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Prévia do material em texto

2013
Literatura infantojuveniL
Prof. Abraão Junior Cabral e Santos
Prof.ªJackeline Maria Beber Possamai
Prof.ª Joseni Terezinha Frainer Pasqualini
Copyright © UNIASSELVI 2013
Elaboração:
Prof. Abraão Junior Cabral e Santos
Prof.ªJackeline Maria Beber Possamai
Prof.ª Joseni Terezinha Frainer Pasqualini
Revisão, Diagramação e Produção:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri 
UNIASSELVI – Indaial.
028.5
S237l Santos, Abraão Junior Cabral e
 Literatura infantojuvenil / Abraão Junior Cabral e Santos; 
 Jackeline Maria Beber Possamai; Joseni Terezinha Frainer 
 Pasqualini. Indaial : Uniasselvi, 2013.
 175 p. : il 
 
 ISBN 978-85-7830-710-3
 1. Literatura infantojuvenil.
 I. Centro Universitário Leonardo da Vinci.
 
Impresso por:
III
apresentação
Caro(a) acadêmico(a)!
Neste Caderno de Estudos, esperamos mediar o encontro da literatura 
com questões que possam auxiliar sua prática pedagógica, bem como fixar, 
aprofundar, estabelecer relações e dar continuidade aos estudos iniciados 
com a disciplina de Teoria Literária e, principalmente, que, ao término dessa 
disciplina, você possa perceber a importância da literatura na sala de aula e 
na vida do indivíduo.
A literatura é conhecimento produzido historicamente, objeto de 
interrogação, dúvida e pesquisa. Civiliza, educa e “humaniza”, na medida 
em que sugere melhores formas de vida e se constitui como exercício de 
liberdade, inquietação, crescimento e perplexidade.
Neste Caderno de Estudos chamamos a atenção para o fato de que, 
muitas vezes, a literatura é metodicamente submetida a rotinas padronizadas, 
perdendo seu sentido mais profundo. Torna-se mera soma de palavras e frases, 
concebida como um sentido preestabelecido, ou seja, os alunos leem somente 
para transcrever recursos estilísticos, para estudar análise sintática, procurar 
palavras no dicionário, estudar normas gramaticais e aprender modelos de 
conduta moral. Esta última, muito enfatizada na escola, sobretudo na literatura 
infantil, apresenta textos somente com o intuito de que as crianças assimilem 
padrões de conduta adequada à ordem social. Essas práticas podem ser fator 
decisivo e determinante para o distanciamento da literatura.
A literatura infantojuvenil é um aparato facilitador para despertar o prazer 
da leitura e deveria ocupar lugar de destaque no cotidiano escolar e familiar. O 
desafio é incentivar a dimensão prazerosa, lúdica e estética da literatura e, ainda, 
por meio dela, proporcionar que o leitor se depare com sentidos e identificações 
do lido, explorando-os, aprendendo sobre os medos, angústias, lutas, coragem, 
amor e o mundo que o cerca. Para tanto, é imperativo que o professor avalie e 
reflita entendendo sua intenção primeira: suscitar e despertar o gosto pela leitura.
A necessidade da literatura em sala de aula é algo incontestável. 
Em especial, neste espaço privilegiado pela possibilidade de apresentação e 
interação do texto literário, pois contribui para a ampliação de conhecimentos, 
permite a interpretação do mundo como um texto universal e a percepção de 
sua complexidade. Ainda nessa perspectiva, expande e reforça a ideia de que 
cada indivíduo é sujeito e agente de sua própria história.
Na sala de aula deve existir muita leitura, de vários gêneros literários, 
a fim de que o aluno possa melhor refletir, compreender, problematizar 
IV
e questionar os textos lidos, fazendo uso de sua criticidade e, também, da 
habilidade em lidar com as regras estabelecidas para a leitura. Ler significa 
aprender a produzir sentidos inseridos em um tempo e em um espaço, 
tornando o exercício de leitura ativo.
Não temos a pretensão, caro(a) acadêmico(a), de esgotar as reflexões 
sobre a literatura infantojuvenil, mas esperamos colaborar para apontar 
questões teóricas e práticas, o que, sem dúvida alguma, contribuirá para sua 
postura frente à literatura em sala de aula.
Bons estudos e sucesso em sua vida acadêmica!
Prof. Abraão Junior Cabral e Santos
Prof.a Jackeline Maria Beber Possamai
Prof.a Joseni Terezinha Frainer Pasqualini
Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para 
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, 
há novidades em nosso material.
Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o 
material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato 
mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. 
O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação 
no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir 
a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.
Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, 
apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade 
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. 
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para 
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto 
em questão. 
Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas 
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa 
continuar seus estudos com um material de qualidade.
Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de 
Desempenho de Estudantes – ENADE. 
 
Bons estudos!
UNI
V
Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos 
materiais ofertados a você e dinamizar ainda 
mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza 
materiais que possuem o código QR Code, que 
é um código que permite que você acesse um 
conteúdo interativo relacionado ao tema que 
você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, 
acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor 
de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa 
facilidade para aprimorar seus estudos!
UNI
VI
VII
UNIDADE 1 – CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA .......................................................... 1
TÓPICO 1 – O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL O MODELO? ...................................... 3 
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 
2 ASSIMETRIA ENTRE MATURIDADE E INFÂNCIA .................................................................. 4 
3 O PENSAMENTO FELIZ: ENTRE O LÚDICO E O LÚCIDO ..................................................... 9 
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 14 
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 16 
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 17
TÓPICO 2 – A LITERATURA ENTRA NO JOGO ............................................................................ 19 
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 19 
2 A ARTE E A PALAVRA ........................................................................................................................ 19
3 A LITERATURA COMO FONTE HUMANIZADORA ................................................................. 24 
RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 31 
AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................32
TÓPICO 3 – CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM LITERÁRIA ............................................ 33
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 33
2 O LITERÁRIO: ASPECTOS QUE O DEFINEM ............................................................................. 33
3 O TEXTO LITERÁRIO E O TEXTO NÃO LITERÁRIO ................................................................ 37
RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 41 
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 42 
UNIDADE 2 - A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES ........................................... 43
TÓPICO 1 – ASPECTOS DA LITERATURA INFANTIL ................................................................. 45
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 45 
2 OS TEXTOS DESTINADOS AO JOVEM LEITOR ........................................................................ 46
3 A LITERATURA INFANTIL – UM POUCO DE HISTÓRIA ....................................................... 47
 3.1 PANORAMA DA LITERATURA INFANTIL BRASILEIRA ..................................................... 51
RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 57 
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 58
TÓPICO 2 – GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA I ..................................................... 61
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 61 
2 AS NARRATIVAS E O ESTILO ......................................................................................................... 61 
3 NARRATIVAS: O CONTO ................................................................................................................ 64
 3.1 OS CONTOS DE FADA .................................................................................................................. 65 
4 O PODER DOS CONTOS NA CONTEMPORANEIDADE ....................................................... 68
RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 72 
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 74
sumário
VIII
TÓPICO 3 – GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA II .................................................... 77
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 77
2 A COMPOSIÇÃO DOS TEXTOS LITERÁRIOS ............................................................................ 77 
 2.1 A AÇÃO ............................................................................................................................................ 79
 2.2 AS FALAS NA NARRATIVA ......................................................................................................... 80
 2.3 O ESPAÇO ......................................................................................................................................... 84
 2.4 O TEMPO .......................................................................................................................................... 85
3 A PERSONAGEM E SEUS ASPECTOS ........................................................................................... 85
 3.1 A FÁBULA ....................................................................................................................................... 89 
 3.2 A LENDA ......................................................................................................................................... 90
 3.3 A PARÁBOLA .................................................................................................................................. 92
 3.4 A PARLENDA ................................................................................................................................. 92 
 3.5 O ROMANCE ................................................................................................................................... 94
4 LEITURA E A DIMENSÃO COGNITIVA ....................................................................................... 95
LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 98
RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 102
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 104
UNIDADE 3 - O PAPEL DA ESCOLA ............................................................................................... 105
TÓPICO 1 – O DIVERTIDO PRAZER DE LER ................................................................................. 107
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 107
2 A SALA DE AULA: QUE TEXTOS ESCOLHER? ........................................................................... 107
3 INVERTENDO A TRADIÇÃO ......................................................................................................... 112
RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 114
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 115
TÓPICO 2 – A RELAÇÃO: LIVRO E A CRIANÇA ........................................................................... 117
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 117
2 A RECEPÇÃO DO LIVRO INFANTIL ............................................................................................. 117
3 A IMAGEM: LUGAR ESPECIAL ....................................................................................................... 122
RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 131
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 132
TÓPICO 3 – EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS ................................................................ 133
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 133
2 LEITURA DO MUNDO: A LITERATURA .................................................................................... 134
3 A DESCOBERTA DA POESIA .......................................................................................................... 144
 3.1 O TEATRO ........................................................................................................................................ 149
4 AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS ............................................................................................... 156
LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 159
RESUMO DO TÓPICO 3 .......................................................................................................................162
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 163
REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................... 165
1
UNIDADE 1
CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade tem por objetivos:
• refletir sobre a assimetria entre o adulto e a criança;
• identificar possíveis conceitos atribuídos à literatura;
• diferenciar um texto literário de um texto não literário;
• refletir sobre as funções da literatura;
Esta unidade está dividida em três tópicos. Ao final de cada um deles você 
encontrará atividades visando à compreensão dos conteúdos apresentados.
