cronológico, não previsto em lei.’ (fls. 102/103) 4. Configurada a necessidade do recorrido de ver atendida a sua pretensão posto legítima e constitucionalmente garantida, uma vez assegurado o direito à saúde e, em última instância, à vida. A saúde, como de sabença, é direito de todos e dever do Estado. 5. À luz do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, valor erigido com um dos fundamentos da República, impõe-se a concessão do transporte para realização de tratamento da deficiência, como instrumento de efetividade da regra constitucional que consagra o direito à saúde. 4. O Município de São Paulo é parte legítima para figurar no polo passivo de demandas cuja pretensão é o fornecimento de medicamentos e condições para tratamento imprescindíveis à saúde de pessoa carente. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, negado provimento” (REsp 937.310/SP, 1.ª Turma, rel. Luiz Fux, 09.12.2008, v.u.). TJMG: “1 – Verificando-se, no caso concreto, que o autor é menor e deficiente físico necessitado de tratamento com medicação e prótese a serem fornecidos pela rede conveniada do Sistema Único de Saúde, devem ser julgados procedentes os pedidos de providências, diante da existência, nos autos, da declaração de médico conveniado ao SUS e de ortopedista, por força dos arts. 11, § 2.º, 212 e 213 da Lei n.º 8.069/90. 2 – Sentença confirmada, em reexame necessário. Prejudicada a apelação” (Apelação Cível 1.0145.03.059417-3/001, 8.ª Câm. Cível, rel. Edgard Penna Amorim, 17.05.2007, v.u.). TJRS: “Agravo de instrumento. ECA. Ação ordinária. Deficiente auditivo. Professor especializado em libras (língua brasileira de sinais). Obrigação do ente público de fornecê-lo. Antecipação de tutela. Cabimento. Condenação ao pagamento de multa. Descabimento. 1. O ECA estabelece tratamento preferencial a crianças e adolescentes, mostrando-se necessário o pronto fornecimento de atendimento psicológico com profissional especializado em libras de que necessita o adolescente. 2. Há exigência de atuação integrada da União, dos Estados e dos Municípios para garantir o direito à saúde de crianças e adolescentes, do qual decorre o direito ao fornecimento do amplo atendimento à saúde. Inteligência dos art. 196 e 198 da CF e art. 11, § 2.º, do ECA. 3. A prioridade estabelecida pela lei enseja a responsabilização do poder público, sendo irrelevante a alegação de escassez de recursos ou inexistência nos estoques, o que o obrigaria a alcançar os medicamentos, ainda que obtido sem licitação, em estabelecimento particular, a ser custeado pelo Estado e ou pelo Município. 4. A antecipação de tutela consiste na concessão imediata da tutela reclamada na petição inicial, desde que haja prova inequívoca capaz de convencer da verossimilhança da alegação e, ainda, que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, o que vem demonstrado nos autos. Inteligência do art. 273 do CPC. 5. Não é adequada a imposição de pena pecuniária contra os entes públicos, quando existem outros meios eficazes de tornar efetiva a obrigação de fazer estabelecida na sentença, sem afetar as já combalidas finanças públicas. Recurso provido em parte” (Tribunal de Justiça do RS, Agravo de Instrumento 70053667341, 7.ª Câm. Cível,rel. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. em 17.07.2013); “1. A Constituição Federal (art. 196) preceitua que ‘saúde é direito de todos e dever do Estado’, aí entendido em sentido amplo, contemplando os entes federados União, Estados e Municípios, solidariamente. 2. Clara a necessidade pelo laudo médico, que é explícito quanto à indicação da cirurgia ao quadro do paciente portador de paralisia cerebral (CID10 G80) e devidamente assinado por médico credenciado que faz o acompanhamento da paciente na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). 3. A desnecessidade de esgotamento da via administrativa para o ingresso de demanda judicial é de conhecimento geral, forte nos muitos precedentes dessa Câmara. 4. Sendo a única fonte de comprovação da urgência o laudo do médico que acompanha o menor e não estando esse apto para tal propósito, não há como, em sede de cognição sumária, exaurir o objeto da demanda e prover o presente agravo, com o fim de deferir, em antecipação de tutela, o procedimento cirúrgico pleiteado” (Tribunal de Justiça do RS, Agravo de Instrumento 70048203574, 8.ª Câm. Cível, rel. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 24.05.2012). 