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Professora Ana Laura Gabas A Guerra Fria e seus desdobramentos em todo o mundo A Guerra Fria e seus desdobramentos em todo o mundo O que vamos conhecer: A Guerra Fria: confrontos de dois modelos políticos A Revolução Chinesa e as tensões entre China e Rússia A Revolução Cubana e as tensões entre Estados Unidos da América e Cuba. As experiências ditatoriais na América Latina. Os processos de descolonização na África e na Ásia. Avaliar as tensões geopolíticas no interior dos blocos liderados por soviéticos e estadunidenses ao longo da Guerra Fria. Descrever as múltiplas experiências ditatoriais na América Latina em nível diplomático, local, econômico e social E vamos conseguir: Explicar e avaliar os resultados atuais dos processos de descolonização na África e na Ásia. Investigar os regimes ditatoriais latino-americanos, com especial atenção para a censura política, a opressão e o uso da força, bem como para as reformas econômicas e sociais e seus impactos. Habilidades: (EF09HI28) Identificar e analisar aspectos da Guerra Fria, seus principais conflitos e as tensões geopolíticas no interior dos blocos liderados por soviéticos e estadunidenses. Objeto do conhecimento: A Guerra Fria: confrontos de dois modelos políticos; A Revolução Chinesa e as tensões entre China e Rússia; A Revolução Cubana e as tensões entre Estados Unidos da América e Cuba. Você já assistiu a algum filme de ação estadunidense em que o vilão é de algum país distante ou mesmo de um país vizinho a nós? A imagem acima te faz lembrar de algum filme em específico? E agora... Herói ou Vilão? A chance é realmente grande que sim, ainda mais se você já viu os filmes de franquias de sucesso de público como 007 ou mesmo Missão Impossível. Eles seguem geralmente a mesma estrutura: os vilões sejam aquelas figuras maldosas e bastante antiéticas que usam e abusam do poder para dominar cada vez mais e ganhar sempre mais riqueza, enquanto o herói tem de passar por uma série de dificuldades até superar o vilão da vez. Os sobrenomes, os trejeitos e até mesmo as características físicas dos vilões são milimetricamente escolhidas para criar um ambiente de medo e de perversidade. A pergunta que salta aos olhos, no entanto, é: por que esses sobrenomes ou características remetem sempre ao estrangeiro e aos lugares distantes do centro da Europa (no caso de 007) ou dos EUA (no caso de Missão Impossível)? A divisão de heróis e vilões não é ingênua, ou seja, não é gratuita e sem uma intencionalidade. O objetivo deste artigo é produzir uma reflexão sobre os eventos históricos complexos que deram origem a essa dicotomia (herói x vilão) e colocá-los, na medida que esclarecemos suas condições e conflitos, em perspectiva crítica. BBC Por que os russos são sempre vilões em Hollywood? De um sádico antigo espião da KGB em Os Vingadores aos personagens malvados de Duro de Matar – Um Bom Dia para Morrer, não faltam vilões russos nas telas ultimamente. Políticos e cineastas da Rússia já deixaram claro seu descontentamento com a maneira como a indústria cinematográfica americana retrata personagens russos como os malvados da trama. Houve até uma ameaça de boicote dos russos aos filmes de Hollywood, trazendo à tona o debate sobre o risco que os estúdios correm quando decidem demonizar uma nacionalidade. BBC Por que os russos são sempre vilões em Hollywood? Em agosto, a agência de notícias russa Interfax informou que Batu Khasikov, membro da comissão de cultura da Assembleia russa, afirmou que "os filmes nos quais as referências à Rússia fossem negativas ou exibidas de maneira tola deveriam ter sua exibição proibida nos cinemas do país". Mas mostrar os russos como vilões é algo que vem de longa data. "Mesmo antes da Guerra Fria, a Rússia costumava ser representada como uma ameaça geopolítica ao Ocidente", diz James Chapman, professor de estudos do cinema na Universidade de Leicester, na Grã-Bretanha. "Mas [esse estereótipo] ganhou uma inflexão ideológica ainda mais acentuada durante a Guerra Fria, quando começa a associação não só com a Rússia, mas também com o comunismo soviético". BBC Por que os russos são sempre vilões em Hollywood? Surpreendentemente, a queda do Muro de Berlim não acabou com os vilões russos das telas. "As coisas nunca se acalmaram o suficiente para a Rússia começar a sentir que não é um inimigo constante", diz a professora russo-americana Nina Krucheva, bisneta do líder soviético