TÓPICO 1 – O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL O MODELO?
TÓPICO 2 – A LITERATURA ENTRA NO JOGO
TÓPICO 3 – CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM LITERÁRIA
2
3
TÓPICO 1
UNIDADE 1
O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL 
O MODELO?
1 INTRODUÇÃO
Prezado(a) acadêmico(a), nesse tópico você entrará em contato com 
algumas teorias e discussões, em torno das quais importantes relações se 
estabelecem entre arte e infância. Para tanto, não só o presente texto, quanto os 
demais tópicos desta unidade, estão construídos de modo a possibilitar-lhe não 
apenas tecer considerações acerca da temática em questão, como também em 
ajudá-lo(a) a colher implicações que, em alguma medida, possam auxiliá-lo(a) a 
melhor observar, refletir e posteriormente opinar sobre a realidade da literatura 
infantojuvenil no contexto atual das instituições de ensino. 
Assim, observaremos primeiro o quanto a construção da nossa civilização 
“escolarizada” se deveu ao aprisionamento de nossa gestualidade espontânea, que 
em sua origem marcava não um divórcio, mas uma identidade entre o lúdico e os 
afazeres cotidianos, que acabaria sendo amordaçada pelo pensamento racional, 
o qual, ao fazer prevalecer os pontos de vista do adulto, acabaria por normatizar 
diversas instituições sociais, como a escola e a literatura destinada à criança.
Em seguida, verificaremos o lugar do pensamento lúdico na atualidade, seja 
a partir da relação assimétrica que socialmente se constrói entre a magia infantil 
e a lógica do indivíduo adulto, seja segundo a aparente evolução da consciência 
mítica em direção à racionalidade pragmática, que, nesse percurso, desfaz-se do 
caráter mágico inerente ao lúdico.
Ora, há de se constatar que essa aparente “evolução” da racionalidade 
rumo a formas de expressão mais refinadas não deveria descartar o poder 
“mágico” presente nas manifestações literárias, já que elas surgem como formas 
artísticas calcadas no pensamento mítico e em atividades lúdicas praticadas desde 
o aparecimento de nossa espécie e até hoje consolidadas como formas significativas 
de revelação do real.
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA
4
2 ASSIMETRIA ENTRE MATURIDADE E INFÂNCIA
Quando guri, eu tinha de me calar à mesa; só as pessoas 
grandes falavam. Agora, depois de adulto, tenho de ficar 
calado para as crianças falarem (QUINTANA, 1979, p. 
28)
Você se lembra de como, no tempo em que você era pequenininho, seus 
pais ou parentes mais próximos reagiam às brincadeiras ou às “traquinagens” das 
crianças de sua geração? Lembra, ademais, que tipo de expressões ou formas de 
linguagem eles utilizavam em tais momentos, quer fosse para elogiar essas mesmas 
ações, quer fosse para censurá-las ou, no pior dos casos, para reprimi-las?
Nessas situações, você também deve lembrar que, de modo semelhante 
à maneira como os adultos de antigamente nos tratavam, nós – não porque 
verdadeiramente o sejamos, mas tão somente porque agora ocupamos o lugar 
destinado a quem deve ser “o mais sábio” ou “o mais forte” –, diante da criança em 
geral, sentenciamos: “escute a voz da razão”, “você precisa aprender a crescer”, 
“tenha juízo”, “siga quem tem mais experiência do que você” etc.; expressões 
que demarcam claramente o lugar de quem manda e, em contrapartida, o lugar 
destinado a quem deve obedecer.
Caro acadêmico(a), para aprofundarmos essa reflexão sobre as relações 
entre maturidade e infância, seria interessante você parar por alguns instantes 
e fazer um pequeno exercício de memória. Primeiro, tente identificar quais 
expressões eram utilizadas pelos adultos no tempo em que você era criança e que 
ainda lhe soam familiares; em seguida, observe as expressões que você emprega 
hoje em dia ao tratar com as crianças da atual geração. Caso tenha conseguido 
identificá-las, anote algumas dessas expressões no diagrama a seguir e, em sala de 
aula, troque suas experiências com as dos colegas:
Ora, uma das possíveis consequências de tal exercício é que, a partir da 
experiência pessoal, podemos constatar que essas expressões não só revelam, mas 
simultaneamente contrapõem dois modos distintos de se perceber e experimentar 
a existência, a saber: um primeiro modo, geralmente considerado irracional, por 
vezes pueril e inerente a quase todo indivíduo que se encontre na fase “transitória” 
TÓPICO 1 | O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL O MODELO?
5
da infância; e, em um segundo modo, considerado harmônico, equilibrado e 
característico não apenas do indivíduo adulto, mas através dele se estabelecendo 
como parâmetro ou modelo para pautar a existência e as atitudes de qualquer ser 
humano, independente da faixa etária em que ele se encontre.
Segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, o vocábulo “Assimetria” 
refere-se a um substantivo feminino, enquanto a palavra “Assimétrico” refere-se a um adjetivo, 
ambos os termos designando: ausência de simetria; que não tem simetria; dessimetria; 
dissimétrico.
UNI
É o que também sustenta Bettelheim (2007, p. 9), quando, “ao valer-se de 
um viés do discurso psicanalítico, busca compreender quais práticas culturais ou 
ações educativas seriam mais adequadas a operar a passagem da fase infantil para 
a fase adulta”. Assim, ao defender a utilização do repertório dos contos de fadas 
tradicionais como modelo predominante na educação familiar, acaba depondo 
em favor da hierarquia assimétrica que tem predominado nas relações entre 
maturidade e infância:
Somente na idade adulta uma compreensão inteligente do significado de 
nossa existência neste mundo pode ser obtida de nossa experiência nele. 
Infelizmente, muitos pais querem que as mentes dos filhos funcionem 
como as suas – como se uma compreensão madura de nós mesmos e do 
mundo e nossas ideias sobre o significado da vida não tivessem que se 
desenvolver tão lentamente quanto nossos corpos e mentes. Hoje, como 
no passado, a tarefa mais importante e também mais difícil na criação de 
uma criança é ajudá-la a encontrar significado na vida. (BETTELHEIM, 
2007, p. 10, grifo nosso).
Dessa forma, ainda que o autor reconheça o “encontrar significado para 
a vida” como um dos eixos da condição existencial de qualquer indivíduo, não 
importa em que faixa etária este se encontre, Bettelheim não deixa de corroborar 
com a existência de dois pontos de vista assimétricos, dos quais acaba por optar, 
ainda que implicitamente, pela perspectiva do adulto, cujo equilíbrio e maturidade 
deve progressivamente orientar o olhar “equivocado e fantasioso” da criança:
A criança, à medida que se desenvolve, deve aprender passo a passo a 
se entender melhor; com isso, torna-se mais capaz de entender os outros 
e, eventualmente, pode se relacionar com eles de forma mutuamente 
satisfatória e significativa. (...) Com respeito a essa tarefa, nada é mais 
importante que o impacto dos pais e das outras pessoas que cuidam 
da criança; em segundo lugar vem a nossa herança cultural, quando 
transmitida à criança de maneira correta. (BETTELHEIM, 2007, p. 10, 
grifo nosso).
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA
6
Mais adiante, constatará Magalhães (1984 apud ZILBERMAN, 1984), essa 
transmissão idealizada de normas, propalada tanto pelas instituições tradicionais 
quanto pelos comportamentose atitudes “maduras” dos adultos, visaria transformar 
a criança em um “adulto pacificado”, ou, melhor dizendo, em um indivíduo capaz 
não apenas de conter, por meio de ponderações racionais, suas inquietações, como 
também de responder a eventos imprevistos de uma maneira educada e lógica:
E aqui se situa a contradição da preocupação educativa na transmissão 
de normas: o objeto das tarefas pedagógicas é um sujeito ideal, membro 
de uma sociedade que se espera construir um dia, graças à transmissão 
de padrões vigentes que não conseguiram concretizar a ordem social 
almejada. À caça do sonho, todos os conceitos pedagógicos estão 
voltados para a criança no sentido de dizer no que ela deve se tornar. 
O objetivo da pedagogia só será atingido se ela conseguir realizar 
um sujeito senhor de sua própria linguagem e de seus atos, dirigido 
pela razão e pela lógica, sujeito do consciente e destituído de conflito. 
(MAGALHÃES In: ZILBERMAN, 1984, p. 43).
A partir das observações anotadas até aqui, você consegue imaginar o quanto 
esse modo assimétrico de relação, que se estabelece entre a criança e o adulto, pode ir muito 
além da relação familiar, adentrando quase todas as esferas de convívio social? Percebe também 
que, como uma regra geral, quase sempre se dá a primazia do segundo modo de existência 
sobre o primeiro, fazendo predominar os valores e os pontos de vista dos adultos?
