Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 2 PRÓ-REITORIA DE ENSINO 2014 COLETÂNEA FORMAÇÃO SOCIOCULTURA E ÉTICA Ensino Presencial (1º SEMESTRE) Ensino a Distância (MÓDULO 51) Primeiro Eixo Temático Organizadoras Cristina Herold Constantino Débora Azevedo Malentachi Colaboradoras Fabiana Sesmilo de Camargo Caetano Aline Ferrari Direção Geral Valdecir Antônio Simão 3 SUMÁRIO Apresentação...................................................................................................................... 04 Considerações iniciais...................................................................................................... 05 LEITURA.............................................................................................................................. 06 Ler devia ser proibido........................................................................................................... 06 Ler e prazer.......................................................................................................................... 08 Ler pouco............................................................................................................................. 10 O poder da comunicação e a preguiça de pensar............................................................... 11 A cultura do mínimo............................................................................................................. 13 Cinco dicas para ler mais e melhor...................................................................................... 14 TEXTOS SELECIONADOS.................................................................................................. 17 A ética e a produção do conhecimento hoje........................................................................ 17 Culto, inculto: cultura............................................................................................................ 20 Ética e cultura....................................................................................................................... 23 A cultura e as diferentes concepções apreendidas nas determinações históricas.............. 24 O universo das artes............................................................................................................ 26 Por uma ética da arte........................................................................................................... 30 Breve história da arte........................................................................................................... 33 Pintores mais famosos da arte moderna e suas obras........................................................ 35 Entendendo Salvador Dali................................................................................................... 39 O pintor realista que retratou fielmente a vida campestre................................................... 45 Questões ambientais são tema de exposição no Rio.......................................................... 46 E a partida começa no Brasil e no Rio Grande do Sul......................................................... 49 Civilizar pela música: a inquietação da elite intelectual....................................................... 56 Cultura e arte bem perto de você......................................................................................... 57 Frases e curiosidades.......................................................................................................... 62 Músicas................................................................................................................................ 63 Filmes................................................................................................................................... 68 Tiras do Calvin..................................................................................................................... 70 Considerações finais......................................................................................................... 72 4 APRESENTAÇÃO A Formação Sociocultural e Ética (FSCE) compõe um dos Projetos de Ação da UniCesumar, cujo principal objetivo é aperfeiçoar habilidades e estratégias de leitura fundamentais para seu desempenho pessoal, acadêmico e profissional. Nesse sentido, esta disciplina corresponde à missão institucional, a qual consiste em “Promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária”. Conforme slogan da FSCE, “Quem faz sabe mais e faz a diferença!”, o conhecimento adquirido por meio da leitura é a mola propulsora capaz de formar e transformar sujeitos passivos em cidadãos ativos, preparados para fazer a diferença na sociedade como um todo! Na FSCE, você terá contato com vários assuntos e fatos que ocorrem na sociedade atual e que devem fazer parte do repertório de conhecimentos de todos os que buscam compreender criticamente seu entorno social, nacional e internacional. Em síntese, no intuito de atender ao objetivo desta disciplina, a FSCE está dividida em cinco grandes eixos temáticos: Ética, Cultura e Arte – Ética e Política – Ética e Sociedade – Ética e Economia – Ética e Meio Ambiente. Este material, também chamado de Coletânea, é o principal instrumento de estudo da FSCE. Recebe o nome de Coletânea porque reúne vários gêneros textuais criteriosamente selecionados para estimular sua reflexão e análise pontuais. Textos retirados de diferentes fontes, com a finalidade de abordar recortes temáticos relacionados aos conteúdos de cada eixo supracitado. Tem como principal objetivo ser um material de apoio à sua formação geral, servindo-lhe de estímulo à leitura, interpretação e produção textual. Uma Coletânea como esta é organizada a cada três semanas, ou seja, o percurso ou realização de cada eixo temático da FSCE ocorre no período de 21 dias. Cada Coletânea apresenta-se, inicialmente, com uma introdução, seguida por aspectos relacionados à leitura, interpretação e/ou escrita, os quais antecedem a apresentação dos diversos textos referentes aos respectivos eixos. A sequência de textos normalmente é finalizada com os gêneros música, poesia ou frases e charges, sendo finalmente concluída com breves considerações finais. Você tem em suas mãos, portanto, uma compilação por meio da qual terá acesso a um conteúdo seleto de textos basilares para sua reflexão, aprendizagem e construção de conhecimentos valiosos. Textos compostos por fatos, notícias, ideias, argumentos, aspectos veiculados nos principais meios de comunicação do país, além de respaldos teóricos e práticos acerca da linguagem que poderão servir como suporte à sua vida em todas as instâncias. Faça deste material sua porta de entrada para a aquisição de novos conhecimentos. E lembre-se: “Ler é pensar! Vista a camisa do conhecimento e seja MAIS!” Organizadoras 5 Considerações Iniciais Não quero faca, nem queijo. Eu quero a fome! O desejo que Adélia Prado eternizou nessas palavras, versos de um de seus poemas, instiga a inevitável pergunta: “Eu e você temos fome de quê?” Nem sempre um prato exuberante diante dos nossos olhos, repleto das delícias mais refinadas e saborosas, é suficiente para abrir o apetite se, definitivamente, não há o menor sinal de fome. Porém, a partir do momento que a desejamos e temos a consciência de que uma vida saudável requer uma boa alimentação, a fome pode começar pelos olhos. O mesmo se aplica a uma estante cheia de livros. Se não há fome de conhecimento, os livros permanecem intactos. Entretanto, a partir do momento em que temos consciência sobre a importância da leitura e fazemos a opção pelo desejo de sentir essa fome,esta é a motivação inicial necessária para que o primeiro passo seja dado rumo aos livros, às leituras, ao conhecimento. Todo material de leitura engajado em promover conhecimento é um prato cheio para saciar essa fome. É também um convite para a ação capaz de formar, enriquecer e transformar. Não há como mergulhar dentro de um texto e sair dele a mesma pessoa de outrora, a não ser que este mergulho aconteça de modo extremamente raso e alienado. Principalmente, em se tratando de Cultura e Arte não há como ficar passivo e imune ao universo de conteúdos por trás das formas, de essências por trás de aparências, dos sentimentos que pulsam por trás da razão, de significados por trás dos signos. Só ficará imune a tudo isso o olhar que se recusa a ler de mãos dadas com a atitude atenta, reflexiva, observadora, questionadora. Neste material, propomos ampliar conhecimentos sobre Arte e Cultura, e a relação destas com a Ética, e nosso passeio não poderia começar por outro caminho a não por este: a leitura. Textos oportunos para aprimorar conceitos, realizar reflexões pontuais e iniciar sua autoavaliação enquanto leitor. Em seguida, vamos explorar os artigos selecionados para o eixo temático desta Coletânea. Primeiramente, o que de fato significam ética, arte e cultura? Você terá a oportunidade de constatar que a resposta para tal pergunta não é tão óbvia quanto parece. A questão exige profundidade e será preciso caminhar um pouco pelas estradas da filosofia para respondê-la adequadamente. Posteriormente, um pouco mais sobre arte. Em ano de Copa, vamos visitar o futebol, mais que um esporte que levanta torcidas, uma das artes que mais emociona povos de todas as nações, além de nos representar como cultura. Em seguida, o meio ambiente em exposição, pintores famosos, música, mais cultura, filmes, frases e tiras. Aproveite o quanto puder este passeio pelos caminhos da arte, da cultura, da ética, da expressão, da formação humana... Organizadoras 6 LEITURA Tudo o que preparamos para você, nesta disciplina, só terá mesmo razão de ser a partir do momento em que o sentido da leitura realmente fluir de dentro para fora, dos teus pensamentos para o papel. Os olhos não podem ver o que o pensamento não quer ou não consegue enxergar e, definitivamente, mudanças só ocorrem quando iniciadas internamente. Para isso, precisamos parar e pensar fundo em algumas questões... Uma delas diz respeito à leitura e o modo como você lê. Sim, este é o ponto crucial capaz de abrir portas para mudanças significativas, tanto na sua vida acadêmica e profissional, quanto pessoal. Então, este é o nosso convite inicial para você: avalie a leitura e se autoavalie enquanto leitor! Ler devia ser proibido Guiomar de Grammont A pensar fundo na questão, eu diria que ler devia ser proibido. Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para realidades impossíveis, tornando-os incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em que vivem. A leitura induz à loucura, desloca o homem do humilde lugar que lhe fora destinado no corpo social. Não me deixam mentir os exemplos de Dom Quixote e Madame Bovary. O primeiro, coitado, de tanto ler aventuras de cavalheiros que jamais existiram meteu-se pelo mundo afora, a crer-se capaz de reformar o mundo, quilha de ossos que mal sustinha a si e ao pobre Rocinante. Quanto à pobre Emma Bovary, tomou-se esposa inútil para fofocas e bordados, perdendo-se em delírios sobre bailes e amores cortesãos. Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que tudo pode ser de outra forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve um poder incontrolável. Liberta o homem excessivamente. Sem a leitura, ele morreria feliz, ignorante dos grilhões que o encerram. Sem a leitura, ainda, estaria mais afeito à realidade quotidiana, se dedicaria ao trabalho com afinco, sem procurar enriquecê-la com cabriolas da imaginação. 7 Sem ler, o homem jamais saberia a extensão do prazer. Não experimentaria nunca o sumo Bem de Aristóteles: o conhecer. Mas para que conhecer se, na maior parte dos casos, o que necessita é apenas executar ordens? Se o que deve, enfim, é fazer o que dele esperam e nada mais? Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie atalhos para caminhos que devem, necessariamente, ser longos. Ler pode gerar a invenção. Pode estimular a imaginação de forma a levar o ser humano além do que lhe é devido. Além disso, os livros estimulam o sonho, a imaginação, a fantasia. Nos transportam a paraísos misteriosos, nos fazem enxergar unicórnios azuis e palácios de cristal. Nos fazem acreditar que a vida é mais do que um punhado de pó em movimento. Que há algo a descobrir. Há horizontes para além das montanhas, há estrelas por trás das nuvens. Estrelas jamais percebidas. É preciso desconfiar desse pendor para o absurdo que nos impede de aceitar nossas realidades cruas. Não, não deem mais livros às escolas. Pais, não leiam para os seus filhos, pode levá-los a desenvolver esse gosto pela aventura e pela descoberta que fez do homem um animal diferente. Antes estivesse ainda a passear de quatro patas, sem noção de progresso e civilização, mas tampouco sem conhecer guerras, destruição, violência. Professores, não contem histórias, pode estimular uma curiosidade indesejável em seres que a vida destinou para a repetição e para o trabalho duro. Ler pode ser um problema, pode gerar seres humanos conscientes demais dos seus direitos políticos em um mundo administrado, onde ser livre não passa de uma ficção sem nenhuma verossimilhança. Seria impossível controlar e organizar a sociedade se todos os seres humanos soubessem o que desejam. Se todos se pusessem a articular bem suas demandas, a fincar sua posição no mundo, a fazer dos discursos os instrumentos de conquista de sua liberdade. O mundo já vai por um bom caminho. Cada vez mais as pessoas leem por razões utilitárias: para compreender formulários, contratos, bulas de remédio, projetos, manuais etc. Observem as filas, um dos pequenos cancros da civilização contemporânea. Bastaria um livro para que todos se vissem magicamente transportados para outras dimensões, menos incômodas. E esse o tapete mágico, o pó de pirlimpimpim, a máquina do tempo. Para o homem que lê, não há fronteiras, não há cortes, prisões tampouco. O que é mais subversivo do que a leitura? A maior aventura de um ser humano é viajar e a maior viagem que alguém pode empreender é para dentro de si mesmo. E o modo mais emocionante de realizá- la é ler um livro, pois um livro revela que a vida é o maior de todos os livros, mas é pouco útil para quem não souber ler nas entrelinhas e descobrir o que as palavras disseram. No fundo, o leitor é o autor da sua própria história. (Augusto Cury) 8 É preciso compreender que ler para se enriquecer culturalmente ou para se divertir deve ser um privilégio concedido apenas a alguns, jamais àqueles que desenvolvem trabalhos práticos ou manuais. Seja em filas, em metros, ou no silêncio da alcova. Ler deve ser coisa rara, não para qualquer um. Afinal de contas, a leitura é um poder, e o poder é para poucos. Para obedecer não é preciso enxergar, o silêncio é a linguagem da submissão. Para executar ordens, a palavra é inútil. Além disso, a leitura promove a comunicação de dores e alegrias, tantos outros sentimentos. A leitura é obscena. Expõe o íntimo, torna coletivo o individual e público, o secreto, o próprio. A leitura ameaça os indivíduos, porque os faz identificar sua história a outras histórias. Torna-os capazes de compreender e aceitar o mundo do outro. Sim, a leitura devia ser proibida. Ler pode tornar o homem perigosamente humano. Disponível em: http://paginaporpagina.wordpress.com/tag/ler-deveria-ser-proibido/. Acesso em: 10fev. 2014. (Adaptado) Ler e prazer Rubem Alves Nietzsche estava certo: “De manhã cedo, quando o dia nasce, quando tudo está nascendo – ler um livro é simplesmente algo depravado...” É o que sinto ao andar pelas manhãs pelos maravilhosos caminhos da Fazenda Santa Elisa, do Instituto Agronômico de Campinas. Procuro esquecer-me de tudo que li nos livros. É preciso que a cabeça esteja vazia de pensamentos para que os olhos possam ver. Aprendi isso lendo Alberto Caeeiro, especialista inigualável na difícil arte de ver. Dizia ele que “pensar é estar doente dos olhos...” Mas meus esforços são frustrados. As coisas que vejo são como o beijo do príncipe: elas vão acordando os poemas que aprendi de cor e que agora estão adormecidos na minha memória. Assim, ao não pensar da visão une-se o não pensar da poesia. E penso que o meu mundo seria muito pobre se em mim não estivessem os livros que li e amei. Pois, se não sabem, somente as coisas amadas são guardadas na memória poética, lugar da beleza. “Aquilo que a memória amou fica eterno”, tal como o disse a Adélia Prado, amiga querida. Os livros que amo não me deixam. Caminham comigo. Há os livros que moram na cabeça e vão se desgastando com o tempo. Esses, eu deixo em casa. Mas há os livros que moram no corpo. Esses são eternamente jovens. Como no amor, uma vez não chega. De novo, de novo, de novo... Um amigo me telefonou. Tinha uma casa em Cabo Frio. Convidou-me. Gostei. Mas meu sorriso entortou quando ele disse: “Vão também cinco adolescentes...” Adolescentes podem ser uma alegria. Mas podem ser também uma perturbação para o espírito. Assim, resolvi tomar minhas providências. Comprei uma arma de amansar adolescentes. Um livro. Uma versão condensada da Odisseia, as fantásticas viagens de Ulisses de volta à casa, por mares traiçoeiros... http://paginaporpagina.wordpress.com/tag/ler-deveria-ser-proibido/ 9 Primeiro dia: praia; almoço; sono. Lá pelas cinco os dorminhocos acordaram, sem ter o que fazer. E antes que tivessem ideias próprias eu tomei a iniciativa. Com voz autoritária dirigi-me a eles, ainda sob o efeito do torpor: “Ei, vocês... Venham cá na sala. Quero lhes mostrar uma coisa...” Não consultei as bases. Teria sido terrível. Uma decisão democrática das bases optaria por ligar a televisão. Claro. Como poderiam decidir por uma coisa que ignoravam? Peguei o livro e comecei a leitura. Ao espanto inicial seguiu-se silêncio e atenção. Vi, pelos seus olhos, que já estavam sob o domínio do encantamento. Daí para frente foi uma coisa só. Não me deixavam. Por onde quer que eu fosse, lá vinham eles com a Odisseia na mão, pedindo que eu lesse mais. Nem na praia me deram descanso. Essa experiência me fez pensar que deve haver algo errado na afirmação que sempre se repete de que os adolescentes não gostam da leitura. Sei que, como regra, não gostam de ler. O que não é a mesma coisa que não gostar da leitura. Lembro-me da escola primária que frequentei. Havia uma aula de leitura. Era a aula que mais amávamos. A professora lia para que nós ouvíssemos. Leu todo o Monteiro Lobato. E leu aqueles livros que se lia naqueles tempos: Heidi, Poliana, A ilha do tesouro. Quando a aula terminava era a tristeza. Mas o bom mesmo é que não havia provas ou avaliações. Era prazer puro. E estava certo. Porque esse é o objetivo da literatura: prazer. O que os exames vestibulares tentam fazer é transformar a literatura em informações que podem ser armazenadas na cabeça. Mas o lugar da literatura não é a cabeça: é o coração. A literatura é feita com as palavras que desejam morar no corpo. Somente assim ela provoca as transformações alquímicas que deseja realizar. Se não concordam, que leiam Guimarães Rosa que dizia que literatura é feitiçaria que se faz o sangue do coração humano. Quando minha filha estava sendo introduzida na literatura, o professor lhe deu como dever de casa ler e fichar um livro chatíssimo. Sofrimento dos adolescentes, sofrimento para os pais. A pura visão do livro provocava uma preguiça imensa, aquela preguiça que Barthes declarou ser essencial à experiência