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ESPORTES COLETIVOS: FUTSAL E FUTEBOL PROFESSORES Dr. Osmar Moreira de Souza Júnior Me. Bruno Martins Ferreira ESPORTES COLETIVOS: FUTSAL E FUTEBOL 2 DIREÇÃO UNICESUMAR Reitor Wilson de Matos Silva, Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho, Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho, Pró-Reitor de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva, Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi. NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Direção Executiva de Ensino Janes Fidélis Tomelin, Diretoria Operacional de Ensino Kátia Coelho, Direção de Operações Chrystiano Mincoff, Direção de Polos Próprios James Prestes, Direção de Desenvolvimento Dayane Almeida, Direção de Relacionamento Alessandra Baron, Head de Produção de Conteúdos Celso L. Filho, Gerência de Produção de Conteúdo Diogo R. Garcia, Gerência de pro- jetos especiais Daniel F. Hey, Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila de Almeida Toledo, Coordenador(a) de Contéudo Mara Cecilia Rafael Lopes, Projeto Gráfico José Jhonny Coelho, Editoração Humberto Garcia da Silva, Designer Educacional Barbara Neves, Qualidade Textual Hellyery Agda, Revisão Textual Cíntia Prezoto Ferreira , Ilustração Marcelo Goto, Fotos Shutterstock. C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; SOUZA JÚNIOR, Osmar Moreira de; FERREIRA, Bruno Martins. Esportes Coletivos: Futsal e Futebol. Osmar Moreira de Souza Júnior; Bruno Martins Ferreira. Maringá - PR.:UniCesumar, 2018. 228 p. “Graduação em Educação Física - EaD”. 1. Futebol. 2. Futsal. 3. EaD. I. Título. ISBN 978-85-459-1144-9 CDD - 22ª Ed. 701.1 CIP - NBR 12899 - AACR/2 NEAD Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 Jd. Aclimação - Cep 87050-900 Maringá - Paraná www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 Impresso por: Wilson Matos da Silva Reitor da Unicesumar Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos com princípios éticos e profissionalismo, não somente para oferecer uma educação de qualidade, mas, acima de tudo, para gerar uma conversão integral das pessoas ao conhecimento. Baseamo- nos em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e espiritual. Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil: nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba, Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais de 500 mil exemplares por ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos educacionais do Brasil. A rapidez do mundo moderno exige dos educadores soluções inteligentes para as necessidades de todos. Para continuar relevante, a instituição de educação precisa ter pelo menos três virtudes: inovação, coragem e compromisso com a qualidade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, metodologias ativas, as quais visam reunir o melhor do ensino presencial e a distância. Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. Vamos juntos! boas-vindas Prezado(a) Acadêmico(a), bem-vindo(a) à Comunidade do Conhecimento. Essa é a característica principal pela qual a Unicesumar tem sido conhecida pelos nossos alunos, professores e pela nossa sociedade. Porém, é importante destacar aqui que não estamos falando mais daquele conhecimento estático, repetitivo, local e elitizado, mas de um conhecimento dinâmico, renovável em minutos, atemporal, global, democratizado, transformado pelas tecnologias digitais e virtuais. De fato, as tecnologias de informação e comunicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, lugares, informações, da educação por meio da conectividade via internet, do acesso wireless em diferentes lugares e da mobilidade dos celulares. As redes sociais, os sites, blogs e os tablets aceleraram a informação e a produção do conhecimento, que não reconhece mais fuso horário e atravessa oceanos em segundos. A apropriação dessa nova forma de conhecer transformou-se hoje em um dos principais fatores de agregação de valor, de superação das desigualdades, propagação de trabalho qualificado e de bem-estar. Logo, como agente social, convido você a saber cada vez mais, a conhecer, entender, selecionar e usar a tecnologia que temos e que está disponível. Da mesma forma que a imprensa de Gutenberg modificou toda uma cultura e forma de conhecer, as tecnologias atuais e suas novas ferramentas, equipamentos e aplicações estão mudando a nossa cultura e transformando a todos nós. Então, priorizar o conhecimento hoje, por meio da Educação a Distância (EAD), significa possibilitar o contato com ambientes cativantes, ricos em informações e interatividade. É um processo desafiador, que ao mesmo tempo abrirá as portas para melhores oportunidades. Como já disse Sócrates, “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida”. É isso que a EAD da Unicesumar se propõe a fazer. Willian V. K. de Matos Silva Pró-Reitor da Unicesumar EaD Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, contribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desenvolvendo competências e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de crescimento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das discussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória acadêmica. boas-vindas Janes Fidélis Tomelin Diretoria Executiva de Ensino Kátia Solange Coelho Diretoria Operacional de Ensino 6 autores Professor Doutor Osmar Moreira de Souza Júnior Doutor em Educação Física pela FEF-Unicamp, em 2013 (título da tese: Futebol como projeto profis- sional de mulheres: interpretação da busca pela legitimidade); Mestre em Ciências da Motricidade pela Unesp, em 2003 (título da dissertação: Co-educação, futebol e Educação Física escolar); Gra- duado em Licenciatura em Educação Física pela Unesp-Rio Claro, em 1992. Professor Adjunto no Departamento de Educação Física e Motricidade Humana (DEFMH) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Co-autor do livro Para ensinar Educação Física: possibilidades de intervenção na escola. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas dos Aspectos Pedagógicose Sociais do Futebol (ProFut-U- FSCar); membro do Grupo de Estudos e Pesquisas de Futebol (GEF-Unicamp) e do Laboratório de Estudos e Trabalhos Pedagógicos em Educação Física (LETPEF-Unesp de Rio Claro). Experiência na área de Educação Física escolar, tendo atuado como professor e coordenador de Educação Física no Ensino Fundamental e Médio de 1997 a 2008. Link para o currículo lattes: <http://lattes.cnpq.br/9176123942671062>. Professor Mestre Bruno Martins Ferreira Graduado em Educação Física pela UFSCar e Universitat de València (UV - Espanha). Mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), na linha de Práticas Sociais e Processos Educativos. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas dos Aspectos Pedagógicos e Sociais do Fu- tebol (ProFut). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Processos Educativos de Crianças. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Física Infantil. Premiado por pesquisas sobre futebol em Congressos Acadêmicos: II Congreso Mundial de Entrenadores de Fútbol - Se- vilha, Espanha; Congresso Internacional de Pedagogia do Esporte (CONIPE) - Campinas, Brasil; V Congresso Estadual de Educação Física Escolar/II Congresso Nacional de Educação Física Escolar; X Congresso Internacional de Educação Física e Motricidade Humana (CIEFMH)/ XVI Simpósio Paulista de Educação Física. Experiência nas áreas de Educação Física Escolar e da Pedagogia do Futebol, tendo atuado em clubes do Brasil e Espanha de 2013 até os dias atuais. Link para currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/0398347132356776>. apresentação Esportes Coletivos: Futsal e Futebol Prezado(a) aluno(a), convidamos você para uma viagem pelas trilhas do fantástico universo do futebol e do futsal. Neste livro, você aprenderá que o futebol e o futsal são muito mais que um jogo com 22 ou 10 pessoas correndo atrás de uma bola. Parafraseando o título do saboroso livro de José Miguel Wisnik, “Veneno remédio: o futebol e o Brasil”, é possível admitir que o futebol está presente em nosso dia a dia para o bem e para o mal, quer você queira ou não dar atenção a ele. É justamente por este motivo que o futebol tem um apelo todo peculiar, que não pode deixar de ser tratado pedagogicamente no campo da educação, afinal de contas, como bem falou Franklin Foer no título de seu livro Como o futebol explica o mundo, o futebol pode se constituir em um poderoso fenômeno que nos ajuda a melhor compreender o mundo em que vivemos. Para isso, no entanto, não devemos nos restringir a ensinar nossos(as) alu- nos(as) a simplesmente jogar futebol. Pensar uma pedagogia para o ensino do futebol requer pensar em mecanismos que permitam que os(as) aprendizes se apropriem desse esporte tanto do ponto de vista do praticante como do consumidor e do espectador. Isto é, além de aprender a jogar, é preciso aprender a conhecer o futebol por dentro e por fora. Você já deve estar se perguntando onde fica o futsal nessa história toda, visto que a modalidade também dá nome a esta disciplina. No decorrer dos capítulos do livro, essa escolha deverá ficar mais clara. Por ora, é importante adiantar apenas que reconhecemos o futebol como um fenômeno maior, que de alguma maneira, enquanto linguagem, abriga em seu âmbito outras modalidades, como o futsal. Tal compreensão não pretende diminuir o espaço do futsal ou indicar que este não possui uma identidade própria. Na verdade, o futsal é uma modalidade distinta do futebol, com suas regras e identidade próprias, contudo, do ponto de vista do ensino, em especial na iniciação, assumimos que não