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Volume 49 - Nº 02 | Ano 2017 ISSN 2448-3877 Brazilian Journal of Clinical Analyses 114 RBAC.2017;49(2):114 Editor-chefe/Editor-in-Chief Paulo Murillo Neufeld (RJ) Editores Eméritos/Honorary Editors Mateus Mandu de Souza (RJ) Editores Associados/Associate Editors Mauren Isfer Anghebem Oliveira (PR) Paulo Jaconi Saraiva (RS) Publicação oficial da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas – SBAC Official Publication of Brazilian Society of Clinical Analyses Produção Editorial/Publisher Trasso Comunicação Ltda www.trasso.com.br Bioquímica Clínica/Clinical Biochemistry Álvaro Largura (PR), Marcelo Quintão Mendes (MG), Geraldo Picheth (PR), Marileia Scartezini (PR), Aricio Treitinger (SC), Paolo Mocarelli (ITA), Dulcineia Saes Parra Abdalla (SP), Ary Henrique Filho (GO), Daniel Mazziota (AR), Antenor Henrique Pinto Pedrazzi (SP), Jane Maciel Almeida Baptista (MG), Marinez Oliveira Sousa (MG), José Edson P. da Silva (RS), Rafael Noal Maresco (RS) Citologia Clínica/Clinical Citology Rita Maria Amparo Bacelar Palhano (MA), Celso Rubens Loques Mendonça (RJ), André Valpassos Pacifici Guimarães (RJ), Carlos Eduardo de Queiroz Lima (PE), Rita Gorete Amaral (GO), Alexandre Sherlley Casimiro Onofre (SE), Silvia Helena Rabelo Guimarães (GO) Controle de Qualidade/Quality Control José Abol Corrêa (RJ), Luís Fernando Barcelos (RS), Mateus Mandu de Souza (RJ), Celso Rubens Loques Mendonça (RJ), Gabriel de Souza Lima Oliveira (SP) Endocrinologia/Endocrinology Carlos Alberto Camargo (SP), Ana Maria Menezes (SP) Toxicologia/Toxicology Regina Helena Queiroz (SP), Maria da Graça Almeida (RN) Microbiologia Clínica/Clinical Microbiology Antônio Márcio Lopes (MG), Raimundo Diogo Machado (RJ), Estevão José Colnago (RJ), Amauri Braga Simo- netti (RS), Cássia Maria Zoccoli (SC), Carmen Paz Oplusti (SP), Raissa Mayer R. Catão (PB) Imunologia Clínica/Clinical Immunology Mateus Mandu de Souza (RJ), Paulo Jaconi Saraiva (RS), Antônio Walter Ferreira (SP), Adelaide José Vaz (SP), Silvia Fernandes R. da Silva (CE), Manuela Berto Pucca (SP) Parasitologia Clínica/Clinical Parasitology Antônio Pedro Soares (MG), Geraldo Atilio de Carli (RS), Jerolino Lopes Aquino (MT), Alverne Passos Barbosa (GO), Mauren Isfer Anghebem Oliveira (PR) Micologia Clínica/Clinical Micology Paulo Murillo Neufeld (RJ), Maria José Gianini (SP), Regina Célia Candido (SP), Rosane Rhan (MT) Biologia Molecular/Molecular Biology Mario Hiroyuki Hirata (SP), Rosário Dominguez Crespo Hirata (SP), Marcelo Ávilla Mascarenhas (RS), Kelly Melo (SP), Maria Elizabeth Menezes (SC) Hematologia Clínica/Clinical Hematology Jorge Fernando Teixeira Soares (RJ), Marcos Kneip Fleury (RJ), Celso Spada (SC), Paulo César Naoum (SP), Julio Cezar Merlin (PR), Paulo Henrique da Silva (PR), Robson Ferreira Ferraz Santos (RJ), José Edson Paz da Silva (RS) Comitê Editorial/Editorial Board Luiz Fernando Barcelos (RS) Presidente/President Maria Elizabeth Menezes (SC) Vice-Presidente/Vice-President Lenira da Silva Costa (RN) Secretário-Geral/General Secretary Mauren Isfer Anghebem (PR) Secretário/Secretary Valpassos Pacifici Guimarães (RJ) Tesoureiro/Treasurer Marcos Kneip Fleury (RJ) Tesoureiro Adjunto/Assistent Treasurer Conselho Fiscal/Fiscal Board Titulares/Holders Vanderlei Eustáquio Machado (MG) Alverne Passos Barbosa (GO) Jurandi David da Silva (PE) Suplentes/Alternates Nilson Lima Lopes (BA) Tereza Neuma de Souza Brito (RN) Paulo Roberto Hatschbach (PR) DIRETORIA EXECUTIVA/EXECUTIVE BOARD Rua Vicente Licínio, 99 - Tijuca Rio de Janeiro, RJ - Brasil 20270-902 – Fone: 21 2187-0800 – Fax: 21 2187-0805 E-mail: rbac@sbac.org.br Afiliações/Affiliations PNCQ – Programa Nacional de Controle de Qualidade/National Program of Quality Control Coordenador/Coordinator: Francisco Edison Pacifici Guimarães (RJ) SNA / DICQ – Sistema Nacional de Acreditação/ National System of Acreditation Coordenador/Coordinator: André Valpassos Pacifici Guimarães (RJ) CEPAC – Centro de Ensino e Pesquisa em Análises Clínicas Post Graduation Center Coordenadora/Coordinator: Maria Elizabeth Menezes (SC) CB-36 – ABNT Superintendente/Superintendent: Humberto Marques Tiburcio (MG) CSM-20 Coordenador Técnico/Technical Coordinator Luiz Fernando Barcelos (RS) Entidades mantidas pela SBAC Entities maintained by the SBAC Coordenador Geral/General Coordinator Jerolino Lopes Aquino (MT) Comissão de Congressos/Congress Comission Coordenador Geral de Congressos/ General Congress Coordinator: Irineu K. Grinberg (RS) Assessoria Científica/Scientific Advice: Jerolino Lopes Aquino (MT); Luiz Fernando Barcelos (RS), Marcos Kneip Fleury (RJ) Normas e Habilitação/Norms and Qualification Coordenação/Coordination: Celso Rubens Loques Mendonça (RJ) Membros/Members: Elvira Maria Loureiro Colnago (RJ), Mateus Mandu de Souza (RJ), Estevão José Colnago (RJ), Luiz Fernando Barcelos (RS) Ensino/Education Paulo Murillo Neufeld (RJ), Celso Rubens Loques Mendon- ça (RJ), Marcos Kneip Fleury (RJ), Mateus Mandu de Sou- za (RJ) Ética/Ethics Henrique Tommasi Netto (ES), Francisco Einstein do Nascimento (CE), Maria da Conceição L. Oliveira (SE) Volume 49 - Nº 2 - 2017 Edição online - ISSN 2448-3877 Endereço para correspondência/Editorial Office Comissões Institucionais/ Institutional Comissions RBAC. 2017;49(2):115-6 115 Testes rápidos: Uma grande solução ou urn grande risco? Rapid Tests: a great solution or a great risk? Barcelos LF Sobre a Febre do Mayaro: uma emergente arbovirose About Mayaro Fever: an emerging arbovirus Neufeld PM Aspectos fisiopatológicos da dislipidemia aterogênica e impactos na homeostasia Pathophysiological aspects of atherogenic dyslipidemia and impact on homeostasis Gondim TM, Moraes LEP, Fehlberg I, Brito VS Leucemia Mieloide Crônica: aspectos clínicos, diagnóstico e principais alterações observadas no hemograma Chronic Myeloid Leukemia: clinical aspects, diagnosis and main changes observed in complete blood count Sossela FR, Zoppas BCA, Weber LP Anemia Falciforme e abordagem laboratorial: uma breve revisão de literatura Sickle Cell Disease and laboratory approach: a brief literature review Almeida RA, Beretta ALRZ O impacto da fase pré-analítica na qualidade dos esfregaços cervicovaginais The impact of the pré-analytical phase on the cervical smears quality Silva GPF, Cristovam PC, Vidotti DB Resultados do eritrograma em crianças com anemias do município de Tupanciretã, RS, Brasil Results of eritrogram in children with anemia in the municipality of Tupanciretã, RS, Brasil Silva GB, Parisi MM Investigação da ocorrência de infecção respiratória aguda causada pelo vírus sincicial respiratório (RSV) pela técnica da PCR Occurrence investigation of acute respiratory infection caused by respiratory syncytial vírus (RSV) using the PCR technique Pedrosa FC Lesão de alto grau e carcinoma escamoso: um estudo de prevalências em pacientes atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na cidade de Anápolis, GO, Brasil High-grade lesions and squamous cell carcinoma: a study of prevalence in patients attended by the unified heath systens (SUS) in Anápolis municipality, GO, Brazil Lemos ARM, Silva MS, Segati KD Perfil de resultados de hemoculturas positivas e fatores associados Results profile of positive blood cultures and associated factors Ruschel DB, Rodrigues AD, Formolo F Sumário/Contents Volume 49/Volume 49 Número 2/Number 2 117 118 120 127 131 135 141 146 152 158 ARTIGO ORIGINAL/ORIGINAL ARTICLE EDITORIAL/EDITORIAL ARTIGO DE REVISÃO/REVIEW ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO/UPDATE CARTA DO PRESIDENTE/LETTER FROM THE PRESIDENTE 116RBAC. 2017;49(2):115-6 Volume 49/Volume 49 Número 2/Number 2 Sumário/Contents Padronização da qualidade: alinhando melhorias contínuas nos laboratórios de análises clínicas Quality standardization: aligning continuous improvements in the clinical analysis laboratories Dias VS, Barquette FRS, Bello AR Efeito do consumo de quitosana nos parâmetros lipídicos, glicêmicos e microbiota intestinal em ratos Wistar Effect of chitosan consumption in lipidic parameters, glycemics and intestinal microflora in rats Wistar Girotto C, Battiston FG, Vivan L, Fracasso M Prevalência de soropositividade para toxoplasmose em gestantes atendidas em um laboratório de município do litoral do estado do Paraná Seropositivity prevalence of toxoplasmosis in pregnant women attended in a laboratory of the Paraná state coastal municipality Muller EV, Torquetti JD Análise da temperatura, do tempo e da relação sangue/anticoagulante no hemograma Analysis of temperature, time and blood/anticoagulant ratio in the complete blood count Seniv L, Simionatto M, Cruz BR, Borato DCK Interdisciplinaridade como instrumento educativo em saúde: um estudo sobre o câncer de colo do útero Interdisciplinarity as educational tool in health: a study of cervical cancer Andrade VRM, Santos AV, Staudt KJ, Mallmann CW Incidência de enteroparasitoses em pacientes atendidos por um hospital universitário da cidade de Goiânia, GO, Brasil Incidence of enteroparasitosis in patients admitted to