11. Fornecimento gratuito de medicamentos e outros recursos: mais uma vez, seguindo-se o disposto no art. 196 da CF, como vigor político, poder-se-ia resolver vários problemas sem a necessidade de edição de lei. Por outro lado, como já mencionamos em nota anterior, chega a ser interessante e peculiar este dispositivo, pois, na prática, o Estado deixa de fornecer medicamentos e outros recursos a quem necessita, obrigando muitos enfermos a recorrer ao Judiciário para obter o indispensável à sua sobrevivência. E quando os juízes deferem os pedidos, obrigando o Estado a fornecer determinado medicamento básico (e nem se insira nesse contexto qualquer remédio importado) para a saúde do autor da ação, a Procuradoria do Estado ou a Advocacia da União impugna, sob o argumento de estar o Judiciário exorbitando, pois a política de saúde é privativa do Executivo. Seria o mesmo que dizer: se o Executivo quiser fornecer o remédio, fornece; se não quiser, provocando a morte do doente, não é problema do Judiciário. Ora, quem, afinal, zela pelo fiel cumprimento da Constituição Federal? Os Três Poderes, sem dúvida. E quando um falha, há o outro para corrigir. Conferir: TJMG: “Em observância ao disposto, sobretudo aos artigos 6.º e 196, da Constituição Federal, os municípios, assim como os estados-membros e a própria União Federal, estão obrigados, ainda que por intermédio de prestações positivas, a promover o direito fundamental à saúde dos munícipes, mormente quando se trata de criança e adolescente cujo estatuto próprio reforça mencionado dever estatal, (arts. 7.º, 11, parágrafos 1.º e 2.º, do ECA)” (Ap. Cível/Reex. Necessário 1.0223.08.245761-3/001, 6.ª Câm. Cível, rel. Selma Marques, 07.01.2014, v.u.); “Reexame necessário. Direito à saúde. Menor. Condenação da municipalidade ao fornecimento de transporte para o acesso ao tratamento médico necessário. Obediência aos princípios constitucionais. ECA. Presunção especial e absoluta. O direito fundamental à vida e à saúde da criança e do adolescente goza de proteção integral nos termos da Constituição Federal, de modo que presumida a incapacidade ante a menoridade e demonstrada a necessidade fática do transporte adequado para o atendimento específico à saúde do adolescente, forçoso reconhecer o dever público de atendimento especial, diferenciado e integral” (Reexame Necessário-Cv 1.0141.12.001731-6/001, 5.ª Câm. Cível, rel. Versiani Penna, 07.11.2013, v.u.). TJRS: “1. O ECA estabelece tratamento preferencial a crianças e adolescentes, mostrando-se necessário o pronto fornecimento do atendimento de que necessitam o nascituro e a gestante, cuja família não tem condições de custear. 2. Há exigência de atuação integrada da União, dos Estados e dos Municípios para garantir o direito à saúde de crianças e adolescentes, do qual decorre o direito ao fornecimento do amplo atendimento à saúde. Inteligência dos art. 196 e 198 da CF e art. 11, § 2.º, do ECA. 3. A prioridade estabelecida pela lei enseja a responsabilização do poder público, sendo irrelevante a alegação de escassez de recursos ou inexistência nos estoques, o que o obrigaria a alcançar o atendimento à saúde, ainda que obtido sem licitação, em estabelecimento particular, a ser custeado pelo Estado e ou pelo Município” (Tribunal de Justiça do RS, Apelação Cível 70056864952, 7.ª Câm. Cível, rel. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. em 13.11.2013). TJBA: “É dever dos entes públicos promover, solidariamente, o atendimento à saúde de crianças e adolescentes, nos termos do art. 196, da Constituição Federal e art. 11, § 2.º do ECA. Havendo comprovação da necessidade do uso do medicamento – leite de soja (APTAMIL soja), para tratamento do refluxo gastroesofágico e intolerância à lactose que acometem o infante, bem assim da impossibilidade da família em adquiri-los, impõe-se o julgamento de procedência do pedido. Sentença integrada em necessário reexame” (REEX 00057379220088050032, 3.ª Câm. Cível, rel. Rosita Falcão de Almeida Maia, DJ 02.11.2013, v.u.). 12. Fornecimento de fraldas: o poder público deve fornecer não apenas medicamentos e próteses, mas todos os recursos relativos ao tratamento, habilitação e reabilitação da criança ou adolescente, significando, portanto, o fornecimento de fraldas. Quem está em tratamento, sem poder sair da cama, por exemplo, necessita disso para ter qualidade de vida enquanto se cuida. Conferir: TJMG: “Reexame necessário. Ação cominatória. Direito à saúde. Menor deficiente. Hipossuficiência. Fraldas descartáveis prescritas por médico do SUS. Necessidade comprovada. Atendimento integral assegurado pelo ECA (Lei n.