escolar. Escrevi carta delicada ao professor lembrando-lhe que Borges havia declarado que não havia razão para se ler um livro que não dá prazer quando há milhares de livros que dão prazer. Sugeri-lhe começar por algo mais próximo da condição emotiva dos jovens. Ele me respondeu com o discurso de esquerda, que sempre teve medo do prazer: “O meu objetivo é produzir a consciência crítica...” Quando eu li isso percebi que não havia esperança. O professor não sabia o essencial. Não sabia que literatura não é para produzir consciência crítica. O escritor não escreve com intenções didático-pedagógicas. Ele escreve para produzir prazer. Para fazer amor. Escrever e ler são formas de fazer amor. É por isso que os amores pobres em literatura ou são de vida curta, ou são de vida longa e tediosa... Parodiando as palavras de Jesus “nem só de beijos e transas viverá o amor mas de toda palavra que sai das mãos dos escritores...” E foi em meio a essas meditações que, sem que eu o esperasse, foi-me revelado o segredo da leitura... Disponível em: http://www.ingodoy.com.br/ler-post.aspx?id=372 Acesso em: 09 fev. 2014. (Adaptado) Eu, por exemplo, gosto do cheiro dos livros. Gosto de interromper a leitura num trecho especialmente bonito e encostá-lo contra o peito, fechado, enquanto penso no que foi lido. (Martha Medeiros) http://www.ingodoy.com.br/ler-post.aspx?id=372 10 Ler pouco Rubem Alves Jovem, eu sonhava ter uma grande biblioteca. E fui assim pela vida, comprando os livros que podia. Tive de desenvolver métodos para controlar minha voracidade, porque o dinheiro e o tempo eram poucos. Entrava na livraria, separava todos os livros que desejava comprar e, ao me aproximar do caixa, colocava-os sobre o balcão e me perguntava diante de cada um: “Tenho necessidade imediata desse livro? Tenho outros, em casa, ainda não lidos? Posso esperar?” E assim ia pegando cada um deles e os devolvendo às prateleiras. A despeito desse método de controle cheguei a ter uma biblioteca significativa, mais do que suficiente para as minhas necessidades. Notei, à medida em que envelhecia, uma mudança nas minhas preferências: passei a ter mais prazer na seção dos livros de arte nas livrarias. Os livros de ciência a gente lê uma vez, fica sabendo e não tem necessidade de ler de novo. Com os livros de arte acontece diferente. Cada vez que os abrimos é um encantamento novo! Creio que meu amor pelos livros de arte tem a ver com experiências infantis. Talvez que os psicanalistas interpretem esse amor como uma manifestação neurótica de regressão. Não me incomodo. Pois, em oposição à psicanálise que considera a infância como um período de imaturidade que deve ser ultrapassado para que nos tornemos adultos, eu, inspirado por teólogos e poetas, considero a maturidade como uma doença a ser curada. Bem reza a Adélia Prado: “Meu Deus, me dá cinco anos, me cura de ser grande…” E não pensem que isso é maluquice de poeta. Peter Berger, um sociólogo inteligente e com senso de humor, definiu “maturidade”, essa qualidade tão valorizada, como “um estado de mente que se acomodou, ajustou-se ao status quo e abandonou os sonhos selvagens de aventura e realização…” Menino de cinco anos, eu passava horas vendo um livro da minha mãe, cheio de figuras. Lembro- me: uma delas era um prédio de dez andares com a seguinte explicação: “Nos Estados Unidos há casas de dez andares.” E havia a figura de um caçador de jacarés, e de crianças esquimós saudando a chegada do sol. O fato é que comecei a mudar os meus gostos e chegou um momento em que, olhando para aquelas estantes cheias de livros, eu me perguntei: “Já sou velho. Terei tempo de ler todos esses livros? Eu quero ler todos esses livros?” Não, nem tenho tempoe nem quero. Então, por que guardá-los? Resolvi dar os livros que eu não amava. Compreendi, então, que não se pode falar em amor pelos livros, em geral. Um homem que diz amar todas as mulheres na verdade não ama nenhuma. Nunca se apaixonará. O mesmo vale para os livros. Assim, fui aos meus livros com a pergunta: “Você me ama?” (Acha que estou louco? É Roland Barthes que declara que o texto tem de dar provas de que me deseja. Há muitos livros que dão provas de que me odeiam. Outros me ignoram totalmente, nada querem de mim…). “Vou querer ler você de novo?” Se as respostas eram negativas, o livro era separado para ser dado. Essa coisa de “amor universal aos livros” fez-me lembrar um texto de Nietzsche sobre o filósofo Tales de Mileto, em que ele recorda que “a palavra grega que designa o “sábio” se prende, etimologicamente, a sapio, eu saboreio, sapiens, o degustador, sisyphos, o homem de gosto mais apurado; um apurado degustar e distinguir, um significativo discernimento, constitui, pois, (…) a arte peculiar do filósofo. (…) A ciência, sem essa seleção, sem esse refinamento de gosto, É o bom leitor que faz o bom livro; ele sempre encontra trechos que parecem confidências ou apartes evidentemente destinados ao seu ouvido. (Ralph Waldo Emerson) 11 precipita-se sobre tudo o que é possível saber, na cega avidez de querer conhecer a qualquer preço; enquanto o pensar filosófico está sempre no rastro das coisas dignas de serem sabidas…” E depois, no Zaratustra, ele comenta com ironia: “Mastigar e digerir tudo – essa é uma maneira suína.” O fato é que muitos estudantes são obrigados a ler à maneira suína, mastigando e engolindo o que não desejam. Depois, é claro, vomitam tudo… Como eu já passei dessa fase, posso me entregar ao prazer de ler os livros à maneira canina. Nenhum cachorro abocanha a comida. Primeiro ele cheira. Se o nariz não disser “sim” ele não come. Faço o mesmo com os livros. Primeiro cheiro. O que procuro? O cheiro do escritor. Se não tem cheiro humano, não como. Nietzsche também cheirava primeiro. Dizia só amar os livros escritos com sangue. Ler é um ritual antropofágico. Sabia disso Murilo Mendes quando escreveu: “No tempo em que eu não era antropófago, isto é, no tempo em que eu não devorava livros – e os livros não são homens, não contém a substância, o próprio sangue do homem?” A antropofagia não se fazia por razões alimentares. Fazia-se por razões mágicas. Quem come a carne do sacrificado se apropria das virtudes que moravam no seu corpo. Como na eucaristia cristã, que é um ritual antropofágico: “Esse pão é a minha carne, esse vinho é o meu sangue…” Cada livro é um sacramento. Cada leitura é um ritual mágico. Quem lê um livro escrito com sangue corre o risco de ficar parecido com o escritor. Já aconteceu comigo… Disponível em: http://redarterj.wordpress.com/2011/02/08/ler-pouco-rubem-alves/ Acesso em: 08 fev. 2014. (Adaptado) Uma das reclamações mais frequentes que ouvimos dos nossos alunos é: “Não entendi nada do que li!” Você já passou por situação idêntica ou semelhante a esta alguma vez na vida? Quando nossa mente, por diversos fatores, dentre eles a preguiça, não consegue acompanhar nossos olhos enquanto lemos, agravam-se as dificuldades de compreensão e interpretação de textos. Como disse Einstein, “quem lê de mais e pensa de menos adquire a preguiça de pensar”. Portanto, enquanto leitores, precisamos cuidar da qualidade das nossas leituras. Ler demais e pensar pouco sobre o que lemos não contribui em nada para o desenvolvimento da criticidade, e nessa batalha entre o pensamento e a preguiça é VOCÊ quem decide, e ninguém mais, quem será o vencedor... O poder da comunicação e a preguiça de pensar http://redarterj.wordpress.com/2011/02/08/ler-pouco-rubem-alves/ 12 O poder da comunicação e a preguiça de pensar são fatores que aumentam descontroladamente em nossa sociedade, além de periodicamente buscarmos consciente ou inconscientemente superficialidades e coisas supérfluas em nossas vidas. Estamos assim, com preguiça de pensar, afinal, o sistema já nos suga de tantas maneiras com obrigações de trabalhar e render nossa parcela de contribuição capitalista, ou então, perder muito tempo fazendo trabalhos escolares que não nos fazem pensar, só replicar, pra alcançar a nota que já é praticamente esperada, além do que, pensar ou discutir sobre outros assuntos é exaustivo, mas futebol, novela e big brother todos gostam! Essa preguiça de pensar vem desde o começo de nossas vidas, numa sociedade castradora pelos nossos pais, amigos e pessoas de nosso convívio, porque acima de tudo, uma sociedade é construída também em vários paradigmas, que são barreiras mentais que ninguém sabe ao certo como e nem por que, mas o certo é que você tem que fazer. Se não fizer é doido, ou meio fora do normal, e sendo fora do normal você vira um sujeito que ninguém acredita, afinal, o fulano ali é sempre meio doido. O "meio doido" é no sentido de quebrar paradigmas e barreiras mentais, mas manter-se dentro da lei, porque existem outros tipos de preguiçosos e escravos mentais de armadilhas do sistema, que são aqueles que usam drogas achando que com isso estão buscando alguma liberdade do sistema, pelo contrário, estão mais imersos que um cidadão cheio de paradigmas e conceitos conservadores. O meio termo disso é difícil achar, mas esses sim são os que conseguem se libertar de tudo isso que nos consome e viver olhando do lado de fora, nem que seja por pouco tempo, esse grande circo em que vivemos hoje. Você chega no trabalho, na escola, academia, faculdade, ou numa roda de amigos em qualquer lugar e se espanta com um desses amigos falando eufórico sobre uma notícia que saiu na capa de uma revista falando mal do presidente, e os outros balançando a cabeça como se fosse realmente um absurdo. Então, pronto! Você percebe que ali, existe um replicador de uma única fonte que nem sabe se a notícia é realmente verdadeira, e o pior, você tem ali os que ouviram e vão passar isso adiante num telefone sem fio praticamente