Nikita Kruchov e radicada nos Estados Unidos. Acadêmicos veem a postura durona do presidente russo, Vladimir Putin, como o motivo para a presença cada vez maior de vilões russos atualmente. "Principalmente depois da volta de Putin à Presidência, com um regime muito mais linha dura, surgiu essa sensação de que a Rússia continua sendo uma ameaça geopolítica e uma potência hostil, mesmo depois do fim do comunismo", afirma Chapman. BBC Novo tipo de maldade Se a Rússia representa o sétimo maior mercado de cinema do mundo, por que os estúdios se arriscam em antagonizar um de seus clientes mais importantes? Uma possibilidade é que as reclamações dos russos sobre os filmes de Hollywood podem ter um impacto positivo para os estúdios no que se refere à publicidade. "Os produtores gostam do interesse e da atenção", diz James Chapman. se a Rússia representa o sétimo maior mercado de cinema do mundo, por que os estúdios se arriscam em antagonizar um de seus clientes mais importantes? Uma possibilidade é que as reclamações dos russos sobre os filmes de Hollywood podem ter um impacto positivo para os estúdios no que se refere à publicidade. "Os produtores gostam do interesse e da atenção", diz James Chapman. BBC Novo tipo de maldade Com tão poucas nacionalidades para Hollywood demonizar hoje em dia, está claro que os produtores precisam encontrar novos vilões. O autodenominado "Estado Islâmico" poderia ser uma fonte de personagens cruéis, mas a possibilidade é encarada com cautela porque a organização é composta por pessoas de várias nacionalidades, incluindo dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha. Com a complexidade da geopolítica atual, é possível também que os vilões deixem de ser definidos primariamente por suas nacionalidades. Para especialistas, uma das tendências será ter como malvados os poluidores e destruidores do meio ambiente. Esse, aliás, foi o tipo de vilão no filme de maior faturamento de todos os tempos, Avatar, de 2009. O problema é que nenhum dos vilões atuais têm o peso daqueles de outrora. Durante a Guerra Fria, um malvado russo nas telas parecia muito mais ameaçador porque o público sabia que os Estados Unidos e a União Soviética poderiam entrar em guerra de verdade. Talvez tenhamos que esperar até que Hollywood encontre uma nova inspiração para reinventar o supervilão do cinema. A Guerra Fria pode ter acabado, mas parece que os Estados Unidos ainda não esqueceram os anos conflituosos com a União Soviética. “Eu fui um comunista para o F.B.I” (1951) O drama policial de 1951 trouxe bem a tona o que os Estados Unidos pensavam sobre a época. Em Pittsburgh, um agente do F.B.I. trabalha infiltrado no Partido Comunista durante anos, o que faz com que a sua família acredite que ele é um comunista de verdade. No longa, os comunistas são retratados como oportunistas, cínicos, racistas e bandidos violentos, interessados em apenas uma coisa: tomar o poder em nome da URSS. Filmes de Hollywood que já alfinetaram a Rússia e a URSSFilmes de Hollywood que já alfinetaram a Rússia e a URSS Comunistas são retratados como cínicos e violentos “Rocky IV” (1986) Sylvester Stallone ressurge como Rocky Balboa neste longa que mostra o personagem planejando se aposentar e viver com a sua esposa. Entretanto, durante uma exibição, um amigo do lutador acaba sendo espancado impiedosamente por um russo recém-chegado. Assim, Balboa busca acabar com aquele homem frio e violento, como são representados os russos, dando o troco.Ele voa para a Rússia para treinar para uma luta bem no dia de natal e lutar contra o inimigo. Filmes de Hollywood que já alfinetaram a Rússia e a URSSFilmes de Hollywood que já alfinetaram a Rússia e a URSS “Red 2 – Aposentados e Ainda Mais Perigosos” (2013) A sequência do filme de comédia traz mais umaaventura para os aposentados mais famosos de Hollywood. De acordo com Marvin Boggs (John Malkovich), as suas vidas estão em perigo. Frank Moses (Bruce Willis) parece não acreditar, mas acaba sendo levado para um interrogatório e é quase morto. A missão é rastrear um dispositivo nuclear portátil que está desaparecido e a partir daí eles precisam encontrar maneiras de sobreviver e combater assassinos, terroristas e oficiais do governo... russos. Filmes de Hollywood que já alfinetaram a Rússia e a URSSFilmes de Hollywood que já alfinetaram a Rússia e a URSS “Capitão América: Soldado Invernal” (2014) Apesar de achar que a Hydra, uma organização que tem como intuito