IMPORTANT
E
Portanto, não havia nada de acidental no fato de Platão (1999) conceber em 
sua “República” ideal – que ademais serviria de modelo para se pensar, dentro dos 
padrões da civilização ocidental – a arte, pois o processo adequado de aquisição e 
transmissão do conhecimento deveria se pautar prioritariamente pelo pensamento 
racional, o que implicava reconhecer que os sentimentos, as emoções, as experiências 
lúdicas e as formas míticas de compreensão do mundo – que são inerentes tanto 
ao saber artístico quanto à infância – se firmariam sobre as aparências das coisas e, 
consequentemente, só poderiam fornecer um saber equivocado da realidade. 
Ora, sabemos que, desde a Grécia antiga, o único espaço em que se 
conseguiu fazer convergir essas duas ordens aparentemente antagônicas – a saber: 
o pensamento lúcido e racional do adulto, e o pensamento lúdico e espontâneo da 
criança – foi, não propriamente a escola, mas sim a obra de arte. Esta, onde quer 
que seja pensada (como mais adiante veremos no caso da literatura infantojuvenil), 
vincula-se a formas de compreensão da realidade que não se pretendem 
absolutamente “verdadeiras” ou universais, tal como o fazem os saberes científicos 
e a especulação filosófica, mas, ao contrário, por admitir sua própria parcialidade, 
acaba comportando pontos de vista particulares, subjetivos, guardando assim um 
estreito parentesco com as formas como as crianças, movidas pela admiração e 
pela fantasia, lidam, nomeiam e inventam a sua realidade presente.
TÓPICO 1 | O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL O MODELO?
7
Para Platão, haveria dois mundos intercomunicáveis através da mímesis (cópia ou 
representação): o mundo das ideias, perfeito, habitado pelos deuses e onde residiria a verdade, 
e, em contrapartida, o mundo sensível, material, precário e imperfeito da existência humana. A 
tarefa do filósofo consistia em desvendar o mundo sensível, aparente e falso, em proveito da 
inteligibilidade do mundo das ideias. Assim, no capítulo X do livro A República, o filósofo, através 
da metáfora da cama e do pintor, desqualifica o artista e a obra de arte: primeiro haveria a cama 
idealizada, possível no mundo das ideias, e portanto perfeita; depois, a cama feita pelo marceneiro, 
que seria uma cópia precária da cama ideal do mundo das ideias; por último, teríamos a cama 
do pintor, que imita a cama do marceneiro, que, por sua vez, já havia imitado a cama do mundo 
das ideias, portanto uma cópia de uma outra cópia. Dessa forma, a cama pintada pelo artista seria 
a imitação mais falsa de todas e, por esse motivo, através da hierarquia mimética, o artista e seu 
falso saber não deveriam participar da República.
UNI
Você deve concordar que, ainda nos dias atuais, é a escola, e não a obra 
de arte, o principal espaço encarregado de transmitir e redimensionar a herança 
cultural entre gerações. Se assim o for, também poderemos concordar que a sua 
evolução na história se daria conforme a escola, na contramão do pensamento 
platônico, não mais recusasse o saber apreendido pelas sensações, pelas emoções 
e pela imaginação, e passasse a adquirir características de uma obra de arte, 
desfazendo-se, portanto, dos modelos ideológicos vigentes que mantinham a 
compreensão equivocada de que a infância fosse apenas uma fase aberta a toda 
sorte de fantasia, crença no maravilhoso e em distorções da realidade palpável.
Antes de prosseguirmos nessa linha de raciocínio, que tal fazermos uma 
pequena reflexão? Pense: após tanto tempo inseridos nesse paradigma cultural 
advindo do platonismo, que inicialmente se baseava na abstração da existência 
corporal e no pensamento racional, e que foi posteriormente acrescido de valores 
econômicos e burgueses, como o pragmatismo e a utilidade – e que enfim afetariam 
os modos de se pensar a educação e as concepções formais e informais de ensino 
por vários séculos, você acredita que esse modelo já estaria superado? Façamos, 
então, um breve exercício: vamos ler um dos excertos literários de Mário Quintana, 
O velho e o acaso, que versa sobre a temática em questão para, em seguida, opinar:
O velho mendigo que neste momento acaba de encontrar num monte 
de sucata a lâmpada de Aladino – tão amassada, tão enferrujada e de feitio 
tão esquisito –, eis que ele a abandona e leva, em vez dela, uma útil chaleira. 
Uma chaleira sem tampa, digo eu, para os que gostam de pormenores. E não é 
esta a primeira vez que o acaso, inocentemente, assim estraga uma bela história 
(QUINTANA, 1979, p. 5).
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA
8
AGORA PENSE E RESPONDA: Para você, o mendigo em questão teria 
agido coerentemente? Dito de outro modo: em seu lugar você também teria optado 
pela chaleira ao invés da lamparina? Por quê?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________.
Vivemos de tal maneira enraizados no universo lógico do adulto que em nada 
nos estranharia – se pensarmos a partir da parábola literária de Quintana – se algum 
de nós, mesmo que se tratasse de um mendigo, decidisse recolher a velha chaleira sem 
tampa – posto nela ainda haver alguma serventia –, mas jamais uma “inútil lamparina” 
largada em um amontoado de lixo; e se esta fosse a opção frequentemente tomada, 
então ela nos levaria a reconhecer que tal atitude referendaria o socialmente aceito, 
quer dizer: a maneira como vivemos, o que já está consagrado pelo senso comum. 
Assim, em um gesto aparentemente banal como esse, de modo consciente ou 
não, mostramo-nos sempre aptos a referendar atitudes orientadas pelo paradigma 
racional da utilidade e, em contrapartida – caso alguma escolha repousasse sobre 
a velha lamparina –, essa outra atitude, já que imprevisível, seria provavelmente 
considerada infantil, delírio de um sonhador, ou até mesmo taxada como sintoma de 
desequilíbrio emocional.
De certa forma, tal constatação levar-nos-ia a reconhecer que somente na 
infância – e, nesse sentido, deve-se estender o conceito de infância para além de uma 
mera etapa cronológica, ou seja, para toda criança que permanece viva em nós –, por 
ainda nos sentirmos capazes de magia, seríamos capazes de recolher, em sua face 
dupla, a lâmpada encantadade Aladim. 
FIGURA 1 - RETRATO III, JOAN MIRÓ
FONTE: Disponível em: <http:\\www.bibliofiliaentreparentesis.
blogspot.com>. Acesso em: 10 ago. 2012.
TÓPICO 1 | O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL O MODELO?
9
Dito de outro modo – e eis um lance de dados da esperança –, há uma 
infância que se mantém viva, independente da faixa etária em que nos encontremos, 
como bem se exemplifica no trabalho singular do artista, tal como se vê na parábola 
literária de Mário Quintana, ou na feliz conjunção de infância e maturidade, 
visualmente presente na tela de Joan Miró, mais acima.
3 O PENSAMENTO FELIZ: ENTRE O LÚDICO E O LÚCIDO
Li há tempos que num desses exóticos países do Oriente 
(...) [que] um engenheiro inglês queria convencer o 
respectivo xá, ou qualquer título que tivesse, que, em 
nome do progresso, era urgente a construção de uma 
estrada de ferro. E findou assim seu arrazoado: – A 
estrada de ferro fará com que, em vez de trinta dias a 
lombo de camelo, a viagem da capital à fronteira seja 
apenas de um dia.
– Mas - objetou o soberano - o que é que vamos fazer dos 
vinte e nove dias que sobram? (QUINTANA, 1979, p. 
1).
Uma vez que pudemos constatar a presença marcante de uma relação 
assimétrica entre a infância e a maturidade, inicialmente gestada no convívio 
familiar, para depois desdobrar-se em outras esferas sociais, resta-nos refinar tanto 
um referencial teórico quanto estratégias pedagógicas que ajudassem a minimizar, 
mais especificamente a partir de um ponto de vista literário, os efeitos dessa tradição 
cultural assentada sobre a diferença hierárquica do adulto sobre a criança que, sem 
nos darmos conta, atravessa nossos gestos mais banais e cotidianos.
Em geral, observa-se que o conhecimento mítico da realidade – 
particularmente característico do imaginário infantil e assaz presente no trabalho 
dos artistas –, por não manter o pensamento congelado em ideias explicativas, 
passa a ser encarado não como uma fonte possível de verdade, que tivesse uma 
“lógica” própria, mas, ao contrário, passa a ser visto como etapa transitória em 
direção a formas mais elevadas de reflexão, que no mundo ocidental, desde o ideal 
da “república platônica”, deveriam levar aos ditames da consciência racional:
Platão – que talvez tenha compreendido aquilo que forma a mente 
humana melhor do que alguns de nossos contemporâneos que querem 
suas crianças expostas apenas a pessoas “reais” e a acontecimentos do 
dia a dia – sabia o quanto as experiências intelectuais contribuem para 
a verdadeira humanidade. Ele sugeriu que os futuros cidadãos de sua 
república ideal começassem a educação literária com a narração de mitos, 
em lugar de meros fatos ou dos assim chamados ensinamentos racionais. 