pra outros, criando uma onda de ódio ou conceito errôneo diante de uma notícia falsa. Isso tudo porque o poder da comunicação e a preguiça de pensar e questionar estão dentro de nós. Já reparou? O homem tem preguiça, em geral, de pensar todo o pensável e contenta-se com fragmentos de ideias, recusa-se a uma coerência absoluta. Não leva até ao fim o esforço de entender. E, exatamente porque não o faz, toma, em relação à sua capacidade de inteligência, uma absurda posição de orgulho. Compara o pouco que entendeu com o menos que outros entenderam, jamais com o muito que os mais raros puderam perceber. (Agostinho da Silva) http://4.bp.blogspot.com/_D1vU7Nn_YsM/S5Zcw1yUYrI/AAAAAAAAAMs/mkTBRpA-8fU/s400/Macaco+Pensar+2.jpg 13 Então, a notícia chega em nossas mentes através da TV, jornais, revistas, internet, outdoors e boca-a-boca, só que não entendemos que a maioria das fontes de comunicação tem ideais, objetivos, e princípios a manter, portanto, a notícia pra deixar de ser parcial, tem que ser buscada em várias fontes [...] Esse é o poder da comunicação, ela nos vende pensamentos e linhas de conduta que nós compramos e hipocritamente usamos todos os dias. [...] Disponível em: http://www.verdefilosofia.com.br/2010/10/o-poder-da-comunicacao-e-preguica-de.html. Acesso em: 13 fev. 2014. (Adaptado) E ainda sobre um dos sete pecados capitais, vamos refletir um pouco mais sobre os rumos que tomam nossos pensamentos e nossas atitudes quando são os braços da preguiça que assumem o comando de tantas situações que fazem parte do nosso dia a dia. É possível chegar a algum lugar quando somos eternamente embalados por braços assim? A seguir, o texto apresenta uma breve noção sobre a cultura do mínimo, enós a entendemos aqui como extensão da preguiça. Vamos ler e, é claro, pensar... A cultura do mínimo “Eu apenas trabalho aqui, não sou o dono.” “Não, não fiz. Ninguém me disse que era para eu fazer.” “Se eu fizer mais, vão me dar mais trabalho para eu fazer.” A cultura do mínimo é a atitude que habita a maioria das pessoas de fazer apenas o que lhes foi mandado. É a busca de empregar o mínimo esforço possível para realizar somente o suficiente para não ser chamado a atenção. Aprendi com o Mestre dos Mestres que a arte de pensar é o tesouro dos sábios. (Augusto Cury) http://www.verdefilosofia.com.br/2010/10/o-poder-da-comunicacao-e-preguica-de.html http://bprenatocardoso.s3.amazonaws.com/blog/wp-content/uploads/2013/09/M%C3%ADnimo2.png 14 Esta é uma mentalidade de pobre. Não necessariamente pobre de dinheiro, mas pobre de visão. Se você quer ser grande, líder, confiado com responsabilidades significantes, aprenda a ir além do mínimo. O fato de a maioria fazer apenas o mínimo lhe apresenta uma grande oportunidade de se destacar. Imagine o que aconteceria se você começasse a surpreender seu patrão, seus funcionários, clientes, marido ou esposa, pais, e colegas? Imagine surpreender a si mesmo? Imagine começar uma cultura do máximo? Disponível em: http://www.renatocardoso.com/blog/2013/08/26/a-cultura-do-minimo/. Acesso em: 13 fev. 2014. (Adaptado) Pensando um pouco mais a respeito Você trabalha de segunda a segunda. Mal tem tempo para sua família ou qualquer outra atividade. No seu trabalho todos o veem sempre ocupado, correndo para lá e para cá. Fazer é com você mesmo. Porém, seus fracassos e alvos errados persistem. Onde está o problema? Claramente você não é preguiçoso para o trabalho físico. Mas talvez seja para o mental. É muito mais difícil, estafante, exige concentração e às vezes pura paciência consigo mesmo e com o mundo ao seu redor. Por isso muitos fogem desse trabalho. É mais fácil agir no piloto automático, fazer o que sempre foi feito sem perguntar, não tentar entender a situação ou problema que você tem que resolver, livrar-se dele rápido. O trabalho braçal é o mais fácil de fazer, por isso paga pouco. O trabalho mental é onde está o dinheiro, a riqueza e o sucesso — porque poucos são os que o fazem. Sua preguiça de pensar, analisar, sondar e raciocinar pode lhe custar muito, muito caro. Disponível em: http://www.renatocardoso.com/blog/2013/03/22/o-preco-da-preguica/. Acesso em: 13 fev. 2014. (Adaptado) Então, que o prazer da preguiça fique apenas para os momentos de descanso! Agora a ordem (e a necessidade) é prosseguir, pensar, analisar, raciocinar... Seguem algumas dicas que poderão servir de auxílio para a construção deste hábito tão fundamental sobre o qual temos falado – leitura. Crie outras dicas que melhor se encaixam a você. O importante é não perder de vista que cada leitura, para ser bem realizada, requer objetivos bem definidos. Enquanto você lê este material, onde você pretende chegar? Estabeleça seus objetivos! Cinco dicas para ler mais e melhor Aplicando a cultura do mínimo em seu contexto, pense sobre isto: Você tem ido “além do mínimo” nas leituras que realiza, ou as tem limitado ao universo de leituras acadêmicas obrigatórias? O que mais você lê para crescer e surpreender a si mesmo, enquanto estudante, acadêmico e, sobretudo, enquanto pessoa? http://www.renatocardoso.com/blog/2013/08/26/a-cultura-do-minimo/ http://www.renatocardoso.com/blog/2013/03/22/o-preco-da-preguica/ 15 Tim Challies O assunto “leitura” tem ocupado minha mente nos últimos tempos. Eu adoro ler, mas frequentemente recebo e-mails de pessoas que lutam para ler e para gostar de ler. Por isso achei que poderia ser útil montar uma lista de dicas para ler mais e melhor. Espero que vocês considerem úteis. Leia - Começamos com o óbvio: você precisa ler. Mostre-me uma pessoa que mudou o mundo e que gastou seu tempo assistindo televisão e eu lhe mostrarei mil que preferiram gastar seu tempo lendo. A menos que ler seja sua paixão, você precisa ser muito criterioso em separar tempo para ler. Você talvez precise se forçar a isso. Estabeleça um objetivo que seja razoável para você ("Vou ler três livros este ano" ou "Vou terminar este livro antes do fim do mês") e trabalhe para concretizá-lo. Separe tempo diariamente ou todas as semanas e tenha a certeza de que realmente irá pegar o livro durante esses momentos. Encontre um livro que trate de algum assunto de particular interesse para você. Você pode até achar benéfico encontrar um livro que parece interessante – um belo livro com uma capa atraente. Ler é uma experiência e a experiência começa com a aparência e a impressão que o livro causa. Portanto, encontre um livro que aparentemente lhe agrade e comece a lê-lo. E, quando terminar, encontre outro e faça tudo novamente. E mais uma vez. Leia Amplamente – Estou convencido de que uma das razões para que as pessoas não leiam mais do que leem é que elas não variam suficientemente a sua leitura. Qualquer assunto, não importa quanto ele lhe interesse, pode começar a tornar-se árido se você focalizar toda sua atenção nele. Portanto, leia amplamente. Leia ficção e não-ficção, teologia e biografia, atualidades e história. Certamente você desejará focalizar a maior parte da sua leitura em uma área particular, e isso é saudável e bom. Mas assegure-se de variar sua dieta. "A leitura é mais bem executada, pelo menos ao desfrutar de livros sérios, quando você trabalha duro para entender o livro e quando interage com os argumentos do autor." Leia Metodicamente – Da mesma forma que lê amplamente, assegure-se de ler metodicamente. Escolha seus livros cuidadosamente. Se você for negligente em fazer isso, corre o risco de perceber que ignorou uma determinada categoria por meses ou anos a fio. [...] Você pode estabelecer suas próprias categorias, mas tente assegurar-se de está lendo alguma coisa em todas elas de forma regular. Escolha livros que se ajustem em cada uma dessas categorias e planeje sua leitura de antemão. Assim você saberá qual livro será o próximo. Frequentemente, a expectativa pelo próximo livro é uma força motivadora para completar o atual. Leia Interativamente – A leitura é mais bem executada, pelo menos ao desfrutar de livros sérios, quando você trabalha duro para entender o livro e quando interage com os argumentos do autor. Leia com uma caneta marca-texto e um lápis na mão. Faça perguntas ao autor e espere que ele as responda ao longo do texto. Rabisque notas nas margens, escreva perguntas por toda a contracapa, e volte frequentemente a elas (e, se as perguntas permanecerem sem resposta, tente até mesmo entrar em contato com o autor!). Realce as porções mais importantes do livro, ou aquelas para as quais você pretende retornar depois. [...] "Livros são para serem lidos e usados, não para serem colecionados e mimados." Eu descobri que escrever críticas sobre os livros que li é uma forma preciosa de retornar, pelo menos mais uma mais vez, ao livro para ter certeza de que eu entendi o 16 que o autor estava tentando dizer e como ele disse. Portanto, interaja com esses livros de forma a torná-los seus. Leia com Discernimento – Apesar dos livros terem um incrível poder para fazer o bem, desafiar, fortalecer e edificar, eles também têm grande poder para fazer o mal. Já vi vidas serem transformadas por livros, mas também já vi vidas serem esmagadas. Por isso tenha certeza de que lê com discernimento [...]