dominar o mundo, tenha acabado, a sequência de “Capitão América” mostra que as coisas não são bem assim. No segundo filme, o longa traz um cenário de Estados Unidos repleto de agentes infiltrados. Agora, a grande missão do super-herói é combater o mal e, no filme, o símbolo desse mal é nada mais nada menos que os próprios russos. Filmes de Hollywood que já alfinetaram a Rússia e a URSSFilmes de Hollywood que já alfinetaram a Rússia e a URSS Século XX e seu enigma: como da fervente bomba atômica acabamos na Guerra Fria? O conhecimento físico-químico, de que você pôde desfrutar no vídeo disponibilizado, pode nos dar uma ideia do quão gigantesco foi o avanço técnico e científico da primeira metade do século XX: as fissões nucleares foram responsáveis pelas maiores descobertas, mas também pelas maiores violências contra a humanidade. Dezenas de milhares de vidas foram mortas instantaneamente na explosão – a eficiência da bomba é trágica, mas era previsível pelos oficiais estadunidenses que a lançaram; as centenas de milhares de vidas, humanas e não, que ainda hoje descobrem os efeitos da das duas explosões em 6 e 8 de agosto de 1945. Essas mudanças sensíveis e em tão pouco tempo são a característica mais marcante do século XX. O historiador inglês Eric Hobsbawm o chamou de "breve século", porque seus movimentos decisivos, que até hoje interferem, no modo de organização de nossas experiências políticas e sociais se centralizam nas quase exatas sete décadas que vão de 1914 a 1991. Exibição do vídeo: https://www.youtube.com/watch? time_continue=126&v=f18W_ITQGa8&feature=emb_logo Como funciona uma bomba nuclear e por que causa tanta destruição? BBC NEWS BRASIL/YOUTUBE Pensem nas crianças Mudas telepáticas Pensem nas meninas Cegas inexatas Pensem nas mulheres Rotas alteradas Pensem nas feridas Como rosas cálidas Mas oh, não se esqueçam Da rosa, da rosa Da rosa de Hiroshima A rosa hereditária A rosa radioativa Estúpida e inválida A rosa com cirrose A antirrosa atômica Sem cor sem perfume Sem rosa sem nada. (Vinícius de Moraes. Rio de Janeiro, 1954) O início do poema mostra os efeitos da radioatividade nas vítimas civis que foram atingidas. As crianças, alheias ao conflito de duas grandes nações, tornaram-se nos versos de Vinicius de Moraes mudas telepáticas. As meninas cegas inexatas parecem fazer menção às consequências da radioatividade nas gerações futuras. Os versos a seguir tratam das migrações feitas após a queda da bomba. As cidades atingidas, ambientalmente e economicamente devastadas, precisaram ser evacuadas devido ao alto risco de contaminação. Os versos a seguir tratam das migrações feitas após a queda da bomba. As cidades atingidas, ambientalmente e economicamente devastadas, precisaram ser evacuadas devido ao alto risco de contaminação. A bomba é comparada com uma rosa porque quando explodiu, resultou na semelhante imagem de uma rosa a desabrochar. Uma rosa normalmente está relacionada com a beleza, no entanto, a rosa de Hiroshima remete para as horríveis consequências deixadas pela guerra. Logo a seguir vemos a imagem da rosa se contrapor com o rastro que é deixado pela bomba. "A rosa hereditária / A rosa radioativa" exibem o contraste entre a flor, o auge de um vegetal crescido em um ambiente saudável, e a destruição causada pelo homem. O poema de Vinicius de Moraes fala das gerações afetadas pela guerra e pelo rastro de sofrimento e desespero deixado nas gerações posteriores. "A rosa com cirrose" faz referência à doença, ao fumo, uma antirrosa sem qualquer beleza, "sem cor sem perfume". O poema tenta dar imagem a uma transformação nunca vista no mundo: a capacidade do homem de conhecer e descobrir coisas o levou a cometer atrocidades. O terror da Guerra foi calado pelo horror da bomba. O poeta Vinicius de Moraes, no entanto, não aceita o cálculo da bomba nuclear: nada se pôde tirar daquele raciocínio mortífero da bomba, afinal, "A rosa hereditária / A rosa radioativa / Estúpida e inválida" não vitimou só combatentes, mas deixou marcadas muitas gerações que viriam e que ainda hoje vivem sob o medo de desenvolverem novas mutações. Imagem da bomba atômica, que serve como tema para a composição de Vinicius de Moraes. Imagem da bomba atômica, que serve como tema para a composição de Vinicius de Moraes. A marca do fim da Segunda Guerra Mundial não foi a libertação de homens e mulheres, crianças e adultos, mas a abertura para uma expectativa não muito clara, sem contornos