a universitary hospital in Goiania, GO, Brazil Damaceno NS, Costa TL Indicadores do monitoramento interno da qualidade dos exames citopatológicos do Laboratório Clínico da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) Internal quality monitoring indicators of citopathological exams of Clinical Laboratory of Goiás Pontifical Catholic University (PUC-GO) Paula AC, Souza BG, Prado TC, Ribeiro AA Análise qualitativa e quantitativa da microbiota das mãos dos funcionários de um posto de saúde Qualitative and quantitative analysis of the hands microbiota from the employees of a health center Gauer D, Silva GK Meningite eosinofílica: relato de caso Eosinophilic meningitis: Case report Cunha MCR, Salgado VP, Rezende D, Noronha T, Fock RA INSTRUÇÕES AOS AUTORES / INSTRUCTIONS FOR AUTHORS 164 170 176 181 189 195 200 206 213 216 CARTA AO EDITOR/LETTER TO EDITOR COMUNICAÇÃO BREVE/SHORT COMMUNICATION RBAC. 2017;49(2):117 117 Carta do Presidente/Letter from the President Testes rápidos: Uma grande solução ou um grande risco? Rapid tests: a great solution or a great risk? A tecnologia dos testes rápidos tem recebido vultosos investimentos da indústria de diagnóstico mundial, e por isso estão se multiplicando na diversidade de parâmetros disponíveis e na melhoria da qualidade dos resultados. Mas ainda apresentam limita- ções que devem ser consideradas quando são estabelecidas as estratégias de seu uso. São testes que devem ser utilizados no conjunto de tecnologias disponíveis e que, de forma racional, buscam o diagnóstico laboratorial definitivo. Não estamos discutindo a qualidade dos testes rápidos, mas a forma com que são ou podem ser usados. É extremamente perigoso, oneroso e inadequado utilizá-los sem pessoal habilitado, sem controle da qualidade (a letra "C do teste não é controle da qualidade), sem registros adequados, sem encaminhamento seguro e correto do paci- ente para a complementação do diagnóstico laboratorial e sem a rastreabilidade dos processos. É muito preocupante que um procedimento laboratorial possa ser banalizado dan- do a entender que se trata de um teste simples e que qualquer um pode realizá-lo. Exis- tem os autotestes que são produzidos e embalados de forma individualizada com o objetivo de serem manuseados por pessoas leigas e com objetivos bem definidos. Mas o que estamos tratando são de testes rápidos, que são procedimentos laboratoriais e, portanto, devem ser operados atendendo a todos os requisitos técnicos previstos nas normas vigentes Em nome do acesso mais facilitado não se pode desconsiderar a necessidade de garantir a qualidade do procedimento e a segurança do paciente. Estes testes, sen- do utilizados dentro de um processo de triagem e havendo o encaminhamento correto e seguro do paciente para a busca do diagnóstico laboratorial mais conclusivo, tratar-se- ia de uma estratégia ótima para a saúde pública. Porem, usados de forma isolada, insegura e dispersiva, apenas será conveniente para os fabricantes e fornecedores. Além disso, os recursos destinados à saúde, que ja são insuficientes, não podem ser desperdiçados com políticas públicas que não possuem foco na otimização dos pro- cessos. Portanto, a execução dos testes rápidos convém que permaneça vinculada a um laboratório clínico. Se realizados em outros locais, como farmácias e unidades de saú- de, devem cumprir com os mesmos requisitos exigidos dos laboratórios. Não é aceitá- vel que exames sejam feitos fora de um laboratório corn segurança inferior. A sociedade tem o direito de receber a mesma qualidade de atendimento, seja qual for o local ou pretexto para a realização do exame. Com certeza, as Sociedades Científicas estão à disposição das autoridades go- vernamentais para, juntos, construírem políticas públicas com qualidade e segurança, permitindo que os recursos sejam aplicados de forma criteriosa, eficiente e eficaz. Dr. Luiz Fernando Barcelos Presidente da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC) Luiz Fernando Barcelos 118 RBAC. 2017;49(2):118-9 Editorial/Editorial Sobre a Febre do Mayaro: uma emergente arbovirose About Mayaro Fever: an emerging arbovirus Desde que foi descoberto, em 1954, em Trinidad y Tobago, que o vírus Mayaro (MAYV), agente etiológico da febre do Mayaro, vem sendo identificado em várias regiões de floresta tropical e áreas rurais de países localizados na América Central e do Sul, como a Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Guiana, Guiana Francesa, México, Panamá, Perú, Suriname e Venezuela.(1,2) Esse vírus, for- mado por RNA de cadeia simples, o que lhe confere grande adaptabilidade para hospedeiros e infecção, em decorrência de elevadas taxas de mutação, pertence à família Togaviridae, gênero Alphavirus, que inclui também outras 29 espécies, entre elas os agentes causais da encefalite equina do leste, encefalite equina venezuelana, encefalite equina do oeste e a febre Chikungunya.(3,4) O vírus Mayaro é um arbovírus (arthropod-borne virus), tendo em vista ser trans- mitido por artrópodes hematófagos, que se mantém na natureza a partir de um ciclo zoonótico ecoepidemiologicamente complexo, que inclui, com frequência, primatas não humanos e mosquitos vetores da família Culicidae, em especial o gênero Hemagogus, à semelhança do que ocorre com a febre amarela silvestre.(3,5) Resumi- damente, ao fazer o repasto sanguíneo sobre um animal virêmico (aves, répteis e mamíferos), o artrópode se contamina (período de incubação extrínseco) e se torna capaz de transmitir, em novo repasto sanguíneo, o vírus a um animal saudável. Impor- ta mencionar que, ao infectar o artrópode, o vírus se aloja em sua glandular salivar, contaminando, por conseguinte, a saliva, que, no momento da ingestão de sangue, é liberada na circulação vascular periférica do hospedeiro.(3,6) Uma transmissão verti- cal parece ser também possível através de uma via transovariana, onde o artrópode parental transmite o arbovírus à sua progênie.(7) Os seres humanos que vivem ou ingressam em áreas rurais endêmicas podem também ser infectados pelo vírus Mayaro, desenvolvendo uma condição clínica inespecífica caracterizada por febre, calafrios, rash cutâneo, mialgia, dor retro-orbital, fotofobia, enxaqueca, doresnas articulações, náuseas e diarreia.(3,8,9) As erupções na pele acometem, principalmente, a região torácica, braços e pernas e, com menos frequência, a face. A artralgia é um aspecto conspícuo e pode persistir por meses ou anos.(1,3) Dores abdominais, faringite, congestão nasal, tosse, icterícia e manifesta- ções hemorrágicas podem ser observadas. Leucopenia e plaquetopenia podem tam- bém ocorrer.(3,8) A doença apresenta um período de incubação intrínseco de 3 a 11 dias, mas os sintomas, normalmente, estão presentes entre 5 a 7 dias.(1) O diagnós- tico de febre de Mayaro com base em suas manifestações clínicas é difícil de ser realizado, em decorrência de outros quadros clínicos similares produzidos por dife- rentes agentes virais.(3) A sorologia é preferível, sendo mais efetiva quanto procedida na fase aguda da doença. Na fase de convalescência, reações cruzadas com o vírus Chikungunya têm sido descritas. A biologia molecular pode apresentar algumas limi- tações quanto à detecção viral, em função do período em que o vírus está presente no organismo.(3,8,9) DOI: 10.21877/2448-3877.201700603 RBAC. 2017;49(2):118-9 119 Sobre a Febre do Mayaro: uma emergente arbovirose Classicamente, o ciclo de transmissão do vírus Mayaro está associado a áreas silvestres e a condições climáticas. No Brasil, a Febre do Mayaro está mais restrita à região amazônica, que é a área de endemicidade da doença no país.(2,4,9) Mudanças ambientais introduzidas pelos seres humanos, contudo, têm produzido alterações nas características ecológicas das arboviroses. As ingerências sobre os ecossistemas podem levar, de fato, ao aumento da prevalência dos artrópodes vetores, à criação de novos reservatórios ou à adaptação a novos ou alternativos ciclos de manutenção na natureza.(7) O crescimento populacional é um outro fator que tem contribuído para a emergência ou re-emergência das arboviroses. O adensamento e a degradação das áreas urbanas e periurbanas favorecem o contágio viral.(3,7) O deslocamento de pes- soas infectadas em veículos com grande autonomia permitem ainda aos arbovírus atravessarem longas distâncias, disseminando-se dentro e entre continentes, o que confere um importante potencial para espalhamentos epidêmicos.(7,10,11) Igualmente, o deslocamento geográfico dos arbovírus pode se dar pela movimentação do reser- vatório animal ou do artrópode vetor. A migração dos arbovírus para áreas urbanas oportuniza a transmissão do agente por outros artrópodes, notadamente aqueles antropofílicos, levando a importantes alterações e riscos epidemiológicos e de saúde pública.(9,10,11) Nesse sentido, a transmissão em áreas urbanas, num ciclo homem- mosquito-homem, pode ocorrer fora dos focos enzoóticos pelo Aedes aegypti, Aedes albopictus e Aedes scapularis e determinar, potencialmente, grandes epidemias, à semelhança do que vem ocorrendo com a Dengue, Febre Amarela e Chikungunya, nas principais cidades brasileiras.