º 8.069/90). Responsabilidade do município. Direito constitucional assegurado. Sentença mantida. Diante da comprovação do debilitado estado clínico do autor e da indispensabilidade das fraldas descartáveis requeridas, tendo em vista a necessária manutenção de sua dignidade e de seu mínimo bem-estar, além da impossibilidade financeira de custear o uso continuado deste insumo, deve ser mantida a sentença que determinou ao Município de Belo Horizonte o custeio do tratamento, mesmo porque prevalece, na hipótese, o direito à vida, devendo também ser respeitada a doutrina do atendimento integral a crianças e adolescentes, assegurado pelo ECA” (Reexame Necessário-Cv 1.0024.12.114552-8/002, 1.ª Câm. Cível, rel. Geraldo Augusto, 05.11.2013). Art. 12. Os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente.13 13. Acompanhante de criança ou adolescente: qualquer estabelecimento de atendimento à saúde (clínicas, hospitais, prontos-socorros etc.), público ou particular, deve viabilizar a permanência do pai, da mãe ou de um responsável junto do internado durante as 24 horas do dia. A medida é salutar, pois o infante ou jovem sempre é um doente mais frágil que o adulto, até pela falta de amadurecimento e compreensão do que lhe acontece. Entretanto, é preciso destacar que se trata de um direito e não de uma obrigação. Há estabelecimentos que se recusam a internar o menor de 18 anos se não tiver o acompanhamento de um adulto responsável. Essa conduta é negar atendimento a quem precisa; verdadeira omissão de socorro. Por outro lado, em especial, nos hospitais públicos as condições oferecidas aos pais ou responsáveis da criança ou adolescente não passam de uma cadeira ao lado do leito hospitalar – isso quando se encontra um leito. É preciso coragem legislativa para ir além da mera previsão de um direito; torna-se fundamental fixar as condições exatas para o seu exercício, dentro da órbita da dignidade humana, prevendo-se sanção para o descumprimento. Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente serãoobrigatoriamente14 comunicados15-16 ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais.17 Parágrafo único. As gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas à Justiça da Infância e da Juventude.18-19 14. Comunicação obrigatória: está-se no cenário do atendimento à saúde infantojuvenil, motivo pelo qual a obrigação prevista neste dispositivo diz respeito ao responsável pelo estabelecimento médico-hospitalar. Faz par com o art. 245 deste Estatuto, prevendo multa administrativa para o médico ou outro responsável pelo estabelecimento de atenção à saúde que deixar de comunicar os maus-tratos constatados à autoridade competente. Esta pode ser o Conselho Tutelar, o delegado de polícia, o membro do Ministério Público e até mesmo o juiz da Infância e da Juventude. Embora o art. 13 determine seja avisado o Conselho Tutelar, sem prejuízo de outras providências (como o registro de um boletim de ocorrência ou termo circunstanciado), na realidade, a infração administrativa não exige o Conselho Tutelar, podendo ser avisada qualquer autoridade competente da área infantojuvenil. Trata-se de uma contradição – dentre tantas – constante nesta Lei. “A informação às autoridades é obrigação do médico. Muitas vezes, a proteção implica abrigar a criança, devido à gravidade da violência. Convém lembrar que o agressor, na maioria das vezes, reside sob o mesmo teto. Outras ocasiões comportam medidas legitimadas pela Procuradoria de Estado para o cumprimento, por parte dos pais e demais, das metas terapêuticas predeterminadas pela equipe, tanto da criança quanto de familiares. O discurso entre a equipe de saúde e o Ministério Público deve ter fluência e comprometimento, pois a tendência é que os fatos caiam no esquecimento” (Marcia Regina Machado Santos Valiati, Desenvolvimento da criança e do adolescente. Avaliação e intervenção, p. 189). 15. Denuncismo: na anterior redação do art. 13, mencionava-se apenas os maus-tratos sofridos pela criança ou adolescente. Podia-se encontrar uma base para a expressão no art. 136 do Código Penal: “expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina”. Entretanto, a Lei 13.010/2014 (denominada Lei da Palmada) incluiu os seguintes dados: castigo físico e tratamento cruel ou degradante. Manteve a expressão maus-tratos. É fundamental não haver uma onda inadequada de denúncias levianas, vindas de pessoas bisbilhoteiras, cuja principal diversão ou ocupação é cuidar da vida dos outros. Assim sendo, invasões da intimidade alheia podem levar a supor que pais ou outros responsáveis estejam excedendo-se no trato com seus filhos, tutelados ou pupilos, quando, na realidade, cumprem a sua função básica de criar e educar, conforme o poder familiar lhes autoriza. Uma simples suspeita, levada a um membro de Conselho Tutelar (leigo em questões jurídicas), por exemplo, pode incomodar, gravemente, a paz e a tranquilidade de uma família de bem. É preciso considerar a seriedade de um processo administrativo, instaurado para apurar uma simples palmada, considerada por alguém como castigo físico. Enfim, somente o bom senso irá ditar os caminhos seguidos por este artigo, na sua nova redação. 