sobre os limites das violências que poderiam aparecer depois.Como nos declamaria o poeta, a vitória – muitas vezes premiada com uma flor – recebeu de presente a "antirrosa atômica / Sem cor sem perfume / Sem rosa sem nada." O emprego das armas nucleares tornou-se necessário – segundo as fontes oficiais norte-americanas – pois visava interromper a guerra e salvar a vida de centenas de milhares de soldados. Estudos recentes desmentem essa tese e revelam que a destruição tinha por objetivo impressionar os soviéticos, impedindo o avanço de suas tropas e marcando, na realidade, o início da Guerra Fria. (MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. Revista scientiæ studia, São Paulo, v. 3, n. 4, p. 683, 2005) Da fervente bomba ao frio da guerra ideológica. A citação do professor e astrônomo brasileiro Ronaldo Mourão (1935-2014), que rompe com o discurso oficial estadunidense à época, traz à tona uma questão que durante 46 anos marcou o cenário mundial: a Guerra Fria. Desde a Revolução de 1917 na Rússia e seu desenvolvimento econômico, militar e social em torno do princípio socialista, o país assumiu uma posição de destaque por sua relevância no cenário global. Sendo um dos responsáveis centrais pela derrota do eixo nazi-fascista no fim da Segunda Guerra Mundial, com o seu futuro adversário, os EUA. Tal mudança de posição: da aliança à oposição, deu-se pela possibilidade de se aprofundar as zonas de influências depois do término de uma guerra como a de 1939- 1945. Ora, se há como influir nas decisões e reações de países durante períodos de exceção como são os períodos de Guerra, porque não pensar essa influência em tempos de paz? Como você pode ler abaixo, esse é um consenso histórico, o segredo é entendê-lo bem. [O historiador] Daniel Yergin, em uma obra considerada clássica, assevera que, em 1945, o mundo havia sido remodelado pela morte, pela destruição e pela convulsão social. A Alemanha e o Japão estavam vencidos e ocupados, e os velhos impérios europeus encontravam-se à beira da desintegração. Para o autor, o antigo sistema internacional baseado na balança de poder havia ruído, restando apenas duas nações dominantes, os Estados Unidos e a União Soviética. (Apud. MUNHOZ, Sidney J. Guerra Fria: História e Historiografia. Curitiba, Appris Editora, 2020, p. 4) Mesmo diante de novos desafios como as mudanças climáticas e as desigualdades sociais que se impõem diante da humanidade, em alguns filmes de ação menos sofisticados ou contos de ficção ainda persisteum certo receio em relação a bombas nucleares. Ainda que hoje ele seja mais difícil, pensar a partir dos dados de 2018 sobre a quantidade de bombas nucleares em posse de países em quase todos os continentes é um choque e tanto. Em relatório do Instituto de Pesquisa de Estocolmo para a Paz Internacional (em inglês, Stockholm International Peace Research Institute; com a sigla SIPRI), temos o registro de nove países que juntos somam quase 15 mil armas nucleares, sendo EUA e Rússia os maiores detentores desse armamento, com cerca de 6.500 cada um. O próprio SIPRI é um instituto que tenta cada vez mais viabilizar o desarmamento, porque se há armas disponíveis, o que garantiria de uma vez por todas que elas não fossem usadas? Como ter um inimigo em tempos de bombas atômicas? Mesmo diante de novos desafios como as mudanças climáticas e as desigualdades sociais que se impõem diante da humanidade, em alguns filmes de ação menos sofisticados ou contos de ficção ainda persiste um certo receio em relação a bombas nucleares. Ainda que hoje ele seja mais difícil, pensar a partir dos dados de 2018 sobre a quantidade de bombas nucleares em posse de países em quase todos os continentes é um choque e tanto. Em relatório do Instituto de Pesquisa de Estocolmo para a Paz Internacional (em inglês, Stockholm International Peace Research Institute; com a sigla SIPRI), temos o registro de nove países que juntos somam quase 15 mil armas nucleares, sendo EUA e Rússia os maiores detentores desse armamento, com cerca de 6.500 cada um. O próprio SIPRI é um instituto que tenta cada vez mais viabilizar o desarmamento, porque se há armas disponíveis, o que garantiria de uma vez por todas que elas não fossem usadas? Como ter um inimigo em tempos de bombas atômicas? Se isso se verifica, mesmo que de forma remota nos dias de hoje, como deveria ser o cenário em pleno embate entre nações, depois de uma experiência catastrófica no Japão como Hiroshima e