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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA – UNOESC AMANDA DALLA LÍBERA DA SILVA MODA SEM GÊNERO E A DESCONSTRUÇÃO DOS PADRÕES: Um estudo dos discursos da campanha de lançamento da seção de moda sem gênero do Mercado Livre Joaçaba 2020 AMANDA DALLA LÍBERA DA SILVA MODA SEM GÊNERO E A DESCONSTRUÇÃO DOS PADRÕES SOCIAIS: Um estudo de caso da campanha de lançamento da seção de moda sem gênero do Mercado Livre Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda da Universidade do Oeste de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social. Orientador: Prof. Me. Marcio Giusti Trevisol Joaçaba 2020 AMANDA DALLA LÍBERA DA SILVA MODA SEM GÊNERO E A DESCONSTRUÇÃO DOS PADRÕES SOCIAIS: Um estudo de caso da campanha de lançamento da seção de moda sem gênero do Mercado Livre Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Comunicação Social da Universidade do Oeste de Santa Catarina. Aprovada em: ____ de novembro de 2020. BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________________ Prof. Mestre Marcio Giusti Trevisol - Orientador Universidade do Oeste de Santa Catarina ___________________________________________________________ Prof. Mestre Arnaldo Telles Ferreira Universidade do Oeste de Santa Catarina ___________________________________________________________ Prof. Mestre Rogério Augusto Bilbio Universidade do Oeste de Santa Catarina AGRADECIMENTOS Sou plenamente grata aos meus pais, que libertaram minhas asas para que eu pudesse voar cada dia mais alto, sempre me direcionando para seguir o caminho correto. Ao meu querido orientador Márcio, que esteve comigo e me deu forças em todas as etapas. As pessoas que estiveram presentes neste processo e se tornaram grande fonte de inspiração e força. Mas acima de tudo agradeço a mim mesma, por ter persistido e lutado até o final desta jornada. “Tudo o que é belo morre no homem, mas não na arte.” (Leonardo da Vinci) RESUMO A moda sem gênero é um movimento contemporâneo decorrente das mudanças acontecidas na sociedade, que se envolvem diretamente com os movimentos sociais presentes no âmbito, dos quais fomentam a quebra de padrões ligados aos gêneros. A presente pesquisa busca apontar os aspectos que envolvem a inserção da moda sem gênero nas campanhas publicitárias, e o modo como as mesmas auxiliam na desconstrução dos estereótipos histórico-sociais que envolvem o gênero. O objetivo da pesquisa é analisar como a moda sem gênero é apresentada na campanha publicitária do Mercado Livre, a partir das categorias de análise. Portanto, a questão norteadora da pesquisa versa sobre desvelar “quais são os elementos utilizados na campanha de moda sem gênero produzida pelo Mercado Livre que podem ou não quebrar estereótipos presentes na sociedade?”. O estudo, portanto, é caracterizado como exploratório e qualitativo com método histórico. A metodologia utilizada é de análise de discurso, a partir de Orlandi (2002), Pêcheux (2009) e Courtine (1999), por meio das categorias de análise de Intradiscurso, Interdiscurso e Ideologia. O universo da pesquisa é a propaganda do Mercado Livre “moda sem gênero”, veiculada através das redes sociais da marca, em dezembro de 2019. Embora a propaganda do Mercado Livre tenha utilizado um assunto contemporâneo que envolve movimentos sociais e diversidade, não se traduziu em uma quebra de estereótipos pois se equivocou na forma de apresentar o conteúdo referente a moda sem gênero. Palavras chave: Moda sem Gênero; Campanhas Publicitárias; Discurso; Movimentos Sociais. ABSTRACT Genderless fashion is a contemporary movement resulting from the changes that have been happening in society, which are directly involved with the social movements that are present in the field, that foster the breaking of gender-related standard. The present research seeks to point out the aspects that involve the insertion of genderless fashion in advertising campaigns, and the way they help to deconstruct the historical-social stereotypes that involve gender. The objective of the research is to analyze how genderless fashion is presented in the Mercado Livre’s advertising campaign, based on the analysis categories. Therefore, the guiding question of the research is about unveiling “what are the elements used in the genderless fashion campaign produced by Mercado Livre that may or may not break the stereotypes present in society?”. The study, therefore, is characterized as exploratory and qualitative with a historical method. The methodology used is discourse analysis, from Orlandi (2002), Pêcheux (2009) and Courtine (1999), through the categories of analysis of Intradiscourse, Interdiscourse and Ideology. The universe of research is the Mercado Livre’s advertisement “genderless fashion”, broadcast through the brand's social networks, in December of 2019. Although the Mercado Livre’s advertising used a contemporary subject that involves social movements and diversity, it did not translate in a breaking of stereotypes because the way of presenting the content reffering to genderless fashion was wrong. Keywords: Genderless Fashion; Advertising Campaign; Speech; Social Movements. LISTA DE IMAGENS Imagem 1 - O terno masculino……………………………………………………………......19 Imagem 2 - Influência de Coco Chanel na moda……………………………………………..20 Imagem 3 - Feminina com um “jeito” masculino - 1939……………………………………..21 Imagem 4 - 1930 – 1940 roupas práticas e resistentes sublinhavam a funcionalidade em vez da beleza……………………………………………………………………………………....21 Imagem 5 - Risca de giz para mulheres - YSL…………………………………………….....23 Imagem 6 - Passarela da Prada na temporada de menswear para o verão 2015……………...25 Imagem 7 - Duplas com looks idênticos no desfile da Armani para o inverno 2016…...