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Resenha Crítica- O Trabalho e Democracia Antiga e Moderna

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Produzido por Ana Gabriela Vasconcelos Cavalcante
 Licencianda em História pela UFRPE
Resenha Crítica
O Trabalho e Democracia Antiga e Moderna
 
Autor: Ellen Wood Meiksins
Na obra ‘Democracia contra Capitalismo’, a historiadora Ellen Wood destina um fragmento
que intitula como ‘O Trabalho e a Democracia Antiga e Moderna’ a explanar os pontos da
democracia ateniense que se perderam com as rupturas das conjunturas históricas e com as
mudanças nas estruturas e perspectivas sociopolíticas com o desenrolar temporal, traçando
assim um paralelo com as configurações do modelo democrático representativo vigente no
sistema capitalista do tempo presente e suas implicações na vida dos trabalhadores. A visão
exposta pela autora contrapõe a epistemologia e a teoria política dos clássicos da filosofia
antiga, que como será destrinchado mais adiante, impactou negativamente na visão
construída e consolidada acerca da democracia ateniense. 
A autora constrói sua narrativa tecendo seus argumentos de forma muito bem embasada
explorando inicialmente a dialética posta entre liberdade e escravidão. Assim, costura um
debate afirmando de forma objetiva que os gregos atenienses não criaram o sistema
escravagista, pois ele já era vigente em outros modelos de sociedades pré-capitalistas.
Entretanto, criaram, com certeza, a noção de trabalhador livre com status de cidadão,
detentor de uma liberdade à participação política e jurídica e liberado de várias formas de
coação e exploração seja pela aparelhagem estatal, seja pelos detentores das terras. Logo, na
concepção da autora, é necessário que se busque nesse modelo de sociedade o modo distintivo
como se configuravam as relações entre as classes apropriadoras e as classes produtoras, já
que tal dinâmica de relações se desenrolou de forma única na história do trabalho e da
cidadania. Portanto, o sistema democrático ateniense, na forma como se estruturava, permitia
que os governados fossem ao mesmo tempo governadores, já que desconstruía a
hierarquização na participação política.
A autora se propõe a explanar qual era o lugar social ocupado pelo trabalhador livre e pelos
escravos na organização socioeconômica ateniense, já que se consolidou no campo
historiográfico, a visão de que Atenas era uma sociedade escravista, tendo tal sistema ganhado
importância majoritária nas narrativas, nesse sentido o trabalho livre não ganhou semelhante
notoriedade. E dentre esses muitos pensadores que defendiam a Grécia e a Roma como
sociedade escravagista, Moses Finley concebia uma visão não se baseando no quantitativo de
escravos nas estáticas referentes à sociedade, mas sim na institucionalização estatal do
trabalho escravo. 
Nesse sentido, Wood mesmo reconhecendo a problemática nas estimativas estatísticas, pela
falta de consenso científico, o que não permite que se afirme com precisão o quantitativo de
escravos em Atenas, apesar de se saber que correspondia a um contingente significativo, a
autora busca explorar onde estavam e quais funções exerciam esses escravos. A figura do
fazendeiro-camponês era muito característica da sociedade ateniense, e dificilmente o
trabalho escravo era exercido no setor agrícola, já que comumente as terras não se
concentravam em latifúndios, mas sim eram fragmentadas em lotes menores cujos
arrendatários ou meeiros encarregava-se dos cuidados, num sistema semelhante ao do
colonato romano, que inclusive se consolidaria no que seria compreendido por feudalismo, no
cenário de declínio militar e civil do império como bem pontua Will Durant (2002, p 26) em sua
obra ‘A Idade da Fé’. Desse modo, a grande importância dos escravos concentrava-se no
âmbito urbano da sociedade, no qual exerciam distintas funções, com graus de relevância
igualmente distintos. Porém, eram comumente empregados no serviço doméstico e no
trabalho nas minas. 