Nagasaki? Como ter um inimigo em tempos de bombas atômicas? Você pode acompanhar uma pequena síntese dos eventos mais comumente conhecidos sobre a Guerra Fria, desde as estratégias de influência cultural até os embates entre espionagens na corrida armamentista desse período histórico em que a paz era impossível e a guerra impossível, como a caracterizou o sociólogo francês Raymond Aron (1905-1983) – inclusive, ele também foi o criador do termo "Guerra Fria". Indicação de vídeo https://www.youtube.com/watch?v=qlg99VT8aqw A importância do século XX é também gigante quando falamos da experiência histórica. A expressão do historiador Eric Hobsbawm de que o século XX foi um "breve século" provoca em um estranhamento: afinal, como um século pode ser breve ou longo se ele sempre terá 100 anos? Deste estranhamento, Hobsbawm consegue nos dar dimensão de como esse século se diferencia dos demais, mesmo que tenha sido também influenciado por todos os eventos que o precederam, o século XX nos faz experimentar mudanças históricas de maneira mais sensível e generalizada. Pense um pouco sobre isso com um exemplo: você imagina sua vida sem a internet ou acesso à energia elétrica? Você imagina viver em um mundo que não possua transportes rápidos? Essas mudanças, embora recentes, transformaram os modos de vida de grande parte da população. Tal como esses exemplos, o historiador precisa refletir sobre as interferências que o século XX produziu e ainda produz hoje em dia. “A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal às das gerações passadas – é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Por isso os historiadores, cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem, tornam-se mais importantes do que nunca no fim do segundo milênio.” (HOBSBAWM, E. A Era dos extremos. O breve século XX. 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p.13) Supor que o passado, só porque já passou, não interfere em nosso dia a dia é uma ingenuidade que não se pode cometer. Tanto as violências que foram testemunhadas no século XX (e as tantas outras que vivemos hoje) quanto a diminuição dessas violências, só porque aconteceram há menos de 100 anos, são atitudes que fragilizam a humanidade para enfrentar os seus novos desafios. Se as violências em si produziram morte e dor de tantas pessoas, a nossa irresponsabilidade, nós que vivemos os dias contemporâneos, de não repetir e reparar essas mesmas violências se torna ainda mais extravagante e terrível. O papel da História, como bem escreveu o Eric Hobsbawm, não é encadear os fatos como se fossem causas e efeitos um seguidos dos outros, mas entender que existem perigos que podem ressurgir, que existem injustiças que mudaram somente em aparências e direitos que ainda não foram totalmente garantidos, mesmo depois de declarados. Presente sem passado só pode produzir um futuro simplista e desigual. Supor que o passado, só porque já passou, não interfere em nosso dia a dia é uma ingenuidade que não se pode cometer. Tanto as violências que foram testemunhadas no século XX (e as tantas outras que vivemos hoje) quanto a diminuição dessas violências, só porque aconteceram há menos de 100 anos, são atitudes que fragilizam a humanidade para enfrentar os seus novos desafios. Se as violências em si produziram morte e dor de tantas pessoas, a nossa irresponsabilidade, nós que vivemos os dias contemporâneos, de não repetir e reparar essas mesmas violências se torna ainda mais extravagante e terrível. O papel da História, como bem escreveu o Eric Hobsbawm, não é encadear os fatos como se fossem causas e efeitos um seguidos dos outros, mas entender que existem perigos que podem ressurgir, que existem injustiças que mudaram somente em aparências e direitos que ainda não foram totalmente garantidos, mesmo depois de declarados. O confronto e as influências da Guerra Fria O confronto e as influências da Guerra Fria As charges são recursos interessantíssimos para que possamos iniciar uma discussão: as imagens podem escancarar as questões para que nós entendamos seus alcances. Nessa charge, você pode encontrar dois "jogadores" muito importantes para a Guerra Fria, que se iniciou ainda no último ano da Segunda Grande Guerra, 1945. De óculos e à esquerda da imagem está o presidente dos Estados Unidos, Harry S. Truman, que esteve no cargo de 1945 até 1953; do outro lado está o líder da União Soviética (ou da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a