seja necessário fazer grandes distinções entre as duas modalidades. Este material está dividido em cinco unidades: Unidade I - “Sociogênese do futebol ao futsal”: aborda o processo de espor- tivização das práticas corporais até a consolidação do esporte moderno, com destaque para o futebol nesse processo, e a forma como o futebol de salão, que posteriormente dá origem ao futsal, encontra-se neste processo. Unidade II - “Futebol como objeto de estudo”: desvendando as lógicas interna e externa”: caracteriza o futebol como conhecimento dotado de expressivo poten- cial educacional e conceitua e discute as possibilidades de tratamento didático do futebol a partir de suas lógicas interna e externa. Unidade III - “O ensino do futebol para aprender a jogar: ênfase na lógica interna”: discute o ensino do futebol na perspectiva do ensinar a jogar, ou seja, a partir de sua lógica interna, dando relevo à natureza tática do jogo como eixo orientador do processo de ensino e aprendizagem. Unidade IV - “O ensino do futebol para aprender a apreciar e consumir”: dis- cute o ensino do futebol na perspectiva da lógica externa, colocando em relevo os aspectos sociais, culturais, históricos, políticos etc., que atravessam a modalidade. Unidade V - “Um outro futebol é possível”: aborda alternativas à monocultura do futebol espetáculo gerido pelo sistema FIFA/afiliadas, apresentando propostas como o futebol praticado por mulheres, o fútbol callejero e o futebol com classi- ficação funcional. Este livro tem por objetivo contribuir para a formação de professores e pro- fissionais de Educação Física comprometidos com um ensino do futebol que não seja centrado nos aspectos técnicos da modalidade, e sim no sujeito que aprende, assumindo a metodologia proposto por João Batista Freire que, em seu livro Peda- gogia do futebol, reivindica que ensinemos o futebol a partir de quatro princípios pedagógicos: ensinar futebol a todos(as), ensinar bem futebol a todos(as), ensinar mais do que futebol a todos(as) e ensinar a gostar do esporte. Caro(a) aluno(a), como última mensagem desta breve apresentação, lembramos o grande educador Rubem Alves que afirma que o professor e a escola em geral dão a faca e o queijo para os alunos aprenderem, mas muitas vezes se esquecem que é preciso despertar a fome nestes alunos. Esperamos que você saboreie este livro com esta fome e no futuro saiba despertar a fome do conhecimento em seus alunos e suas alunas. Abraços fraternos e um bom curso! Prof. Dr. Osmar Moreira de Souza Júnior Prof. Me. Bruno Martins Ferreira sumário UNIDADE I SOCIOGÊNESE DO FUTEBOL AO FUTSAL 14 Sociogênese do Futebol 20 Esporte e Futebol como Reservas Historica- mente Masculinas 28 Do Futebol ao Futsal 36 Reinventando a História do Futebol 40 Considerações finais 47 Referências 50 Gabarito UNIDADE II FUTEBOL COMO OBJETO DE ESTUDO: DESVENDANDO AS LÓGICAS INTERNA E EXTERNA 56 A Importância de se Estudar o Futebol 60 Princípios Pedagógicos no Ensino do Futebol 64 Futebol, Educação Física e Proposta de Ensino 68 Praxiologia Motriz: Lógica Interna, Lógica Externa 71 Considerações finais 77 Referências 79 Gabarito UNIDADE III O ENSINO DO FUTEBOL PARA APRENDER A JOGAR: ÊNFASE NA LÓGICA INTERNA 84 Lógica Interna no Futebol: Foco nas Tomadas de Decisão E Ações no Jogo 88 Os Aspectos Tático-Técnicos: Motivações e Apresentação dos Princípios Operacionais em Diálogo com os Indicadores de Jogo na Lógica Interna 94 Aprender a Jogar Pelo Jogo: Atividades Pensa- das a Partir da Relação com a Bola 104 Aprender a Jogar Pelo Jogo: Atividades Pensa- das a Partir da Relação com a Estruturação do Espaço 114 Aprender a Jogar Pelo Jogo: Atividades Pensadas a Partir da Relação com a Comuni- cação na Ação 124 Considerações finais 130 Referências 132 Gabarito UNIDADE IV O ENSINO DO FUTEBOL PARA APRENDER A APRECIAR E CONSUMIR: ÊNFASE NA LÓGICA EXTERNA 138 Lógica Externa no Futebol: como o Futebol Explica o Mundo 140 O Dom de Jogar Bola: Mitos e Verdades 148 Futebol e Política 164 Futebol e Gênero 172 O Futebol Espetacularizado: Mídia, Torcidas, Violência 183 Considerações finais 191 Referências 194 Gabarito UNIDADE V UM OUTRO FUTEBOL É POSSÍVEL 200 Futebóis para Pessoas com Deficiências 206 Futebol de Botão 212 Fútbol Callejero 218 Considerações finais 225 Referências 227 Gabarito 228 Conclusão Geral Professor Dr. Osmar Moreira de Souza JúniorProfessor Me. Bruno Martins Ferreira Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • Sociogênese do futebol • Esporte e futebol como reservas historicamente masculinas • Do futebol ao futsal • Reinventando a história do futebol Objetivos de Aprendizagem • Entender o processo de consolidação do futebol como esporte. • Identificar e criticar a construção generificada do campo esportivo e do futebol em especial. • Reconhecer o futsal como modalidade esportiva autônoma, mas derivada do futebol. • Refletir sobre estratégias didáticas para o ensino dos processos históricos do futebol. SOCIOGÊNESE DO FUTEBOL AO FUTSAL I unidade INTRODUÇÃO O lá caro(a) aluno(a), seja bem-vindo(a) à primeira unidade da disciplina “Esportes coletivos: futsal e futebol”. Para iniciar- mos nossas reflexões sobre a temática sociogênese do futebol, propomos algumas questões iniciais. Quem inventou o fute- bol? Aliás, será que o futebol foi inventado por alguém? Nesta unidade, você irá compreender que o futebol não é uma prática que surgiu de alguma invenção pessoal de algum ser humano, mas sim fruto de um processo de amadurecimento de uma série de jogos com bola que, desde a antiguidade, influenciaram para a consolidação do fu- tebol da forma como o conhecemos hoje. Para tal fim, adotamos como categoria de análise o esporte moderno, que se diferencia das práticas corporais com motivações ritualísticas, re- ligiosas, bélicas etc., assumindo um sentido próprio. Compreender esse processo de construção social, que aqui chamaremos de sociogênese do futebol, é importante para o reconhecimento da conso- lidação da modalidade como patrimônio imaterial da humanidade, bem como para a identificação das causas e efeitos do processo de esportivização das práticas corporais - processo este, que não pode ser analisado de manei- ra descolada do processo civilizatório da humanidade de uma forma geral. A unidade discute o processo de esportivização do futebol, bem como a discriminação de gênero presente no campo esportivo e no futebol em especial, que faz com que as mulheres enfrentem uma série de barreiras para transitarem por esses campos. O surgimento do futebol de salão, que dá origem ao futsal, também merece destaque na unidade, evidenciando que embora tenha sua ori- gem intimamente vinculada ao futebol, o futsal se consolida como uma modalidade esportiva à parte. Por fim, o último tópico discute possibilidades didáticas para o ensino da história do futebol e apresenta uma estratégia nesse sentido, denominada “reinventando a história do futebol”. Bons estudos! ESPORTES COLETIVOS: FUTSAL E FUTEBOL 14 Estimado(a) aluno(a), partiremos da premissa de que o esporte moderno surgiu na Grã-Bretanha, en- tre os séculos XVIII e XIX. Partindo dessa perspecti- va, compreendemos que o futebol, enquanto esporte moderno, só pode existir graças a um conjunto de circunstâncias que estiveram presentes apenas na sociedade britânica da transição entre estes séculos. Isto é, qualquer outra tentativa de reivindicar a paternidade do futebol por outra nação, em outro Sociogênese do Futebol Fonte: Blog do Ale’Italia (2012, on-line)1. momento histórico, não passa de um mal-enten- dido que confunde esporte com práticas corporais pré-modernas. Falamos isso por concordar com Dunning (2003), quando o autor assegura que foi no contexto de uma sociedade cada vez mais pací- fica e submetida a formas mais eficazes de legisla- ção parlamentar, que começaram a surgir formas modernas e reconhecíveis de esporte baseadas em regras escritas. 15 EDUCAÇÃO FÍSICA procurando arremessar uma bola de borracha maciça – pesando cerca de três quilos – no campo adversário com o objetivo de fazê-la tocar o chão. Cada toque da bola no chão contava um ponto negativo para a equi- pe, sendo que esses débitos podiam ser anulados caso conseguisse-se introduzi-la em um dos dois aros de pedra fixados nos muros laterais do campo. Em sua origem, o tlachtli ocorria em um pátio que separava dois templos, consistindo em um rito cosmológico e, ao menos no princípio, suspeita-se que o capitão da equipe perdedora era sacrificado por decapitação. OS JOGOS ANTECESSORES DO FUTEBOL O historiador Hilário Franco Júnior (2007) dá início a seu livro A Dança dos Deuses: futebol, sociedade, cultura alertando para as problemáticas envolvendo as questões históricas a propósito de possíveis ori- gens longínquas do futebol. Segundo o autor, diz uma lenda que, na China, entre 2000 e 1500 a.C., guerreiros inventaram uma macabra diversão para relaxar logo após as sangrentas batalhas que tra- vavam: chutar o crânio de um inimigo com o ob- jetivo de fazê-lo ultrapassar uma meta simbolizada por duas estacas de bambu fincadas no chão. Dessa comemoração hedionda surgiu, no século III a.C. o tsu chu, um exercício para treinamento militar, que consistia também em colocar a cabeça – neste caso, simbolizada por uma bola de couro de cerca de 22 cm recheada com crina – em uma meta de varas de bambu. Além do treinamento militar, a disputa adquiria simbolismo cosmológico, sendo praticada por 12 jogadores representando os signos do zodía- co, o formato quadrilátero do campo representando o céu e a bola representando o sol. No século III, o jogo foi importado pelos japone- ses tendo seu nome traduzido para kemari, que tinha