(1,2,3,11) Importa reiterar que todos esses fatos com- binados colocam, claramente, o vírus Mayaro em um contexto de alerta sanitário, ten- do em vista representarem um risco epidemiológico de iminente transmissão urbana desse arbovírus.(3) REFERÊNCIAS 1. Esposito DLA, Fonseca BALD. Will Mayaro virus be responsible for the next outbreak of an arthropod-borne virus in Brazil? Braz J Infect Dis. 2017; pii: S1413-8670(17)30163-0. [Epub ahead of print]. 2. Auguste AJ, Liria J, Forrester NL, Giambalvo D, Moncada M, Long KC, et al. Evolutionary and Ecological Characterization of Mayaro Virus Strains Isolated during an Outbreak, Venezuela, 2010. Emerg Infect Dis. 2015 Oct;21(10):1742-50. 3. Muñoz M, Navarro JC. Mayaro: a re-emerging Arbovirus in Venezuela and Latin America. Biomedica. 2012 Jun;32(2):286-302. [Article in Spanish] 4. Terzian AC, Auguste AJ, Vedovello D, Ferreira MU, da Silva-Nunes M, Sperança MA, et al. Isolation and characterization of Mayaro virus from a human in Acre, Brazil. Am J Trop Med Hyg. 2015 Feb;92(2):401-4. 5. Lwande OW, Obanda V, Bucht G, Mosomtai G, Otieno V, Ahlm C, Evander M. Global emergence of Alphaviruses that cause arthritis in humans. Infect Ecol Epidemiol. 2015 Dec 18;5:29853. 6. Serra OP, Cardoso BF, Ribeiro AL, Santos FA, Slhessarenko RD. Mayaro virus and dengue virus 1 and 4 natural infection in culicids from Cuiabá, state of Mato Grosso, Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2016 Jan;111(1):20-9. 7. Figueiredo LT. Emergent arboviruses in Brazil. Rev Soc Bras Med Trop. 2007 Mar-Apr;40(2):224-9. 8. Brunini S, França DDS, Silva JB, Silva LN, Silva FPA, Spadoni M, Rezza G. High Frequency of Mayaro Virus IgM among Febrile Patients, Central Brazil. Emerg Infect Dis. 2017 Jun;23(6):1025- 1026. 9. Figueiredo ML, Figueiredo LT. Emerging alphaviruses in the Americas: Chikungunya and Mayaro. Rev Soc Bras Med Trop. 2014 Nov-Dec;47(6):677-83. 10. Marcondes CB, Contigiani M, Gleiser RM. Emergent and Reemergent Arboviruses in South America and the Caribbean: Why So Many and Why Now? J Med Entomol. 2017 May 1;54(3):509-32 11. Goulda E, Pettersson J, Higgse, S, Charrela R, Lamballerie X. Emerging arboviruses: Why today? One Health. 2017;4:1-13. Paulo Murillo Neufeld, PhD Editor-Chefe da Revista Brasileira de Análises Clínicas (RBAC) 120 RBAC. 2017;49(2):120-6 Aspectos fisiopatológicos da dislipidemia aterogênica e impactos na homeostasia Pathophysiological aspects of atherogenic dyslipidemia and impact on homeostasis Taiane de Macêdo Gondim1 Laise Eduarda Paixão de Moraes1 Italaney Fehlberg2 Vanessa da Silva Brito2 Artigo de Revisão/Review Article Resumo A dislipidemia aterogênica em sinergismo com a existência de transtornos metabólicos como diabetes mellitus tipo 2, síndrome metabólica, hipertensão arterial sistêmica e obesi- dade, e outros fatores como tabagismo, hábitos alimentares e estresse é reconhecida como um quadro associado a doenças cardiovasculares. Embora o papel da alteração do perfil lipídico neste processo esteja a certo ponto estabelecido, ilustrado por uma elevação das concentrações de CT, triglicerídeos e LDL-C, e da diminuição da HDL-C, os mecanismos pelos quais há a intervenção na hemostasia ainda não estão completamente elucidados, limitando questões clínicas e terapêuticas. No presente trabalho foi realizada uma revisão não sistemática acerca das possíveis alterações hemostáticas associadas à dislipidemia aterogênica descritas atualmente na literatura, o que permitiu uma sumarização dos acha- dos descritos até então. Palavras-chave Aterosclerose. Dislipidemias. Homeostasia. Lipoproteínas 1Especialista em Análises Clínicas pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública – Salvador, BA, Brasil. 2Mestre em Imunologia Clínica pela Universidade Federal da Bahia – UFBA – Salvador, BA, Brasil. 3Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública – Salvador, BA, Brasil. Instituição: Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública – Salvador, BA, Brasil. Artigo recebido em 23/01/2016 Artigo aprovado em 31/03/2016 DOI: 10.21877/2448-3877.201600462 INTRODUÇÃO As dislipidemias são causadas por alterações me- tabólicas que ocorrem em resposta a distúrbios nas eta- pas do metabolismo lipídico. Como resultado, o perfil lipídico sérico sofrerá alterações e estas podem incluir aumento do colesterol total (CT), do triglicérides (TG), do colesterol da lipoproteína de baixa densidade (LDL-c) e diminuição do colesterol da lipoproteína de alta densida- de (HDL-c).(1) De acordo com a Diretriz Brasileira de Disli- pidemias e Prevenção da Aterosclerose (2013), as dislipi- demias podem ser classificadas em primárias quando exis- tem bases genéticas, e em secundárias quando associa- das a outras doenças, ao uso de medicamentos e/ou ao estilo de vidado indivíduo. A dislipidemia primária pode ainda ser classificada fenotipicamente de acordo com os componentes lipídicos que se apresentam alterados, com- preendendo quatro grupos bem definidos: (i) hipercoles- terolemia isolada, (ii) hipertrigliceridemia isolada, (iii) hiperlipidemia mista e (iv) diminuição isolada do HDL, com associação ao aumento do LDL e/ou dos TG. Este último perfil se destaca por ilustrar a condição da dislipidemia aterogênica, a qual ainda é geralmente associada a tole- rância à glicose prejudicada, resistência à insulina, exces- so de peso e/ou gordura corporal, e comorbidades como diabetes mellitus tipo 2 e hipertensão arterial sistêmica. A união destes fatores exerce um efeito sinérgico para o de- senvolvimento de doenças cardiovasculares.(2) Esta revi- são tem como objetivo discutir possíveis associações en- tre a fisiopatologia da dislipidemia aterogênica e altera- ções na homeostasia. LIPÍDEOS E LIPOPROTEÍNAS Os lipídios são moléculas orgânicas insolúveis em água resultantes da associação entre ácidos graxos, de cadeias curtas, médias ou longas; e glicerol, estando dis- tribuídos por todos os tecidos do organismo. Entre as prin- cipais formas existentes podemos destacar os trigli- cerídeos e fosfolipídios. Estas formas são as mais abun- dantes no corpo humano e desempenham funções cruciais para o metabolismo energético. O triglicerídeo é o lipídeo RBAC. 2017;49(2):120-6 121 mais comum na alimentação, empregado como fonte de energia para o corpo, enquanto que os fosfolipídios atuam como componente estrutural das membranas celulares. Devido à sua natureza hidrofóbica, os lipídeos são incapa- zes de circular livremente pelo sangue, sendo necessário um meio de transporte que permita sua distribuição aos ór- gãos e tecidos. Ácidos graxos de cadeias curta e média podem circular pelo sangue quando ligados à albumina, uma vez que são mais solúveis comparados aos ácidos graxos de cadeia longa. Estes últimos carecem de conversão em triglicerídeos para serem transportados pelas lipoproteínas.(1) As lipoproteínas são moléculas solúveis organizadas de modo a possibilitar o transporte de lipídios entre os tecidos periféricos e a corrente sanguínea.(3) São formadas basica- mente por um núcleo hidrofóbico, composto por triglicerídeos e ésteres de colesterol, recobertas por uma membrana anfipática formada por fosfolipídios, colesterol livre e apolipoproteínas (ou apoproteínas), as quais serão discuti- das em seguida.(1) Existem quatro classes de lipoproteínas plasmáticas: (i) quilomícrons, (ii) lipoproteína de densidade muito baixa (VLDL), (iii) lipoproteína de densidade baixa (LDL) e (iv) lipoproteína de densidade alta (HDL).(1) Na Ta- bela 1, é possível observar algumas das características bio- químicas de cada lipoproteína. Tabela 1 - Características bioquímicas das lipoproteínas Lipoproteína Densidade Principal Componente Apolipoproteínas Diâmetro Quilomícrons <0.95 kg/L Triglicerídeos apoB48, apoAI, apoC, apoE2, apoE3 e apoE4 75-1.200 µM VLDL 0.95-1.006 kg/L Triglicerídeos apoB100, apoC, apoE2, apoE3, apoE4, apoAI e apoD 30-800 µM LDL 1.019-1.063 kg/L Colesterol apoB100, apoAI, apoAIV e apoD 18-25 µM HDL 1.063-1.210 kg/L Proteínas apoAI, apoAII, apoC, apoE2, apoE3, apoE4 e apoD 5-122 µM QUILOMÍCRONS Os quilomícrons são as lipoproteínas de maior diâ- metro e menor densidade. São responsáveis pelo trans- porte dos triglicerídeos provenientes da alimentação. A composição consiste em triglicerídeos, colesterol livre, fosfol ipídios e uma pequena fração proteica. Os quilomícrons são gerados por células intestinais e secretados na linfa, através da qual alcançam a corrente sanguínea. No sangue, sofrem ação da lipoproteína lipase (LPL), enzima responsável pela degradação dos triglicerídeos em ácidos graxos e glicerol. Os ácidos graxos podem ser oxidados no músculo ou armazenados no teci- do adiposo, enquanto que os quilomícrons remanescen- tes, menores e mais densos, são captados pelo fígado, onde são metabolizados pela ação das enzimas lisossomais dos hepatócitos.