URSS), Josef Stáli, que esteve no cargo de 1922 até 1953. Eles correm atrás de uma bola diferente: o globo terrestre. Aquele que conseguir dominá-la, será o vencedor. O conflito entre essas nações ocorria já em meio às guerras, mas só vai ter a sua conformação depois delas. [O] sistema internacional pré-guerra desmoronara, deixando os EUA diante de uma URSS enormemente fortalecida em amplos trechos da Europa e em outros espaços ainda maiores do mundo não europeu, cujo futuro político parecia bastante incerto – a não ser pelo fato de que qualquer coisa que acontecesse nesse mundo explosivo e instável tinha maior probabilidade de enfraquecer o capitalismo (...) e de fortalecer o poder que passava a existir pela e para a revolução. (HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos, p. 228) Os eventos econômicos, sociais e culturais das guerras deixaram aparentemente instáveis as convicções políticas e econômicas que estavam consolidadas desde a Revolução Industrial: o capitalismo e sua forma de produzir se complicam com a Crise econômica de 1929 e a sua quebra financeira, desemprego e fome em índices gigantescos colocaram esse modo de organização em contraste com o outro, o comunista. Os choques e as contradições desse embate entre capitalismo e comunismo não puderam chegar ao mais bem-acabado confronto por ocasião da Segunda Guerraque reorientou os esforços contra o nazifascismo europeu e a sua franca expansão a ser derrotada. A charge, que abriu nosso texto acima, é boa porque expressa uma preocupação internacional depois das experiências das duas guerras mundiais: após acabado o conflito de guerra entre os blocos de países, o que fazer durante essa tal nova "paz" adquirida? Superado o inimigo comum foi necessário enfrentar o adversário de sempre. Guerra não é só feita por disparos de armas Guerra não é só feita por disparos de armas A maioria dos seres humanos atua como os historiadores: só em retrospecto reconhece a natureza de sua experiência. Durante os anos 50, sobretudo nos países “desenvolvidos” cada vez mais prósperos, muita gente sabia que os tempos tinham de fato melhorado, especialmente se suas lembranças alcançavam os anos anteriores à Segunda Guerra Mundial. Um primeiro-ministro conservador britânico disputou e venceu uma eleição geral em 1959 com o slogan “Você nunca esteve tão bem”, uma afirmação sem dúvida correta. (HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos, p. 253) O cenário de aparente melhora, de desenvolvimento e retomada da vida produtiva no mundo pode nos dar a impressão de que, de fato, a guerra havia terminado. Aquela guerra, sim. O que não podemos é simplesmente confundir prosperidade com paz. Se as dinâmicas do jogo mudam, precisam surgir novas ferramentas que garantam sucesso de um ou de outro país. Imagine: como não mudar as dinâmicas do jogo? Depois das duas explosões de bombas em Nagasaki e Hiroshima, a devastação naqueles territórios japoneses, não era mais possível imaginar uma guerra em que se trocassem ataques tão violentos como aqueles. O poder nuclear mudou o foco do disparo potente da arma para a exposição do poder possível da arma. "Embora o aspecto mais óbvio da Guerra Fria fosse o confronto militar e a cada vez mais frenética corrida armamentista no Ocidente, não foi esse o seu grande impacto. As armas nucleares não foram usadas. As potências nucleares se envolveram em três grandes guerras (mas não umas contra as outras)." (HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos, p. 238) Entende-se, portanto, o que o adjetivo "fria" da guerra: a guerra deverá ser travada muito mais pelo discurso e zonas de influências do que de fato pelo confronto direto. É necessário, porém, deixar claro que o tal adjetivo só se reservará nos territórios das grandes potências, enquanto em outros países periféricos as temperaturas militares "subirão". "Abalados pela vitória comunista na China, os EUA e seus aliados (disfarçados como Nações Unidas) intervieram na Coreia em 1950 para impedir que o regime comunista do Norte daquele país se estendesse ao Sul. O resultado foi um empate. Fizeram o mesmo, com o mesmo objetivo, no Vietnã, e perderam. A URSS retirou-se do Afeganistão em 1988, após oito anos nos quais forneceu ajuda militar ao governo para combater guerrilhas apoiadas pelos americanos e abastecidas pelo Paquistão. Em suma, o material caro e de alta tecnologia da competição das superpotências revelou-se pouco