o mesmo significado: “chutar a bola”. Contudo, no Japão, o jogo perdeu seu caráter militar, adquirindo uma co- notação cerimonial, cuja dinâmica consistia em con- trolar a bola sem que ela tocasse o solo, circulando en- tre oito jogadores (FRANCO JÚNIOR, 2007). O tlachtli, jogado na América Central desde, aproximadamente, 900 a.C., é considerado outro pro- vável antepassado do futebol. De acordo com Fran- co Júnior (2007), esse jogo consistia em uma disputa na qual dois grupos, geralmente de sete jogadores, enfrentavam-se em um campo retangular (25 a 63 metros de comprimento por seis a doze de largura), O epyskiros surgiu na Grécia clássica a partir do sé- culo IV a.C. e o seu derivado, harpastum, na Roma antiga do século III a.C. Foram jogos que simula- vam batalhas. O harpastum destinava-se inicialmen- te a aprimorar as capacidades físicas e a inteligência tática dos soldados romanos. Uma hipótese muito difundida por alguns estudiosos do assunto é que o harpastum teria sido introduzido pelas tropas roma- nas nas ilhas britânicas, sendo um legítimo anteces- Figura 1 - Pintura com representação do jogo de tlachtli Fonte: Guerra Fria: Política e Futebol (2014, on-line)2. ESPORTES COLETIVOS: FUTSAL E FUTEBOL 16 sor do futebol moderno naquelas terras, porém, tal tese não tem documentação que confira a necessária credibilidade científica (FRANCO JÚNIOR, 2007). Na Florença renascentista do século XIV, prati- cava-se o calcio (nome que os italianos atribuem ao futebol ainda hoje), provavelmente um descendente do harpastum, que para muitos estudiosos pode ser considerado o primeiro jogo antecessor do futebol com uma codificação de regras mais rígidas e orga- nização tática sofisticada. Segundo Franco Júnior (2007), o calcio fioren- tino realizava-se no principal espaço público da ci- dade de Florença, a piazza Santa Croce. O jogo era disputado por duas equipes de 27 jogadores cada, uniformizados (um grupo verde e outro branco) e distribuídos de forma rígida pelo espaço de jogo (três primeiros defensores, quatro outros defenso- res, cinco intermediários e quinze atacantes). Para controlar as ações desses jogadores, criou-se a figura do árbitro, sendo que dez árbitros faziam a media- ção de uma partida que realizava-se no período de Carnaval, com uma hora de duração, em um espaço retangular de cem por 48 metros e uma bola com dimensões semelhantes às das bolas modernas. No norte da França, desde, pelo menos, meados da Idade Média, praticava-se um jogo ou um conjunto de jogos denominados de soule. Wisnik (2007) re- vela que tal jogocaracterizava-se como uma espécie de vale tudo da bola, empreendido por grupos que compreendiam centenas de pessoas que, usando os pés e as mãos, entravam em choques agressivos na disputa pela bola. O objetivo dessa batalha entre po- pulações de aldeias vizinhas consistiria em conduzir a bola para dentro do território do adversário ou de resgatar a bola do grupo adversário e trazê-la para seus domínios, entronizando-a em sua própria igre- ja ou outro ponto acordado. Cronistas registram desde os séculos XI e XII a ocorrência dessas duas modalidades de dis- puta, certamente complementares mas indi- cativas, também, de uma alternância prática entre o modelo guerreiro e o religioso. Porque, num caso, trata-se de atacar, conduzindo a bola agressivamente em direção ao território a ser conquistado; no outro, trata-se de resgatar o trunfo, entre escaramuças e emboscadas, re- conduzindo-o para o território de origem como a restituição sacral de um bem (à maneira da demanda do Graal) (WISNIK, 2007, p. 78). Na Inglaterra propriamente dita, desde 1174, existem registros da prática de jogos com bola. Esses jogos aconteciam anualmente em come- moração à expulsão dos dinamarqueses, na festa popular denominada Schrovetide (que coincidia com a Terça-feira Gorda do calendário cristão). A bola era considerada a representação da cabeça do comandante invasor dinamarquês. A difusão dos jogos com bola nas ilhas britânicas foi tão grande que, em 1365, o rei Eduardo III proibiu-o sob a alegação de que desviava a atenção de práti- cas mais nobres e úteis. Figura 2 - Gravura com representação de jogo do calcio fiorentino, na Piazza Santa Croce em Florença-ITA Fonte: Wikimedia Commons (2016, on-line)3. 17 EDUCAÇÃO FÍSICA Franco Júnior (2007) conclui que, apesar de pontos em comum entre as referidas práticas com bola, tais como: caráter ritual, campo de sentido cós- mico, bola representando cabeça humana etc., não se pode traçar uma linha de continuidade entre elas. Mais do que as similitudes, o autor coloca em relevo as diferenças significativas entre as formas antigas e a atual de conceber o jogo de bola com os pés. Hoje o jogo é coletivo, enquanto o soule e o footbal opunham grupos, mas tinham como vencedor um indivíduo, aquele que levasse a bola até determinada meta. O epyskiros grego, como outros jogos com bola, era visto apenas como diversão, sem o estatuto esportivo e cí- vico da corrida, do salto, do arremesso de dis- co, do arremesso de dardo, da luta, do boxe, do pancrácio. O individualismo daquela sociedade excluía os jogos coletivos dos grandes concur- sos atléticos pan-helênicos, inclusive do mais importante deles, a Olimpíada. O harpastum romano possivelmente fosse jogado mais com as mãos do que com os pés [...]. O tlachtli me- so-americano era jogado com diversas partes do corpo, exceto mãos e pés. Enquanto o jogo atual possui regramento escrito e estrito, o de séculos passados (com exceção do calcio fioren- tino) baseava-se em tradições orais muito vagas e variadas de região para região [...] Enfim, cada uma das práticas precedentemente lembradas respondia a condições culturais es- pecíficas, o que torna muito frágil tentar vê-las como antepassadas do futebol (FRANCO JÚ- NIOR, 2007, p. 19-20). O SURGIMENTO DO FUTEBOL MODERNO Segundo Dunning (2003), em comparação com seus antecedentes populares, o rúgbi e o futebol são exemplos de esportes mais civilizados ao me- nos em 6 sentidos: 1. limitação do número de participantes; 2. especialização da utilização de mãos ou pés; 3. comitês que centralizam as regras; 4. manuais de regras exigindo autocontrole so- bre a força física; 5. definição de sanções às infrações cometidas no jogo; 6. institucionalização das regras do jogo legiti- mando o papel do árbitro. Diferentemente dos portadores de chicotes e porre- tes que dirigiam os jogos na Grécia Antiga, o árbitro do esporte moderno não precisam recorrer à força física ou às ameaças para garantir o cumprimento de suas ordens. Apenas à sanções específicas do jogo que não implicam castigos físicos. Dunning (2003) entende que como chineses, ja- poneses, gregos, italianos, romanos, ingleses, fran- ceses e celtas praticaram, em algum período de sua história, jogos que, com distintos graus de plausibi- lidade, têm sido propostos como “a” forma ancestral do futebol, seria razoável adotar a hipótese de que os jogos similares ao futebol tiveram origens múltiplas, sendo praticados de distintas formas em todas ou quase todas as sociedades com capacidade tecnoló- gica para fabricar bolas adequadas. Considerando a delimitação entre os jogos pré- -modernos e o esporte moderno futebol, concorda- mos com Damo (2007), quando recorrendo a Mont- serrat Guibernau, admite que: [...] a relação que se pode estabelecer entre o football association e as formas de football não codificadas – por vezes tratadas como folk foo- tball ou jogos pré-modernos – é análoga à ma- neira como se processou a codificação das lín- guas oficiais em certos Estados-nações que se caracterizavam pela diversidade de práticas em seus territórios (DAMO, 2007, p. 36). ESPORTES COLETIVOS: FUTSAL E FUTEBOL 18 Do mesmo modo, como Dunning (2003), acredita- mos que o padrão básico do jogo, caracterizado pelo seu caráter popular em forma de lutas entre grupos, o prazer próprio que gera uma batalha, o caráter de- sordenado e o grau relativamente alto de tolerância à violência física, mantêm-se muito similar em todos os lugares em que este jogo é praticado, levando-nos a crer que estes jogos procediam de um mesmo mol- de que transcendia as diferenças em relação aos seus nomes e às tradições locais específicas. As primeiras regras escritas sobre o futebol pro- cedem da escola pública inglesa de “Rugby”, em 1845. Mais tarde, outras escolas adotaram estas re- gras. As escolas públicas inglesas surgem na Idade Média, e no século XVIII foram ocupadas por mem- bros da aristocracia e da alta burguesia, adquirindo caráter elitista. Nesse contexto, essas escolas passam por uma onda de violência, em meio à qual o Rugby, sob a tutela do pedagogo Thomas Arnold, consegue recuperar a ordem e, junto com a regulação das re- lações de autoridade, surgem ali formas regradas e civilizadas de jogar futebol. Em Rugby, os alunos mais velhos estiveram diretamente envolvidos na construção das regras (DUNNING, 2003). As escolas públicas de Eton e Rugby, rivais, es- tão diretamente ligadas às razões da separação do futebol do rúgbi. Nas regras de Eton, a proibição ab- soluta do uso das mãos é evidente. A bifurcação só se institucionalizou quando o futebol foi admitido como jogo para adultos, momento em que membros das classes alta e média fundaram clubes com pro- pósito específico da prática do futebol e criaram-se associações com a intenção de dar corpo a uma le- gislação a nível nacional. Dunning (2003) afirma que a partir de uma sé- rie de reuniões em Londres, em 1863, procurou-se criar um código de futebol unificado. A maioria defendia o jogo sem as mãos e com menos contato físico, criando a Footbal Association (FA), mas havia um grupo que era partidário