(1,3) LIPOPROTEÍNA DE DENSIDADE MUITO BAIXA (VLDL) As lipoproteínas de densidade muito baixa (do inglês, Very Low Density Lipoprotein), são sintetizadas no fígado por células parenquimatosas hepáticas e responsáveis pelo transporte do triglicerídeo endógeno para os tecidos perifé- ricos. Logo após a finalização do transporte, estas partícu- las são hidrolisadas pela ação da LPL e produzem os re- manescentes da VLDL, também conhecidos como lipopro- teínas de densidade intermediária (IDL). As IDL possuem dois destinos: podem ser captadas e reabsorvidas pelo fí- gado, ou passar por mais estágios de hidrólise e formar lipoproteínas de baixa densidade (LDL) pela ação da triacilglicerol lipase hepática (HTGL).(1,3) LIPOPROTEÍNA DE DENSIDADE BAIXA (LDL) As lipoproteínas de baixa densidade (do inglês, Low Density Lipoprotein) são geradas no estágio final da metabolização das VLDL remanescentes, e representam o principal carreador de colesterol do organismo. São capa- zes de permanecer por períodos mais longos na corrente sanguínea, sendo por fim captadas pelo fígado via endocitose mediada por receptor, ou pelas células periféri- cas. É importante destacar que, devido à sua densidade baixa proporcionada pelo alto teor de colesterol, há o favorecimento de sua entrada e alojamento na túnica íntima dos vasos, local no qual sofrem oxidação e podem desen- cadear o processo de aterogênese pela via scavenger, um evento degenerativo do endotélio vascular.(1,3) LIPOPROTEÍNA DE DENSIDADE ALTA (HDL) As lipoproteínas de alta densidade (do inglês High Density Lipoprotein) são sintetizadas no fígado e intestino e responsáveis pelo transporte reverso do colesterol dos tecidos periféricos para o fígado. As HDL nascentes são construídas em parte pelo excesso de fosfolipídios oriun- dos da hidrólise da VLDL, e pelo colesterol, que retira das 122 RBAC. 2017;49(2):120-6 Gondim TM, Moraes LEP, Fehlberg I, Brito VS células através da ação de uma proteína de membrana que controla de forma limitada a transferência do colesterol livre para a HDL. Após adquirir o colesterol livre, ele é esterificado pela ação da enzima lecitina colesterol acetiltransferase (LCAT), que, por sua vez, será transferido para VLDL, quilomícrons e seus remanescentes em troca de triglice- rídeos. Este processo permite que o colesterol retorne à via VLDL-IDL-LDL. Por fim, a HDL, agora rica em triglicerídeos, se liga ao receptor scavenger da membrana dos hepató- citos para transferir o colesterol ao fígado, o que reduz o diâmetro da partícula de HDL e dá origem a uma nova par- tícula de HDL, a qual participará do próximo ciclo de trans- porte.(1,3) APOLIPOPROTEÍNAS As apolipoproteínas representam a fração proteica das lipoproteínas. Elas se encontram em constante processo de síntese e degradação e são peças fundamentais na regu- lação do metabolismo lipídico. Exercem funções específi- cas na regulação do metabolismo lipídico como cofatores enzimáticos, ligantes para os receptores nas células e teci- dos pelo organismo, ou através da manutenção estrutural das partículas de lipoproteínas.(3) As apolipoproteínas são divididas em classes (A, B, C, D e E) quanto à composição, o que consequentemente determina função distinta para cada uma das lipoproteínas.(1,3) APOPROTEÍNA A (APOA) A apoproteína A (apoA) se apresenta nas isoformas apoA1, apoA2 e apoA4. A apoA1 está presente no sangue principalmente como componente da HDL, nos quilomícrons, e raramente no VLDL, LDL e seus remanescentes.(3) A apo1 é sintetizada no intestino, originalmente como componente dos quilomícrons, e posteriormente transferida para as HDL durante o processo de hidrólise, ou na síntese de novaspar- tículas de HDL.4,5) Como protetor, a apo1 apresenta carac- terísticas antiaterogênica e antioxidante, por ser cofator da enzima LCAT,(3) componente chave para o transporte rever- so do colesterol das células para as partículas de HDL e para o fígado.(4) Em indivíduos dislipidêmicos e portadores de diabetes mellitus do tipo 2 com microangiopatias, a apo1 impede a lipotoxicidade e formação da retinopatia através do transporte reverso do colesterol na retina.(4,5) A apo2, sin- tetizada no fígado, é a segunda proteína mais abundante na HDL.(3) Funcionalmente, a apo2 modula diferentes etapas do metabolismo da HDL, podendo gerar a inibição da ativi- dade da LCAT e da proteína de transferência de colesterol esterificado (CETP), e aumento da atividade lipase hepáti- ca, o que contribui para o transporte reverso do colesterol. Por outro lado, a apo2 pode inibir a absorção hepática do colesterol presente na HDL, impactando negativamente no transporte reverso do colesterol. Os efeitos da apo2 na aterogênese, embora controversos, não se revelam muito determinantes para o metabolismo lipídico.(1) A apo4, assim como é apo1, é sintetizada quase que exclusivamente pelo fígado e intestino e tem se mostrado um potente ativador da LCAT.(3) APOPROTEÍNA B (APOB) Responsável pelo transporte do colesterol para as células periféricas, a apolipoproteína B (apoB) está presen- te nos quilomícrons e nas partículas de VLDL, VLDLs rema- nescentes e LDL. Duas isoformas são relatadas: apoB48 apoB100. A apoB48 é encontrada nas partículas de quilo- mícrons e remanescentes – de alto potencial aterogênico – e a apoB100 é um componente obrigatório das VLDL, VLDL remanescentes e LDL.(3,5) O metabolismo da apoB48 e da apoB100 são completamente distintos. Enquanto a apoB48 nos quilomícrons é rapidamente metabolizada e absorvida pelo fígado, a apoB100 é inicialmente secretada em partí- culas da VLDL que, pela ação da lipase, é convertida em IDL e posteriormente em LDL, a qual é metabolizada de for- ma lenta.(3) A presença da apoB100 no LDL é essencial para facilitar a entrada do colesterol nas células através da sua ligação aos receptores celulares.(4) Esta ligação ao recep- tor está intrinsicamente relacionada com o acúmulo do colesterol nas artérias, fator desencadeante para o proces- so aterogênico.(3,6) APOPROTEÍNA C (APOC) A apolipoproteína C (apoC) está presente na superfí- cie dos quilomícrons, VLDL e HDL. Apresenta-se nas iso- formas apoC1, apoC2, apoC3 e apoC4. Embora exibam funcionalidades metabólicas distantes, todas as apoC com- partilham a propriedade de redistribuir componentes entre as lipoproteínas(3) através da ativação da LCAT.(6) A apoC1 inibe a captura de VLDL pelo fígado, além de auxiliar no processo de esterificação do colesterol, o que possivelmente confere à apoC1 uma participação na remodelação da HDL.(3,6) A apoC2 ativa a lipase lipoproteica (LPL), respon- sável pela hidrólise de partículas ricas em triglicerídeos,(3,6) que, em contrapartida, é inibida pela apoC3, a qual modula a absorção das partículas ricas em triglicerídeos pelos re- ceptores hepáticos. A apoC4 está envolvida na regulação da absorção dos lipídeos.(6) APOLIPOPROTEÍNA D (APOD) Presente nas lipoproteínas VLDL, LDL e, em maiores quantidades, na HDL, a apoproteína D (apoD) é pouco rela- tada devido à sua pequena expressividade. Embora a HDL seja considerada uma molécula antiaterogênica, recente- RBAC. 2017;49(2):120-6 123 mente foi estabelecido que sua expressão aberrante tem associação com alterações no metabolismo lipídico e na deposição e acúmulo das placas de ateroma no processo aterogênico. Ademais, estudos apontam um possível envolvimento da apoD com a ativação da LCAT e em pro- cessos que favorecem o amadurecimento da HDL.(7) APOPROTEÍNA E (APOE) Constituintes dos quilomícrons e remanescentes, VLDL e HDL,(3) a apoproteína E (apoE), está empregada na regulação dos níveis plasmáticos dos lipídeos, o que impacta sumariamente antiaterogênese. Ela promove a captação eficiente das lipoproteínas na circulação, desem- penha papel no transporte reverso do colesterol, inibe a agregação plaquetária e modula a função imune.(8) As isoformas desta apoproteína são: apoE2, apoE3 e apoE4.(3,9) A apoE3 é associada com a funcionalidade ideal do metabolismo lipídico. Isto em grande parte devido à sua conformação flexível, que permite uma melhor interação com lipídeos de diferentes densidades e tamanhos,(10) en- quanto que a apoE2 e apoE4 estão associadas à dislipi- demia e risco acentuado para doenças cardiovasculares.(11) É importante ressaltar que a apoE3 é crucial para o corre- to funcionamento do metabolismo lipídico quando em ní- veis ideais, determinado pela atuação na endocitose das partículas remanescentes do metabolismo do quilomícron e pela promoção da produção de VLDL pela estimulação intracelular nos hepatócitos. Uma superexpressão ou acúmulo da apoE3 estimula a produção de VLDL, aumen- tando consequentemente as concentrações de trigli- cerídeos desta partícula e os níveis de LDL circulante no sangue.(10) DISLIPIDEMIAS Dislipidemia é o termo utilizado para designar os ní- veis alterados – na maioria das vezes aumentados – de lipídeos e/ou lipoproteínas por meio da alteração em algu- ma ou algumas das fases do metabolismo lipídico. Os va- lores de referência para o perfil lípidico são apresentados na Tabela 2. Etiologicamente as dislipidemias são classificadas em (i) primárias, quando estão relacionadas a fatores ge- néticos ou não tem causa aparente, e (ii) secundárias, quando relacionadas a outras doenças, uso de medica- mentos ou estilo de vida do paciente.