decisivo." (HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos, p. 239) A Guerra Fria reorientou a própria essência do conflito de guerra com que se está habituado a assistir nos grandes filmes: o heroísmo não possui mais a relevância que tinha, até mesmo pensar nesse heroísmo configura uma ingenuidade. Nem mesmo para a tradição ele tem efeito mais, porque o modo de agir entre os inimigos políticos não pode mais apostar na habilidade pura e simples do seu exército, mas significa enfraquecer as bases e zonas de influência que esse inimigo tem. Estratégias políticas e econômicas enquadram todas as estratégias de guerra: da ocupação militar em países aliados dos inimigos até mesmo à ostentação de um novo aparato tecnológico a ser veiculado na televisão, passando por filmes e propagandas contra os modos de vida desses mesmos inimigos. A nova guerra recriou o conflito internacional sem chance de volta. Percebamos que as mesmas estratégias dos quase 50 anos de Guerra Fria ainda surtem efeito nos conflitos internacionais de hoje em dia. As veias abertas pela Guerra Fria As veias abertas pela Guerra Fria Estratégias políticas e econômicas enquadram todas as estratégias de guerra: da ocupação militar em países aliados dos inimigos até mesmo à ostentação de um novo aparato tecnológico a ser veiculado na televisão, passando por filmes e propagandas contra os modos de vida desses mesmos inimigos. A nova guerra recriou o conflito internacional sem chance de volta. Percebamos que as mesmas estratégias dos quase 50 anos de Guerra Fria ainda surtem efeito nos conflitos internacionais de hoje em dia. https://atlas.fgv.br/marcos/revoluc ao-de-1964/mapas/ditaduras- militares-na-america-latina-dos- anos-1960-70 A partir do mapa disponibilizado, faça algumas reflexões: Qual a primeira evidência que você consegue retirar da observação dele? Quais pontos comuns conseguem organizar os eventos que esse mapa está representando? Convite para análise: repare que o recorte do mapa está na América Latina; repare também no período histórico que ele está apresentando, mostra-se as décadas de 1960 a de 1980. Esses dois pontos já podem nos dar a noção de como a Guerra Fria entre os blocos comunista e capitalista começou a emplacar seus efeitos nada gélidos nos territórios que não são dos líderes de cada bloco - EUA (bloco capitalista) e URSS (bloco comunista). “Pois a guerra não consiste apenas na batalha, ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida. ” (HOBBES, Thomas. Leviatã. Editora Abril: Os Pensadores, 1983, p. 75) A frase do filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679) pode ajudar na compreensão deste momento histórico, mesmo estando tão distante do que foi a Guerra Fria e das especificidades que encontramos nesse período histórico. A filosofia política de Hobbes compreende que a guerra não é o domínio do confronto direto, mas da consciência de que o tal confronto pode surgir e desenrolar eventos que eram conhecidos suficientemente em potência pelos envolvidos. Tal coisa se verifica no mundo pós-1945, porque ainda durante a Segunda Guerra, tais desdobramentos históricos, culturais, militares e econômicos que se verificaram nas décadas já podiam ser esperados. Essa "vontade de travar batalha", portanto, estaria adormecida por conta da expansão nazifascista no globo, mas faria – assim que interrompida expansão – orbitar os centros dos dois polos de forças, o capitalismo estadunidense e o socialista soviético. Mas como se comportaram essas "vontades de travar batalha"? Fotos de desaparecidos e mortos pela ditadura latinoamericana. JOSÉ CARVALLIDO/SHUTTERSTOCK Manifestação argentina pela memória contra a ditadura BEATRICE MURCH/FLICKR/CC BY 2.0 Manifestação brasileira pela memória contra a ditadura FELIPE MANOROV GOMES/SHUTTERSTOCK Essas imagens mostram manifestações de repúdio contra a Ditadura Militar de seus respectivos países: Uruguai, Argentina, Chile e Brasil, respectivamente. Todas ditaduras que foram interrompidas na década de 1980. Mas se acabaram, por que seguem acontecendo manifestações como essas ainda hoje? "A memória, como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas. (...) O estudo da memória social é um dos meios fundamentais de abordar os problemas do tempo e da história, relativamente aos quais a memória está ora em retraimento, ora em transbordamento." (LEGOFF, Jacques. História e Memória. Edunicamp, 1990, p. 423 e 426) A relação entre memória cotidiana e a