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MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves ANEMIAS CARENCIAIS ANEMIA MEGALOBLÁSTICA INTRODUÇÃO As anemias por carências de vitamina B12 ou de folatos vão se tornando menos frequentes, devido a diminuição da ocorrência de carências nutricionais. Mas, ainda são encontradas na prática médica, na forma clássica da anemia perniciosa, principalmente entre: → Grávidas de classes mais pobres; → Idosos; e → Alcoólatras. As alterações morfológicas do sangue e da medula óssea são similares, sendo conjuntamente conhecidas pela denominação de anemias megaloblásticas. Nela ocorre: → Anemia; → Redução seletiva na síntese de DNA; → Alterações em outras linhagens hematopoèticas (leucócitos e plaquetas); → Altera locais com grande proliferação celular (intestino delgado, língua e útero). A vitamina B12 ou cianocobalamina faz parte de uma família de compostos denominados genericamente cobalaminas; A designação folato aplica-se coletivamente a uma família de vários compostos. FISIOPATOLOGIA A hematopoese normal compreende intensa proliferação celular, que sintetiza substâncias como DNA, RNA e proteínas. O folato e a vitamina B12 são indispensáveis para a síntese de timina (nucleotídeo que compõe o DNA), e a carência de um deles tem como consequência menor síntese de DNA. Os folatos participam dessa reação na forma de N5- N10-metilenotetraidrofolato: → Ele cede um radical -CH3 (metil) à desoxiuridinamonofosfato (dUMP), transformando-a em timidinamonofosfato (dTMP); → dTMP será incorporada ao DNA. A vitamina B12 funciona como uma coenzima e participa indiretamente nesta reação, ela: → Converte homocisteína em metionina; e → Transforma simultaneamente o 5- metiltetraidrofolato em tetraidrofolato; → Tetraidrofolato: forma ativa de folato que participa da síntese de timidina. Na ausência de vitamina B12, o folato vai se transformando em 5-metiltetraidrofolato, uma forma de transporte do folato, inútil para síntese da timidina e do DNA. A síntese inadequada de DNA tem como consequência: → Modificações do ciclo celular; → Retardo da duplicação; e → Defeitos no reparo do DNA. A timidina não é necessária para a síntese de RNA, logo, a falta dela, não implica em redução da formação de proteínas citoplasmáticas e do crescimento celular. Com a lentidão da divisão celular na fase S do ciclo celular, há aumento do número de células com quantidade de DNA entre o diploide e o tetraploide. Estudos citogenéticos revelam exuberantes alterações cromossômicas, como gaps, fraturas e separação prematura do centrômero. → Essas lesões cromossômicas graves não permitem que a célula seja capaz de completar a divisão celular, sendo prematuramente destruídas na medula óssea. → Essa desorganização cromossômica é reversível após o tratamento adequado. MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves O quadro morfológico do sangue periférico e da medula óssea é idêntico nas deficiências de folatos ou de vitamina B12: → Dissociação de maturação núcleo- citoplasmática, produzindo células de tamanho aumentado e com alterações morfológicas características. → Algumas dessas células morrem na própria medula óssea, antes de completar o desenvolvimento. A intensa desordem da maturação nuclear das três linhagens, mais evidente na série eritroide, produz um aumento de morte celular intramedular: apenas 10 a 20% dos eritrócitos sobrevivem e tornam-se viáveis para o sangue periférico (hematopoese ineficaz). Como resultado, tem-se: → Anemia macrocítica, com megaloblastos na medula óssea e número de reticulócitos normal ou baixo; → Neutropenia, com neutrófilos polissegmentados; e → Moderada plaquetopenia CAUSAS DE CARÊNCIA DE VITAMINA B12 OU COLABAMINA DIETA A vitamina B12 existe primariamente em