(2) As dislipidemias primárias podem ainda ser classificadas de acordo com suas características genotípicas e fenotípicas. Relaciona- do ao genótipo, estas podem obter a subclassificação em monogênicas (uma mutação envolvida) e poligênicas (múl- tiplas mutações envolvidas). A respeito do fenótipo, subclassificadas (classificação laboratorial) ao utilizar os marcadores bioquímicos Colesterol Total (CT), HDL-C, LDL-C e Triglicérides (TG), e divididas em quatro perfis distintos: (i) hipercolesterolemia isolada, (ii) hipertrigli- ceridemia isolada, (iii) hiperlipidemia mista e (iv) diminui- ção isolada dos níveis de HDL, com associação do au- mento dos níveis de LDL e/ou dos níveis de TG.(2) As disli- pidemias secundárias se apresentam associadas a algum transtorno metabólico de base – diabetes mellitus tipo 2,(12) hipertensão arterial sistêmica,(13,14) síndrome metabóli- ca(15,16) e obesidade(17) – à terapia antirretroviral altamente ativa (HAART) de pacientes HIV/AIDS(18) e a fatores ambientais como tabagismo, hábitos alimentares e estresse.(5,19) A compilação de fatores externos e internos exerce um efeito sinergístico para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, agravamento de distúrbios metabólicos ou ainda iniciar o processo de formação de placas de ateroma nos vasos sanguíneos, consequência comum do quadro de dislipidemia aterogênica.(2) O perfil fenotípico da dislipidemia aterogênica é bastante singular e facilmente reconhecido, sendo ilustrado por uma eleva- ção das concentrações de CT, em conjunto com aumento dos níveis de triglicerídeos e LDL, e da diminuição dos níveis de HDL.(17,20,21) A dislipidemia aterogênica muitas ve- zes não tem um curso favorável devido ao seu diagnóstico tardio e início assintomático.(2) Entende-se por aterogênico todo processo capaz de produzir alterações degenerativas nas paredes das artérias. O endotélio arterial em estado saudável repele as células circulantes no sangue e é forte- mente antitrombótico. Na aterogênese, uma agressão endotelial permite o depósito de lipídeos na camada ínti- ma do vaso, o que promove a formação de placas de ateroma, acompanhadas por uma reação inflamatória local. Tabela 2 - Valores de referência para avaliação do perfil lípidicode acordo com a V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose, da Sociedade Brasileira de Cardiologia (2013) Lípídeo Valores (mg/dL) Classificação Colesterol Total (CT) < 200 200 - 239 ≥ 400 Desejável Limítrofe Alto LDL-C < 100 100 - 129 130 - 159 160 - 189 ≥190 Ótimo Desejável Limítrofe Alto Muito alto HDL-C > 60 < 40 Desejável Baixo Triglicerídeos (TG) < 150 150 - 200 200 - 499 ≥ 00 Desejável Limítrofe Alto Muito alto Colesterol não-HDL < 130 130 - 159 160 - 189 ≥190 Ótimo Desejável Alto Muito alto Aspectos fisiopatológicos da dislipidemia aterogênica e impactos na homeostasia 124 RBAC. 2017;49(2):120-6 Gondim TM, Moraes LEP, Fehlberg I, Brito VS Em longo prazo, a presença destas placas de ateroma oca- siona a oclusão completa da luz arterial, e como consequência pode haver infarto agudo do miocárdio ou um acidente vascular cerebral (AVC), dependendo do lo- cal de acúmulo das placas.(1) DISLIPIDEMIA ATEROGÊNICA Em condições fisiológicas normais, o endotélio vas- cular promove alterações funcionais adaptativas para a manutenção da hemodinâmica, por meio da liberação de substâncias com propriedades antiaterogênicas, sendo o óxido nítrico (NO) a principal delas. O NO, em condições ideais, limita o recrutamento vascular de leucócitos, impe- dindo sua adesão à parede vascular e inibindo a agrega- ção plaquetária, o que evita a formação de trombos. A per- da da atividade biológica do NO é denominada disfunção endotelial.(13) Inicialmente, o dano é mais funcional do que estrutu- ral. O endotélio perde sua habilidade de repelir as células inflamatórias circulantes no sangue e passa a permitir a sua adesão na parede vascular, o que o torna permeável às lipoproteínas, culminando, a longo prazo, em dano es- trutural.(3) O aumento da permeabilidade endotelial favore- ce a entrada da LDL-C para a região íntima vascular, onde não são capazes de serem absorvidas, o que favorece seu acúmulo e oxidação.(19) O acúmulo de LDL, unido à prolife- ração de células para a luz do vaso arterial, tem sido apon- tado como um fator desencadeante para aterogênese, por meio da promoção de reação inflamatória local exacerba- da.(13,14,22) Unido a isto, o aumento dos níveis de LDL-C gera um maior consumo de NO com liberação de radicais li- vres, os quais, por sua vez, promovem a oxidação da LDL- C acumulada, formando a LDL oxidada (LDLox), partícu- las que possuem potencial aterogênico acentuado e ele- vada citoxicidade. A citotoxidade da LDLox agrava a disfunção endotelial, gerando a expressão de quimiocinas pelas células lesionadas do endotélio, favorecendo o re- crutamento de neutrófilos para o interior do vaso sanguí- neo.(14,22) Paralelamente, a LDLox estimula também a mi- gração de monócitos e sua diferenciação em macrófagos, os quais endocitam as partículas oxidadas através dos receptores scavengers e promovem a formação das célu- las espumosas – componentes essenciais da placa aterosclerótica.(13,14,22) A endocitose das LDLox exerce pa- pel ambíguo na fisiopatologia da doença: enquanto possui teor protetor por conta da remoção das partículas oxida- das, o mesmo processo também induz a produção dos mesmo radicais livres responsáveis por agravar a lesão endotelial, consequentemente promovendo a expressão de mais quimiocinas, as quais, por sua vez, irão recrutar no- vos monócitos e estimular a projeção das células muscu- lares lisas para a luz do vaso, estabelecendo o dano estru- tural. Isto desencadeia um processo sistêmico que envol- ve proteínas da coagulação e promove a evolução da le- são aterosclerótica por meio do perpetuamento do proces- so inflamatório.(14,22) Na Figura 1 é possível visualizar a patogênese da aterosclerose. DISLIPIDEMIA ATEROGÊNICA NA HOMEOSTASIA A cascata da coagulação é responsável pela manu- tenção da fluidez sanguínea pela formação de coágulos de fibrina em casos de lesão vascular. Entre as alterações nas proteínas envolvidas no processo de coagulação são descritas elevações séricas nos níveis do inibidor do ativador do plasminogênio tipo 1 (PAI-1), o inibidor da fibrinólise ativado pela trombina (TAFI) , do fator III (tissular) e VII da coagulação.(24,25) A baixa concentração dos níveis de HDL associada aos altos níveis de LDLox é ineficaz na inibição do fator de agregação plaquetária. Somado a isto, a hipertrigliceridemia característica da dislipidemia aterogênica estimula os fatores III e VII da coagulação, res- ponsáveis por iniciar a via extrínseca da cascata da coa- gulação, o que favorece a formação de trombos no lúmen dos vasos sanguíneos.(24) A presença da LDLox das pla- cas de ateroma aumentam a expressão do fator III pelas células do músculo liso do endotélio vascular, o qual atua como importante promotor da migração e proliferação de células do músculo liso para o lúmen do vaso sanguíneo e da angiogênese.(23) Em paralelo à indução dos fatores III e VII, o acúmulo de lipídeos eleva os níveis dos fatores da coagulação PAI-1 e TAFI, promovendo a inibição do pro- cesso fibrinolítico responsável por dissolver e retirar da cir- culação coágulos que possam obstruir o fluxo sanguíneo. Deste modo, tanto a fisiopatologia inerente à dislipidemia Figura 1. Resumo do processo aterogênico: (1) o efluxo de macro- moléculas LDL para a camada íntima vascular (2) gera o acúmulo e oxidação destas, originando a formação das LDLox, agravando a disfunção endotelial devido à sua citotoxicidade. (3) A LDLox estimula a migração de monócitos e sua diferenciação em macrófagos, (4) os quais fagocitam as LDLox através dos receptores scavengers. (5) Após fagocitarem as LDLox, os macrófagos se transformam em células espumosas que promovem, por meio de processo inflamatório, a proje- ção das células musculares lisas para o lúmen vascular. RBAC. 2017;49(2):120-6 125 aterogênica quanto os seus reflexos nos mecanismos da coagulação favorecem um ciclo infindável para a oclusão da luz do vaso sanguíneo.