(BETTELHEIM, 2007, p. 51).
Ora, se o próprio Platão chegaria a admitir a “narração de mitos” – tão 
necessária à criança e tão característica do fazer literário – como um modo, 
ainda que provisório, de compreensão da realidade, é porque ele também estava 
reconhecendo que a abordagem mítica da existência – que acessa o real por meio 
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA
10
do lúdico e da fantasia, mantendo-se aberto a um jogo de significações incessantes 
– conteria um modo de consciência não apenas provisório, mas também 
imprescindível à elaboração do próprio real.
É assim que, antes de desenvolvermos a capacidade intelectual de expressar 
conhecimento por meio da ordem, do cálculo e do que pode ser demonstrado 
com clareza – que prioritariamente caracterizam a razão científica e a especulação 
filosófica –, a primeira forma de racionalidade que nos aparece está ainda fortemente 
impregnada por uma compreensão mágica e sobrenatural dos fenômenos, a 
qual, por não poder ser logicamente comprovada, expressaria, para uma cultura 
extremamente racional como a nossa, apenas visões comunitárias primitivas, ou 
formas arcaizantes de compreensão da realidade.
Você consegue se lembrar de alguns relatos não científicos que os adultos 
costumam dar às crianças para explicar determinados fenômenos da natureza? 
Por exemplo, que na tradição cristã as chuvas e os trovões seriam causados por 
uma faxina que São Pedro estaria fazendo no céu? A chuva corresponderia ao 
momento em que ele joga a água no chão do céu, e o trovão derivaria de algum 
tropeço, como quando o santo arrastasse ou derrubasse alguma cadeira? Lembra-
se de histórias similares a esta, que apresentam uma forma mítica de compreensão 
da realidade? Anote-as no diagrama a seguir:
Ora, mas é justamente nessa forma “infantil” de racionalidade, ou seja, 
a consciência mítica que se expressa muito mais do que uma incoerência ou 
falta metodológica, pois é dela que pode advir um saber, portanto, inacessível à 
racionalidade lógica: seja através de narrativas ficcionais que revelam mundos 
paralelos, seja por intermédio de ritos que apreendem manifestações provisórias 
da existência dos seres – a sutil passagem entre o humano e o não humano.
Esses saberes, de certo modo inapreensíveis à consciência racional, estão 
presentes na arte e no pensamento infantil através da consciência mítica que, de 
modo exemplar, frequenta as histórias ficcionais e a invenção do maravilhoso, aí 
se revelando não só como formas de compensação às verdades dolorosas atestadas 
pela racionalidade – compensação que Aristóteles, no livro Poética, nomearia 
como a “catarse” promovida pela obra de arte, que nos faz experimentar, por 
instantes, “fingindo ser verdade”, o que de fato um dia será, tal como a consciência 
paralisante de nossa morte –, mas sobretudo perpetuando um poder mágico que 
razão nenhuma até agora conseguiu desmontar.
TÓPICO 1 | O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL O MODELO?
11
Caro(a) acadêmico(a), você já estudou sobre a “catarse” aristotélica no caderno 
de Teoria da Literatura. Entretanto, vale a pena observar as acepções deste termo retiradas do 
Dicionário Houaiss: 
substantivo feminino
1 na religião, medicina e filosofia da Antiguidade grega, libertação, expulsão ou purgação do que 
é estranho à essência ou à natureza de um ser e que, por isso, o corrompe. 
2 Rubrica: estética, teatro.
purificação do espírito do espectador através da purgação de suas paixões, esp. dos sentimentos 
de terror ou de piedade vivenciados na contemplação do espetáculo trágico.
3 Rubrica: medicina.
evacuação dos intestinos.
4 Rubrica: psicanálise.
operação de trazer à consciência estados afetivos e lembranças recalcadas no inconsciente, 
liberando o paciente de sintomas e neuroses associadas a este bloqueio.
5 Rubrica: psicologia.
liberação de emoções ou tensões reprimidas, comparável a uma ab-reação.
6 Rubrica: psicologia.
efeito liberador produzido pela encenação de certas ações, esp. as que fazem apelo ao medo e 
à raiva. 
FONTE: HOUASSIS; VILLAR, 2009, p. 422)
UNI
Ademais, se essa forma de racionalidade “primitiva”, que nunca desaparece 
completamente, se desenvolve em direção a formas mais elaboradas da consciência, 
portanto mais afastadas de nossa gestualidade espontânea, da compreensão da 
realidade através dos jogos, da experimentação infantil, do lúdico enfim, é porque 
ela se faz como ponte entre o que em nós é ainda “natureza” e nossa outra forma 
de natureza, mais sofisticada, cultural.
FIGURA 2 - A DANÇA, HENRI MATISSE
FONTE: Disponível em: <http:\\henrimatisse.ladanse.firstversion.jpg>. Acesso 
em: 20 ago. 2012.
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA
12
De modo geral, o mundo adulto confere ao lúdico apenas uma importância 
parcial, secundária e temporalmente localizada em determinada etapa do 
desenvolvimento infantil. Assim, embora ela seja admitida como atividade 
necessária ao crescimento saudável da criança, a atividade lúdica acaba por 
ser reduzida ao formato útil de brincadeiras e jogos destinados a promover a 
necessária – esta sim uma função importante – internalização de regras, padrões e 
comportamentos sociais:
Dessa forma, [se] estabelece uma relação do jogo com os demais 
fenômenos da vida, ao mesmo tempo em que o marginaliza pornão se 
inserir no conjunto de atividades práticas. Eis por que o jogo é aceito 
como atividade infantil e, como tal, é estimulado, contanto que não 
haja necessidade de a criança participar da manutenção da família. 
(MAGALHÃES In: ZILBERMAN, 1984, p. 26).
Visto dessa maneira, o jogo, que, de um modo quase unânime é compreendido 
como a forma mais expressiva do ludismo infantil, acaba por demonstrar a visão 
excludente que, de modo exemplar, a sociedade adulta – sempre voltada para o 
que é útil e pragmático, desde a ascensão burguesa do capitalismo – mantém com 
a infância:
Com frequência [o jogo] é reconhecido como tendo uma função 
importante na vida infantil, mas se espera que, ao longo do processo de 
desenvolvimento, a criança se afaste do jogo e o substitua por atividades 
úteis, só retornando ao comportamento lúdico de forma ocasional, como 
uma pausa recreativa. (MAGALHÃES In: ZILBERMAN, 1984, p. 26).
O termo lúdico advém do latim, mais especificamente da palavra ludus, que 
inicialmente significava jogo e que se associava, dessa forma, a movimento espontâneo, à 
brincadeira ou ao ato simples de jogar. Entretanto, com a evolução da sociedade burguesa, 
a expressão paulatinamente ampliaria sua conotação semântica, de certo modo expandindo 
seu sentido inicial, vinculado à espontaneidade, em proveito do sentido de necessidade, isto 
é, como lazer compensatório em relação às atividades laborais diárias.
UNI
Há de se concluir que o jogo, tanto em sua modalidade corporal, mais 
característica de brincadeiras marcadas ora por uma gestualidade rítmica 
incessante (corridas, competições, jogos de esconder etc.), ora por enleios ou 
formas mais serenas de diversão (brincadeiras de casinha, jogos com bonecas, 
passar o anel etc.), quanto em sua modalidade linguística (como nos conhecidos 
jogos com palavras, trava-língua etc.), o jogo, ou o lúdico enfim – afora cumprirem 
a tarefa ordeira de facilitar a internalização de regras sociais pela criança – acabam 
geralmente enquadrados no papel secundário de preencher o tempo inútil e ocioso 
dos pequenos:
TÓPICO 1 | O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL O MODELO?
13
Há, porém, uma característica que, apesar da ausência de uniformidade, 
distingue qualquer tipo de jogo, enquadrando-o num determinado 
comportamento: o jogo se coloca como uma atividade marginal perante 
atividades como comer e trabalhar, porque não é gerado por uma 
necessidade biológica, nem por um interesse pragmático. Não é uma 
obrigação, nasce da ociosidade e, com esse caráter, se opõe ao que se chama 
de atividades sérias. (MAGALHÃES In: ZILBERMAN, 1984, p. 26).
Assim, muito mais do que atestar o lugar do jogo e do brinquedo de criança 
como espécies de “gestualidades pueris”, destinadas exclusivamente a preencher 
uma ociosidade gratuita e vazia, esse modo “adulto” de compreender o lúdico 
como ímpeto sem direcionamento objetivo ou qualquer uso prático, demarca, 
entretanto, o lugar que o lúdico reserva ao próprio adulto, isto é, como o lugar 
do lazer, do descanso, ou como repositor das energias consumidas em atividades 
úteis como o trabalho e outros compromissos sociais: “O adulto confere ao jogo um 
valor muito limitado. Reconhece sua eficácia na restauração das energias gastas 
no trabalho e acredita no seu valor terapêutico, quando a tensão do empenho 
produtivo se tornou excessiva” (MAGALHÃES In: ZILBERMAN, 1984, p. 25).