memória histórica não é a identificação de uma com a outra, mas também não é sua completa separação. Quando acontecem manifestações contemporâneas de resistência contra a ditadura, se está diante de uma experiência da memória histórica que concretizareceios profundos: a volta desse regime violento e violador. Quando essa memória histórica transborda para nossos dias, mesmo que sem se materializar no cotidiano, temos aí uma confluência entre os tipos de memórias tratadas: a cotidiana se insere na preocupação da memória histórica porque enxerga os perigos de ela se repetir e retroceder ao ponto de opressões já vividas. Colocar-se, portanto, a serviço dessa memória que se preocupa e se ocupa em resistir contra a volta de experiências como as das ditaduras é o fundamento de todo conhecimento histórico. Afinal, se existem as Ciência Humanas é para a libertação de todos os controles autoritários. "A memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens." (LEGOFF, Jacques. História e Memória. Edunicamp, 1990, p. 477) "A memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens." (LEGOFF, Jacques. História e Memória. Edunicamp, 1990, p. 477) Quais veias sangram, afinal? Sobre as ditaduras latino-americanas. Quais veias sangram, afinal? Sobre as ditaduras latino-americanas. MÚSICA CÁLICE Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice De vinho tinto de sangue Como beber dessa bebida amarga? Tragar a dor, engolir a labuta? Mesmo calada a boca, resta o peito Silêncio na cidade não se escuta De que me vale ser filho da santa? Melhor seria ser filho da outra Outra realidade menos morta Tanta mentira, tanta força bruta Como é difícil acordar calado Se na calada da noite eu me dano Quero lançar um grito desumano Que é uma maneira de ser escutado Esse silêncio todo me atordoa Atordoado eu permaneço atento Na arquibancada pra a qualquer momento Ver emergir o monstro da lagoa MÚSICA CÁLICE De muito gorda a porca já não anda De muito usada a faca já não corta Como é difícil, pai, abrir a porta Essa palavra presa na garganta Esse pileque homérico no mundo De que adianta ter boa vontade? Mesmo calado o peito, resta a cuca Dos bêbados do centro da cidade Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice De vinho tinto de sangue Talvez o mundo não seja pequeno Nem seja a vida um fato consumado Quero inventar o meu próprio pecado Quero morrer do meu próprio veneno Quero perder de vez tua cabeça Minha cabeça perder teu juízo Quero cheirar fumaça de óleo diesel Me embriagar até que alguém me esqueça Mas o que isto tem a dizer sobre a dicotomia do mundo em Guerra Fria? O modo cifrado e enigmático da música nos aponta os sinais de uma violência que fazia desaparecer e assassinava pessoas. https://www.youtube.com/watch?v=wImBk5PO9GQ&t=216s - Visualizar vídeo: A anatomia da violência e da interferência da Guerra Fria “Pois a guerra não consiste apenas na batalha, ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida. ” (HOBBES, Thomas. Leviatã. Os Pensadores, 1983, p. 75) Retomar essa citação ao lado da animação disponibilizada acima é um experimento crítico interessante: se o conflito foi encenado pelos palitos de fósforo de modo evidente e direto isso não significa que a batalha entre os blocos tenha assim ocorrido. É justamente, aliás, porque esses confrontos não se realizam tal como estão sendo representados que fica claro o sentido da frase de Thomas Hobbes. Podemos interpretar a animação como uma crítica à guerra e aos ataques militares, já que todos se tornaram vítimas. Mas mesmo assim, o tratamento deste assunto em plena Guerra Fria demonstra que o seu tempo é o da véspera de um choque que pode ocorrer e se vier não será uma grande surpresa. Retomar essa citação ao lado da animação disponibilizada acima é um experimento crítico interessante: se o conflito foi encenado pelos palitos de fósforo de modo evidente e direto isso não significa que a batalha entre os blocos tenha assim ocorrido. É justamente, aliás, porque esses confrontos não se realizam tal como estão sendo representados que fica claro o sentido da frase de Thomas Hobbes. Podemos interpretar a animação como uma crítica à guerra e aos ataques militares, já que todos se tornaram vítimas. Mas mesmo assim, o tratamento deste assunto em plena Guerra Fria demonstra que o seu tempo é o da véspera de um choque que pode ocorrer e se vier não será uma grande surpresa.
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