alimentos de origem animal (não é encontrada em frutas e vegetais). As necessidades diárias são poucas e por isso a carência de vitamina B12 de origem alimentar é excepcional: somente ocorre em vegetarianos restritos após vários anos sem ingerir alimento de origem animal. ABSORÇÃO Ocorre predominantemente no íleo terminal e depende de uma glicoproteína produzida pelas células parietais da mucosa gástrica, denominada “Fator Intrínseco” (FI). O complexo de vitamina B12/FI é captado pelos receptores das células epiteliais do íleo e a vitamina B12 é absorvida. → Qualquer alteração desses passos da absorção leva à deficiência de vitamina B12. Anemia perniciosa O tipo mais comum de carência de vitamina B12 é representado pela anemia perniciosa, doença de natureza provavelmente imunológica, em que ocorre: → Atrofia e inflamação crônica da mucosa gástrica (gastrite atrófica); isso leva à → Ausência concomitante de fator intrínseco e secreção de ácido clorídrico; causando → Má absorção da vitamina B12. O diagnóstico de anemia perniciosa implica a presença de anemia megaloblástica por carência de vitamina B12 associada à gastrite atrófica, demonstrada por exame anatomopatológico obtido por biópsia endoscópica. → Aparentemente a gastrite evolui por muitos anos (dez a trinta anos) antes do aparecimento dos sintomas clínicos da deficiência de vitamina B12. Existem dois tipos básicos de gastrite (reação inflamatória crônica da mucosa gástrica, com importante infiltrado de plasmócitos e linfócitos, associada à atrofia da mucosa): a) Gastrite do tipo A (autoimune) Envolve o fundo e o corpo do estômago (poupa o antro), associada à anemia perniciosa; Envolve a presença de: → Anticorpos contra células parietais e contra fator intrínseco; → Acloridria; → Níveis séricos reduzidos de pepsinogênio; → Níveis elevados de gastrina. MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves b) Gastrite do tipo B (não imune) Compromete o fundo, o corpo e o antro. Geralmente é causada por infecção pelo Helicobacter pylori, não ocorrem os fenômenos de autoimunidade e os níveis de gastrina são reduzidos pela destruição das células do antro. Há macrocitose eritrocitária em exames hematológicos de rotina ou em triagens populacionais. Nesses casos, as manifestações clínicas não são exuberantes, e o diagnóstico é baseado na: → Detecção de baixos níveis séricos de vitamina B12; ou → Níveis elevados dos metabólitos séricos homocisteína e ácido metilmalônico. TRANSPORTE E METABOLISMO No plasma, a vitamina B12 é transportada conjugada a 2 proteínas: transcobalamina I e II. A maior parte da vitamina B12 do plasma (cerca de 80%) está ligada à transcobalamina I, que tem um turn-over muito lento, sendo essencialmente inacessível aos tecidos; → Por isso, deficiência congênita de transcobalamina I é associada a baixos níveis séricos de vitamina B12, sem manifestações clínicas. Por outro lado, a pequena percentagem de vitamina B12 ligada à transcobalamina II tem um turn-over muito rápido, e sua ausência congênita produz uma forma rara de anemia megaloblástica grave com níveis séricos de vitamina B12 normais. OUTRAS CAUSAS A gastrectomia total leva à carência de vitamina B12, em um prazo em torno de cinco anos, se o paciente não receber suplementação da vitamina por via parenteral para manter o depósito. A deficiência na gastrectomia parcial ou subtotal ocorre em torno de 10-40%, e o grau de deficiência depende do tipo de cirurgia. Pode haver associação com anemia ferropriva (anemia dimórfica) e com isso mascarar as alterações megaloblásticas. Pacientes com obesidade mórbida, tratada cirurgicamente com curto-circuito gástrico, também são candidatos à deficiência. Pessoas idosas são muito suscetíveis à deficiência de vitamina B12, devido à dissociação inadequada da