Você, acadêmico(a), consegue lembrar dos jogos e brincadeiras praticados na 
infância ou que outras crianças praticavam? 
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_________________________________________________________________________.
Você recorda também de que modo esses jogos eram vistos, isto é, que valor 
lhes eram atribuídos pelas próprias crianças e pelos adultos daquela época?
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_________________________________________________________________________.
A partir do ponto de vista do jogo, encontramos um saber comum tanto 
à infância quanto à verdadeira especulação filosófica. Enfim, muito mais do que 
compreender o lúdico como lugar de passagem entre a consciência mítica e a 
consciência racional, trata-se de apontar seu poder de restituição de uma atmosfera 
mágica – capacidade de admiração, de espanto diante da realidade – que se faz 
presente no simples ato de viver, no ato de admirar-se com as coisas que está na 
raiz de toda sorte de filosofia; isto é, na compreensão dos dados existenciais. 
Ademais, é de importância capital assinalar a permanência do lúdico tanto 
na concepção quanto na fruição da obra de arte, posto que ela – regra geral – tende 
a quebrar a “seriedade” da compreensão lógica, abrindo, ao menos por virtude de 
semelhança com o real, possibilidades de se chegar a outras formas de verdade, a 
saber: não planejadas, surpreendentes, por vezes mágicas.
Vamos ler o texto Magia e Felicidade. Sublinhe o que você considerou mais 
importante. Pense na relação jogo, ludicidade, criança e felicidade. 
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA
14
LEITURA COMPLEMENTAR
MAGIA E FELICIDADE
Giorgio Agamben
Benjamin disse, certa vez, que a primeira experiência que a criança tem 
do mundo não é a de que “os adultos são mais fortes, mas sua incapacidade de 
magia”. A afirmação, proferida sob o efeito de uma dose de vinte miligramas de 
mescalina, não é, por isso, menos exata. É provável, aliás, que a invencível tristeza 
que às vezes toma conta das crianças nasça precisamente dessa consciência de não 
serem capazes de magia. O que podemos alcançar por nossos méritos e esforço 
não pode nos tornar realmente felizes. Só a magia pode fazê-lo. Isso não passou 
despercebido ao gênio infantil de Mozart, que, em carta a Bullinger, vislumbrou 
com precisão a secreta solidariedade entre magia e felicidade: “Viver bem e viver 
feliz são duas coisas diferentes, e a segunda, sem alguma magia, certamente não 
me tocará. Para isso, deveria acontecer algo verdadeiramente fora do natural”. 
As crianças, como os personagens das fábulas, sabem perfeitamente que, 
para serem felizes, precisam conquistar o apoio do gênio da garrafa, guardar 
em casa o burrinho-faz-dinheiro [asino cacabaiocchi] ou a galinha dos ovos de 
ouro. E, em todas as ocasiões, conhecer o lugar e a fórmula vale bem mais do que 
esforçar-se honestamente para atingir um objetivo. Magia significa, precisamente, 
que ninguém pode ser digno da felicidade, que, conforme os antigos sabiam, a 
felicidade à medida do homem é sempre hybris, é sempre prepotência e excesso. 
Mas se alguém conseguir dobrar a sorte com o engano, se a felicidade depender 
não do que ele é, mas de uma noz encantada ou de um “abre-te-sésamo”, então, e 
só então, pode realmente considerar-se bem aventurado.
Contra essa sabedoria pueril, que afirma que a felicidade não é algo que 
se possa merecer, a moral colocou sempre sua objeção. E o fez com as palavras do 
filósofo que, menos do que qualquer outro, compreendeu a diferença entre viver 
dignamente e viver feliz. “O que em ti tende ardorosamente para a felicidade”, 
escreve Kant, “é a inclinação, o que depois submete tal inclinação à condição de 
que deves primeiro ser digno da felicidade é tua razão”. Mas de uma felicidade 
de que podemos ser dignos, nós (ou a criança em nós) não sabemos o que fazer. 
É uma desgraça sermos amados por uma mulher porque o merecemos! E como é 
chata a felicidade que é prêmio ou recompensa por um trabalho bem feito!
Na antiga máxima segundo a qual quem se dá conta de ser feliz já deixou 
de sê-lo, mostra-se que o estreitamento do vínculo entre magia e felicidade não 
é simplesmente imoral, e que ele pode até ser sinal de uma éticasuperior. A 
felicidade tem, pois, com seu sujeito uma relação paradoxal. Quem é feliz não 
pode saber que o é; o sujeito da felicidade não é um sujeito, não tem a forma de 
uma consciência, mesmo que fosse a melhor. Nesse caso a magia faz valer sua 
exceção, a única que permite a um homem dizer-se ou considerar-se feliz. Quem 
sente prazer de algo por encanto escapa da hybris implícita na consciência da 
TÓPICO 1 | O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL O MODELO?
15
felicidade, porque a felicidade, embora ele saiba que a tenha, em certo sentido 
não é sua. Assim, Júpiter, que se une à bela Alcmena, assumindo as feições do 
consorte Anfitrião, não sente prazer com ela como Júpiter. Nem sequer, apesar das 
aparências, como Anfitrião. Sua alegria pertence totalmente ao encanto, e se sente 
prazer, consciente e puramente, só com o que obteve pelos caminhos tortuosos 
da magia. Só o encantado pode dizer sorrindo: “eu”, e só a felicidade que nem 
sonharíamos merecer é realmente merecida.
Essa é a razão última do preceito segundo o qual só existe sobre a terra uma 
possibilidade de felicidade: crer no divino e não aspirar a alcançá-lo (uma variável 
irônica é, em conversa de Kafka com Janouch, a afirmação de que há esperança, 
mas não para nós). Essa tese aparentemente ascética só se torna inteligível se 
entendermos o sentido do não para nós. Não quer dizer que a felicidade esteja 
reservada apenas a outros (felicidade significa, precisamente: para nós), mas que 
ela só nos cabe no ponto em que não nos estava destinada, não era para nós. Ou 
seja, por magia. Nesse momento, quando a arrebatamos da sorte, ela coincide 
inteiramente com o fato de nos sabermos capazes de magia, com o gesto com que 
afastamos, de uma vez por todas, a tristeza infantil.
Se for assim, se não houver felicidade a não ser sentindo-nos capazes 
de magia, então se torna transparente também a enigmática definição dada por 
Kafka sobre a magia, ao escrever que, se chamarmos a vida com o nome justo, ela 
vem, porque “esta é a essência da magia, que não cria, mas chama”. Tal definição 
está de acordo com a antiga tradição que cabalistas e necromantes seguiram 
escrupulosamente em todos os tempos, segundo a qual a magia é, essencialmente, 
uma ciência dos nomes secretos. Cada coisa, cada ser, tem, além de seu nome 
manifesto, um nome escondido, ao qual não pode deixar de responder. Ser mago 
significa conhecer e evocar esse arquinome. Disso nascem as intermináveis listas 
de nomes – diabólicos ou angélicos – com as quais o necromante garante para si o 
domínio sobre potências espirituais. O nome secreto é para ele apenas a sigla de 
seu poder de vida e de morte sobre a criatura que o traz.
Há, porém, outra e mais luminosa tradição, segundo a qual o nome secreto 
não é tanto a chave da sujeição da coisa à palavra do mago, quanto, sobretudo, o 
monograma que sanciona sua libertação com relação à linguagem. O nome secreto 
era o nome com o qual a criatura havia sido chamada no Éden, e, ao pronunciá-lo, 
os nomes manifestos e toda a babel dos nomes acabaram em pedaços. Por isso, a 
criança nunca fica tão contente quanto quando inventa uma língua secreta própria. 
Sua tristeza não provém tanto da ignorância dos nomes mágicos, mas do fato de não 
conseguir se desfazer do nome que lhe foi imposto. Logo que o consegue, logo que 
inventa um novo nome, ela ostentará entre as mãos o passaporte que a encaminha à 
felicidade. Ter um nome é a culpa. A justiça é sem nome, assim como a magia. Livre 
de nome, bem-aventurada, a criatura bate à porta da aldeia dos magos, onde só se 
fala por gestos.
FONTE: AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 23-25.
16
Neste tópico você viu que:
• Algumas relações se estabelecem entre arte e infância com o intuito de questionar 
em que medida essas mesmas relações podem estar influenciando a postura 
social dos adultos e, mais especificamente, repercutindo na postura didática dos 
professores em sala de aula.
• Pôde observar a condição assimétrica que se estabelece entre a magia infantil 
e a lógica do adulto, ou seja, no quanto essa forma de relação tem afetado a 
motivação e o desempenho escolar dos alunos.
• Pôde refletir que para uma concepção diferenciada de escola faz-se necessária a 
distância de pontos de vista exclusivamente lógicos e racionais e, tal qual uma 
obra de arte literária, a escola passe a incorporar referenciais lúdicos em todas as 
dimensões do ensino.