(26) CONCLUSÃO O curso fisiopatológico da dislipidemia aterogênica favorece a evolução da aterosclerose e contribui para o estabelecimento de lesões degenerativas crônicas graves. Muitos aspectos relacionados às alterações da homeostasia na presença de hipercolesterolemia e/ou síndrome metabólica são relatados em estudos, no entan- to no que se refere especificamente à dislipidemia aterogênica, evidencia-se a necessidade de mais pesqui- sas, sobretudo epidemiológicas, para traçar o comporta- mento fenotípico da doença em populações distintas. Adi- cionalmente, estudos de casos que relatem o impacto po- sitivo ocasionado pela avaliação clínica e prognóstico dos indivíduos, com apresentações de algumas destas altera- ções discorridas, poderia diminuir substancialmente as chances do estabelecimento de comorbidades mais gra- ves. Em um aspecto mais amplo, e contextualizando com o Brasil, poderia ainda impactar nos gastos voltados para a saúde pública. Abstract The atherogenic dyslipidemia in synergy with metabolic disorders such as diabetes mellitus type 2, metabolic syndrome, hypertension and obesity, added to other factors such as smoking, diet and stress is associated with cardiovascular diseases. Although the impact of changes in lipid metabolism in this process is established by a high concentrations of CT, triglycerides and LDL-C, and decreased HDL-C, the effects of these changes in the homeostasis have not been fully elucidated, the effects of changes in the homeostasis have not been fully elucidated, limiting clinical and therapeutic improvements. In the present work a non-systematic review about the possible changes associated with atherogenic dyslipidemia currently described in the literature, which allowed a summarization of the findings described so far.In the present study, a non-systematic review of possible changes in the homeostasis associated with atherogenic dyslipidemia currently described in the literature was made, which allowed a summarization of the mechanisms described so far. Keywords Atherosclerosis; Dyslipidemias; Homeostasis; Lipoproteins. REFERÊNCIAS 1. Baynes JW, Dominiczak MH. Bioquímica Médica. 3rd ed. Elsevier; 2011. 680 p. 2. SBC. V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose. In: Arquivos Brasileiros de Cardiologia. Sociedade Brasileira de Cardiologia; 2013. p. 01-22. 3. Mahley RW, Innerarity TL, Rall SC, Weisgraber KH. Plasma lipoproteins: apolipoprotein structure and function. J Lipid Res. 1984 Jun;25(12):1277-94. 4. Srinivasan SR, Berenson GS. 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Aspectos fisiopatológicos da dislipidemia aterogênica e impactos na homeostasia 126 RBAC. 2017;49(2):120-6 Correspondência Taiane de Macêdo Gondim Rua Airosa Galvão - 7/302 – Barra 40140180 – Salvador, BA taigondim@hotmail.com 25. Ríos MS, Caro JF, Carraro R, Fuentes JAG. 22. Alterations in Thrombosis and Fibrinolysis in the Metabolic Syndrome. In: The Metabolic Syndrome at the Beginning of the XXI Century: A Genetic and Molecular Approach. Elsevier; 2005. p. 479. 26. Lima LM, Carvalho MG, Sabino AP, Sousa MO. Lipoproteína A e inibição da fibrinólise na doença arterial coronariana. Rev Bras Hematol Hemoter. 2006;28(1):53-9. Gondim TM, Moraes LEP, Fehlberg I, Brito VS RBAC. 2017;49(2):127-30 127 Leucemia Mieloide Crônica: aspectos clínicos, diagnóstico e principais alterações observadas no hemograma Chronic Myeloid Leukemia: clinical aspects, diagnosis and main changes observed in complete blood count Fernanda Roberta Sossela1 Barbara Catarina de Antoni Zoppas2 Liliana Portal Weber3 Artigo de Revisão/Review Article Resumo A Leucemia Mieloide Crônica (LMC) é uma neoplasia hematológica que corresponde de 15% a 20% de todas as leucemias. Na maioria dos casos, há expressão do cromossomo Filadélfia e a produção de uma oncoproteína com atividade tirosina-quinase aumentada. O curso clínico da doença é caracterizado por três fases: crônica, acelerada e crise blástica. O diagnóstico é estabelecido por aspectos clínicos e hematológicos. Entre os principais métodos diagnósticos pode-se citar o hemograma, o mielograma e as análises citogenéticas e moleculares. Em meio às metodologias cada vez mais sensíveis e específicas, o hemograma se constitui numa ferramenta de elevada importância como método de triagem para novos casos, principalmente quando não há sintomatologia característica. Algumas alterações típicas podem ser evidenciadas no hemograma, como o aumento significativo na contagem de leucócitos, acompanhado do aumento de basófilos e do aparecimento de células imaturas. O tratamento de primeira escolha indicado atualmente é o quimioterápico mesilato de imatinibe, que vêm apresentando sucesso terapêutico, acarretando na diminui- ção do número de casos de evolução da fase crônica para a fase acelerada. Neste artigo, serão discutidos os principais aspectos clínicos da doença e métodos diagnósticos, com enfoque nas alterações características encontradas no hemograma. Palavras-chave Cromossomo Filadélfia; Leucemia mieloide de fase crônica; Contagem de células sanguíneas 1Farmacêutica Bioquímica – Setor de Hematologia, Hospital Geral. Fundação Universidade de Caxias do Sul. Caxias do Sul, RS, Brasil. 2Professora de Parasitologia e Micologia da Universidade de Caxias do Sul. Caxias do Sul, RS, Brasil. 3Professora de Imunologia e Hematologia da Universidade de Caxias do Sul. Caxias do Sul, RS, Brasil. Instituição: Universidade de Caxias do Sul. Caxias do Sul, RS, Brasil. Artigo recebido em 23/10/2016 Artigo aprovado em 24/01/2017 DOI: 10.21877/2448-3877.201700543 INTRODUÇÃO A Leucemia Mieloide Crônica (LMC) é uma neoplasia hematológica, caracterizada como uma doença proliferativado sistema hematopoiético na qual ocorre expansão clonal de uma célula-tronco pluripotente ou stem cell.(1-3) Esta célula possui a capacidade de se diferenciar em células das linha- gens mieloide, linfocítica, monocítica ou megacariocítica.(2) A LMC corresponde a aproximadamente 15% a 20% de todas as leucemias, com incidência de um a dois casos em cada 100 mil indivíduos.(3-6) Apresenta maior frequência em adultos, com faixa etária entre 40 e 60 anos, principal- mente do sexo masculino. Entretanto, pode acometer indiví- duos de todas as faixas etárias, com menos de 10% dos casos de pacientes com até 20 anos.(3-8) Em aproximadamente 90% a 95% dos casos, há ex- pressão do cromossomo Filadélfia, produto de uma trans- locação recíproca dos braços longos dos cromossomos 9 e 22, dando origem ao gene quimérico BCR-ABL.(1-3) Nes- ta translocação, há a associação do gene c-ABL(Abelson murine leukemia) no cromossomo 9 com uma porção do gene BCR (breakpoint cluster region) do cromossomo 22, t(9;22)(q34;q11), gerando a expressão e consequente tra- dução de uma oncoproteína com atividade tirosina-quinase aumentada, p210BCR-ABL, que é característica dos pa- cientes com LMC.(1-4,6,8,9) A hiperatividade da p210BCR- ABL é responsável pela oncogênese inicial da LMC, favo- recendo a liberação de efetores de proliferação celular e inibidores de apoptose da célula progenitora hematopoié- tica.(3,6,9) O principal fator de risco para o desenvolvimento da LMC é a exposição à radioatividade, que também é fator de risco para o surgimento de outros tipos de câncer.(8) A mai- or incidência de LMC pode ser observada em pacientes 128 RBAC. 2017;49(2):127-30 Sossela FR, Zoppas BCA, Weber LP submetidos à radioterapia, bem como sobreviventes das regiões atingidas pelas bombas atômicas durante a Se- gunda Guerra Mundial. No entanto, mesmo com essa pro- vável relação entre LMC e radiação ionizante, na maioria dos casos não há fator predisponente conhecido.(6) O diagnóstico da LMC pode ser estabelecido por meio de aspectos clínicos e hematológicos. Apesar do surgimento de técnicas cada vez mais sensíveis e especí- ficas na identificação citogenética e molecular do cromossomo Filadélfia, do gene BCR-ABL e seus produ- tos, a utilização do hemograma como exame de triagem para novos casos torna-se essencial. Muitos pacientes não apresentam sintomas específicos, dessa forma o hemograma pode sinalizar alterações características da LMC e auxiliar no diagnóstico clínico. Este artigo constitui uma revisão que objetiva abor- dar as principais características clínicas da LMC, sintomatologia, formas de tratamento e diagnóstico, com enfoque nas alterações observadas no hemograma, no in- tuito de auxiliar os profissionais na sua utilização como método de triagem e diagnóstico para a LMC. CURSO CLÍNICO E SINTOMATOLOGIA A maior parte dos pacientes apresenta uma fase crô- nica, que dura geralmente de três a cinco anos em trata- mento com fármacos convencionais, com aparecimento de poucos sinais e sintomas; uma fase acelerada, com apa- recimento de blastos no sangue periférico e/ou na medula óssea; e uma fase aguda (crise ou transformação blástica), com duração de três a seis meses.(7,8) Em alguns casos, a doença pode evoluir da fase crônica diretamente para a fase de crise blástica.(3) A evolução da fase crônica para outros estágios da doença pode ser uma consequência da instabilidade genética e evolução clonal, com anorma- lidades cromossômicas adicionais provindas da prolifera- ção celular induzida pelo gene BCR-ABL.(6) O quadro clínico apresenta heterogeneidade de sin- tomas em todas as fases da LMC.(3) Entre as manifesta- ções clínicas na fase inicial da doença pode-se citar ane- mia, artralgia, parestesia palmar, hepatoesplenomegalia, além de sintomas de hipercatabolismo, como fadiga, perda ponderal, sudorese noturna e febre.(3,6-8) A ocor- rência de hemorragia e complicações trombóticas pode ser observada em menos de 5% dos casos na fase crô- nica.(6) Os sinais clínicos relatados na fase de crise blástica incluem palidez, aumento da hepatoesplenomegalia, equimoses fáceis e refratariedade ao tratamento, até en- tão eficaz na fase crônica.(7) Pode-se citar ainda a ocor- rência de sangramentos, falência de múltiplos órgão e in- fecções, com sobrevida de três a seis meses para paci- entes sem tratamento.