cobalamina da proteína alimentar resultantede alterações gástricas com atrofia parcial da mucosa, mas com pouco ou nenhum sinal clínico, embora cerca de 10-14% têm baixos níveis séricos de vitamina B12 e 50- 75% dos indivíduos desse grupo têm deficiência metabólica e devem ser tratados com baixas doses de vitamina B12 oral. FOLATO A causa mais comum de carência de folatos é representada por dieta inadequada, por vezes associada a uma condição em que aumentam as necessidades diárias (gravidez ou crescimento). De fato, a anemia megaloblástica da gravidez e a do lactente são os dois tipos mais frequentes dessa deficiência. Outras causas comuns são: → Alcoolismo; → Idade avançada; → Doenças intestinais associadas à má absorção; → Pobreza e desnutrição. Em geral, deficiências de folato são resultantes da associação de mais de um mecanismo. MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves DIETA Nos alimentos estão sob formas complexas, conjugado com múltiplos resíduos de ácido glutâmico formando os “poliglutamatos”, que são removidos pela enzima conjugase da mucosa intestinal, deixando mono e diglutamatos que são absorvidos pelo jejuno proximal. Parte do folato plasmático é excretado na bile e reabsorvido no jejuno. Uma proporção considerável do folato do organismo está envolvida nesta circulação êntero- hepática, e por isso os distúrbios do trânsito intestinal, que diminuem a quantidade absorvida, podem induzir a carência de folato. Principais fontes de folato na alimentação: → Vegetais frescos; → Fígado; e → Frutas; Cozimento excessivo pode remover ou destruir grande porcentagem do folato dos alimentos. Como as reservas do organismo são de cerca de 5.000 μg, quando a dieta é carente, os níveis de folato sérico começam a cair em duas semanas e a anemia megaloblástica desenvolve-se após cerca de três a quatro meses. ABSORÇÃO A má absorção pode ser causada por: → Doenças intestinais crônicas (diarreia - doença celíaca, o espru tropical e a enterite regional); → Drogas (anticonvulsivantes: difenil- hidantoínas, primidona, carbamazepina, fenobarbital); e → Álcool. AUMENTO DAS NECESSIDADES. A demanda de ácido fólico aumenta em pessoas com intensa proliferação celular e a síntese de DNA, tais como: → Dermatites crônicas exfoliativas; → Anemias hemolíticas crônicas; → Neoplasias; → Gravidez; e → Nos dois primeiros anos de vida. Excluindo a má nutrição em crianças, a causa mais comum de anemia megaloblástica é a deficiência de folatos da gravidez (geralmente no 3º trimestre). Os portadores de anemia hemolítica crônica grave, principalmente as congênitas (talassemia, anemia falciforme, esferocitose hereditária), são propensos à depleção de folato em virtude da eritropoese estar aumentada. A carência de folatos pode se superpor ao quadro de anemia hemolítica crônica, agravando as manifestações clínicas. Legenda: Necessidades diárias de folato e vitamina B12 DIAGNÓSTICO CLÍNICO As manifestações megaloblásticas das deficiências de vitamina B12 e de folatos são clinicamente indistinguíveis, a não ser por: → História recente (ao redor de seis meses) na deficiência de folato; e → História prolongada (três anos ou mais) na deficiência de vitamina B12. A principal manifestação clínica é a anemia; → Apesar de plaquetopenia e neutropenia ocorrerem com frequência. Além das manifestações de anemia (fraqueza, palidez, dispneia, claudicação intermitente) são MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves importantes os sintomas gastrintestinais e as alterações da boca e língua. Graus variados de palidez, com pele cor de limão (combinação de palidez com leve icterícia) são comuns. A deficiência da síntese de DNA afeta a divisão celular em outros tecidos de rápida multiplicação, em especial os epitélios do tubo