16. Suspeita fundada: se há o dever, imposto em lei, para noticiar às autoridades qualquer forma de violência ou abuso contra criança ou adolescente, naturalmente não se deve processar – civil ou criminalmente – quem o faz, a menos que atue dolosamente, comunicando algo que sabe ser falso. Conferir: TJSC: “Responsabilidade civil. Indenização por danos morais. Autor indiciado em inquérito policial e preso temporariamente em razão de suspeita da prática de crime de estupro em desfavor da própria filha. Notitia criminis formulada pelos réus perante a autoridade policial. Exame de conjunção carnal que atesta a integridade do hímen da infante. Arquivamento do inquérito policial e revogação da prisão temporária. Inexistência de denúncia ou vinculação do autor a qualquer ação penal. Fato que ficou restrito ao conhecimento das partes e das autoridades policiais competentes. Inexistência de graves prejuízos ao autor. Mero dissabor incapaz de configurar dano à moral. Réus que apenas declararam suas suspeitas para as autoridades, mas que não foram responsáveis pela abertura do inquérito policial ou pela segregação do autor. Dever de indenizar inexistente. Requisitos dos arts. 159 do Código Civil/1916 (correspondente ao art. 186 do CC/2002) e 927 do atual Código Civil não configurados. Inteligência, ademais, dos arts. 4.º, 5.º, 13, 17 e 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Sentença reformada. Recurso dos réus provido. Prejudicado o recurso adesivo. A provocação da autoridade policial a fim de que seja apurada suposta prática de infração penal é um direito não apenas do ofendido, como de toda e qualquer pessoa do povo (art. 5.º, II e § 3.º, do CPP). Diante disto, a jurisprudência tem entendido, quase que unanimemente, como descabida a indenização ao indiciado por danos decorrentes de inquérito policial posteriormente arquivado, a menos que aquele que deu causa à instauração tenha, comprovadamente, agido dolosamente ou de má-fé. É dizer, somente quando a pretensa vítima descamba do exercício regular para o abuso de seu direito poderá ser civilmente responsabilizada (Des.ª Maria do Rocio Luz Santa Ritta). ‘É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.’ (art. 4.º do ECA). ‘Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão aos seus direitos fundamentais.’ (art. 5.º do ECA). ‘Os casos de suspeita ou confirmação de maus- tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências.’ (art. 13 do ECA). ‘O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.’ (art. 17 do ECA). ‘É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.’ (art. 18 do ECA)” (AC 190.974/SC 2006.019097-4, 3.ª Câm. de Direito Civil, rel. Marcus Tulio Sartorato, 08.10.2007, v.u.). 17. Outras providências legais: conforme o grau de lesão sofrida pela criança ou adolescente, detectado pela equipe hospitalar, o principal é comunicar à polícia para a instauração de inquérito. Pode-se levar o caso ao conhecimento direto do membro do Ministério Público ou até mesmo ao Juiz da Infância e Juventude. Por isso, a comunicação ao Conselho Tutelar é, em verdade, suplementar (somente em casos mais leves). Ou, ainda, quando se faz paralelamente a cientificação de outras autoridades. 18. Encaminhamento obrigatório: a disposição deste parágrafo único é, no mínimo, estranha. Em primeiro lugar, deve- se ressaltar o ponto positivo deste Estatuto, ao prever, no art. 8.º, § 5.