Contudo, mesmo com a persistência da classificação de sociedade escravista e o impacto do
trabalho livre sendo ou eclipsado ou completamente rejeitado, Ellen Wood se propõe a
desconstruir essa concepção buscando então explanar a importância do trabalhador livre na
sociedade ateniense e pontuando que, nas novas abordagens históricas vem sendo aceita a ideia
de que havia, na realidade, uma proporção equilibrada na produção realizada pelo trabalho livre
e pelo trabalho escravo na Grécia e em Roma, considerando assim que: “o trabalho livre era a
espinha dorsal da sociedade ateniense” (Wood, p.159). O intuito da autora fica claro: não objetiva
negar ou apagar a importância da escravidão nas antiguidades grega e romana, mas restituir o
valor do trabalhador livre, enfatizando a distinção social que ele teve, se comparada a outras
sociedades contemporâneas e até mesmo do tempo presente. 
Nesse sentido, a autora argumenta que a existência do trabalhador livre definiu claramente o
“cativeiro dos escravos”, pois o status de cidadão a ele atribuído delineou socialmente quem de
tal sistema era excluído. Podendo-se, portanto, baseando-se nos argumentos da autora, assumir
que a democracia e a escravidão ateniense constituíam dois lados de uma mesma moeda,
coexistindo dessa forma a escravidão, o trabalho livre e a política democrática. Haja vista, a
concessão do direito de participação política aos trabalhadores livres, aqueles que ocupavam o
lugar de produtores na organização social, lhes permitiu se verem livres de certas formas de
coerção aproximando assim, através do direito à cidadania, as distintas classes produtoras e
apropriadoras. Ellen Wood explora tal ideia no fragmento nomeado como ‘Governantes e
Produtores’, e a esse respeito, a cientista social Ellis Lacowicz, acrescenta que “foi somente na
democracia ateniense que o padrão comum de divisão entre governantes e produtores foi
quebrado de maneira tão completa, porque antes os produtores não participavam do governo”
(2018, p40).
Contudo, cabe salientar que tal constituição cívica não fez com que os conflitos de classes, de
interesses e as disputas por narrativas fossem cessados. Haja vista, o contraponto que a Ellen
Wood utiliza ao realizar um estudo sócio historicamente contextualizado das obras clássicas da
filosofia política, ao invés de realizar uma leitura meramente textualista, destacando figuras
como Platão, Sócrates e Aristóteles, que baseavam suas teorias políticas e as epistemologias de
suas filosofias na divisão do trabalho entre os que governam e os que produziam. Inclusive, a
narrativa tecida pela autora demonstra que tais concepções eram antidemocráticas, pois
compreendiam a cidadania, que constituía o direito à participação política, a partir de um ideal
social profundamente hierarquizada, já que a concebiam como uma dignidade própria dos
grupos sociais superiores, já que os teriam apenas tempo de se dedicarem às atividades políticas
aqueles que não exerciam funções produtivas na sociedade. Um trecho retirado da obra Política,
de Aristóteles, evidencia esta tese:
“Na cidade com o melhor conjunto de normas e naquela dotada
de homens absolutamente justos, os cidadãos não devem viver
uma vida de trabalho trivial ou de negócios- esses tipos de vida
são desprezíveis e incompatíveis com as qualidades morais-,
tampouco devem ser agricultores os aspirantes à cidadania, pois o
lazer é indispensável ao desenvolvimento das qualidades morais e
à prática das atividades políticas. 
(VAN Acker apud Aristóteles, 1994).”
Portanto, dispondo de uma argumentação sólida, a autora permite que seja compreendido com
clareza que a transação da conjuntura política democrática para a clássica filosofia grega
provocou profundas implicações negativas na imagem construída acerca da democracia
ateniense, que segundo Wood, exerceram um papel cujos reflexos são perceptíveis ainda na
contemporaneidade, quando se necessita buscar na antiguidade clássica referenciais políticos, o
que aponta para a reflexão de quais pontos distanciam a democracia ateniense do modelo de
democracia capitalista moderno. Uma vez que houve um declínio histórico do status do
trabalhador. 