digestivo, originando queixas de: → Diarreia; → Queilite; → Perda do apetite. Uma das manifestações clássicas da anemia perniciosa é a perda de papilas da língua, que fica lisa, brilhante, dolorida e intensamente vermelha (“língua careca”). Pode ser encontrada discreta a moderada esplenomegalia. Associação com outras carências vitamínicas pode mostrar queilite angular, dermatite, sangramento de mucosas, osteomalacia e infecções crônicas. Os casos mais graves são acompanhados de sinais de insuficiência cardíaca. De importância é o quadro neurológico que acompanha a deficiência de vitamina B12 e que auxilia na diferenciação. A deficiência de B12 determina uma degeneração do cordão posterior da medula espinal, (resultante de menor suprimento de metionina, pelo bloqueio da mesma reação homocisteína-metionina discutida anteriormente). O quadro resultante, denominado “degeneração combinada subaguda da medula espinhal”, inclui sensações; → Parestesias dos pés (formigamento ou picada de agulhas), pernas e tronco; → Distúrbio motor (dificuldade da marcha); → Redução da sensibilidade vibratória; → Comprometimento da sensibilidade postural; → Marcha atáxica; → Sinal de Romberg; e → Comprometimentos das sensibilidades termoalgésica e dolorosa “em bota” ou “em luva”. O envolvimento do cordão lateral é menos frequente, manifestando-se por espasticidade e sinal de Babinski. A tríade de fraqueza, dor na língua e parestesias é clássica na deficiência de vitamina B12, mas os sintomas iniciais variam muito. São também comuns as manifestações mentais como: → Depressão e os déficits de memória; → Disfunção cognitiva e demência; → Distúrbios psiquiátricos graves (alucinações, paranoias, esquizofrenia). A deficiência de folatos não causa envolvimento do sistema nervoso, mas a deficiência durante a gravidez aumenta a incidência de defeitos de tubo neural em RN. Queixas de outras doenças autoimunes devem orientar a atenção para anemia perniciosa. AVALIAÇÃO LABORATORIAL SANGUE PERIFÉRICO Os principais achados são: → Anemia macrocítica; → Leucopenia; → Trombocitopenia; ... acompanhados de: → Anisocitose; → Macrocitose com macro-ovalócitos; → Poiquilocitose; e → Granulócitos polissegmentados. MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves A contagem de reticulócitos é normal ou baixa, mas o cálculo do índice de reticulócitos corrigido indica anemia hipoproliferativa. Em resumo, tem-se como manifestação uma pancitopenia associada à macrocitose. No entanto, a macrocitose pode estar mascarada pela coexistência de carência de ferro, talassemia ou anemia de doença crônica, que são doenças que produzem microcitose e hipocromia, e nesses casos pode-se observar anemia dimórfica, com duas populações de células. As principais alterações morfológicas no esfregaço do sangue periférico são: a) Eritrócitos: macro-ovalócitos, poiquilocitose com esquistócitos, dacriócitos, corpúsculos de Howell-Jolly, anel de Cabot, eritroblastos, e até megaloblastos; b) Granulócitos: hipersegmentação nuclear, com presença de neutrófilos polissegmentados. c) Leucócitos: leucopenia com neutropenia, podendo ter leucócitos < 2.000/μL, embora seja rara a ocorrência de infecções graves; d) Plaquetas: trombocitopenia com 30.000 a 100.000 plaquetas/μL. MEDULA ÓSSEA O quadro citológico medular é muito característico; Há intensa hiperplasia da medula óssea, com acentuada hiperplasia da linhagem eritroide, que é composta por megaloblastos: → Eritroblastos mais volumosos, com núcleos com estrutura mais granular e menos condensada. Há grandes quantidades de aberrações citológicas, como: → Megaloblastos gigantes; ou → Megaloblastos com núcleos polilobulados, binucleados, contendo múltiplos micronúcleos, pontes citoplasmáticas e nucleares; e → Cariorréxis. As alteraçõesna série branca