(6) DIAGNÓSTICO Geralmente, o diagnóstico torna-se evidente pelos aspectos clínicos e hematológicos.(7) Podem ser utilizados os seguintes métodos para o estabelecimento de diagnós- tico de LMC: medição da esplenomegalia, realização de hemograma completo, mielograma, biópsia de medula com coloração pela prata (para avaliar a presença de fibrose), cariótipo da medula óssea, PCR-qualitativo (para identifi- cação do transcrito BCR-ABL) e PCR quantitativo. A partir dos resultados obtidos, é possível definir a fase de evolu- ção da doença.(4) A maior parte dos pacientes já apresenta sintomas ao diagnóstico, com a doença já estabelecida. No entanto, um número cada vez maior de pacientes está sendo diagnosti- cado em exames periódicos através do hemograma, es- tando ainda assintomáticos.(7) Desse modo, o hemograma apresenta-se como uma ferramenta importante para a iden- tificação da LMC, e sua correta interpretação torna-se es- sencial para o direcionamento do diagnóstico. Neste âmbi- to, alguns aspectos principais devem ser observados e es- tão representados na Tabela I. Em estágios iniciais da doença, os primeiros aspec- tos observados no sangue periférico são o aumento de basófilos, trombocitose e um baixo escore de fosfatase al- calina leucocitária (LAP), teste que vem perdendo a força devido ao surgimento das análises citogenéticas e mole- culares.(7,11) Após, ocorre o aumento do total de leucócitos, de neutrófilos e começam a surgir células imaturas. Em al- guns pacientes, há alterações cíclicas na contagem de leucócitos em intervalos de 50 a 70 dias, com uma fase de níveis leucêmicos e uma fase de níveis normais. Nas fases iniciais, há necessidade de estabelecer diagnóstico dife- rencial entre LMC, neutrofilia reacional e outros tipos de leucemias mieloides.(7) Com a evolução da doença, um dos principais critéri- os de identificação da crise blástica é a contagem de blastos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de blastos deve ser igual ou superior a 20%.(10) Outra classificação bastante usada em estudos terapêuticos para LMC, do grupo M.D. Anderson Cancer Center (MDACC), propõe que a contagem de blastos deve ser igual ou supe- rior a 30% ou, ainda, uma soma de blastos e promielócitos igual ou superior a 30%.(12) Conforme o estudo de Cortes et al.,(12) indivíduos com contagens de blastos de 20% a 29% apresentam sobrevida e resposta citogenética melhores do que pacientes com contagens acima de 30%, o que demons- tra que o ponto de corte de blastos ainda permanece em constante discussão. Outra questão importante é a identificação da nature- za da população blástica, que pode ser realizada por meio da imunofenotipagem blástica. Na maioria dos casos, a população é de l inhagem mieloide (podendo ser RBAC. 2017;49(2):127-30 129 mieloblástica ou mieloblástica/ megacarioblástica) ou mis- ta (linfoblástica/mieloide).(7) Em aproximadamente 70% dos casos, a transformação blástica é mieloide, podendo acon- tecer em múltiplas linhagens ou predominar em uma delas: mieloblástica, basofílica, eosinofílica, megacarioblástica, monocítica ou eritroblástica. A transformação linfoide ocor- re em 20% a 30% dos pacientes e a transformação bifenotípica é mais raramente encontrada.(3,6) No âmbito medular, o diagnóstico pode serrealizado por meio do mielograma e biópsia de medula. A medula óssea dos pacientes com LMC é hipercelular, em função da hiperplasia mieloide, apresentando células em todas as fa- ses de maturação, e a série eritroide encontra-se diminuí- da. Pode ser observada ainda proliferação de megacarió- citos, diferentes graus de fibrose reticulínica e vascula- rização.(3,11) Para confirmação diagnóstica e monitoração do tra- tamento, são utilizadas as análises citogenéticas e mole- culares.(2,7,11) Na maior parte dos casos de LMC, há presen- ça do cromossomo Filadélfia.(7) A presença do cromossomo ou de seu transcrito BCR-ABL determina o diagnóstico da doença.(11) Na monitoração da resposta citogenética, podem- se citar as técnicas de cariótipo medular e hibridização in situ por fluorescência (FISH).(4,13) Através do cariótipo me- dular pode-se quantificar o número de metáfases Ph+ e detectar anomalias cromossômicas adicionais no momen- to do diagnóstico e a cada seis meses, até a resposta citogenética completa, e, após, a cada um a dois anos, para a identificação de eventuais recaídas.(4) O método de FISH é útil na demonstração de translocação 9-22 e detecção do gene BCR-ABL, podendo contribuir na identificação de do- ença residual mínima (DRM), mas não detecta as demais anomalias cromossômicas e não possui valor prognóstico estabelecido.(4,13) A análise molecular com a utilização do método de Transcricão Reversa e Reação em Cadeia da Polimerase quantitativo, RT-qPCR (Reverse Transcription - quantitative Polymerase Chain Reaction), apresenta alta correlação com os resultados obtidos pela análise citogenética.(2) Por meio deste método, é possível identificar o rearranjo BCR/ ABL e determinar o número de cópias de mRNA produzido pela p210BCR/ABL, sendo muito útil na detecção de doença residual após quimioterapia ou transplante de medula ós- sea.(2,4,9) A monitoração de resposta molecular deve ser re- alizada no intervalo de três a seis meses até a resposta molecular completa e, depois, a cada seis meses.(4) TRATAMENTO No tratamento da LMC, pode ser utilizada a terapia ce- lular por meio do transplante de células-tronco hemato- poiéticas, ou o tratamento medicamentoso, com a utilização de bussulfan, hidroxiureia, interferon alfa ou inibidores da tirosina-quinase.(8,9) Atualmente, o mesilato de imatinibe, inibidor da tirosina-quinase, é considerado tratamento de pri- meira linha para estes pacientes.(4,8,9) O imatinibe age como inibidor específico da proteína BCR-ABL, por meio da com- petição pelo sítio de ligação de ATP da tirosina-quinase, bloqueando a fosforilação de substratos relacionados com a regulação do ciclo celular, reativando o mecanismo de Leucemia Mieloide Crônica: aspectos clínicos, diagnóstico e principais alterações observadas no hemograma 130 RBAC. 2017;49(2):127-30 morte celular.(6,9) No entanto, pode haver o desenvolvimento de resistência ao fármaco, através de mutações na região do sítio catalítico da proteína no gene BCR-ABL, incapaci- dade de manutenção de concentrações adequadas de fármaco no interior da célula e/ou duplicação do cro- mossomo Filadélfia.(8) Com o sucesso cada vez maior dos inibidores da tirosina-quinase, o número de casos de evolu- ção da fase crônica para a fase acelerada vem diminuindo de forma expressiva.(3,9) Mesmo com o uso de imatinibe, a sobrevida dos pacientes na fase acelerada pode ser esti- mada em um a dois anos.(3) O uso de mesilato de imatinibe geralmente é bem to- lerado pelos pacientes, entretanto a principal preocupação é o desenvolvimento, a longo prazo, de uma segunda neoplasia, que pode ser observada também com o uso de outros fármacos utilizados no tratamento da LMC.(8) Atualmente, estão sendo utilizados no tratamento tam- bém os inibidores da tirosina-quinase de segunda geração, como o dasatinibe, o nilotinibe e o bosutinibe, que demons- tram eficácia na maioria dos pacientes resistentes ou into- lerantes ao imatinibe.(4,6) Na avaliação do sucesso terapêutico, a resposta hematológica completa é definida pelos seguintes critérios: plaquetas ≤ 450 mil, leucócitos ≤ 10.000, com diferencial normal, basófilos menor que 5% e ausência de espleno- megalia.(6) O hemograma deve ser repetido a cada duas semanas até que a resposta hematológica completa seja obtida.(4) A terapêutica curativa para pacientes com LMC é o alotransplante de células progenitoras hematopoiéticas. Entretanto, não é considerado como terapêutica de primei- ra linha, sendo mais indicado para pacientes jovens e nos casos em que ocorre resposta insatisfatória ou resistência aos inibidores da tirosina-quinase.