. Se você encontrar um livro que é particularmente controverso, pode valer à pena procurar uma análise que interaja criticamente com os argumentos, ler com uma pessoa que entenda melhor os argumentos e suas implicações. [...] Disponível em: http://www.bomcaminho.com/tc001.htm Acesso em: 19 fev. 2014. (Adaptado, grifosdas organizadoras) http://www.bomcaminho.com/tc001.htm 17 TEXTOS SELECIONADOS Todos os eixos da Formação Sociocultural e Ética trazem o termo ética como palavra- chave. A proposta a seguir é ampliar concepções acerca dessa expressão tão falada, ouvida, usada, mas nem sempre compreendida em sua profundidade, tampouco vivida em sua verdadeira essência. O que as nossas práticas e escolhas diárias tem a ver com ética? Qual a influência da ética sobre todas as instâncias da existência humana? Vale a pena conferir os argumentos de Sergio Cortella e aprofundar conhecimentos a esse respeito. Reflita sobre o assunto e complete a palavra dele com a sua! A ética e a produção do conhecimento hoje Mario Sergio Cortella (filósofo, escritor, educador, palestrante e professor universitário brasileiro) Ressaltemos desde o início: a ética é uma questão absolutamente humana! Só se pode falar em ética quando se fala em humano, porque a ética tem um pressuposto: a possibilidade de escolha. A ética pressupõe a possibilidade de decisão, ética pressupõe a possibilidade de opção. É impossível falar em ética sem falar em liberdade. Quem não é livre não pode, evidentemente, ser julgado do ponto de vista da ética. Outros animais, ao menos nos parâmetros que utilizamos, agem de forma instintiva, não deliberada, sem uma consciência intencional. Cuidado. Há quem diga: “Eu queria ser livre como um pássaro”; lamento profundamente, pois pássaros não são livres, pássaros não podem não voar, pássaros não podem escolher para onde voam, pássaros são pássaros. Se você quiser ser livre, você tem de ser livre como um humano. Pensemos em algo que pode parecer extremamente horroroso: como disse Jean-Paul Sartre, nós somos condenados a ser livres. Da liberdade, vêm as três grandes questões éticas que orientam (mas também atormentam, instigam, provocam e desafiam) as nossas escolhas: Quero? Devo? Posso? Retomemos o cerne: o exercício da ética pressupõe a noção de liberdade. Existe alguém sobre quem eu possa dizer que não tem ética? É possível falar que tal pessoa “não tem ética”? Não, é impossível. Você pode dizer que ele não tem uma ética como a tua, você pode dizer que ele tem uma ética com a qual você não concorda, mas é impossível dizer que alguém não tem ética, porque ética é exatamente o modo como ele compreende aquelas três grandes questões da vida: devo, posso, quero? Tem coisa que eu devo, mas não quero; tem coisa que eu quero, mas não posso; tem coisa que eu posso, mas não devo. Nessas questões, vivem os chamados dilemas éticos; todas e todos, sem exceção, temos dilemas éticos, sempre, o tempo todo: devo, posso, quero? Tem a ver com fidelidade na sua relação de casamento, tem a ver com a sua postura como motorista no trânsito; quando você pensa duas vezes se atravessa um sinal vermelho ou não, se você ocupa uma vaga quando vê à distância que alguém está dando sinal de que ele vai querer entrar; quando você vai fazer a sua declaração de Imposto de Renda; quando você vai corrigir provas de um aluno ou de um orientando seu; quando você vai cochilar depois do almoço, imaginando que tem uma pia de louça que talvez seja lavada por outra pessoa, e como você sabe que ela lava mesmo, e que se você não fizer o outro faz, você tem a grande questão ética que é: devo, posso, quero? Por exemplo, quando se fala em bioética: http://3.bp.blogspot.com/-sgWeS0fkuSc/UHGz76AFbsI/AAAAAAAACaw/oS1mIy-tpCI/s1600/sergio-cortella.jpg 18 podemos lidar com clonagem? Podemos, sim. Devemos? Não sei. Queremos? Sim. Clonagem terapêutica, reprodutiva? É uma escolha. Posso eu fazer um transplante intervivos? Posso. Devo, quero? Tem coisa que eu devo, mas não quero; aliás, a área de Saúde, de Ciência e Medicina, é recheada desses dilemas éticos. Tem muita coisa que você quer, mas não pode, muita coisa que você deve, mas não quer. Na pesquisa, já imaginou? Por que montamos comitês de pesquisa, por que a gente faz um curso sobre ética na pesquisa? Porque isso é complicado, e se fosse uma coisa simples, a gente não precisava fazer curso, não precisava estudar, não precisava se juntar. É complicadíssimo, porque estamos mexendo com coisas que têm a ver com a nossa capacidade de existir. Quando se pensa especialmente no campo da ética, a relação com a liberdade traz sempre o tema da decisão, da escolha. Por que estou dizendo isso? Porque não dá para admitir uma mera repetição do que disseram muitos dos generais responsáveis pelo holocausto e demais atrocidades emanadas do nazismo dos anos de 1940. Exceto um que assumiu a responsabilidade, todos usaram o mesmo argumento em relação à razão de terem feito o que fizeram. Qual foi? “Eu estava apenas cumprindo ordens”. “Estava apenas cumprindo ordens”, isso me exime da responsabilidade? Estava apenas obedecendo... Essa é uma questão séria, sabe por quê? Porque “estava apenas cumprindo ordens” implica a necessidade de pensarmos se a liberdade tem lugar ou não. Ética tem a ver com liberdade, conhecimento tem a ver com liberdade, porque conhecimento tem a ver com ética. Por isso, se há algo que também é fundamental quando se fala em ciência, ética na pesquisa e produção do conhecimento, é a noção de integridade. A integridade é o cuidado para se manter inteiro, completo, transparente, verdadeiro, sem máscaras cínicas ou fissuras. Nessa hora, um perigo se avizinha: assumir-se individual ou coletivamente uma certa “esquizofrenia ética”. Ela desponta quando as pessoas se colocam não como inteiras, mas repartidas em funções que pareceriam externas a elas. Exemplos? “Eu por mim não faria isso, mas, como eu sou o responsável, tenho de fazê-lo”. Ora, eu não sou eu e uma função, eu sou uma inteireza, eu não sou eu e um professor, eu e um pesquisador, eu e um diretor, eu e um secretário, eu sou um inteiro. “Eu por mim não faria”, então eu não faço! Cautela! Coloca-se um estilhaçamento da integridade: “Eu, por mim, não lhe reprovaria, mas como eu sou seu professor, eu tenho que reprovar”; “Eu, por mim, não lhe mandaria embora, mas como eu sou seu chefe...”; “Eu, por mim, não lhe suspenderia, mas como eu sou seu superior...”; “Eu, por mim, não faria isso, mas como eu sou o contador...”; “Eu, por mim, não faria isso, mas como eu sou o responsável pelo laboratório...” “Eu, por mim, não faria”; então, não faço; “Eu, por mim, não lhe reprovaria”; então, não reprovo. De novo: eu não sou eu e uma função, eu não sou eu e um pesquisador, eu e um chefe do laboratório, eu e um diretor de instituto, eu e um secretário... O esboroamento da integridade pessoal e coletiva é a incapacidade de garantir que a “casa” fique inteira, e para compreender melhor a ideia de “casa íntegra”, vale fazer um breve passeio pelas palavras. Talvez as pessoas que estudaram um pouco de etimologia se lembrem que a palavra ética vem pra nós do grego ethos, mas ethos, em grego, até o século VI a. C., significava morada do humano, no sentido de caráter ou modo de vida habitual, ou seja, o nosso lugar. Ethos é aquilo que nos abriga, aquilo que nos dá identidade, aquilo que nos torna o que somos, porque a sua casa é o modo como você é, onde está a sua marca. Mais tarde, esse termo para designar também o espaço físico foi substituído por oikos. Aliás, o conhecimento mais valorizado na sociedade grega era o que cuidava das regras da casa, para a gente poder viver bem e para deixar a casa em ordem. Como o vocábulo nomos significa “regra” ou “norma”, passou-se a ter a oikos nomos (a economia) como a principal ciência. No entanto, a noção original de ethos não se perdeu, pois os latinos a traduziram pela expressão more, ou mor, que acabou gerando pra nós também uma dupla concepção; uma delas é “morada”, e a outra, que vai ser usada em latim, é o lugar onde você morava, o seu habitus. Olha só, a 19 expressão “o hábito faz o monge” não tem a ver com a roupadele, habitus; habitus é exatamente onde nós vivemos, o nosso lugar, a nossa habitação. Quando se pensa em ética e produção do conhecimento hoje, a grande questão é: como está a nossa possibilidade de sustentar a nossa integridade; essa integridade, como se coloca? A integridade da vida individual e coletiva, a integridade daquilo que é mais importante, porque uma casa, ethos, tal como colocamos, é aquela que precisa ficar inteira, é aquela que precisa ser preservada. Como está a morada do humano? Essa morada do humano desabriga alguém? Alguém está fora da casa, alguém está sem comer dentro dessa casa? Alguém está sem proteção à sua saúde, alguém está sem lazer dentro dessa casa? Essa morada do humano é inclusiva ou é exclusiva? Essa morada do humano lida com a noção de qualidade em ciência, ou lida com a noção de privilégio? Cuidado. Duas coisas que se confundem muito em ciência são qualidade e privilégio; qualidade tem a ver com quantidade total, qualidade é uma noção social, qualidade social só é representada por quantidade total. Qualidade sem quantidade não é qualidade, é privilégio. São Paulo é uma cidade em que se come muito bem, é verdade; quem come, quem come o quê? Qualidade sem quantidade total não é qualidade, é privilégio. Todas às vezes em que se discute essa temática, aparece a noção de uma qualidade restrita, e qualidade restrita, reforcemos, é privilégio. Nesse sentido, a grande questão volta: será que, na morada do humano, alguém está desabrigado? Será que essa casa está inteira, ela está em ordem nessa condição? Nessa nossa casa, quando a gente fala em cuidado, é o mesmo que falar em saúde; aliás, quando digo: “eu te saúdo”, ou, “queria fazer aqui uma saudação”, etimologicamente é a mesma coisa. Saudar é procurar espalhar a possibilidade de cuidado, de atenção, de proteção. Nossa casa, que casa é essa? Há nela saúde? A ética é a morada do humano; como essa casa é protegida? Qual é o lugar da ciência dentro dela? Qual é o papel que ela desempenha? Qual é a nossa tarefa nisso, para pensar exatamente aquelas três questões: posso, devo, quero? É claro que essas questões e suas