são representadas principalmente por mielócitos e metamielócitos de volume aumentado, contendo núcleo gigante. O ferro medular está aumentado em virtude da eritropoese ineficaz e geralmente há grande número de sideroblastos, mas só raramente há sideroblastos em anel. Achados mais comuns no sangue periférico e na medula óssea de pacientes com anemias megaloblásticas DOSAGEM DAS VITAMINAS Esses testes compreendem as dosagens de vitamina B12 sérica, folato sérico e folato eritrocitário. Na deficiência de folatos: → Folato sérico e eritrocitário estão diminuídos; e → Níveis de vitamina B12 normais ou aumentados. A mensuração do folato sérico deve ser analisada com cautela, porque pode apresentar dados falso- positivos ou falso-negativos. Na deficiência de vitamina B12 os níveis de: → Cobalamina estão geralmente baixos; → Folato normais. Entretanto, níveis subnormais ou mesmo normais de vitamina B12 podem ocorrer em indivíduos com carência, em especial idosos. PESQUISA DE METABÓLITOS Nos casos de dúvida diagnóstica, a dosagem sérica de ácido metilmalônico e de homocisteína total pode auxiliar na diferenciação das duas anemias megaloblásticas. MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves → Ambos os metabólitos estão aumentados nas deficiências de vitamina B12; (95%) → Aumento de homocisteína, sem aumento do ácido metilmalônico, na deficiência de folatos. (91%) Este exame é de alto custo, por isso é reservado apenas para situações de dúvidas diagnósticas. IDENTIFICAÇÃO DA CAUSA EDA A forma mais direta e simples, atualmente, de identificar a anemia perniciosa é a realização de endoscopia gástrica com biópsia nos pacientes que demonstram anemia megaloblástica com baixos níveis de vitamina B12. Se houver sinais de gastrite atrófica, o diagnóstico provável é de anemia perniciosa, e a execução de outros exames somente é necessária se houver dúvidas ou se o quadro for atípico. Teste de Schilling Avalia indiretamente a absorção de vitamina B12. Consiste em: → Ingestão oral da vitamina B12 marcada; → Mede-se vitamina B12 radiativa excretada na urina no período de 24 horas após a ingestão oral; → A baixa excreção significa que pouca vitamina foi absorvida. Outros Confirmam diagnóstico de anemia perniciosa: → Pesquisa de anticorpos antifator intrínseco e anticélula parietal; e → Ausência de produção de ácido clorídrico pelo estômago após estímulo máximo (acloridria) Outros exames endoscópicos e radiológicos do tubo digestivo auxiliam no diagnóstico das afecções ileojejunais. TRATAMENTO Consiste em identificar a causa e removê-la, se possível. Raramente há necessidade de tratar com transfusões sanguíneas, pois a reposição adequada do nutriente é acompanhada de pronta resposta, com rápida normalização hematológica. Nos casos em que há concomitância com carência de ferro, o tratamento deve ser simultâneo, caso contrário não haverá recuperação completa dos níveis de hemoglobina. TRATAMENTO - CARÊNCIA DE VIT. B12 A anemia perniciosa deve ser tratada com vitamina B12 por via parenteral por toda a vida, uma vez que o defeito de absorção é irreversível. Pacientes idosos com atrofia gástrica e má absorção por dificuldade de dissociação da vitamina B12 do alimento e vegetarianos beneficiam-se preventivamente com doses orais da vitamina em torno de 50 μg/ dia (doses maiores podem ser usadas sem efeitos indesejáveis). TRATAMENTO - CARÊNCIA DE FOLATO Correção da dieta, aumentando a ingestão de verduras. Ácido fólico por via oral na dose de 5 mg/dia até que a causa da carência tenha sido removida. O risco do tratamento é a possibilidade de haver resposta (parcial) em pacientes com anemia megaloblástica por deficiência de vitamina B12. → Nesses casos, o quadro hematológico pode melhorar, mas a doença neurológica pode se exacerbar. Em