• A presença de uma relação paradoxal entre a vida em sua forma espontânea e o 
desenvolvimento regrado da criança, na medida em que à pretendida “evolução 
social” têm correspondido restrições da espontaneidade e da expressão dos 
indivíduos, seja pelo aprisionamento de sua gestualidade lúdica, seja pela limitação 
da expressividade infantil, que poderiam reencontrar seu solo expressivo não só 
através de brincadeiras, mas também por meio de um uso estético, literário, da 
linguagem. 
• Pôde compreender o lúdico como algo que possui um poder de restituição de 
uma atmosfera mágica, da capacidade de admiração e de espanto diante da 
realidade.
• O que comumente acontece em nossa sociedade e, consequentemente, na escola, 
é a percepção do jogo, ou o lúdico como facilitador para a internalização de regras 
sociais pela criança, geralmente enquadrados no papel secundário de preencher 
o tempo inútil e ocioso dos pequenos.
RESUMO DO TÓPICO 1
17
Prezado(a) acadêmico(a), após ter completado a leitura do presente 
tópico, reflita sobre as questões elencadas a seguir:
 
1 Você consegue observar que, independente dos meios, ou mídias – impressa, 
cinematográfica, web etc. – em que é veiculada a transmissão de saberes entre 
gerações, persistem relações assimétricas entre o universo adulto e o mundo 
da criança? 
 
 
3 Como você proporia uma atividade em sala de aula que estabelecesse um 
diálogo fora da via tradicional “professor-aluno”, mas que considerasse em 
condições de igualdade os universos de sua geração e a de seus alunos?
AUTOATIVIDADE
2 Você concordaria que, ao considerarmos a argumentação do 
presente Caderno de Estudos, há uma relação evidente entre a 
infelicidade adulta e a perda da inocência infantil? 
18
19
TÓPICO 2
A LITERATURA ENTRA NO JOGO
UNIDADE 1
1 INTRODUÇÃO
Neste tópico buscaremos estabelecer uma aliança mais profícua entre 
a literatura e a palavra a partir de uma breve fundamentação teórica acerca dos 
modos de compreensão do objeto literário, para depois estabelecermos algumas 
diferenças entre o literário e o não literário. 
Assim, começaremos por mapear as características principais que definem 
um texto literário, discorrendo sobre alguns dos elementos estruturais que o 
definem – tema que será aprofundado na sequência desses estudos –, refletindo 
especialmente sobre os repertórios voltados para a criança que, como vimos, 
geralmente evidenciam uma tradição pedagógica baseada na transmissão de 
valores do universo adulto.
2 A ARTE E A PALAVRA
Certo autor famoso dividiu um livro seu em duas 
partes: na primeira, contos reais; na segunda, contos 
fantásticos. Resultado: tem-se a frustrada impressão 
de que ficou cada uma das partes amputada da outra, 
quando na realidade os dois mundos convivem. Por que 
chamar de invisível ou fantástico a esse mundo que por 
enquanto não conseguimos apreender, em contraposição 
a este mundo que está na cara (...)? (QUINTANA, 
1979, p. 73).
De um modo geral, podemos entender a literatura como uma forma de 
compreensão da realidade que, por não ter um compromisso direto com a verdade 
instituída pela ciência, pela moral vigente ou pela racionalidade lógica, pode 
valer-se de uma forma de discurso – ao qual chamamos de discurso ficcional 
– que consegue reelaborar o real de um ponto de vista inusitado, e, na maior 
parte das vezes, por saber fazê-lo de uma maneira prazerosa, tem a virtude de 
promover, através de um ponto de vista diferenciado, um certo nível de instrução 
e conhecimento, ao mesmo tempo em que diverte o leitor.UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA
20
FIGURA 3 - MENINAS, PABLO PICASSO
FONTE: Disponível em: <http:\\www.coligacopoetica.blogspot.
om> Acesso em: 10 ago. 2012.
Caro(a) acadêmico(a), observe que João Cabral de Melo Neto (1997, p. 287), por 
meio de um poema transcrito a seguir, define a essência da arte e, de modo especial, de sua 
própria literatura.
UNI
“Miró sentia a mão direita
demasiado sábia
e que de saber tanto
já não podia inventar nada.
Quis então que desaprendesse
o muito que aprendera
a fim de encontrar 
a linha ainda fresca da esquerda.
Pois que ela não pôde, ele pôs-se
a desenhar com esta
até que, se operando,
 no braço direito ele a enxerta.
A esquerda (se não é canhoto)
é mão sem habilidade:
reaprende a cada linha,
cada instante, a recomeçar-se.”
TÓPICO 2 | A LITERATURA ENTRA NO JOGO
21
É assim que o autor, no poema citado, ao tentar apreender algumas das 
essências que perpassam a pintura do artista plástico Joan Miró, acaba capturando 
os modos de fazer e de fruição comuns a qualquer obra de arte, inclusive à literatura. 
Mais do que isso, o poeta-teórico demonstra o que viria a ser não apenas uma ação 
autêntica, válida como modelo de composição de obras pictóricas ou literárias, 
mas também sugere, de modo sutil, em que consistiria uma postura inovadora 
diante da vida, a saber: a de reaprender a “cada instante, a recomeçar-se”.
Façamos uma outra reflexão: você já observou o quanto é raro, no dia a dia, 
utilizarmos uma via inesperada, fora do comum, de nossa rotina habitual? Pense, 
por exemplo, no percurso que você faz de casa para o trabalho, do trabalho para 
a universidade, ou vice-versa... Não é fato que geralmente repetimos o caminho 
mais fácil, rápido e usual? Percebe que raramente nos questionamos sobre isso? É 
como se, quem é canhoto, raramente experimentasse a mão direita; ou a esquerda, 
para quem é destro.
Dando continuidade às reflexões, se possível, rememore algumas ações que 
surpreenderam a você mesmo(a). Anote-as aqui:
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
Anotou? Então, continuemos...
Nesse sentido, uma autêntica aparição da infância independeria da 
idade cronológica ou da faixa etária em que se encontre o indivíduo, pois a ela 
corresponderia toda ação mediada pela “mão esquerda”, isto é, por uma atitude 
que se põe fora do alcance tanto das formas de conhecimento previsíveis, quanto 
dos modos de construção da realidade realizados a partir da lógica usual. Fazendo 
uma analogia com o poema citado, significa dizer que a infância decorreria de uma 
postura de distanciamento das verdades dogmáticas, metaforicamente produzidas 
pelos usos modelares da “mão direita”. 
Seguindo essa linha de raciocínio, interessa mais à literatura, enquanto 
forma de arte ligada à palavra, não por descrever os fatos como eles são e dessa 
forma conduzi-lo, pela ação de uma “mão direita”, para legitimar alguma hipótese 
científica ou para dar veracidade a alguma especulação filosófica; mas, ao contrário, 
à literatura interessam os fatos como eles deveriam ou poderiam vir a ser, fiel 
apenas ao critério da “verossimilhança”, isto é, de alguma verdade postulada não 
como real, mas como possível:
A literatura é chamada de ficção, isto é, imaginação de algo que não 
existe particularizado na realidade, mas no espírito de seu criador. O 
objeto da criação poética não pode, portanto, ser submetido à verificação 
extratextual. A literatura cria o seu próprio universo, semanticamente 
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA
22
autônomo em relação ao mundo em que vive o autor, com seus seres 
ficcionais, seu ambiente imaginário, seu código ideológico, sua própria 
verdade: pessoas metamorfoseadas em animais, animais que falam a 
linguagem humana, tapetes voadores, cidades fantásticas, amores 
incríveis, situações paradoxais, sentimentos contraditórios etc. Mesmo 
a literatura mais realista é fruto de imaginação, pois o caráter ficcional 
é uma prerrogativa indeclinável da obra literária. (D’ONOFRIO, 2006 
p. 19).
Uma das consequências de a literatura ser uma forma de tratamento 
artístico da palavra que age por verossimilhança, portanto descomprometida com 
as verdades factuais, é que ao estabelecermos uma analogia comparativa entre a 
ficção literária e a realidade tal qual a compreendemos, aquela acaba por mostrar-se 
muitas vezes mais eficaz e autêntica do que os relatos presos a descrições objetivas 
da vida diária, o que particularmente se verifica nos relatos destinados à criança:
A cultura dominante deseja fingir, particularmente no que se refere às 
crianças, que o lado obscuro do homem não existe, e professa a crença 
num aprimoramento otimista. (...) [Em contrapartida] essa é exatamente 
a mensagem que os contos de fadas transmitem à criança de forma 
variada: que uma luta contra dificuldades graves na vida é inevitável, 
é parte intrínseca da existência humana – mas que, se a pessoa não se 
intimida e se defronta resolutamente com as provações inesperadas e 
muitas vezes injustas, dominará todos os obstáculos e ao fim emergirá 
vitoriosa. (BETTELHEIM, 2007, p. 15).