respostas não são absolutas, elas não são fechadas, elas são históricas, sociais e culturais. A mesma pergunta não seria feita do mesmo modo há vinte anos; a grande questão no nosso país há cento e cinquenta anos, a grande questão ética há cento e cinquenta anos era se eu podia açoitar um escravo e depois cuidar dele, ou só açoitá-lo e deixá-lo pra ser cuidado pelos outros; se eu poderia extrair o dente de alguém, se é mais recomendável para o dentista que ele faça a extração ou que ele tente o tratamento. Há alguns anos, algumas décadas, uma discussão de natureza ética era algo que nem passaria pela cabeça de um dentista. A pessoa chegava ao seu consultório e dizia: “Eu quero que o senhor arranque todos os meus dentes”. Ele respondia: “Tá bom”; hoje, você tem outra questão. O mesmo vale em relação ao uso de contraceptivos ou à legalização do aborto consentido, ou ainda sobre a separação entre princípios religiosos e conduta científica. Quando se pensa na manutenção da integridade, do devo, posso e quero, a grande questão, junto com essa tríade, é se estamos dirigindo, como critério último, a proteção da morada do humano, da morada coletiva do humano. Afinal de contas, não somos humanos e humanas individualmente, pois só o somos coletivamente. Fala-se muito em vivência, quando referimos a vida humana; no entanto, o mais correto seria sempre dizer convivência, pois ser humano é ser junto. Desse modo, a noção de ethos, a noção de morada do humano, oferece um critério para responder ao posso, devo e quero, que é: protejo eu a morada ou desprotejo? Incluo ou excluo? Vitimo ou cuido? Em um livro delicioso e de complexa leitura, Ética da Libertação, Enrique Dussel escreve sobre um percurso da história da ética dentro do mundo. Começa exatamente mostrando o lugar que a reflexão ética ocupa na história humana, mas conclui com algo que alguns até achariam curioso, hoje: ele não 20 aceita a noção do termo exclusão, ou falar em excluídos, porque acha que a noção de excluído é muito pequena e insuficiente. Dussel, ao pensar a Ética e os processos sociais, econômicos e culturais, trabalha com a noção de vítimas: as vítimas do sistema, as vítimas da estrutura. Pensa ele que, quando se fala em excluído, dá-se a impressão de que é uma coisa um pouco marginal, lateral, enquanto vitimação é uma ideia mais robusta e incisiva. A principal virtude ética nos nossos tempos, para poder manter a integridade e cuidar da casa, da morada do humano, é a incapacidade de desistir, é evitar o apodrecimento da esperança, é evitar aquilo que padre Antonio Vieira apontou, no começou de um de seus Sermões, da seguinte maneira: “O peixe apodrece pela cabeça”. Já viu um peixe apodrecer? Tal como algumas pessoas, ele apodrece da cabeça para o resto do corpo... Um olhar sobre a ética em ciência e na pesquisa tem uma finalidade: manter a nossa vitalidade, manter a nossa vitalidade ética, mostrar que nós estamos preocupadas e preocupados, que a gente não se conforma com a objetividade tacanha das coisas, que a gente não acha que as coisas são como são e não podem ser de outro modo, que a gente não se rende ao que parece ser imbatível. Ser humano é ser capaz de dizer não, ser humano é ser capaz de recusar o que parece não ter alternativa, ser humano é ser capaz de afastar o que parece sem saída. Ser humano é ser capaz de dizer não, e só quem é capaz de dizer não pode dizer sim; aí está a nossa liberdade. Tem gente que diz assim: “Ah, a minha liberdade acaba quando começa a do outro”; cuidado, a minha liberdade acaba quando acaba a do outro. Liberdade, como saúde, tem de ser um conceito coletivo, a minha liberdade não acaba quando começa a do outro, a minha liberdade acaba quando acaba a do outro. Se algum humano não for livre, ninguém é livre, se algum homem ou mulher não for livre da falta de trabalho, ninguém é livre; se algum homem ou mulher não for livre da falta de socorro, de saúde, ninguém é livre; se alguma criança não for livre da falta de escola, ninguém é livre; a minha liberdade não acaba quando começa a do outro, minha liberdade acaba quando acaba a do outro. Ser humano é ser junto, e é em relação a isso que vale pensarmos nossa capacidade de dizer não a tudo que vitima e sermos capazes de proteger o que eleva a Vida. O vínculo da Ética com a Produção do Conhecimento está relacionado à capacidade deste de cuidar daquela, isto é, manter a integridade digna da vida coletiva. Ética é a possibilidade de recusar a falência da liberdade, a ética é a nossa capacidade de recusar a ideia de que alguns cabem na nossa casa, outros não cabem; alguns comem, outros não comem; alguns têm graça, outros têm desgraça. A ética é o exercício do nosso modo de perceber como é que nós existimos coletivamente, e então pensar com seriedade naquilo que François Rabelais vaticinou: “Conheço muitos que não puderam, quando deviam, porque não quiseram, quando podiam”. Disponível em: http://drygo-vida.blogspot.com.br/2012/10/quero-devo-posso.html. Acesso em: 13 fev. 2014. (Adaptado, grifos das organizadoras) A questão ética está intrínseca a questões culturais de uma comunidade, de um povo. De uma cidade, de uma nação. De uma época que já passou e de muitas outras que ficarão registradas nos livros de história. Você está inserido em uma sociedade que traz em seu bojo toda uma cultura com raízes profundas e, ao mesmo tempo, em constante processo de transformação. Nesse sentido, consideramos fundamental ultrapassar concepções rasas, de senso comum, para a melhor compreensão acerca da multiplicidade cultural e sua dinamicidade. Vamos, então, prosseguir este passeio literalmente cultural na companhia de Marilena Chauí. Algumas perguntas iniciais para aquecer os neurônios: Cultosou incultos? Prestigiados ou socialmente excluídos? Quais os tipos de cultura? O que a cultura tem a ver com a natureza, sobretudo, humana? Culto, inculto: cultura http://drygo-vida.blogspot.com.br/2012/10/quero-devo-posso.html 21 Marilena Chauí “Pedro é muito culto, conhece várias línguas, entende de arte e de literatura.” “Imagine! É claro que o Luís não pode ocupar o cargo que pleiteia. Não tem cultura nenhuma. É semianalfabeto!” “Não creio que a cultura francesa ou alemã sejam superiores à brasileira. Você acha que há alguma coisa superior à nossa música popular?” “Ouvi uma conferência que criticava a cultura de massa, mas me pareceu que a conferencista defendia a cultura de elite. Por isso, não concordei inteiramente com ela.” “O livro de Silva sobre a cultura dos guaranis é bem interessante. Aprendi que o modo como entendem a religião e a guerra é muito diferente do nosso.” Essas frases e muitas outras que fazem parte do nosso dia a dia indicam que empregamos a palavra cultura (ou seus derivados, como culto, inculto) em sentidos muito diferentes e, por vezes, contraditórios. Na primeira e na segunda frase que mencionamos acima, cultura é identificada como a posse de certos conhecimentos (línguas, arte, literatura, ser alfabetizado). Nelas, fala-se em ter e não ter cultura, ser ou não ser culto. A posse de cultura é vista como algo positivo, enquanto “ser inculto” é considerado algo negativo. A segunda frase deixa entrever que “ter cultura” habilita alguém a ocupar algum posto ou cargo, pois “não ter cultura” significa não estar preparado para uma certa posição ou função. Nessas duas primeiras frases, a palavra cultura sugere também prestígio e respeito, como se “ter cultura” ou “ser culto” fosse o mesmo que “ser importante”, “ser superior”. Ora, quando passamos à terceira frase, a cultura já não parece ser uma propriedade de um indivíduo, mas uma qualidade de uma coletividade – franceses, alemães, brasileiros. Também é interessante observar que a coletividade aparece como um adjetivo qualificativo para distinguir tipos de Cultura: a francesa, a alemã, a brasileira. Nessa frase, a Cultura surge como algo que existe em si e por si mesma e que pode ser comparada (Cultura superior, Cultura inferior). Além disso, a Cultura aparece representada por uma atividade artística, a música popular. Isso permite estabelecer duas relações diferentes com as primeiras frases: 1. De fato, a terceira frase, como a primeira, identifica Cultura e artes (entender de arte e literatura, na primeira frase; a música popular brasileira, na terceira); 2. No entanto, algo curioso acontece quando passamos das duas primeiras frases à terceira. Com efeito, nas duas primeiras, “culto” e “inculto” surgiam como diferenças sociais. Num país como o nosso, dizer que alguém é inculto porque é semianalfabeto deixa transparecer que Cultura é algo que pertence a certas camadas ou classes sociais socialmente privilegiadas, enquanto a incultura está do lado dos não privilegiados socialmente, portanto, do lado do povo e do popular. Entretanto, a terceira frase afirma que a cultura brasileira não é inferior à francesa ou à alemã por causa de nossa música popular. Não estaríamos diante de uma contradição? Como poderia haver cultura popular (a música), se o popular é inculto? Já a quarta frase (a que se refere à conferência sobre cultura de massa) introduz um novo significado para a palavra cultura. Nela não se trata mais de pessoas cultas ou incultas, nem de uma coletividade que possui uma atividade cultural que possa ser comparada à de outras. Agora, estamos diante da ideia de que numa mesma coletividade ou numa mesma sociedade pode haver dois tipos de Cultura: a de massa e a de elite. A frase não nos diz o que é a Cultura. (Seria posse de conhecimentos? Ou seria atividade artística?) Entretanto, a frase nos informa sobre uma oposição entre formas de cultura, dependendo de sua origem e de sua destinação, pois “cultura de massa” tanto pode significar “originada 22 na massa” quanto “destinada à massa”, e o mesmo pode ser dito da “cultura de elite” (originada na elite ou destinada à elite). Finalmente, a última frase que mencionamos como exemplo apresenta um sentido totalmente diverso dos anteriores no que toca à palavra cultura. Fala-se, agora, na cultura dos guaranis e esta aparece em duas manifestações: a guerra e a religião (que, portanto, nada tem a ver com a posse de conhecimentos, atividade artística, massa ou elite). Nessa última frase, a cultura aparece como algo dos guaranis – e como alguma coisa que não se limita ao campo dos conhecimentos e das artes, pois se refere à relação dos guaranis com o sagrado (a religião) e com o conflito e a morte (a guerra). Vemos, assim, que passar da naturalização dos seres humanos à Cultura não resolve nossas dificuldades de compreensão dos humanos, uma vez que, agora, precisamos perguntar: Como é possível a palavra cultura possuir tantos sentidos, alguns deles contraditórios com outros? [...] Mas, afinal, o que é a Cultura? Dois são os significados iniciais da noção de Cultura: 1. vinda do verbo latino colere, que significa cultivar, criar, tomar conta e cuidar, Cultura significava o cuidado do homem com a Natureza. Donde: agricultura. Significava, também, cuidado dos homens com os deuses. Donde: culto. Significava ainda, o cuidado com a alma e o corpo das crianças, com sua educação e formação. Donde: puericultura (em latim, puer significa menino; puera, menina). A Cultura era o cultivo ou a educação do espírito das crianças para tornarem-se membros excelentes ou virtuosos da sociedade pelo aperfeiçoamento e refinamento das qualidades naturais (caráter, índole, temperamento); 2. a partir do século XVIII, Cultura passa a significar os resultados daquela formação ou educação dos seres humanos, resultados expressos em obras, feitos, ações e instituições: as artes, as ciências, a Filosofia, os ofícios, a religião e o Estado. Torna-se sinônimo de civilização, pois os pensadores julgavam que os resultados da formação-educação aparecem com maior clareza e nitidez na vida social e política ou na vida civil (a palavra civil vem do latim: cives, cidadão; civitas, a cidade-Estado). No primeiro sentido, a Cultura é o aprimoramento da natureza humana pela educação em sentido amplo, isto é, como formação das crianças não só pela alfabetização, mas também pela iniciação à vida da coletividade por meio do aprendizado da música, dança, ginástica, gramática, poesia, retórica, história, Filosofia, etc. A pessoa culta era a pessoa moralmente virtuosa, politicamente consciente e participante, intelectualmente desenvolvida pelo conhecimento das ciências, das artes e da Filosofia. É este sentido que leva muitos, ainda hoje, a falar em “cultos” e “incultos”. Podemos observar que, neste primeiro sentido, Cultura e Natureza não se opõem. Os humanos são considerados seres naturais, embora diferentes dos animais e das plantas. Sua natureza, porém, não pode ser deixada por conta própria, porque tenderá a ser agressiva, destrutiva, ignorante, precisando por isso ser educada, formada, cultivada de acordo com os ideais de sua sociedade. A Cultura é uma segunda natureza, que a educação e os costumes acrescentam à primeira natureza, isto é, uma natureza adquirida, que melhora, aperfeiçoa e desenvolve a natureza inata de cada um. 23 No segundo sentido, isto é, naquele formulado a partir do século XVIII, tem início a separação e, posteriormente, a oposição entre Natureza e Cultura. Os pensadores consideram, sobretudo a partir de Kant, que há entre o homem e a Natureza uma diferença essencial: esta opera mecanicamente de acordo com leis necessárias de causa e efeito, mas aquele é dotado de liberdade e razão, agindo por escolha, de acordo com valores e fins. A Natureza é o reino da necessidadecausal, do determinismo cego. A humanidade ou Cultura é o reino da finalidade livre, das escolhas racionais, dos valores, da distinção entre bem e mal, verdadeiro e falso, justo e injusto, sagrado e profano, belo e feio. À medida que este segundo sentido foi prevalecendo, Cultura passou a significar, em primeiro lugar, as obras humanas que se exprimem numa civilização, mas, em segundo lugar, passou a significar a relação que os humanos, socialmente organizados, estabelecem com o tempo e com o espaço, com os outros humanos e com a Natureza, relações que se transformam e variam. Agora, Cultura torna-se sinônimo de História. A Natureza é o reino da repetição; a Cultura, o da transformação racional; portanto, é a relação dos humanos com o tempo e no tempo. CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. Ed. Ática, São Paulo, 2000. (Adaptado, grifos das organizadoras.) Se você leu com bastante atenção o texto anterior, certamente se surpreendeu ao notar o quanto as explicações da autora acerca da cultura ultrapassam definições óbvias ou meramente lógicas. Para entender o objeto é preciso pesquisá-lo com profundidade, e para registrar explicações, pontos de vista e explicações a seu respeito, é preciso escrever com propriedade. Mas vamos deixar a escrita para outros momentos em que estaremos conectados a você, tanto nos materiais de estudo, quanto virtualmente – no AVA. Agora, importa retomar o raciocínio que estamos construindo juntos e, para isso, vamos retomar a ideia de ética para investigar a estreita ligação que há entre ela e a cultura. Como se dá essa relação? Ética e Cultura Por Rachel Coelho Falar sobre cultura e ética, inevitavelmente, causa certa confusão quanto à definição dessas duas matérias, nesse sentido Eduardo C. B. Bittar, em seu livro Curso de ética Jurídica é categórico em dizer que: A ética e a cultura são indissociáveis. Para compreendermos a ética, é preciso estudar a antropologia, ou seja, a origem do homem, evolução, caracteres, etc..., pois a cultura é o registro coletivo das práticas humanas determinadas no tempo e no espaço. No entanto mais adiante faz algumas ressalvas e através delas fica estabelecido que ética não é sinônimo de cultura, um pouco além afirma, ainda, que a ética pode romper com a cultura e trazer um novo padrão cultural entre os homens. A sociedade procura reproduzir os comportamentos sociais anteriormente cristalizados como certo ou errado, mas, ao mesmo tempo, tem a liberdade de escolha de fazer ou não fazer, o que contribui para que a cultura seja sempre passível de atualização. Desta forma, podemos inferir que a ética pode, à medida que ganha importância dentro de uma sociedade, servir de ferramenta para a mudança da própria cultura. 24 Buscando ainda discriminar ética e cultura apresentamos abaixo a definição dessas duas terminologias, que dentre muitas encontradas, refletem de forma mais fiel o objetivo deste trabalho. Ética: "Ramo da Filosofia que se dedica ao estudo dos valores morais da conduta humana". Cultura: Cultura é um sistema integrado de padrões comportamentais aprendidos, ·compartilhados e transmitido de geração em geração, que distinguem as características de uma determinada sociedade. Mas como podemos definir o que é ser ético? Num primeiro momento, podemos definir como "bom" ou "melhor". Porém, qual é o significado de "bom"? Poderíamos definir "bom" com diversos outros adjetivos, mas, objetivamente, não chegaríamos a uma definição única, já que é um termo muito subjetivo. Vamos pegar como exemplo uma criança, que ainda não tem noção do que é certo ou errado. Como iremos explicar para essa criança que algo não é "bom", se ela não sabe o que é "mau"? Fica muito difícil, pois só quando essa criança for ficando maior é que começará a compreender o significado do que é "bom" ou "ruim". Só que para ter essa noção de certo e errado, o aprendizado dado a essa criança é baseado na cultura de seus pais, e estes, por sua vez, adquiriram seus padrões de comportamento, suas crenças, seu modo de vida, da sociedade onde vivem. A partir daí, começamos a analisar que a ética não pode ser definida concretamente, eis que, assim como o "bom", ela é uma palavra com significado abstrato. Podemos dizer que ser ético é ser "socialmente aprovado". Vale dizer que em determinado país ou determinada sociedade, um determinado fato é considerado como ético, mas em outro, totalmente abominável. Por este motivo que a ética é incapaz de construir uma lista de deveres e dispô-los de forma absoluta, universal, como um conjunto de hipóteses de conduta, devendo sempre ser analisado as práticas sociais vigentes na sociedade. Podemos, então, dizer que onde está o homem está a cultura, e consequentemente, a ética dessa sociedade. [...] Disponível em: http://www.zemoleza.com.br/carreiras/28617-etica-e-cultura.html. Acesso em: 12 fev. 2014. (Adaptado) Ainda que a palavra ética não apareça nenhuma vez no artigo a seguir, observe que suas concepções estão implícitas nas entrelinhas, sobretudo, dos trechos em destaque. Observe também o quanto a leitura dos textos anteriores contribuirá para o entendimento deste. Você já conhece um pouco sobre as ideias de Marilena Chauí, não é mesmo? Então, nem tudo será novidade no texto a seguir, pois a autora Sueli faz referência às ideias dessa filósofa, autoridade no assunto em discussão. Veja como isso é feito e acompanhe o raciocínio... A cultura e as diferentes concepções apreendidas nas determinações históricas Sueli Lima de Assis Pinto (Mestre em Educação Brasileira – Faculdade de Educação / UFG, professora do curso de Pedagogia – Campus de Jataí/UFG) http://www.zemoleza.com.br/carreiras/28617-etica-e-cultura.html 25 [...] A cultura é vista por diferentes autores como uma ação humana, um processo de humanização do homem em uma relação ao outro e consigo mesmo. É nessa relação entre os homens que surgem