muitos casos a causa da carência é autolimitada, como na gravidez e em prematuros; em outros, a carência de folatos de origem nutricional tem grande tendência a recair, como em alcoólatras e em pacientes com doença celíaca. MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves Tratamento permanente é necessário em pacientes que têm doenças que aumentam o consumo de folatos, como anemias hemolíticas crônicas e pacientes submetidos à diálise. RESPOSTA AO TRATAMENTO A melhora subjetiva acontece em 48 horas, com o restabelecimento da hematopoese normal. A contagem do reticulócitos aumenta até atingir o pico no 5º-8º dia, e sua elevação é proporcional ao grau de anemia. A hemoglobina e o hematócrito começam a melhorar já na primeira semana, e a hemoglobina deve atingir o seu valor normal em cerca de um mês. Se isso não ocorrer, deve ser investigada a associação da anemia megaloblástica com outras doenças que cursam com anemia hipocrômica. O número de neutrófilos normaliza em uma semana e a hipersegmentação desaparece em 10- 14 dias. Quanto maior o tempo de duração dos sintomas neurológicos, menor a probabilidade de serem reversíveis; → Podem melhorar nos primeiros 6 a 18 meses, estabilizando-se depois. ANEMIA FERROPRIVA INTRODUÇÃO De acordo com a OMS, a Deficiência de Ferro (DF) é responsável por 75% de todos os casos de anemia. FISIOPATOLOGIA O corpo de um indivíduo adulto bem nutrido e saudável contém de 3 a 4 g de ferro. O éritron (órgão formado por eritroblastos, reticulócitos e hemácias) é o maior compartimento funcional de ferro do organismo humano, contendo de 60 a 70% do ferro total. → Assim, a necessidade de ferro do éritron tem influência dominante na sua deficiência. O restante do ferro corporal está distribuído nos hepatócitos e nos macrófagos do Sistema Reticuloendotelial (SRE), que atuam como órgão de depósito. → SER: é responsável por fagocitar células senescentes, catabolizar Hb para restaurar o ferro e devolvê-lo à transferrina para nova utilização. Apesar da baixa capacidade absortiva do duodeno, o balanço de ferro no organismo é regulado a partir da absorção intestinal. → Como não existe uma via fisiológica de excreção de ferro, essa regulação é crítica. A deficiência de ferro surge a partir do desequilíbrio entre ingesta, absorção e situações de demanda aumentada ou perda crônica (anemia ferropriva), sendo multifatorial. Anemia ferropriva é bastante frequente em: → RN; → Crianças; → Adolescentes e mulheres em idade fértil; → Gestantes e lactantes. O ferro dietético consiste de ferro heme e não heme. → Ferro heme está presente em alimentos de origem animal e tem excelente biodisponibilidade para absorção intestinal; → Ferro não heme é encontrado em produtos de origem vegetal e tem baixa biodisponibilidade. Assim, indivíduos que consomem produtos animais têm menor risco de desenvolver anemia ferropriva que vegetarianos. Anemia ferropriva é o distúrbio do ferro mais frequente em adultos e está associada à perda crônica de sangue: MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves → Tanto por hipermenorreia ou menorragia (frequente em mulheres em idade fértil); → Quanto pelo TGI (frequente em homens e mulheres pós-menopausa). Cada mL de sangue perdido resulta em redução de cerca de 0,5 mg de ferro. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Deficiência de ferro pode gerar redução da capacidade funcional de vários sistemas orgânicos, estando associada à: → Alteração do desenvolvimento motor e cognitivo em crianças; → Redução da produtividade no trabalho; e → Problemas comportamentais, cognitivos e de aprendizado em adultos. Em gestantes, aumenta o risco de prematuridade, baixo peso, sendo responsável por 18% das complicações no parto e morbidade materna.As queixas costumam ser leves, pois, a anemia se instala de maneira insidiosa, gerando adaptação, e há pacientes completamente assintomáticos. Palidez cutaneomucosa; Fadiga; Baixa tolerância ao exercício; Redução do desempenho muscular; Perversão alimentar ou pica (desejo e consumo de substâncias não nutritivas como gelo, terra, sabão, argila); Baqueteamento digital e coiloníquia (unhas em forma de colher); Atrofia das papilas linguais; Estomatite angular; e Disfagia (síndrome de Plummer-Vinson). DIAGNÓSTICO HEMOGRAMA É um teste rápido, barato e amplamente disponível no rastreio de anemia ferropriva, mas incapaz de detectar DF sem anemia. Frequentemente se observa: → Hipocromia; → Microcitose; → Aumento do índice de Anisocitose Eritrocítica (RDW) e plaquetose; → Anisocitose; → Poiquilocitose; → Hemácias em charuto; → Eliptócitos; e → Reticulocitopenia ao exame microscópico. CORANTE PERLS A avaliação dos estoques de ferro na medula óssea a partir da coloração do tecido medular pelo corante de Perls é considerada padrão-ouro no diagnóstico de DF. É exame invasivo, de reprodutibilidade e acurácia questionáveis, não tendo papel na prática clínica diária. MIELOGRAMA No mielograma observa-se hiperplasia eritroblástica com displasias morfológicas na DF moderada; E hipoplasia das três linhagens da DF grave prolongada. FERRITINA SÉRICA A dosagem da ferritina sérica está diretamente relacionada com a concentração de ferritina intracelular e, portanto, com o estoque corporal total. DF é a única condição que gera ferritina sérica muito reduzida, o que torna a hipoferritinemia bastante específica deste diagnóstico. MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves No entanto, valores normais ou elevados de ferritina não excluem a presença de DF, pois a ferritina é uma proteína de fase aguda; → Tendo sua concentração sérica aumentada na presença de inflamação, infecção, doença hepática e malignidade, mesmo na presença de DF grave. FERRO SÉRICO É a fração do ferro corporal que circula primariamente ligado à transferrina, e encontra- se reduzido na DF. Varia com o ritmo circadiano e a alimentação e, por isso, a coleta de sangue para sua dosagem deve ter horário e jejum padronizados. Está também reduzido na presença de inflamação, logo, não deve ser utilizado isoladamente para avaliação de DF. TRANFERRINA Proteína transportadora específica de ferro, tem capacidade de ligar simultaneamente duas moléculas de ferro. Sua produção é regulada pelo ferro corporal, aumentando quando os estoques estão esgotados. Pode ser dosada diretamente ou por meio da avaliação da Capacidade Total de Ligação de Ferro (Total Iron Binding Capacity – TIBC), ensaio que permite a estimativa dos sítios de ligação de ferro disponíveis. A transferrina sérica está: → Eleva em condições como gestação e uso de contraceptivos orais; → Reduzida na presença de inflamação, infecção, malignidade, doença hepática, síndrome nefrótica e desnutrição. Transferrina ou TIBC, juntamente com o ferro sérico, permitem o cálculo do Índice de Saturação de Transferrina (IST). → O IST é calculado a partir da razão [Ferro sérico/TIBC] ou [Ferro sérico/Transferrina × 0,71], variando de 20 a 45%. ZINCOPROTOPORFIRINA (ZPP) O último passo na síntese de Hb é a inserção de um átomo de ferro na protoporfirina para formação da heme. → Na DF, zinco é incorporado no lugar do ferro, formando a Zincoprotoporfirina (ZPP). A taxa de elevação de ZPP é proporcional ao déficit de ferro na medula em relação à eritropoese, e a elevação de ZPP é o primeiro marcador de eritropoese deficiente em ferro, embora não seja específico. FRAGMENTO SOLÚVEL DO RECEPTOR DE TRANSFERRINA (STFR) O sTfR é derivado do receptor de transferrina de todas as células, porém os principais geradores desse fragmento são os eritroblastos e