da versão mais “rude”. Este grupo retirou-se das conversações e, em 1871, fundou a Rugby Footbal Union (RFU). Esses dados sugerem que as primeiras fases do desenvolvimento do esporte moderno implicaram um transformação para uma maior civilização. Esportes, como boxe, futebol e rúgbi, representaram a eliminação de cer- tas formas de violência física e a exigência de que os participantes exercessem um controle mais estri- to sobre o contato físico e os impulsos agressivos de origem social. Dunning (2003) entende que, hoje, podemos dizer que o esporte passa por um processo desci- vilizador, mediado pela comercialização, profissio- nalização e internacionalização, que aumentam a importância da vitória, aumentando a pressão com- petitiva e empreendendo uma regressão aos níveis de violência que caracterizavam oesporte na Anti- guidade e Idade Média. Futebol se joga no estádio? Futebol se joga na praia, futebol se joga na rua, futebol se joga na alma. (Carlos Drummond de Andrade) REFLITA 19 EDUCAÇÃO FÍSICA ESPORTES COLETIVOS: FUTSAL E FUTEBOL 20 Esporte e Futebol como Reservas Historicamente Masculinas Figura 3 - Dick Kerr’s Ladies 1921 Fonte: A Raft of Apples (2012, on-line)4. Caro(a) aluno(a), ao ler sobre a história da origem do futebol, você não sen- tiu falta de alguma coisa? Pelo título deste tópico, você já deve ter entendido qual a provocação inicial. Pois é, as mulheres pouco aparecem nessa história e quando aparecem são tratadas como meras figurantes; mas qual seria o mo- tivo dessa distinção entre o masculino e o feminino no processo de evolução histórica do futebol? É exatamente dessa inquietação que pretendemos tratar no tópico que, agora, será apresentado. Bons estudos! 21 EDUCAÇÃO FÍSICA O ESPORTE COMO RESERVA MASCULINA O esporte moderno, surgido na Inglaterra entre os séculos XVIII e XIX, esteve pautado na codificação e institucionalização de práticas corporais ou passa- tempos que eram regidos por tradições locais e ad- quiriam sentidos e significados associados às esferas religiosa e/ou militar. Uma característica que pode passar despercebida na descrição dessa história diz respeito à ausência (ou ao menos ao silenciamento da presença) das mulheres. Dunning (2003) argumenta sobre essa ausência referindo-se ao esporte como uma das principais áre- as de validação da masculinidade, na medida em que carrega uma série de sentidos que se tornaram ex- pressão cultural dos valores masculinos tradicionais. O autor chama a atenção para o fato de mudan- ças socioeconômicas e familiares corroerem as ba- ses tradicionais da identidade e dos privilégios dos homens. A participação cada vez mais efetiva das mulheres nos cenários político, cultural, social, eco- nômico e esportivo masculino repercutiu em uma reação machista no sentido de garantir a manuten- ção de alguns desses privilégios e, deste modo, po- de-se atestar que uma gama de esportes, em especial aqueles que assumem características de combate, como as lutas, o futebol, o rúgbi, o futebol ameri- cano etc., estabeleceram-se como um dos últimos bastiões de um exercício tido como autêntico das expressões de masculinidade. Jennifer Hargreaves (1993) afirma que o lazer em geral e o esporte em particular são expressões do poder cultural dos homens, na medida em que eles possuem acesso a um maior número de atividades dessa natureza e, ao mesmo tempo, dedicam uma quantidade de tempo consideravelmente superior às mulheres a estas atividades. No entanto, ainda que a construção social da maioria dos esportes esteja ba- seada em uma clássica história de dominação mas- culina e subordinação feminina, o poder masculino no esporte nunca foi exercido de forma absoluta. A autora revela ainda que, ao final do século XIX e início do século XX, iniciou-se um desenvolvimen- to gradual da prática esportiva pelas mulheres, que teve continuidade no período entre guerras e pós-Se- gunda Guerra Mundial, e tem se intensificado cada vez mais nos últimos anos. Prova disso é o aumento considerável na quantidade de mulheres que hoje dedicam suas horas de lazer à prática esportiva e a variedade de esportes que essas mulheres praticam. FUTEBOL DE MULHERES: ROMPENDO PARADIGMAS DE GÊNERO Desde sua origem, tanto em sua fase elitizada como em seu período mais popular, tudo indica que o fute- bol manteve-se como uma prática majoritariamente masculina. Talvez, diferentemente do período dos jogos pré-modernos, tendo em vista que, ao menos em algumas de suas manifestações, retratam a parti- cipação de multidões que poderiam incluir crianças, mulheres e idosos (SOUZA JÚNIOR, 2013). Entendemos que os fatores que contribuem para essa mudança podem estar ligados justamente aos ESPORTES COLETIVOS: FUTSAL E FUTEBOL 22 valores vinculados ao futebol, visando formar uma elite britânica com fibra moral para governar o país, tributários de sua gênese na transição do século XVIII para o XIX, nas public schools inglesas, nas quais o “embrião” daqueles que viriam a ser o futebol e o rúgbi teriam sido utilizados como ferramentas para a restituição da ordem que havia sido destituída por uma série de rebeliões e distúrbios causados pe- los alunos (DUNNING, 2003). Sustentada por uma visão de mundo “modelada” pelo legado do patriar- cado, essa elite governante não incluiria as mulheres que, desse modo, deveriam ser alijadas desta esfera política, restringindo-se ao espaço privado (SOUZA JÚNIOR, 2013). Uma lacuna para a participação da mulher no futebol é aberta com o advento da Primeira Guerra Mundial. Nesse período, Franco Júnior (2007) rela- ta que- apesar de algumas experiências isoladas em fins do século XIX- até 1914, o futebol tinha sido exclusividade do público masculino. Com a guerra, mulheres da classe operária inglesa foram traba- lhar nas fábricas de munição e, no bojo do proces- so geral de emancipação feminina, apropriaram-se também do futebol. Newsham (1997) revela que, no período da Primeira Guerra Mundial, surgem inúmeras equi- pes de futebol formadas por mulheres em toda Inglaterra, com o propósito principal de levantar fundos para caridade. Naquele período, com a en- trada maciça das mulheres na indústria de arma- mentos, o governo inglês adotou uma política de incentivo à prática de esportes para essas mulhe- res, tendo em vista o bem-estar físico e o fomento ao trabalho em equipes. O futebol foi o esporte de maior interesse por parte das mulheres, refletindo no surgimento de diversas equipes de mulheres nas fábricas do Reino Unido. Apesar do sucesso indiscutível dos jogos de fu- tebol das mulheres, sempre houve algum tipo de resistência a esse fenômeno. O argumento da ina- dequação do corpo feminino para a prática do fu- tebol desde cedo mobilizou uma boa parcela da população. Em detrimento dessa oposição, os jogos de futebol de mulheres se desenvolveram de forma crescente entre os anos de 1917 e 1921, atraindo aos estádios públicos bastante expressivos. Um dos times de futebol de mulheres de maior expressão à época foi o Dick, Kerr Ladies, formado por trabalhadoras da fábrica do mesmo nome. A equipe teve uma trajetória de vitórias memoráveis no país e no exterior e costumava encher os estádios por onde passava. As coisas começaram a mudar para o promissor e crescente futebol de mulheres, quando a entida- de máxima do futebol inglês e mundial à época, a Football Association (FA), passou a sentir-se in- comodada com o sucesso das mulheres e decidiu criar barreiras para os seus jogos. Assim, o golpe fatal que determinou a mudança nos rumos dos jo- gos de futebol de mulheres veio com a resolução da FA, em 5 de outubro de 1921, que requisitava aos clubes a ela filiados, para que não concedessem seus campos de futebol para jogos de mulheres (NEWSHAM, 1997). De acordo com Souza Júnior (2013), a experi- ência dos jogos de futebol de mulheres nos anos de 1920, na Inglaterra, e principalmente a trajetó- ria de sucesso do Dick, Kerr Ladies desconstroem uma série de paradigmas que ainda hoje se per- petuam quando se discute o “futebol feminino”. A suposta fragilidade das mulheres para jogar futebol já fora desmistificada desde aquela época; aliás, o histórico de jogos do Dick, Kerr Ladies ao longo de 1921 e o registro de que não há relatos 23 EDUCAÇÃO FÍSICA de contusões graves das atletas são provas desse fato. A multiplicação de equipes de norte a sul do Reino Unido e em países vizinhos, como a França, o interesse do público, manifestado pelas multi- dões presentes nas partidas e as rendas expressivas obtidas sinalizam para uma possibilidade concre- ta de que o futebol de mulheres seria o que hoje chamamos de esporte espetáculo. Pensar que, em plena década de 20, mulhe- res teriam protagonizado espetáculos de tamanha magnitude,com equipes se multiplicando e refor- çando-se em busca de adversárias cada vez mais fortes, cruzando o país, as fronteiras com outros países e o oceano em busca desses desafios é algo de muito significativo para a história do futebol (SOUZA JÚNIOR, 2013). Já no Brasil, a história do futebol seguiu por ou- tros caminhos, pois a influência dos ingleses em sua sociogênese esteve mais ligada à apresentação da modalidade por um viés aristocrático permeado pe- los laços econômico-industriais entre os dois países. Tomando por base alguns estudos majoritaria- mente circunscritos ao Rio de Janeiro, é possível vis- lumbrar ao menos um recorte das primeiras aproxi- mações das mulheres com o esporte no Brasil como espectadoras, ainda que de maneira tímida. Nesse sentido, Salles, Silva e Costa (1996) admitem que, antes do surgimento do futebol, os esportes da elite brasileira, particularmente, eram o remo e a equita- ção (ou turfe), obtendo também