º, a assistência psicológica à gestante ou mãe que manifeste o interesse em entregar seu filho para adoção. Cessa-se o elogio e inicia-se a crítica, pois neste art. 13, parágrafo único, fixa-se o encaminhamento obrigatório dessas gestantes ou mães à Vara da Infância e Juventude. Aconselhar e orientar, em nível psicológico, é uma coisa, inclusiverecomendando às gestantes ou mãe a procura da referida Vara, mas encaminhar à força é algo totalmente inadequado. Pode-se dizer que o termo obrigatoriamente é somente um alerta aos médicos e demais profissionais de saúde para que não desviem as gestantes e mães do Judiciário, permitindo, por exemplo, que elas contatem outros pais para seus filhos. Mesmo assim, duas observações: a) não há sanção alguma aos responsáveis pelo estabelecimento de saúde se não encaminharem as gestantes ou mães à Vara da Infância e Juventude; b) à força, por qualquer meio coercitivo, constitui nítido abuso à liberdade de locomoção, sanável por habeas corpus. Em suma, é mais uma norma de pura recomendação. Entende-se a preocupação do legislador, pois esse parágrafo foi incluído pela Lei 12.010/2009, justamente a que criou a lista de espera de crianças por adultos ansiosos por terem filhos. Quer-se a colaboração do médico, por exemplo, para levar a gestante ou mãe ao fórum para que ali “entregue” seu filho, que entrará na lista para satisfazer um casal qualquer, pouco interessando se a sua mãe biológica gosta ou não, confia ou não nessas pessoas. Trataremos da adoção dirigida mais adiante. 19. Preconceito com relação às mães: um ponto importante é preciso ser abordado. As gestantes ou mães que decidem doar seus filhos, por razões variadas, não devem ser criticadas ou consideradas pessoas maldosas ou desonestas. Ao contrário, essas são as mães conscientes, que assim agem em benefício e por amor aos seus filhos, pois têm plena noção de que não poderão cuidar deles satisfatoriamente. É muito melhor para as crianças a entrega em juízo para adoção do que o abandono, puro e simples, em qualquer terreno baldio. O que se critica, na verdade, é o impedimento criado pela Lei 12.010/2009 para que tais mães possam entregar seus filhos a pessoas conhecidas, de sua confiança, com as quais poderão, no futuro, ter contato e notícias da criança. A vedação à adoção dirigida, segundo entendemos, é um malefício. No mais, sem dúvida, entregar a criança ao poder público é positivo, pois evita abuso, maus-tratos, violência e outros males dirigidos ao menor. “A atitude social preconceituosa em relação a essas mulheres é um dos fatores que em muito contribui para que essas crianças não cheguem ao Judiciário. (...) Uma vez nascida a criança e entregue em adoção, ocorre uma abrupta modificação. As regras e até a linguagem para designá-la relegam, então, a mãe biológica a um estado de ‘não ser’, ou à categoria de pessoa má, desumana e sem princípios morais e éticos. Configura-se assim a postura paradoxal que caracteriza a atitude em relação a estas mulheres no decorrer de todo o processo: de um lado, a expectativa para que a entrega se concretize; de outro, a censura feroz em relação à mesma. (...) Permanecer com a criança sem que a mãe tenha ‘ciência’ dos motivos e das consequências da decisão pode ser igualmente desastroso. Se a mãe permanece com a criança sem realmente desejar fazê-lo, pode futuramente vir a engrossar as fileiras das mães que maltratam seus filhos, que os ignoram, que lhes infligem castigos inomináveis ou os criam nas ruas ou até chegam a situações extremas de abandono ou infanticídio. (...) As crianças que não são entregues ao Judiciário porque a mãe sente-se envergonhada ou temerosa de fazê-lo e que são depois entregues ao ‘primeiro interessado’, ou deixadas na igreja, na rua, no metrô também testemunham a importância de que se cuide do processo de decisão da mãe. Igualmente fazem seus testemunhos as crianças que nos escandalizam quando aparecem na mídia abandonadas, expostas, correndo perigo de vida” (Maria Antonieta Pisano Motta, “As mães que abandonam e as mães abandonadas”. In: Luiz Schettini Filho e Suzana Sofia Moeller Schettini (org.). Adoção. Os vários lados dessa história, p. 20-23). Art. 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos. Parágrafo único. É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.20 20. Obrigatoriedade de vacinação: é perfeitamente admissível – e até recomendável – que o poder público obrigue, por meio de ordem judicial ou do Conselho Tutelar, que os pais encaminhem seus filhos à vacinação obrigatória. Conferir: TJRS: “1) De acordo com o art. 14, parágrafo único, do ECA, é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. Incidência da Portaria n.º 3.318/2010, do Ministério da Saúde, que elenca as vacinas obrigatórias para crianças, adolescentes, adultos e idosos. 2) Irretocável a aplicação de medida protetiva para, após avaliação por médico pediatra, submeter o menor às vacinas obrigatórias, observada sua idade” (Tribunal de Justiça do RS, Apelação Cível 70053524765, 8.ª Câm. Cível, rel. Ricardo Moreira Lins Pastl, j. em 18.04.2013). Capítulo II DO DIREITO À LIBERDADE, AO RESPEITO E À DIGNIDADE
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