reticulócitos. Assim, a concentração de sTfR reflete a atividade eritropoética e se encontra elevada na DF. A razão do sTfR pelo logaritmo da ferritina sérica (sTfR/log da ferritina) mostrou-se útil na determinação de DF em pacientes com anemia de doença crônica. Desvantagem: é a falta de padronização internacional que permita comparação entre os diferentes ensaios, o que impede sua ampla utilização. TRATAMENTO O tratamento da DF consiste na reposição oral ou venosa. No entanto, é mandatória a investigação da causa e sua correção; → Do contrário, a reposição é paliativa e tende a ser ineficaz no longo prazo. MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves ORAL A dose ideal para tratamento é: → Adultos: 180 a 200 mg de ferro elementar/dia; → Crianças: 1,5 a 2 mg de ferro elementar/dia; Dividida em 3 a 4 tomadas, preferencialmente com o estômago vazio, ou 30 minutos antes das principais refeições. A forma ferrosa é mais bem absorvida que a férrica. Para pacientes em uso de antiácidos e IBPs recomenda-se a reposição com doses maiores e por mais tempo. A prevalência de efeitos colaterais é de até 30%, notadamente do TGI: pirose e dor epigástrica, náuseas, vômitos, empachamento, dor abdominal em cólica, diarreia e obstipação. O paciente deve ser informado de que é esperada mudança da cor das fezes, e que os efeitos colaterais melhoram com o tempo. Redução das doses diárias e ingestão do medicamento junto com alimentos diminuem a eficácia, porém diminuem os efeitos colaterais. Pode-se tentar ainda administrar doses mais altas à noite e modificar o sal prescrito, já que algumas formulações estão menos associadas a efeitos colaterais. Recomenda-se manter doses terapêuticas por cerca de quatro meses após a resolução da anemia. PARENTERAL A reposição parenteral de ferro é efetiva, cara, trabalhosa, não isenta de efeitos colaterais, e deve ser indicada em situações especiais. Existem formulações para administração intramuscular, praticamente proscrita, e intravenosa. Via intramuscular: associa-se à dor local, pigmentação irreversível da pele e linfonodomegalia. Infusão venosa: associa-se à irritação, dor e queimação do sítio de punção, náuseas, gosto metálico na boca, hipotensão e reação anafilactoide, sendo que o principal fator no aparecimento dessas reações é a velocidade de infusão. RESISTÊNCIA Com doses adequadas de ferro suplementar observa-se recuperação rápida da anemia por deficiência de ferro na maioria dos pacientes. O sinal mais precoce de resposta é o aumento na contagem de reticulócitos, que atinge seu pico entre o 5º-10º dias de tratamento. Observa-se, também, aumento médio de 1g/dL por semana na Hb. Considerável proporção dos pacientes tratados apresenta má resposta, recaída precoce ou resistência. Nesses casos, deve-se investigar: → Presença de fatores que interfiram na absorção intestinal; → Persistência do sangramento; → Perda maior que a capacidade de absorção; → Má adesão; e → Se constatada a impossibilidade de uso da VO, partir para a reposição parenteral. PROFILAXIA Em alguns países já foi implantada a suplementação universal de ferro na farinha de trigo, visando a reduzir as estatísticas de DF. Além disso, recomenda-se reposição profilática com ferroterapia oral durante a gestação, nas lactantes, e nas crianças até cinco anos de idade. MÓDULO FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIA – P1 | Luíza Moura e Vitória Neves Dose recomendada é de: → 100 mg de ferro elementar/dia para gestantes e lactantes; → 30 mg de ferro elementar/dia para pré- escolares; e → 30-60 mg de ferro elementar/dia para crianças em idade escolar; .. em períodos de duas a três semanas, várias vezes ao ano. Sais de ferro para reposição oral disponível no Brasil.
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