Nesse ponto, a autora objetiva tambémexpor e desconstruir o ‘mito da ralé ociosa’ que surgiu
nas narrativas dos historiadores britânicos que se propõem a discutir a democracia ateniense,
construindo a primeira historiografia política da Grécia Antiga. Com forte viés antidemocrático,
tais pensadores supunham propositalmente que o modelo democrático ateniense, ausentando o
cidadão-camponês de pressões econômicas e formas de coação, seja pelo Estado, sejam pelos
proprietários de terras, incitava-o a rejeitar o trabalho, relegando aos escravos o encargo com as
demandas produtivas da sociedade, formando assim uma massa de pessoas ociosas.
Em vista disso, Ellen Wood com argumentos sólidos e embasados, defende a democracia
ateniense, pontuando que a igualdade política deve coexistir com a desigualdade econômica,
inclusive a modificando. Haja vista que os cidadãos camponeses, assim como os escravos,
também eram produtores e exerciam importantes funções na organização e estruturação social.
Portanto, a noção de uma população ociosa é profundamente preconceituosa, e mais, não
oferece embasamento preciso para fortalecer a argumentação, já que não se possuem
evidências históricas que comprovem a referida ociosidade dos trabalhadores. Assim, é possível
compreender que tal revisionismo foi proposto como forma de privar os trabalhadores da
participação política. E Ellen Wood enfatiza em sua crítica como que diversos autores
difundiram esse mito de que a democracia ateniense só tinha sido possível porque os escravos
trabalhavam para que os cidadãos-camponeses tivessem tempo para participar das decisões
democráticas.
A questão principal não era a existência ou inexistência de um sistema escravagista na
sociedade ateniense, mas sim pela sua coexistência com a democracia, intelectuais
antidemocráticos, utilizavam tal ponto como subterfúgio para defender a não participação
ampla da classe trabalhadora nas decisões políticas. Assim sendo, Wood conclui que a que essa
narrativa acerca da escravidão ateniense mantinha em si um grande paradoxo, já que o
interesse desses intelectuais moderno não era questionar a manutenção desse sistema, mas sim
excluir a população pobre e trabalhadora do direito a ampla participação política. E, é
importante considerar que tais pensadores antidemocráticos, objetivavam promover uma
reforma política moderna valendo-se de um revisionismo histórico, o que num sentido amplo, é
algo recorrente nas conjunturas históricas, inclusive na contemporaneidade. Vejamos, por
exemplo, como exemplificação a própria construção historiográfica da ideia de Idade das Trevas
e da noção de obscurantismo atribuída à Idade Média explorada de forma crítica pelo autor
Baschet(...) em sua obra ‘A civilização Feudal’. E ainda, observando a conjuntura sociopolítica
brasileira, com a ascensão do bolsonarismo, é notável a criação de um forte revisionismo
histórico acerca dos períodos ditatoriais, com o intuito de apagar a memória acerca das
crueldades praticadas pela consolidação da ditadura militar, propondo, a partir de um
falseamento histórico, outras narrativas. Nesse sentido, Ellen Wood poderia ter explorado de
forma mais aprofundada os reflexos do revisionismo histórico, dado o impacto que causam na
mentalidade coletiva. Entretanto, vale salientar que tal observação não diminui em nada o
potencial dos argumentos explorados pela autora.
É importante, aliás, conceituar a historicidade dos conceitos abordados pela autora. ‘Sociedade
escravista’. ‘Trabalho’. ‘Cidadania’. ‘Democracia’. Possuem sentidos distintos dos que possuem
no tempo presente. Pois, a temporalidade é um fator a ser considerado nos contextos, uma vez
que noções existentes em determinadas conjunturas ganham novos significados. E nesse
sentido, a autora aborda como que as noções de trabalho na antiguidade e na modernidade se
configuram de diferentes formas, uma vez que, a ascensão e consolidação do sistema capitalista,
obriga aos trabalhadores venderem a sua força de trabalho em troca de subsistência, não lhes
permitindo tirar do capital seu poder de apropriação, embora estejam instituídos de direitos
jurídicos, bem como dos direitos políticos propostos pelo sufrágio universal, diferente da noção
de cidadão-camponês proposta pela democracia ateniense, do qual houve um declínio do status
de trabalho, ainda não recuperado na história. Mesmo que, em contraponto, a escravidão tenha
sido abolida nas configurações da ascensão moderna do capitalismo. Porém, cabe salientar que
apesar de na esfera jurídica a escravidão ter sido abolida, toda via fazendo uso de um termo
político, ela ainda é uma realidade no que se denomina ‘trabalho escravo contemporâneo’. Uma
vez que, mesmo de forma ilegal, refletindo as consequências cruéis desse sistema inaugurado na
modernidade como uma nova ordem, que persiste desumanizando os trabalhadores, o trabalho
análogo à escravidão continua como uma realidade na contemporaneidade.