a atenção das mu- lheres, porém, na condição de espectadoras. Com a chegada do futebol, o turfe e o remo foram perdendo espaço como esportes preferidos pela sociedade, deixando também de ser o esporte predileto das mulheres, que passaram a ser vistas nos estádios trajadas como se estivessem em uma festa de gala. Segundo Moura (2003), em 28 de junho de 1921, a imprensa de São Paulo divulgou que jogariam no campo do Tremembé F.C. as “Senhoritas Tremem- benses” versus “Senhoritas Cantareirenses”. Para muitos, este teria sido o primeiro jogo de futebol entre mulheres realizado no país, mas a escassez de registros de tantas outras possibilidades de ex- periências que não mereceram atenção de jornais à época, ou mesmo antes desse episódio, nos sugere um pouco mais de comedimento ao elegê-lo como marco inaugural da presença feminina nos grama- dos brasileiros. Moura (2003) relata que, na década de 30, as prá- ticas corporais realizadas pelas mulheres deixaram definitivamente de ter apenas como foco a ginástica e a dança, consolidando sua presença no campo es- portivo, que iria incorporar, inclusive, o basquetebol e o futebol enquanto “esportes femininos”. Segundo Malaia (2011), no início do século XX, as mulheres frequentavam os estádios de futebol apresentando-se bem-vestidas, usando luvas, chapéus, longos vestidos e ti- nham o hábito de assistir às partidas apertan- do os objetos que tivessem em mãos, além de contorcerem-se, pularem, gesticularem e soltarem gritos para chamar o nome de seus atletas prediletos. Estes, atletas em sua maio- ria também sócios dos clubes e considerados bons partidos. “Esse era o comportamento inusitado que tanto chamou a atenção da imprensa e da sociedade e que configurou um novo personagem do futebol do período: as ‘torcedoras’”. Fonte: adaptado de Malaia (2011). SAIBA MAIS ESPORTES COLETIVOS: FUTSAL E FUTEBOL 24 De acordo com Moura (2003), no ano de 1940, o futebol de mulheres ganha destaque na imprensa carioca. Inicialmente, o interesse das mulheres dos subúrbios na prática do futebol despertou curio- sidade da população de uma maneira geral, sendo amplamente explorado pela imprensa, que desti- nou um espaço significativo para o assunto. Alguns médicos também se mostraram favoráveis à prática do futebol pelas mulheres, fazendo apenas ressalvas com relação à necessidade de maiores estudos so- bre o assunto para a adoção de “normas racionais” e de um “método científico” que dispusessem sobre a dosagem e duração dessa prática no intuito de “pro- teger” o “organismo feminino”. O autor ainda reforça que não era consensual o apoio ao futebol de mulheres, que recebia severas críticas da comunidade social e científica da época, como revela a carta encaminhada pelo cidadão José Fuzeira ao presidente da República Getúlio Vargas, em 25 de abril de 1940. O teor da carta revelava a preocupação do cidadão com a popularização do futebol entre as mulheres, que segundo ele confi- gurava-se em uma “calamidade prestes a desabar sobre a juventude feminina”. Fuzeira alertava o pre- sidente para a crescente quantidade de “clubes fe- mininos de futebol” que se formavam nas grandes capitais do país, que seriam “núcleos destroçadores da saúde de futuras mães”. Franzini (2005) acres- centa que essa carta sensibilizou a comunidade científica, ganhando respaldo da Divisão de Edu- cação Física do Ministério da Educação e Saúde, que a encaminhou para a Subdivisão de Medicina Especializada, na qual recebeu parecer favorável, iniciando, assim, uma cruzada em perseguição à prática do futebol por mulheres. Castellani Filho (1988) lembra que o decreto-lei nº 3.199, de 14 de abril de 1941, estabelece as bases do esporte em todo o país, fundando o Conselho Nacio- nal dos Desportos (CND) (BRASIL, 1941). Em seu artigo 54, o decreto compreende o seguinte texto: Às mulheres não se permitirá a prática de despor- tos incompatíveis com as condições de sua natu- reza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacio- nal de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país (Brasil, 1941). Segundo Souza Júnior (2013), provavelmente, as restrições legais tenham contribuído de maneira de- cisiva para o suposto desaparecimento da mídia de relatos da prática do futebol pelas mulheres durante este período, mas não é demais lembrar que não sig- nifica que ela não existia por haver a proibição legal e a ausência de registros. Um episódio que ajuda a focalizar a possibilidade de que as mulheres conti- nuavam a praticar o futebol, muitas vezes alheias e/ ou desinformadas em relação à proibição vigente, refere-se a uma iniciativa individual, que teve ori- gem,. em 1958, na cidade de Araguari, no Triângulo Mineiro, indicando que o futebol de mulheres não esteve totalmente adormecido (CUNHA, 2016). Reforçando a onda oposicionista à prática espor- tiva pelas mulheres, em 1965, o CND baixou as se- guintes instruções às entidades desportivas do país: Deliberação – CND – Nº 7/65 Nº 1 – Às mulheres se permitirá a prática de des- portos na forma, modalidades e condições esta- belecidas pelas entidades internacionais dirigen- tes de cada desporto, inclusive em competições, observado o disposto na presente deliberação. Nº 2 – Não é permitida a prática de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, fu- tebol de praia, pólo aquático, pólo, rugby, hal- terofilismo e baseball (CASTELLANI FILHO, 1988, p. 62-63). 25 EDUCAÇÃO FÍSICA Moura (2003) recorda que a proibição da prática do futebol pelas mulheres acaba tendo desdobramentos até mesmo nas aulas de educação física escolar. As- sim, na escola, que seria o ambiente propício para as meninas terem contato com essa prática, as alunas não puderam ter contato com o futebol. Apenas no ano de 1979, a proibição da prática do futebol pelas mulheres foi revogada por meio da deliberação nº 10 do CND (BRASIL, 1979), permi- tindo o reconhecimento de que era necessário esti- mular as mulheres nas diversas modalidades (CAS- TELLANI FILHO, 1988; REIS; ESCHER, 2006). Não podemos, também, desconsiderar que, no panorama político, o país respirava novos ares em 1979, com o processo de abertura política, a crise econômica e o recuo do governo militar que, preo- cupado com a insatisfação generalizada da popula- ção, passava a fazer concessões, como a anistia aos presos políticos cassados pelo Regime Militar e o restabelecimento do pluripartidarismo, ambos os episódios ocorridos no mesmo ano de 1979, evi- denciando que a legalização da prática do futebol e de outras modalidades vetadas às mulheres pelos decretos anteriores fazia parte de um processo de redemocratização da sociedade brasileira (SOUZA JÚNIOR, 2013). Segundo Souza Júnior (2013), é preciso des- tacar, ainda na década de 80, a equipe de futebol feminino do Esporte Clube Radar, do Rio de Ja- neiro, que construiu uma invejável trajetória de conquistas nacionais e internacionais. O clube angariou, naquele período, a fama de equipe in- vencível no circuitodo futebol feminino, conta- bilizando dois pentacampeonatos (carioca e bra- sileiro), além de um currículo impressionante, contando com apenas quatro derrotas em trezen- tas partidas disputadas. Além do Radar, outras equipes, como o Guara- ni de Campinas e o SAAD, merecem destaque no disputado cenário do futebol feminino brasileiro nos anos 1980. Com o encerramento da equipe do Radar, em 1988, o futebol feminino no país sofre um profundo golpe, pois a equipe representava o país nas poucas competições ou partidas internacionais nas quais o Brasil figurou, no final dos anos de 1980. Darido (2002) afirma que, somente em janeiro de 1991, os dirigentes voltaram a procurar as jogadoras para formar uma seleção para o mundial na China. Tratando da década de 90, Souza Júnior (2013) lembra que entra em cena um movimento que busca a popularização do “futebol feminino” no Brasil, por meio de uma estratégia de marketing que se basea- va no “embelezamento das atletas”, reforçando mais uma vez os equívocos de uma política de inclusão da mulher no esporte. Isto é, para ter direito à partici- pação no futebol não bastava a ela jogar bem, tinha que ser bonita. Bonita para quê? À primeira vista, tal procedimento poderia ser julgado como uma maneira de se dar o pontapé ini- cial para a popularização do futebol de mulheres, que, apesar da conotação preconceituosa e discrimi- natória, poderia produzir alguns efeitos positivos, como o aumento do número de praticantes. No en- tanto, as estratégias de vinculação de uma “estética feminina” com o futebol passaram a ser recorrentes. Prova disso foi a peneira (seletiva ou draft, como de- nominaram os organizadores) realizada para a sele- ção de atletas que disputariam o Campeonato Pau- lista de 2001, organizado pela FPF e pela empresa Pelé Sports & Marketing. O projeto elaborado por essas entidades estabelecia que o embelezamento das atletas estaria entre os objetivos principais para o sucesso do torneio (ARRUDA, 2001). ESPORTES COLETIVOS: FUTSAL E FUTEBOL 26 De acordo com o então presidente da FPF, Edu- ardo José Farah, havia a “necessidade de se mos- trar uma nova roupagem no futebol feminino, que se encontrava reprimido pelo machismo”. Assim, segundo o dirigente, seria preciso “tentar unir a imagem do futebol à feminilidade”. Para tanto, co- locou-se no regulamento da competição um limite máximo de 23 anos de idade para as participantes, tendo em vista a maior possibilidade forjar uma representação erotizada valendo-se da juventude. Além disso, de acordo com Knijnik e Vasconcellos (2003), evidenciou-se uma preferência pelas can- didatas de cabelos compridos, sendo barradas as jogadoras com as cabeças raspadas. ‘Aqui, com cabelo