(4) CONCLUSÃO A LMC consiste numa neoplasia de sintomatologia muito diversa e com casos assintomáticos frequentes, de modo que a avaliação laboratorial do paciente torna-se es- sencial. As técnicas utilizadas demonstram-se cada vez mais avançadas, possibilitando análises citogenéticas e mole- culares precisas, que permitem não somente a confirma- ção do diagnóstico como também a monitoração da evolu- ção da doença e da terapêutica. No entanto, o hemograma ainda apresenta grande relevância por ser uma metodologia de fácil acesso e, quando realizado por profissionais treina- dos, pode auxiliar na identificação de novos casos e no acompanhamento da LMC. Quanto às formas de tratamento, o mesilato de ima- tinibe continua sendo a terapia de primeira escolha. Nos casos de resistência ao imatinibe, surgem como alternativa os inibidores da tirosina-quinase de segunda geração. Abstract Chronic myeloid leukemia (CML) is an hematological tumor, corresponding 15 to 20% of all leukemias. In most cases, there expression of the Philadelphia chromosome and production of an oncoprotein with enhanced tyrosine-kinase activity. The clinical course of the disease is characterized by three phases: chronic, accelerated and blast crisis. The diagnosis is established by clinical and hematological aspects. Among the main diagnostic methods, there is the complete blood count, the bone marrow examination and cytogenetic and molecular analyzes. Amid the increasingly sensitive and specific methodologies, the complete blood countis an important tool as a screening method for new cases, especially when there are no characteristic symptoms. Some typical changes can be highlighted in the complete blood countis as a significant increase in leukocyte count, accompanied by increase in basophil count and the appearance of immature cells. The treatment of choice is currently the quimioterapic imatinib mesylate, which have shown therapeutic success, resulting in decrease in the number of cases of evolution of chronic phase to accelerated phase. In this article, the main clinical aspects of the disease and diagnostic methods will be discussed, focusing on characteristic changes found in the blood count Keywords Philadelphia Chromosome; Leukemia, Myeloid, chronic-phase; Blood cell count REFERÊNCIAS 1. Andrade GV. Papel da p190BCR-ABL como parâmetro de recaída na leucemia mieloide crônica. Rev Bras Hematol Hemoter. 2008; 30(4):297-302. 2. Barboza LP, Souza JM, Simões FV, Bragança IC, Abdelhay E. Aná- lise dos transcritos da translocação t(9;22) em Leucemia Mieloide Crônica. Rev Bras Hematol Hemoter. 2000;22(2):89-98. 3. Bortolheiro TC, Chiattone CS. Leucemia Mieloide Crônica: história natu- ral e classificação. Rev Bras Hematol Hemoter. 2008;30 (supl. 1): 3-7. 4. Almeida A, Castro I, Coutinho J, Guerra L, Marques H, Pereira AM. Recomendações para o diagnóstico, tratamento e monitorização da Leucemia Mieloide Crónica. Acta Med Port. 2009;22:537-44. 5. Bergantini AP, Castro FA, Souza AM, Fett-Conte AC.Leucemia mielóide crônica e o sistema Fas-FasL. Rev Bras Hematol Hemoter. 2005; 27 (2):120-25. 6. Bollmann PW, Giglio A. Leucemia mieloide crônica: passado, pre- sente, futuro.Einstein. 2011;9(2):236-43. 7. Bain BJ. Células Sanguíneas: Um Guia Prático. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2007. 488 p. 8. Castro MA, Castro MA, Peleja SB, Barbosa AP, Tavares AP, Roberti MR. Ocorrência de Múltiplas Neoplasias em Paciente Portador de Leucemia Mieloide Crônica: Relato de Caso. Revista Brasileira de Cancerologia. 2012;58(2):251-55. 9. Grando AC, Wagner S. 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Correspondência Fernanda Roberta Sossela Rua Francisco Getúlio Vargas, 1130 95070-560 – Caxias do Sul, RS Sossela FR, Zoppas BCA, Weber LP RBAC. 2017;49(2):131-4 131 Anemia Falciforme e abordagem laboratorial: uma breve revisão de literatura Sickle Cell Disease and laboratory approach: a brief literature review Renata Araujo de Almeida1 Ana Laura Remédio Zeni Beretta2 Artigo de Atualização/Update Resumo Anemia Falciforme é uma doença hemolítica de caráter autossômico recessivo presente em indivíduos homozigóticos para a hemoglobina S, ocorrendo uma mutação na posição 6 da extremidade N - terminal do cromossomo 11, substituindo o ácido glutâmico por valina. A HbSS em condições de hipóxia se polimeriza no formato de foice. A anemia nos pacientes ocorre pela diminuição de hemoglobina devido ao aumento de hemólise no baço. As hemácias falciformes contribuem para os processos inflamatórios, vaso-oclusão, aumento de coagula- ção, lesão tecidual. Os processos infecciosos são críticos em crianças menores de 6 anos devido à autoesplenectomia e sua susceptibilidade a infecções. O objetivo do estudo foi estabelecer os principais meios para o diagnóstico laboratorial da anemia falciforme, base- ando-se na revisão bibliográfica em artigos científicos e banco de dados do Centro Latino- Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme/Lilacs). A triagem laboratorial fornece subsídios para o norteamento clínico, desde exames simples, como o hemograma com a contagem de reticulócitos, até exames mais sofisticados, como resis- tência osmótica em solução de cloreto de sódio a 0,36%, eletroforese em pH alcalino em acetato de celulose, pesquisa de corpos de Heinz e agregados de hemoglobina H, entre outros. O estudo mostrou que a eletroforese de hemoglobina é o exame padrão-ouro para a confirmação do diagnóstico. Palavras-chave Doença da Hemoglobina SC; Anemia Falciforme; Anemia Hemolítica; Diagnóstico 1Bacharel em Ciências Biológicas pela PUC-Campinas e pós-graduanda no curso de especialização de Análises Clínicas pela FHO Uniararas/ Centro Universitário Hermínio Ometto (Uniararas). Araras, SP, Brasil. 2Profa. titular A5 em Microbiologia. Coordenadora de cursos de Especialização em Análises Clínicas, Controle e Prevenção de Infecção Relacionada à Assistência à Saúde e Farmácia Hospitalar Oncológica/Centro Universitário Hermínio Ometto (Uniararas). Araras,SP, Brasil. Instituição: Universidade Hermínio Ometto (Uniararas). Araras, SP, Brasil. Artigo recebido em 25/08/2016 Artigo aprovado em 17/02/2017 DOI: 10.21877/2448-3877.201700530 INTRODUÇÃO A Anemia Falciforme (AF) é uma doença hemolítica de caráter autossômico recessivo, presente em indivíduos homozigóticos para Hemoglobina S (HbS). É originada por uma mutação na posição 6 da extremidade N - terminal do cromossomo 11, onde ocorre a substituição de um ácido glutâmico pela valina. A HbS é responsável pela poli- merização dos eritrócitos em condições de hipóxia, fazen- do com que esses assumam o formato de foice. Esses polímeros podem lesar a estrutura da membrana eritrocítica, causando hemólise. A diminuição do número de eritrócitos pela hemólise associada à alta destruição das hemácias pelo baço leva ao quadro de anemia comum em pacientes falciformes.(1,2) A AF é a doença hereditária de maior prevalência no país, afetando cerca de 0,1% a 0,3% da população negra, sendo observada também em decorrência da alta taxa de miscigenação em parcela cada vez mais significativa da população caucasiana brasileira. Estimativas indicam que 5% a 6% da população carrega o gene da Hemoglobina S (HbS) e que a incidência fica em torno de 700 - 1000 no- vos casos por ano.(3) A hemoglobina S (HbS) é obtida através da mutação genética que ocorre na cadeia beta (β), posição seis da globina onde há a substituição da base adenina no amino- ácido ácido glutâmico pela base timina, formando assim o aminoácido valina. Essa mutação altera a estrutura molecular da membrana celular da hemácia (que é bicôncava) em baixas concentrações de oxigênio circulante no sangue, conferindo-lhe a forma de foice. Por esta ra- zão, a hemoglobina modificada recebe o nome de hemoglobina S (S deriva da palavra inglesa sickle, que significa foice em português).(4) 132 RBAC. 2017;49(2):131-4 Almeida RA, Beretta ALRZ Durante o evento de falcização a membrana da hemácia em foice enrijece, aumentando o contato da su- perfície celular com as moléculas de adesão circulantes no sangue. Essa interação impede a circulação adequada dessas hemácias na corrente sanguínea, fazendo com que dificulte o transporte de oxigênio celular e tecidual, além de contribuir para o processo de vaso-oclusão causado pela aderência dessas células no endotélio vascular, oca- sionando os processos inflamatórios e infecciosos.(5,6) É importante que as pessoas estejam informadas so- bre a existência da doença falciforme e consigam identificá- la. Além da crescente difusão do aconselhamento genéti- co, o governo federal empenhou-se também em políticas nacionais educativas e, nos anos 90, na formação de um grupo de trabalho para a elaboração do Programa Ane- mia Falciforme.(7) A pesquisa exploratória teve por objetivo estabele- cer os principais meios usados para o diagnóstico laboratorial da Anemia Falciforme por meio da pesquisa em sites de coleção de artigos científicos como Medline, Lilacs, Bireme, SciELO e Biblioteca Cochrane, a fim de discorrer e discutir sucintamente sobre as características da doença. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA A Doença Falciforme (DF) apresenta alguns genótipos, sendo que os mais conhecidos são: a homozigose da Hemoglobina S (HbSS); e as heterozigoses da Hemoglobina S, a HbAS, a HbS-beta-talassemia, as- sociação da hemoglobina falciforme com a hemoglobina que possui o gene que expressa a beta talassemia; e a dupla heterozigose HbSC, associação entre a Hemoglobina S e a hemoglobina C, e HbSD, associação entre a Hemoglobina S e a Hemoglobina D.(8) Os genótipos da Doença Falciforme determinam a gravidade e a presença ou não de sintomas clínicos. A HbS- beta-talassemia, a HbSC e HbSD são consideradas genó- tipos de gravidade média, enquanto que os genótipos HbAS, que é responsável pelo traço falciforme, e HbSS, que caracteriza a Anemia Falciforme, possuem maior re- levância clínica.(8,9) No traço falciforme, o indivíduo apresenta heterozigose para Hemoglobina S, sendo portador de um gene de hemoglobina normal (HbA) e um gene com a mu- tação falciforme (HbS), formando o genótipo HbAS. O individuo HbAS é assintomático.(10) A Anemia Falciforme (AF)
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