as diferentes concepções ressaltadas pelo senso comum. A cultura nessa perspectiva é compreendida em diferentes linhas de pensamento, podendo caracterizar-se com o conhecimento erudito; como trabalho de criação ligado às artes; e significa, também, possuir um conjunto de conhecimentos e informações compreendidas no cotidiano e nos processos de socialização. Para Chauí, as percepções de cultura no senso comum são respaldadas em ações do cotidiano que naturalizam o comportamento humano, bem como o seu modo de viver e agir. A cultura, neste sentido, constitui uma natureza humana que definiria o homem culturalmente. Isto é, cultura é percebida como se a caracterização do gênero ou etnia fosse parte desta natureza e, portanto, definisse formas de se pensar ou agir do homem e da mulher, bem como da criança, do jovem ou do idoso, do negro ou do branco. O conceito de cultura, para Chauí, se delineia em três campos: o primeiro, como pôde ser visto no parágrafo anterior, em uma perspectiva do senso comum, apresenta quais são os erros e ou acertos mais comumente utilizados pelas pessoas no cotidiano; o segundo, em uma perspectiva histórica, é a relação dos homens no tempo e com o tempo, podendo ser analisado em Hegel como movimento do espírito e em Marx como produção e reprodução das relações humanas no trabalho; e, por último, cultura como um conceito antropológico, analisada por uma perspectiva simbólica. Aqui a natureza humana seria representada pelo homem no desenvolvimento de suas relações no seio das diferentes sociedades, principalmente, nas relações coercitivas, como normas, regras, e que formam um conjunto denominado pela antropologia como cultura. Nesta perspectiva antropológica, Chauí define cultura em três sentidos: primeiro, a criação da ordem simbólica da lei – sistemas de interdições e obrigações estabelecidas a partir da atribuição de valores – tanto a coisas, quanto ao humano e suas relaçõesaos acontecimentos. Em seguida, há a criação de uma ordem simbólica, na qual os símbolos surgem tanto para representar quanto para interpretar a realidade, e, como terceiro sentido, o conjunto de práticas, comportamentos, ações e instituições com quais os humanos se relacionam entre si e com a natureza. A abordagem da cultura na perspectiva histórica irá refletir essa relação do homem com a natureza e com outros homens na sua produção material, momento em que seu próprio existir adquire sentido como natureza humana. A reflexão de Chauí possibilita perceber que o desenvolvimento deste conceito se deu historicamente e que, por isso, uma mesma sociedade, sendo temporal e histórica, passa por transformações culturais amplas e, neste sentido, tanto o conceito antropológico quanto o histórico são fundamentais na construção do conceito de cultura. Considerando estes dois sentidos na análise da cultura, Chauí acrescenta um terceiro conceito, que designa a criação de obras da sensibilidade e da imaginação, as obras da inteligência e da reflexão, mas que na realidade, é este conceito que origina os preconceitos vinculados ao senso comum. 26 Assim, para Chauí, a cultura unida tanto nos sentidos anteriores, quanto neste último, pode ser compreendida na relação entre os homens e, desta relação, surgem diferentes caracterizações para o conceito de cultura, a saber, cultura de elite, cultura popular, cultura erudita, cultura de massa. É no escopo destes diferentes conceitos que a cultura passa a ser utilizada como instrumento de discriminação social, econômica e política. [...] Artigo publicado na Revista de Educação do Curso de Pedagogia do Campus Avançado de Jataí da Universidade Federal de Goiás [Vol I – n.3] [Jan/Jul] [2007]. Disponível em: https://revistas.ufg.br/index.php/ritref/article/view/20411/11899. Acesso em: 13 fev. 2014. (Adaptado, grifos das organizadoras). Vale a pena conferir! Entrevista de Marilena Chauí concedida a Jô Soares no Programa Jô Onze e Meia, SBT, em 1999 - 21 minutos, por ocasião do lançamento de seu livro A nervura do real, imanência e liberdade em Espinosa. Em uma de suas falas, Chauí declara que o exercício da violência não considera que outra pessoa é um ser dotado de sensibilidade, liberdade, razão. Enquanto que a ética pressupõe liberdade, a violência por definição elimina qualquer possibilidade de ética. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=299kLlpSusM. Acesso em: 15 fev. 2014. Nas esquinas da cultura de massa e de elite, encontram-se diversas manifestações artísticas. Arte para todos os gostos e para todas as críticas. Como definir o que, ao mesmo tempo, pode revelar com simplicidade um mundo tão complexo de possibilidades? Na verdade, uma simplicidade que exige muito tempo, talento e determinação do artista que lapida cores, palavras, ideias, formas e pedras que viram diamantes... O que dizer dessas manifestações que nos falam de tantas coisas por intermédio de tantas formas diferentes? O valor da Arte é imensurável. Valor que transcende o material e o monetário. Você poderá explorar e compreender melhor o que é Arte e por que seu valor desafia a compreensão humana. Mais uma vez, com a palavra, Marilena Chauí. O universo das artes Alberto Caeiro, um dos heterônimos do poeta Fernando Pessoa, leva-nos ao âmago da arte quando escreve: O meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de andar pelas estradas Olhando para a direita e para a esquerda, E de vez em quando olhando para trás… E o que vejo a cada momento https://revistas.ufg.br/index.php/ritref/article/view/20411/11899 http://www.youtube.com/watch?v=299kLlpSusM 27 É aquilo que nunca antes eu tinha visto, E eu sei dar por isso muito bem… Sei ter o pasmo essencial Que tem uma criança se, ao nascer, Reparasse que nascera deveras… Sinto-me nascido a cada momento Para a eterna novidade do Mundo. A eterna novidade do mundo. Alberto Caeiro/Fernando Pessoa une duas palavras, que, normalmente, estão separadas e mesmo em oposição – eterna e novidade -, pois o eterno é o que, fora do tempo, permanece sempre idêntico a si mesmo, enquanto o novo é pura temporalidade, o tempo como movimento e inquietação que se diferencia de si mesmo. No entanto, essa unidade do eterno e do novo, aparentemente impossível, realiza-se pelos e para os humanos. Chama-se arte. Merleau-Ponty dizia que a arte é advento – um vir a ser do que nunca antes existiu -, como promessa infinita de acontecimentos – as obras dos artistas. No ensaio A linguagem indireta do e as vozes silêncio, ele escreve: O primeiro desenho nas paredes das cavernas fundava uma tradição porque recolhia uma outra: a da percepção. A quase eternidade da arte confunde-se com a quase eternidade da existência humana encarnada e por isso temos, no exercício de nosso corpo e de nossos sentidos, com que compreender nossa gesticulação cultural, que nos insere no tempo. Que dizem os desenhos nas paredes da caverna? Que o mundo é visível e para ser visto, e que o artista dá a ver o mundo. Que mundo? Aquele eternamente novo, buscado incessantemente pelos artistas. É assim que Monet pinta várias vezes a mesma catedral e, em cada tela, nasce uma nova catedral. Referindo-se a essa busca do eterno novo em Monet, o filósofo Gaston Bachelard escreve, num ensaio denominado O pintor solicitado pelos elementos: Um dia, Claude Monet quis que a catedral fosse verdadeiramente aérea – aérea em sua substância, aérea no próprio coração das pedras. E a catedral tomou da bruma azulada toda a matéria azul que a própria bruma tomara do céu azul… Num outro dia, outro sonho elementar se apodera da vontade de pintar. Claude Monet quer que a catedral se torne uma esponja de luz, que absorva em todas as suas fileiras de pedras e em todos os seus ornamentos o ocre de um sol poente. Então, nessa nova tela, a catedral é um astro doce, um astro ruivo, um ser adormecido no calor do dia. As torres brincavam mais alto no céu, quando recebiam o elemento aéreo. Ei-las agora mais perto da Terra, mais terrestres, ardendo apenas um pouco, como fogo guardado nas pedras de uma lareira. Que procura o artista? Responde Caeiro/Pessoa: “o pasmo essencial / que tem uma criança se, ao nascer, / reparasse que nascera deveras”. O artista busca o mundo em estado nascente, tal como seria não só ao ser visto por nós pela primeira vez, mas tal como teria sido no momento originário da criação. Mas, simultaneamente, busca o mundo em sua perenidade e permanência. É o que procura o pintor Cézanne, cujo trabalho é assim comentado por Merleau-Ponty no ensaio A dúvida de Cézanne: 28 Vivemos em meio aos objetos construídos pelos homens, entre utensílios, casas, ruas, cidades e na maior parte do tempo só os vemos através das ações humanas de que podem ser os pontos de aplicação… A pintura de Cézanne suspende estes hábitos e revela o fundo de Natureza inumana sobre a qual se instala o homem… A paisagem aparece sem vento, a água do lago sem movimento, os objetos transidos hesitando como na origem da Terra. Um mundo sem familiaridade… Só um humano, contudo, é justamente capaz desta visão que vai até as raízes, aquém da humanidade constituída… O artista é aquele que fixa e torna acessível aos demais humanos o espetáculo de que participam sem perceber. A obra de arte dá a ver, a ouvir, a sentir, a pensar, a dizer. Nela e por ela, a realidade se revela como se jamais a tivéssemos visto, ouvido, sentido, pensado ou dito. A experiência de nascer todo dia para a “eterna novidade do mundo” pode ser feita por nós quando lemos o poema de Jorge de Lima, Poema do nadador: A água é falsa, a água é boa. Nada, nadador! A água é mansa, a água é doida, Aqui é fria, ali é morna, A água é fêmea. Nada, nadador! A água sobe, a água desce, A água é mansa, a água é doida.
Compartilhar