raspado não joga. Está no regulamento’, disse o vice-presidente da FPF, Renato Duprat, responsável pela organização do torneio paulista, o dirigente ainda comple- menta dizendo que ‘se tivermos de escolher uma menina feia que jogue bem ou uma bonita que jogue mais ou menos, escolheremos a feia. Pode ter certeza’ (ARRUDA, 2001, p. D5). A história do futebol de mulheres brasileiro e de outros países tem demonstrado a recorrente estraté- gia de privilegiar a aparência das atletas e de impor padrões rígidos de feminilidade para essas mulhe- res, no que discordamos que seja o melhor caminho para consolidar ou promover qualquer esporte. [...] em 1996 a prática do futebol por mulheres passou a fazer parte da programação televi- siva brasileira na telenovela infantojuvenil Malhação, que passou a desenvolver uma trama baseada nesse tema, contando com um elenco de atrizes jovens e alinhadas com os padrões de beleza socialmente vigentes, representando garotas que jogavam futebol. O Saad Esporte Clube, percebendo que o inte- resse das moças pelo futebol crescia, fez um projeto de marketing cujo grupo de jogadoras obedeceria ao “novo perfil da modalidade”, de atletas jovens e sempre que possível atraen- tes. E acrescentava: “não é que as feias não entram mais, a novidade é que as bonitas estão chegando, e são bem-vindas”. Fonte: Souza Júnior (2013). SAIBA MAIS 27 EDUCAÇÃO FÍSICA Em se tratando do futebol praticado por mulhe- res, podemos dizer que o Brasil ainda carece de condições e de infraestrutura necessárias para o mínimo de organização de clubes e competições oficiais, sendo praticamente inexistentes as polí- ticas públicas e privadas direcionadas a elas, con- forme atesta Goellner (2005). De acordo com Souza Júnior (2013), apesar das recentes conquistas – como as medalhas de pra- ta nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, e Pe- quim, em 2008, do vice-campeonato mundial tam- bém em Pequim, em 2007, da medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, em 2007 (com o Maracanã lotado) e das conquistas pessoais da jogadora Marta, eleita cinco vezes consecutivas (nas temporadas de 2006 a 2010) a melhor jogado- ra do mundo –, os dirigentes dos clubes de futebol, das federações estaduais, da Confederação Brasi- leira de Futebol (CBF), os secretários e ministros do Esporte que se sucedem no cargo e suas equi- pes ainda não se sensibilizaram com as precárias condições vivenciadas por mulheres que idealizam viver com dignidade e sustentar-se como profissio- nais do futebol. Figura 4 - Brasil e Suécia se enfrentam na semifinal dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro - 2016 (vitória da Suécia na disputa de pênaltis) Fonte: Wikimedia Commons (2017, on-line)5. Souza Júnior (2013) considera que a desestru- turação de ideologias sexistas e a construção de novas oportunidades para mulheres em relação à participação esportiva poderiam ser mecanismos mais efetivos para o aumento da popularidade do futebol de mulheres, para a democratização da modalidade de fato ainda inconclusa no país e para o empoderamento dessas mulheres por meio do futebol. ESPORTES COLETIVOS: FUTSAL E FUTEBOL 28 Prezado(a) aluno(a), cabe ressaltar que assumimos a perspectiva de tratar o futebol enquanto fenômeno so- cial maior, que abrange outras práticas esportivas, tais como o futsal e o beach soccer, por exemplo. Contudo, tendo em vista o importante papel exercido pelo fut- sal, e em virtude da arquitetura das escolas e centros de treinamento compreenderem como equipamentos esportivos, via de regra, as quadras e não os campos de futebol, abriremos um tópico para dar maior visibili- dade ao futsal. Uma boa leitura! A ORIGEM DO FUTSAL Conforme comentado anteriormente, o futebol de salão foi precursor do futsal. Tal fato, ainda nos dias atuais, acarreta em uma confusão entre essas duas Do Futebol ao Futsal Figura 5 - Jogo entre Brasil e Argentina nos Jogos Panamericanos de 2007 Fonte: Wikimedia Commons (2014, on-line)6. distintas modalidades tão comumente entendidas como sinônimas. Porém, antes de falarmos sobre essa transição e seus desdobramentos históricos, faz-se relevante compreender um pouco da repre- sentatividade e origem de um dos esportes em maior ascensão em nosso país. O futsal tem muita semelhança com o futebol, prova disso é que dificilmente alguém que tenha jo- gado futsal não jogou futebol e vice-versa. Porém, é necessário que se faça as devidas distinções entre ambas as práticas, tendo em vista que são modali- dades esportivas com suas respectivas particulari- dades, o que as torna autônomas uma em relação à outra, embora estejam vinculadas a uma mesma instituição, a FIFA. 29 EDUCAÇÃO FÍSICA De maneira geral, tanto o futebol quanto o fut- sal pertencem ao grupo das modalidades espor- tivas de invasão que, segundo a literatura, pode ser definida como o grupo de esportes cujo obje- tivo consiste em invadir o espaço defendido pelo oponente para colocar a bola na meta contrária à defendida, ao mesmo tempo em que se defende a própria meta (GONZÁLEZ; BRACHT, 2012). Entretanto, quando se trata do conjunto de regras específicas, essas duas modalidades possuem dife- renças significativas. As regras que melhor caracterizam e distinguemo futsal do futebol podem ser representadas confor- me o Quadro 1. Quadro 1 - Comparação entre regras do futebol e do futsal Regras Futebol Futsal Tempo de jogo Dois tempos de 45 minutos corridos. Dois tempos de 20 minutos cronometra-dos. Espaço de jogo Campo gramado, medindo entre 90 e 120 metros de comprimento por 64 a 75 metros de largura. Quadra de cimento, madeira ou material sintético, medindo 40 metros de compri- mento por 20 de largura. Jogadores A equipe titular é composta por um goleiro e dez jogadores de linha, poden- do ser realizadas três substituições no decorrer da partida, sem o retorno dos jogadores substituídos. A equipe titular é composta por um goleiro e quatro jogadores de linha, podendo ser feitas substituições ilimitadas, com possi- bilidade de retorno dos jogadores substi- tuídos. Cobrança de tiros/ arremessos laterais Realizados com as mãos. Realizados com os pés. Punições individuais e coletivas por infrações Apenas individuais, que são punidas com cartão amarelo (advertência) e vermelho (exclusão). Além das punições individuais por cartões idênticas ao futebol, os jogadores são ex- cluídos da partida (com direito à substitui- ção) quando cometem cinco faltas. Quan- do a equipe comete seis faltas coletivas em um período de jogo é punida com cobran- ça de tiro livre direto sem barreira, de uma distância da meta contrária de dez metros. Impedimento A jogada ofensiva da equipe será pa- ralisada sempre que atender a duas situações simultaneamente: um jogador que ataca estiver mais próximo da linha de meta contrária do que seu penúltimo defensor e interferir na jogada em curso, em beneficie de sua própria equipe. Não existe a regra do impedimento. Fonte: os autores. ESPORTES COLETIVOS: FUTSAL E FUTEBOL 30 Vale destacar que, para além das regras, esse esporte tem peculiaridades pertinentes, que, acreditamos, devem estar contagiando nossa população, princi- palmente pelo fato de poder ser jogado com poucas pessoas e por sua dinâmica de jogo. Necessitando de um espaço dimensional menor para ser realizado, exige, ao mesmo tempo, que os jogadores tenham maior contato com a bola, que intensifiquem o seu modo de atuar nas partidas devido à necessidade de rapidez em tomadas de decisão. O Diagnóstico Nacional do Esporte (Diespor- te), no ano de 2013, por uma investigação vinculada ao Ministério do Esporte, entrevistou 8.902 pessoas entre 14 e 75 anos, em todas as regiões do Brasil, e trouxe dados que nos possibilitam compreender a dimensão e a representatividade do futsal na vida de nossa população. Segundo o Diesporte (BRASIL, 2015), somadas as práticas por gênero, o futsal é considerado o 7º esporte mais praticado no Brasil, (6º entre os homens e 9º entre as mulheres), sen- do para 3,3% dos entrevistados o primeiro esporte praticado na vida, representando, assim, a 4ª colo- cada dentre as práticas esportivas indicadas como a primeira a ser praticada pelos sujeitos da pesquisa. Esses indicadores são demonstrativos da inegável crescente que o esporte teve nos últimos anos. Muito se discute sobre o local de surgimento do futsal, existindo duas vertentes explicativas que buscam sua paternidade geográfica. A primeira, e mais adotada corrente, referencia que a prática ini- ciou-se no Uruguai, mais precisamente em Monte- vidéu, no ano de 1930, por jovens rapazes da Asso- ciação Cristã de Moços (ACM), no contexto de um país que acabara de se tornar campeão da primeira Copa do Mundo de futebol, realizada no próprio Uruguai, em 1930, e seguindo os triunfos da então consagrada “celeste olímpica” (em alusão à cor azul celeste, do uniforme da equipe) bicampeã Olímpi- ca – 1924 nos jogos de Paris, na França, e 1928 em Amsterdã, na Holanda. Com o futebol em alta no país e sendo nossos vizinhos a referência futebolística da época, surge, na ACM uruguaia, a adaptação do futebol para um espaço menor, devido à falta de campos na cidade e pela possibilidade de ser praticado em condições meteorológicas desfavoráveis (BARBIERI, 2009). Lembrando muito mais um futebol com adequações e jogado em quadra do que propriamente o futsal, o jogo da quadra evidencia o forte vínculo com o esporte bretão. A outra corrente, menos referenciada nas tenta- tivas de interpretação do surgimento do futsal, traz que devido ao constante intercâmbio dentro das ACMs e seus membros, os brasileiros advindos da ACM da cidade de São Paulo levaram de lá o hábito de jogar em quadras