Nesse contexto, Wood pontua o surgimento da ideologia do trabalho, que para atender as
demandas por produtividade contínua da aparelhagem capitalista, elevou o status do trabalho,
porém, não do trabalhador, mantendo-se historicamente subalternizadas no conflito de classes.
Assim, desde a ruptura histórica da democracia ateniense, não houve ainda uma reparação ou a
instauração de um modelo sociopolítico que restituísse à classe trabalhadora a dignificação, já
que a essência do capitalismo é a exploração brutal da força de trabalho dos cidadãos, onde os
donos do capital, um grupo restrito e privilegiado na sociedade, exercem poder restrito sob a
mais valia, como bem explicita a autora.
Ademais, a autora ainda enfatizou no decorrer de sua obra que nos capítulos posteriores
objetivava discutir os reflexos das ideologias racistas na constituição da escravidão moderna,
presente já no sistema capitalista. É de estrema importância tal reflexão, pois é relevante
racializar o debate, considerando que não houve reparação histórica efetiva após abolição e
colonialismo, e as consequências dessa falta de reparação são notáveis nas estruturas racistas
das sociedades ocidentais. Pois, não tem como desassociar a pauta anticapitalista da luta
antirracista. Uma vez que, não apenas no Brasil, as populações negras permanecem sendo
majoritariamente marginalizadas e relegadas a condições subalternas de trabalho, assim como
na esfera política, que permanece priorizando as demandas capitalistas e brancas.
Por fim, Ellen Wood convida a repensar o modelo democrático capitalista, buscando na
democracia ateniense elementos que possam efetivamente constituir um novo modelo de
efetiva participação política popular. Portanto, é evidente a necessidade de se discutir a
democracia vigente, uma vez que se tem como referencia tal modelo político na
contemporaneidade, entretanto, como bem refletiu José Saramago em um de seus discursos no
Nobel de literatura, apresentado pelo documentário ‘O Mundo Global Visto de Cá’: 
“Vivemos uma democracia que é sequestrada, amputada,
condicionada. Pois, o poder do cidadão limita-se a tirar um governo
de que não gosta e eleger outro que talvez venha gostar, nada mais.
No entanto, as grandes decisões são tomadas numa outra esfera, nas
grandes organizações financeiras, nas organizações mundiais de
comércio e nenhum desses organismos é democrático e, portanto,
como que se pode continuar a falar de democracia se aqueles que
efetivamente governam o mundo não são elegidos
democraticamente?"
(Tendler, 2006)
Assim sendo, a proposta da Ellen Wood de revisar as concepções tradicionais sobre a
democracia ateniense, elencando como ponto central a ideia de que ela criou o trabalhador
livre com status de cidadão juridicamente e politicamente livre, ainda não recuperado na
história desde então, é muito bem fundamentada e necessária, pois incita a reflexão direta
acerca das implicações do capitalismo na vida política dos trabalhadores, já que privar-lhes
de efetivo poder político é efetuar decisões que não o contemplem, negando-lhes o direito de
pleitear suas próprias demandas trabalhistas, econômicase sociais. Tal proposta aponta
também a importância da História, enquanto ciência que serve as demandas humanas nas
esferas sociopolíticas, econômicas e culturais, trabalhando com as fissuras e consequentes
opressões impostas, repensando novos modelos sociais, a partir do tempo passado e de seus
reflexos no presente
Referência Bibliográfica principal:
WOOD, Ellen Meiksins. O Trabalho e Democracia Antiga e Moderna. In Democracia contra
Capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 157-175.

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