Assim, enquanto na vida real não nos é possível explicitar nossas emoções 
mais baixas ou indesejáveis, que de fato sentimos em relação aos outros, a exemplo 
do fingimento, que passa a ser, também, uma das características mais marcantes de 
nossa existência cotidiana, em uma história ficcional, por sua vez, as personagens 
podem se expressar inteiramente, revelando suas raivas, baixezas, temores e, dessa 
forma, agem de um modo mais autêntico do que o fazemos na vida real. 
Então, da relação entre a literatura e a vida, ou entre o ficcional e a 
realidade, arma-se um paradoxo evidente, a saber: enquanto na vida real – que 
não é fingimento – estamos continuamente fingindo, portanto fazendo dela 
uma mentira, na literatura, por outro lado – que, por verossimilhança, deve ser 
fingimento –, as personagens, por não necessitarem fingir, acabam sendo mais 
reais do que as pessoas que encontramos fora dos livros.
TÓPICO 2 | A LITERATURA ENTRA NO JOGO
23
Conceito de verossimilhança: a obra de arte, por não estar diretamente relacionada 
com o mundo exterior, não é verdadeira em si mesma, entretanto possui equivalência de verdade, 
ou seja, a ela se assemelha. Morfologicamente, a palavra verossimilhança pode desmembrar-se 
em dois morfemas que nos revelam diretamente o seu sentido, a saber: vero, de “verdadeiro”, e 
similhança, de “semelhante a”. Assim, a partir de sua raiz etimológica encontramos seu significado: 
o de ser semelhante à verdade. Foi com o conceito de verossimilhança que Aristóteles corrigiu 
a compreensão errônea da filosofia platônica que condenava a obra de arte como falsa e 
inadequada à sociedade por aquela não ser reveladora da verdade. Para Aristóteles, bem ao 
contrário, dizer a verdade era atributo exclusivo da racionalidade filosófica, e não da arte, a qual 
deveria “fingir” ou ser “semelhante à verdade” para poder deleitar, agradar e envolver o público ou 
o receptor da obra.
UNI
Eis, portanto, uma das razões pelas quais a arte é tão necessária ao homem: 
embora ela esteja constantemente variando de modo de expressão, seja na pintura, 
na literatura, no cinema etc., ela acaba por ser uma fonte autêntica – e, talvez, uma 
das mais seguras – de compreensão da realidade.
A criança necessita muito particularmente que lhe sejam dadas 
sugestões em forma simbólica sobre o modo como ela pode lidar com 
essas questões e amadurecer com segurança. As histórias “seguras” não 
mencionam nem a morte, nem o envelhecimento – os limites à nossa 
existência –, nem tampouco o desejo de vida eterna. O conto de fadas, 
em contraste, confrontaa criança honestamente com as dificuldades 
humanas básicas. (BETTELHEIM, 2007, p. 15).
Assim, a um certo momento, essa virtude da arte seria não só reconhecida, 
mas em larga medida traduzida para uma outra finalidade, qual seja: a de 
converter, através da escola e em nome da ordem vigente, a liberdade artística em 
uma moralidade adequada à formação da criança,
cabendo à educação o papel de garantir a permanência da organização 
social através da transmissão de regras a um sujeito reconhecido, 
apenas, na sua reflexividade, a escola se torna o lugar da consagração do 
sistema e a criança se transforma em aluno: aquele que deve aprender 
as regras transmitidas. (MAGALHÃES In: ZILBERMAN, 1984, p. 46).
 Pensar sobre a literatura é também abrir espaço para discussões a 
respeito da função que ela exerce na sociedade. É discorrer sobre a arte no espaço 
escolar. Vejamos, caro(a) acadêmico(a), a importância da literatura na sociedade.
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA
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3 A LITERATURA COMO FONTE HUMANIZADORA
A literatura (e aqui incluímos também outras manifestações artísticas) 
atende, como discutimos anteriormente, ao mundo da imaginação, propicia um 
projetar-se para o mundo dos sonhos, para o lúdico, para a fruição, essenciais à 
vida do homem. A partir dela poderemos compreender, interpretar, modificar ou 
eternizar relações sociais.
Azevedo (2007) afirma que, embora não faça sentido discorrer sobre a 
função da literatura, sua importância é indiscutível, pois é por intermédio dela 
que entramos em contato com os temas humanos como a paixão, a amizade, o 
autoconhecimento, a angústia, o ciúme, a mentira, a existência de diferentes pontos 
de vista sobre determinado assunto. Além disso, para o autor,
o contato com temas da vida concreta e com vozes diferentes das nossas 
pode, por meio da identificação, constituir um extraordinário recurso de 
humanização e sociabilização. Em tempos de consumismo sem limites, 
individualismo doentio e coisificação do homem – com efeitos nefastos 
numa sociedade desequilibrada como a nossa –, a leitura de ficção e 
poesia pode ter um papel regenerador e insubstituível. (AZEVEDO, 
2007, p. 66).
Podemos afirmar que para a literatura são atribuídas natureza e funções 
distintas, de acordo com a realidade cultural e social de cada época. Antonio 
Candido assinala três funções para a literatura. Vejamos.
Você já fantasiou observando as estrelas, o mar ou as pessoas? Já fantasiou 
sobre o amor? Sobre uma cena de novela? Ouvindo uma música? 
Nós possuímos – mesmo que, como vimos, por vezes tolhida – a capacidade 
de fantasiar e, para Candido, essa modalidade, possibilitada também por meio da 
ficção, é muito rica. É o que ele nomeia de função psicológica. Ainda segundo o 
autor, a fantasia tem uma estreita relação com a realidade, e é por meio dessa 
ligação com o real que a literatura passa a exercer outra função: a formadora, que 
atua como instrumento de formação e educação do ser humano, por exprimir 
realidades permeadas pelas ideologias. Nas palavras de Candido (2002, p. 85), a 
literatura “[...] não corrompe nem edifica, mas, trazendo livremente em si o que 
chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, 
porque faz viver”.
Ainda, continua o autor, a literatura possui outra propriedade, qual seja, 
uma força humanizadora, “não como sistema de obras, mas como algo que exprime 
o homem e depois atua na própria formação do homem. E, dentre esta capacidade, 
a de [...] confirmar a humanidade ao homem” (CANDIDO, 2002, p. 80) comporta 
uma expressividade que corrobora por educar o gosto visual, serve à exploração 
das formas, expressa a natureza e reflete a complexidade do ser humano. 
TÓPICO 2 | A LITERATURA ENTRA NO JOGO
25
Há que se considerar que a literatura se vale da língua, fonte de manifestação 
de dimensões, padrões e momentos culturais. Umberto Eco (2003) explicita essa 
questão quando afirma que
a língua vai para onde quer, mas é sensível às sugestões da literatura. 
Sem Dante não haveria um italiano unificado. Quando Dante, em vulgari 
eloquentia, analisa e condena os vários dialetos italianos e se propõe a 
forjar um novo vulgar ilustre, ninguém apostaria em semelhante ato de 
soberba, e no entanto ele ganhou, com a Comédia, a sua partida. (ECO, 
2003, p. 10-11).
 
Por intermédio dela – a literatura – “são reconhecidos os valores da 
humanidade, pois surge como um mundo aberto, um convite à liberdade de 
interpretação e à criatividade” (ECO 2003, p. 21). Assim, a literatura, desde as 
origens, está vinculada à função de: 
atuar sobre as mentes, onde se decidem as vontades ou as ações; e sobre 
os espíritos, onde se expandem as emoções, paixões, desejos, sentimentos 
de toda ordem... No encontro com a Literatura (ou com a Arte em geral), 
os homens têm a oportunidade de ampliar, transformar ou enriquecer 
sua própria experiência de vida, em um grau de intensidade não 
igualada por nenhuma outra atividade. (COELHO, 2000, p. 29).
“A literatura e a formação do homem”, de Antonio Candido, é o texto de uma 
conferência pronunciada na XXIV Reunião Anual da SBPC (São Paulo, julho de 1972).
NOTA
No entanto, para entender literatura dessa forma, é necessário que se 
estabeleça um exercício de diálogo com o texto. Somente assim a literatura se 
mostrará como uma oportunidade de compreensão do homem, e de tudo o que o 
cerca.
 
A literatura opera sobre o pensamento. É um fenômeno de criatividade e, 
enquanto atividade cognitiva, contribui para a ampliação do processo perceptivo 
do leitor. Daí a necessidade da presença do livro literário em sala de aula, fonte 
inesgotável de conhecimentos e descobertas.
O exame dos elementos formativos em textos destinados à criança 
coloca uma questão que transcende o gênero da literatura infantil, 
abrangendo o problema da função social da arte. (...) Portanto, 
toda arte desempenha um papel na formação da sociedade e, nesse 
sentido, é educativa. O critério perante essa característica inerente à 
obra é a distinção entre aquelas obras que são apenas eco de lugares-
comuns estéticos e ideológicos e aquelas que não apenas conservam 
experiências adquiridas, mas conduzem ao questionamento dos 
convencionalismos de interpretação e comportamento pela apresentação 
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA
26
de novas perspectivas. A obra emancipatória é prospectiva, porque pela 
amostragem de novas possibilidades propicia experiências futuras; a 
obra convencional é retrospectiva, porque valida experiências passadas 
sem redimensioná-las criticamente. (MAGALHÃES In: ZILBERMAN, 
1984, p. 54).