de basquete (VOSER; GIUSTI, 2015) e de hóquei, aproveitando as traves utilizadas na prática desse esporte. Para além das controvérsias sobre a gênese do futsal, alguns eventos no trajeto histórico se apre- sentam unânimes para as investigações do contínuo temporal da modalidade. Autores, como Fonseca (1997), Barbieri (2009), Voser e Giusti (2015), in- dicam que por volta de 1933, o professor uruguaio Juan Carlos Ceriani redigiu algumas regras do hoje conhecido futsal, batizando, na época, como Indoor foot-ball ou futebol de salão. Fundamentado principalmente no futebol en- quanto essência de jogo, o futebol de salão distin- guia-se do futebol de campo em determinados as- pectos, tais como o número de jogadores, o espaço e o terreno de jogo e o peso da bola, que era confec- cionada, por vezes, a partir de enchimento de serra- gem ou de crina vegetal e pesando cerca de 1 kg, ou 31 EDUCAÇÃO FÍSICA seja, mais de duas vezes o peso de uma bola de futsal atual, justificando o título de “esporte da bola pesa- da” (FONSECA, 1997; COSTA, 2007). Inspirando-se em outros esportes com bola, Ceriani transferiu as regras do basquetebol, no que tange ao tamanho da quadra, ao tempo de jogo e às substituições. O handebol inspirou-o no que diz respeito à validação dos gols, às dimensões das traves e à área do goleiro e, por fim, no polo aquático, no tocante às regulamentações das ações do goleiro no jogo. Ainda na década de 30, ocorreu, em Montevi- déu, um curso organizado pelo Instituto Técnico da Federação Sul-Americana das ACMs, contando com representantes de toda América do Sul, inclu- sive o Brasil, na qual foram entregues as cópias das regras, permitindo, assim, a difusão da ascendente modalidade praticada em pátios, quadras e salões de baile, por isso do advento da nomenclatura fu- tebol de salão. Os brasileiros logo se identificaram com a prá- tica, porém argumentaram, questionaram e propu- seram alterações no jogo, visando uma maior dinâ- mica, tomando, por exemplo, o fato de jogarem sete pessoas em cada equipe, ideia a qual não agradava aos praticantes. Atendendo a essas mudanças, Roger Grain, no ano de 1936, formulou e regulamentou a prática do futebol de salão no Brasil, registrando-a na Revista de Educação Física nº 6 (BARBIERI, 2009). Outro fato convergente entre os pesquisadores que transitam pela história do futsal é que, embo- ra exista a discussão sobre seu local de surgimento, não há como negar que foi no Brasil que o esporte se organizou e desenvolveu. Você, agora, deve estar se perguntado: mas afinal, o futsal é brasileiro ou uruguaio? Lamentamos decepcioná-lo, mas preferi- mos deixar essa questão em aberto, tendo em vista que não existe um consenso, nem mesmo entre os historiadores e, neste sentido, qualquer tentativa de afirmar de forma categórica a paternidade do fute- bol de salão não passaria de mera especulação e de nada nos acrescentaria em termos da compreensão da sociogênese dessa modalidade esportiva. Na década de 40, o futebol de salão ganhou sig- nificativa popularidade, tendo nos clubes recreativos e nas escolas regulares seus principais propulsores. Por uma lógica inerente da modalidade, a adesão e expansão do futebol de salão se davam nessas ins- tituições por razões dimensionais em comparativo aos campos de futebol. Nessa lógica, destacam-se as possibilidades de realização de jogos em espaços menores, bem como pela necessidade de menos in- tegrantes para compor equipes também em compa-rativo ao futebol. Ao final da década seguinte, a prática se alastra- va massivamente pelo Brasil. Nessa direção, havia a necessidade de uma maior e mais ampla unificação das regras por todo território nacional. Foi quando a Confederação Brasileira de Desportos, extinta CBD, em 1958, oficializou o Futebol de Salão, abrindo es- paço para organização de competições em âmbito nacional, como o I Campeonato Brasileiro de Sele- ções, ocorrido em São Paulo (FIGUEIREDO, 1996). Nos anos 1960, o aumento de público nas com- petições despertou o interesse de entidades sul-a- mericanas, que viam no Brasil uma espécie de pro- tagonismo no campo político (BARBIERI, 2009), legitimado pelos vários campeonatos ocorridos e em curso, que demonstravam expressivo contin- gente de adeptos e interessados pela modalidade. Assim, ao final dessa década, 1969, surgia a Con- federação Sul-Americana de Futebol de Salão, pro- motora no mesmo ano do primeiro campeonato Sul-Americano de Clubes. ESPORTES COLETIVOS: FUTSAL E FUTEBOL 32 A década de 70 apresenta dois marcos impor- tantes no campo institucional do futebol de salão. Em 1971, foi criada a Federação Internacional de Futebol de Salão (FIFUSA), contando com 32 paí- ses membros que praticavam o esporte nos moldes brasileiros (FERREIRA, 1998). Já em 1979, após a extinção da CBD, ocorre a criação da Confederação Brasileira de Futebol de Salão (CBFS). É nos anos 1980, porém, que residem as mais consideráveis transformações que incidem na prá- tica do futsal até os dias atuais. Foi nesse momento histórico, mais precisamente em 1989, que após vá- rias investidas por parte da Fédération Internationale de Football Association (FIFA) ao longo da década, a FIFUSA aceita unificar o futebol de salão com o já praticado “futebol de 5” da própria FIFA, passando a chamar-se futsal, o que antes era chamado de fu- tebol jogado em superfície reduzida segundo a pró- pria FIFA (SANTANA, 2009). Esse ponto merece destaque em nossa leitura, pois cabe chamar a atenção para o paradoxo ligado à questão do futsal ser submisso ao sistema FIFA. Nesse sentido, se por um lado o domínio do futsal ficou à mercê de uma das federações mais envol- vidas e investigadas por escândalos de corrupção na história do esporte moderno – muito bem des- critos em livros, como Jogo sujo: o mundo secreto da FIFA (JENNINGS, 2011) e Um jogo cada vez mais sujo: o padrão FIFA de fazer negócios e manter tudo em silêncio (JENNINGS, 2014) –, por outro lado é inegável que regendo a modalidade, por seu poder de mercado e influência política (SANTA- NA, 2009), atribui-se à mesma FIFA a difusão do esporte que, ao final dos anos 2000, testemunhava mais de 130 países afiliados, contando agora com grandes e importantes confederações que não eram membros da FIFUSA. Transcendendo a discussão paradoxal, se a FIFA foi veneno ou remédio para a modalidade, fato é que institucionalmente, em 1989, surge o futsal. Rele- vante nesse episódio todo é atentarmos que a maior diferença entre o futebol de salão e o futsal se encon- trou no âmbito político, relativo a quem organizava e quem hoje organiza as modalidades. Existem sim diferenças quanto às regras (peso da bola, punições), porém a história nos permite considerar que a tran- sição do futebol de salão, precursor da “jovem” mo- dalidade do futsal, emergiu pela necessidade de ade- quação e internacionalização aguda do esporte em escala global, encontrando na Federação que hoje a rege (bem ou mal) o agenciador desse processo ao longo dos últimos quase 30 anos. E o que aconteceu com o futebol de salão? A FI- FUSA, em acordo comum com a FIFA, dissolveu-se no ano de 1989. Atualmente, a prática ainda existe, conservada em suas regras originais (distintas do futsal), tendo, desde 2002, na Associação Mundial de Futsal (AMF), a organização que regula a prática do futebol de salão em todo mundo. Desde 1989, ano em que ocorreu a primeira Copa do Mundo de Futsal masculina, organiza- da pela FIFA de quatro em quatro anos, o Brasil é considerado potência no esporte, ganhando cinco e estando presente nas sete edições dos mundiais. Logo em seguida vem a Espanha, com os outros dois títulos e sendo a maior vencedora europeia, bem como o país onde mais se pratica futsal, atrás, novamente, do Brasil. 33 EDUCAÇÃO FÍSICA MULHERES NO FUTSAL Infelizmente, assim como na maioria dos outros es- portes, também no futsal as mulheres sofreram com o preconceito e as imposições de nossa sociedade machista. Dessa forma, como destacado no tópico 3 desta unidade, as figuras masculinas historicamente quase sempre são apontadas e tidas como protago- nistas das transformações e mudanças dos esportes ao longo dos tempos. Não diferente, ao tratar da his- tória do futsal no Brasil, encontramos diversos mar- cadores da discriminação e da omissão que afetaram a prática por parte das mulheres. Segundo Santana e Reis (2003), até o ano de 1983, as meninas eram proibidas de jogar futebol de salão, sendo legalizada somente 47 anos depois dos homens. A proibição de quase meio século não extinguiu o gosto, tampouco a competência das mu- lheres ao praticar a modalidade. Isso pode ser in- dicado pelo expansivo número de competições, tí- tulos (BARBIERI, 2009) e pelo jovem público que aderiu ao jogo como prática esportiva. Embora seja uma história recente de pouco mais de 30 anos, o futsal feminino vem se expandindo, entre outros fa- tores, pela organização e criação de competições, o que contribui para um melhor desempenho técnico e tático das participantes, bem como auxiliando na visibilidade do esporte em âmbito nacional e legiti- mando a prática enquanto direito das mulheres. Desde 1992, data em que ocorreu a 1ª edição da Taça Brasil organizada pela CBFS, a promoção dos eventos de futsal feminino vem aumentando e atraindo adeptas gradativamente. Exemplo disso está no contínuo da principal competição nacional, a Liga de Futsal Feminina, que ocorre desde o ano de 2005, organizado pela mesma CBFS. Outro fator re- levante na história do futsal feminino são os títulos O programa olímpico, segundo o Comitê Olím- pico Internacional (COI), contempla um máxi- mo de 28 esportes, em uma lógica segundo a qual para a inclusão