Significa dizer que a escola deve proporcionar aos jovens contato com as 
mais variadas produções literárias, favorecendo uma atitude de curiosidade, de 
interesse pela descoberta, com vistas à formação de um leitor capaz de dialogar 
com textos e neles reconhecer-se e distinguir expressões estéticas e artísticas.
Umberto Eco enfatiza que a literatura possui e mantém a língua como patrimônio 
coletivo e contribui para a sua formação, na medida em que intensifica um modo de expressão 
de um grupo.
UNI
Caro(a) acadêmico(a), continuaremos refletindo sobre a palavra literária que 
assume vida própria, com novas significações que diferem daquelas usualmente 
utilizadas nos textos não literários, mas antes veja como Ítalo Calvino concebe os 
clássicos.
Por que ler os clássicos
Comecemos com algumas propostas de definição. 
1. Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: 
"Estou relendo..." e nunca "Estou lendo...".
Isso acontece pelo menos com aquelas pessoas que se consideram 
"grandes leitores"; não vale para a juventude, idade em que o encontro com 
o mundo e com os clássicos como parte do mundo vale exatamente enquanto 
primeiro encontro.
 
O prefixo reiterativo antes do verbo ler pode ser uma pequena hipocrisia 
por parte dos que se envergonham de admitir não ter lido um livro famoso. Para 
tranquilizá-los, bastará observar que, por maiores que possamser as leituras 
"de formação" de um indivíduo, resta sempre um número enorme de obras que 
ele não leu. 
[...] Isso confirma que ler pela primeira vez um grande livro na idade 
madura é um prazer extraordinário: diferente (mas não se pode dizer maior 
ou menor) se comparado a uma leitura da juventude. A juventude comunica 
ao ato de ler como a qualquer outra experiência um sabor e uma importância 
particulares; ao passo que na maturidade apreciam-se (deveriam ser apreciados) 
TÓPICO 2 | A LITERATURA ENTRA NO JOGO
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muitos detalhes, níveis e significados a mais. Podemos tentar então esta outra 
fórmula de definição:
2. Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para 
quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para 
quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições de 
apreciá-los.
De fato, as leituras da juventude podem ser pouco profícuas pela 
impaciência, distração, inexperiência das instruções para o uso, inexperiência 
da vida. Podem ser (talvez ao mesmo tempo) formativas no sentido de que dão 
uma forma às experiências futuras, fornecendo modelos, recipientes, termos 
de comparação, esquemas de classificação, escalas de valores, paradigmas de 
beleza: todas, coisas que continuam a valer mesmo que nos recordemos pouco 
ou nada do livro lido na juventude. Relendo o livro na idade madura, acontece 
reencontrar aquelas constantes que já fazem parte de nossos mecanismos 
interiores e cuja origem havíamos esquecido. Existe uma força particular da 
obra que consegue fazer-se esquecer enquanto tal, mas que deixa sua semente. 
A definição que dela podemos dar então será:
3. Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando 
se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da 
memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.
Segundo Calvino, deveria existir um tempo na vida adulta específico para 
reler as leituras feitas na juventude, pois nós mudamos o foco ou os focos serão 
novos, outros.
Portanto, conforme o autor: usar o verbo ler ou o verbo reler não tem 
muita importância. De fato, poderíamos dizer: 
4. Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira.
5. Toda primeira leitura de um clássico é na realidade uma releitura.
A definição 4 pode ser considerada corolário desta:
6. Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para 
dizer.
Ao passo que a definição 5 remete para uma formulação mais explicativa, 
como:
7. Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas 
das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram 
na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na 
linguagem ou nos costumes).
UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA
28
Calvino argumenta sobre o poder que a leitura de um clássico possui. 
Existe uma inversão de valores muito difundida segundo a qual a introdução, 
o instrumental crítico, a bibliografia são usados como cortina de fumaça para 
esconder aquilo que o texto tem a dizer e que só pode dizer se o deixarmos falar 
sem intermediários que pretendem saber mais do que ele. Podemos concluir que:
8. Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de 
discursos críticos sobre si, mas continuamente as repele para longe.
O clássico não necessariamente nos ensina algo que não sabíamos; às 
vezes descobrimos nele algo que sempre soubéramos (ou acreditávamos saber), 
mas desconhecíamos que ele o dissera primeiro (ou que de algum modo se 
liga a ele de maneira particular). E mesmo esta é uma surpresa que dá muita 
satisfação, como sempre dá a descoberta de uma origem, de uma relação, de 
uma pertinência. De tudo isso poderíamos derivar uma definição do tipo:
9. Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, 
quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos.
Essa possibilidade advém do fato de a leitura de um clássico favorecer o 
estabelecimento de uma relação pessoal com quem o lê. Assim,
Se a centelha não se dá, nada feito: os clássicos não são lidos por dever 
ou por respeito, mas só por amor. Exceto na escola: a escola deve fazer com que 
você conheça bem ou mal um certo número de clássicos entre os quais (ou em 
relação aos quais) você poderá depois reconhecer os "seus" clássicos. A escola é 
obrigada a dar-lhe instrumentos para efetuar uma opção: mas as escolhas que 
contam são aquelas que ocorrem fora e depois de cada escola. 
 [...] 
10. Chama-se clássico um livro que se configura como equivalente do universo, 
à semelhança dos antigos talismãs. 
 
Com esta definição nos aproximamos da ideia de livro total, como 
sonhava Mallarmé. Mas um clássico pode estabelecer uma relação igualmente 
forte de oposição, de antítese. Tudo aquilo que Jean-Jacques Rousseau pensa 
e faz me agrada, mas tudo me inspira irresistível desejo de contradizê-lo, de 
criticá-lo, de brigar com ele. Aí pesa a sua antipatia particular num plano 
temperamental, mas por isso seria melhor que o deixasse de lado; contudo, não 
posso deixar de incluí-lo entre os meus autores. Direi, portanto:
 
11. O "seu" clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve para 
definir a você próprio em relação e talvez em contraste com ele.
Creio não ter necessidade de justificar-me se uso o termo clássico sem 
fazer distinções de antiguidade, de estilo, de autoridade. (Para a história de 
TÓPICO 2 | A LITERATURA ENTRA NO JOGO
29
todas essas acepções do termo, consulte-se o exausto verbete "Clássico" de 
Franco Fortini na Enciclopédia Einaudi, vol. III). Aquilo que distingue o clássico 
no discurso que estou fazendo talvez seja só um efeito de ressonância que vale 
tanto para uma obra antiga quanto para uma moderna mas já com um lugar 
próprio numa comunidade cultural. Poderíamos dizer: 
12. Um clássico é um livro que vem antes de outros clássicos; mas quem leu 
antes os outros e depois lê aquele, reconhece logo o seu lugar na genealogia. 
A esta altura, não posso mais adiar o problema decisivo de como relacionar 
a leitura dos clássicos com todas outras leituras que não sejam clássicas. Problema 
que se articula com perguntas como: "Por que ler os clássicos em vez de concentrar-
nos em leituras que nos façam entender mais a fundo o nosso tempo?" e "Onde 
encontrar o tempo e a comodidade da mente para ler clássicos, esmagados que 
somos pela avalanche de papel impresso da atualidade?".
 
É claro que se pode formular a hipótese de uma pessoa feliz que 
dedique o "tempo-leitura" de seus dias exclusivamente a ler Lucrécio, Luciano, 
Montaigne, Erasmo, Quevedo, Marlowe, O Discours de la méthode, Wilhelm 
Meister, Coleridge, Ruskin, Proust e Valéry, com algumas divagações para 
Murasaki ou para as sagas islandesas. Tudo isso sem ter de fazer resenhas 
do último livro lançado nem publicações para o concurso de cátedra e nem 
trabalhos editoriais sob contrato com prazos impossíveis. Essa pessoa bem-
aventurada, para manter sua dieta sem nenhuma contaminação, deveria abster-
se de ler os jornais, não se deixar tentar nunca pelo último romance nem pela 
última pesquisa sociológica. Seria preciso verificar quanto um rigor semelhante 
poderia ser justo e profícuo. O dia de hoje pode ser banal e mortificante, mas é 
sempre um ponto em que nos situamos para olhar para a frente ou para trás. 
Para poder ler os clássicos, temos de definir "de onde" eles estão sendo lidos, 
caso contrário tanto o livro quanto o leitor se perdem numa nuvem atemporal. 
Assim, o rendimento máximo da leitura dos clássicos advém para aquele que 
sabe alterná-la com a leitura de atualidades numa sábia dosagem. E isso não 
presume necessariamente uma equilibrada calma interior: pode ser também o 
fruto de um nervosismo impaciente, de uma insatisfação trepidante.
Talvez o ideal fosse captar a atualidade como o rumor do lado de fora 
da janela, que nos adverte dos engarrafamentos do trânsito e das mudanças 
do tempo,

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