de uma nova modalidade torna-se necessária a exclusão de alguma do programa. Nesse sentido, o futsal vem sen- do utilizado como moeda de troca pelo COI para fazer barganha nas Olimpíadas. O fato é que o COI entende o poder de mercado do futebol e considera a valorização que esse esporte agrega em prestígio e receita em um evento como os Jogos Olímpicos. A FIFA, por sua vez, em tramitações políticas junto ao COI, acordou um limite em formato de regra para liberar apenas três jogadores acima de 23 anos de idade para cada seleção nos Jogos. O que isso representa? Se a FIFA autorizasse todos os jogadores, teríamos uma Copa do Mundo a cada dois anos a grosso modo. O que não ocorre porque ela, FIFA, não quer em hipótese alguma que a Olimpíada roube o brilho da Copa do Mundo. Fonte: Barbieri (2009) SAIBA MAIS Atualmente, pelas projeções e pelos estudos existe uma tendência de maior expansão do futsal, devido à criação de clubes e ao aumento da transmissão de jogos no Brasil e no mundo. Tal expectativa é refle- xo dos últimos 30 anos, em que o mais jovem e 7º colocado dentre os 10 esportes mais praticados em nosso país. Segundo o Diesporte (BRASIL, 2015), cada vez mais agrega adeptos, gerando um mutua- lismo ao encontrar, no Brasil, uma espécie de berço, identificando-se historicamente quanto esporte, e o brasileiro encontrando no futsal uma modalidade esportiva na qual se identifica e se reconhece. ESPORTES COLETIVOS: FUTSAL E FUTEBOL 34 que nossa seleção possui. Embora sem o reconhe- cimento oficial da FIFA, a seleção feminina de fut- sal é hexacampeã do designado “Torneio Mundial de Futsal Feminino”, postulando-se a maior e única vencedora das seis edições do torneio, que é análogo à Copado Mundo de Futsal Masculino, obtendo um título a mais do que a consagrada e mais conhecida seleção masculina de futsal, a brasileira. Ainda que se tenha obtido avanços desde a re- vogação da proibição de sua prática pelas mulheres, em 1983, a jovem modalidade sofre preconceitos semelhantes aos do futebol feminino, confrontan- do rotineiramente com a falta de investimentos e de políticas públicas que assegurem de modo digno o direito à prática desse esporte que, embora minado pela discriminação e invisibilidade social, mostra-se promissor pela crescente aderência de jovens prati- cantes (SANTANA; REIS, 2003), o que pode ser re- presentado como a renovação, manutenção e adesão do futsal feminino por parte das mulheres. 35 EDUCAÇÃO FÍSICA ESPORTES COLETIVOS: FUTSAL E FUTEBOL 36 Prezado(a) aluno(a), estamos chegando ao final de nossa primeira Unidade. Esperamos realmente que, até esse momento, o mesmo prazer que temos em apresentar e compartilhar com você alguns saberes pertinentes ao futebol, você o tenha ao poder signi- ficar e incorporar tais conhecimentos para seu pro- cesso formativo. Em outras palavras, esperamos que chegar até aqui conosco “tenha valido o ingresso”, dito popular que remete à satisfação após o fim de um bom espetáculo. Mas ainda não acabamos! Nos acréscimos desta unidade, você irá notar que este tópico se apresenta um pouco diferente Reinventando a História do Futebol Figura 6 - Ilustração “Futebol na Pré-História: a origem do futebol” (Andrea Gatti, 1998) Fonte: Ludopedio ([2017], on-line)7. dos anteriores. As sugestões deste tópico passam por indicar encaminhamentos didáticos no trato da história do futebol e do futsal. As orientações que aqui se seguem não pretendem “engessar” sua prática como futuro docente, mas sim intenciona- mos que você reflita sobre as estratégias e as otimi- ze dentro de seus contextos. Como em qualquer grande jogo, os últimos mi- nutos sempre podem nos guardar as maiores emo- ções e surpresas. Que tal, juntos, comemorarmos nossa participação e empenho nesse primeiro 1/5 de campo já percorrido? 37 EDUCAÇÃO FÍSICA PRELEÇÃO A curiosidade pelo saber deve sim partir do aluno, mas isso não isenta a responsabilidade do professor ou treinador em despertá-la. Sugerimos que você, em sua futura prática docente, desafie seus alunos com indagações, pois é a partir de desafios que instigamos a superação, a criatividade, o pensamento crítico e as conexões dos saberes de nossos interlocutores. No contexto tratado até o momento, em espe- cial referente à história do futebol, algumas boas questões podem ser disparadoras para diálogos en- riquecedores nas aulas: “Como vocês acham que o futebol surgiu? Alguém o inventou ou ele sempre existiu? Porque alguém inventou a lâmpada, mas a luz sempre existiu, certo?” (SOUZA JUNIOR, 2007). Após tais indagações, é pertinente que se explique aos alunos e às alunas, que o tema desta(s) aula(s) diz respeito justamente à origem do futebol, e que a partir dela tentaremos entender melhor de onde surgiu esta ideia de se fazer um jogo no qual se chuta bola com os pés. Com este intuito, passamos, a partir deste mo- mento, a descrever algumas estratégias de ensino que contribuem para tornar mais atraente a apren- dizagem de conhecimentos relacionados à história do futebol e aos temas afins. Pedimos licença para conversar com você aluno(a), colocando-o(a) na perspectiva de professor(a), para que já se acostu- me com a tarefa de assumir as rédeas do processo de ensino e aprendizagem que se tornará, em breve, a tônica de sua vida profissional. A apresentação seguirá o desenho de uma uni- dade didática – um conjunto de aulas que se orien- ta por um eixo temático comum – focada no ensino da história do futebol. A unidade não será apresen- tada em formato de planos de aula, mas sim de um conjunto de momentos seguindo uma ordem cro- nológica de acontecimentos, que poderá ser trans- formada em um conjunto de aulas por você alu- no(a)-professor(a). VIVÊNCIA 1 – FUTEBOL PRÉ-HISTÓRICO Uma possibilidade de vivência no contexto originá- rio do futebol passa pela organização junto e com sua turma na escola, de um jogo com regras arcai- cas, lembrando a pré-história do futebol (SOUZA JUNIOR, 2011). Essa vivência pode ser iniciada por uma roda de conversa com a turma, na qual seja apresentada a proposta de se recriar o processo de desenvolvimento do futebol, que surge a partir de um jogo rudimentar que se regulamentou por de- mandas diversas. A partir desta problematização, o desafio é que os alunos proponham um jogo de bola que lembre vagamente o futebol, mas possua o míni- mo possível de regramento. Caso a turma tenha dificuldade em pensar a desconstrução do futebol como eles(as) bem o conhecem, faça você mes- mo uma primeira alteração na estrutura do jogo. Diga que somente será permitido a utilização das linhas de fundo e não das laterais, ignore as traves e faça com que somente ultrapassando a linha de fundo com a bola em domínio e sendo conduzida se valide o gol etc. Algo que facilita tal atividade deve-se pelo fato de requerer a participação de muitas pessoas para que configure uma desordem em relação ao co- nhecido número de jogadores de futebol ou futsal. Como sugestão, elabore junto e com seus futuros alunos(as) três ou quatro equipes, para que joguem ESPORTES COLETIVOS: FUTSAL E FUTEBOL 38 simultaneamente. Também não defina a questão da contagem de pontos e, além disso, as equipes não te- rão goleiros, podendo a bola ser conduzida com os pés e com as mãos. Após alguns minutos, o jogo deve ser inter- rompido para que seja feita uma roda de conversa na qual os(as) alunos(as) e alunas definam algumas regras, que, na opinião deles, poderão facilitar a or- ganização da partida. Após a definição das regras, o jogo é reiniciado (SOUZA JUNIOR, 2007). Depois de um tempo pedagógico suficiente para o desenvolvimento desse jogo, é importan- te que ele tenha desdobramentos. Para isso, po- demos perguntar à turma sobre quais elementos diferenciam o esporte do jogo, bem como enca- minhar um diálogo, salientando a importância da formatação de acordos em moldes de regras. Tais discussões devem ser encaminhadas no sentido de favorecer a percepção de alunos e alunas em re- lação ao esporte, diferentemente do jogo possuir regras universais. Você pode estar se perguntando, “mas qual a relação dessa vivência com o ensinar futebol?”. Vamos explicar. Quando pensamos nas ações do- centes, sua intervenção, seu desdobramento e seus encaminhamentos, pensamos ser fundamental es- tarmos conscientes do “por quê?” e “para quê?” desse ou daquele conhecimento ser ensinado. Pode parecer que estamos operando com um simples jogo de palavras, mas quando queremos saber o por quê de algo, estamos preocupados com os motivos e, quando nossa preocupação é com o para que, nos voltamos para as finalidades. Nesse sentido, as duas perguntas anteriores podem servir como referên- cias na hora de pensarmos a prática. Por que motivo jogar um jogo que não é o fute- bol que conhecemos hoje em dia? Por que motivo modificar os acordos em moldes de regras, se ainda assim não será jogado o dito “verdadeiro” futebol jogado atualmente? A resposta não é tão complexa. Ao se vivenciar jogos “pré-futebol”, têm-se con- tato com um tipo de prática corporal, talvez inédita na vida de muitas pessoas. Rica em valor simbóli- co, permitirá aos alunos experienciar uma constru- ção histórica da humanidade, remetendo-os a um passado nem tão longínquo e que pode muito bem auxiliar na reflexão em como chegamos ao esporte futebol tal como o conhecemos hoje. Quando pensamos um “jogo”, ele pode ter re- gras diferentes, passíveis de mudanças, e ainda as- sim pode ocorrer de um mesmo jogo ser conhecido por diferentes nomes, de acordo com a região em que está inserido. Exemplo disso é o jogo no qual duas equipes se enfrentam arremessando uma bola nos integrantes da
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