……25 Imagem 8 - Duplas com looks idênticos no desfile masculino da Armani para o inverno 2016…………………………………………………………………………………………...26 Imagem 9 - Modelos vestindo as roupas da coleção da marca carioca Beira………………...26 Imagem 10 - Conjuntos de serviços do Mercado Livre……………………………………....40 Imagem 11 - Cena do vídeo “Moda sem gênero” - Mercado Livre…………………………..45 Imagem 12 - Cenas do vídeo “Moda sem gênero” - Mercado Livre………………………....46 Imagem 13 - Cenas do vídeo “Moda sem gênero” - Mercado Livre………………………....47 Imagem 14 - Cenas do vídeo “Moda sem gênero” - Mercado Livre………………………....47 Imagem 15 - Cenas do vídeo “Moda sem gênero” - Mercado Livre………………………....48 Imagem 16 - Cenas do vídeo “Moda sem gênero” - Mercado Livre………………………....48 Imagem 17 - Cenas do vídeo “Moda sem gênero” - Mercado Livre………………………....49 Imagem 18 - Cena do vídeo “Moda sem gênero” - Mercado Livre…………………………..50 Imagem 19 - Cena do vídeo “Moda sem gênero” - Mercado Livre…………………………..51 Imagem 20 - Cena do vídeo “Moda sem gênero” - Mercado Livre…………………………..52 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Mercado Livre - O 5º site mais acessado do Brasil……………………………....40 Gráfico 2 - Mercado Livre - O maior site de e-commerce do Brasil………………………....41SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.............................................…………………..........................................10 2 A CONSTRUÇÃO DO GÊNERO INSERIDO NA MODA............................................12 2.1 O CONCEITO DE GÊNERO………………….…………………...................................12 2.1.1 A estrutura do conceito de feminino e masculino…………………..........................13 2.2 A MODA……………………..………………..................................................................15 2.2.1 O gênero inserido na moda………………….……………….....................................17 2.2.1.1 Moda sem gênero - um novo conceito…………………..…………………………...23 2.3 MODA E COMUNICAÇÃO…………………..…………………...................................27 2.3.1 Moda e publicidade…………………..………………….............................................28 3 PERCURSO METODOLÓGICO.....................................................................................30 3.1 DESCRIÇÃO DA PESQUISA..........................................................................................30 3.1.1 Caracterização da pesquisa: qualitativa com estudo exploratório………………...30 3.1.2 Método histórico…………………..…………………..……………………………....32 3.1.3 Análise de discurso…………………..…………………..…………………………....33 3.1.4 Intradiscurso e interdiscurso…………………..…………………………………….34 3.1.5 Ideologia…………………..…………………..……………………………………….37 3.1.6 Estudo de caso…………………..…………………………………………………….38 3.2 UNIVERSO DA PESQUISA E COLETA DE DADOS....................................................39 3.2.1 Sobre o Mercado Livre…………………..…………………..……………………….39 4 A MODA SEM GÊNERO NA CAMPANHA PUBLICITÁRIA DO MERCADO LIVRE……………………………………………………………………………..………....43 4.1 A CAMPANHA..................................................................................................................43 4.1.2 Quebra de rótulos…………………..…………………..……………………………..44 4.2 ANÁLISE DA CAMPANHA PUBLICITÁRIA A PARTIR DAS CATEGORIAS DEFINIDAS…………………………………………………………………………………..46 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................55 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................57 10 1 INTRODUÇÃO O mundo está passando por vastas transformações, e os assuntos relacionados a quebra de padrões de gênero se tornaram motivo de debates sociais nos últimos anos, os jovens consumidores estão cada vez mais se libertando de rótulos, e ao observar essa mudança, algumas marcas como o Mercado Livre, abraçaram a causa e disseminaram o conceito da moda genderless nas suas campanhas publicitárias. Esse tema tem como intuito principal desamarrar a idéia dos estereótipos de roupas femininas e masculinas, com objetivo de promover a liberdade de expressão do público. Portanto, as mudanças são inevitáveis na sociedade, os movimentos sociais se tornaram cada vez mais fortes e instigantes, neste viés, o papel da publicidade com o auxílio das ferramentas comunicacionais é promover o posicionamento das marcas, de modo a promover as causas sociais, instigar a quebra dos padrões históricos-sociais e também se posicionar perante a concorrência. Após assistir o vídeo publicado pelo Mercado Livre, surgiu um grande interesse no aprofundamento da moda sem gênero, e também em explorar a aba no marketplace da marca, pois a peça se demonstrou instigante e jovem, assim, foi percebida uma necessidade de aprofundamento do caso, que trouxe a tona a vontade de realizar a pesquisa em questão, acompanhada de certa curiosidade a respeito da apresentação e abordagem do conteúdo por uma marca tão influente e popular no nosso país. Os objetivos propostos desta pesquisa tendem a compreensão da maneira com que os discursos publicitários são inseridos na sociedade, de modo a desconstruir os padrões históricos que o cercam, diante dos movimentos sociais presentes na sociedade. Nesse viés, pesquisa tem como objetivo analisar a maneira como a moda sem gênero é apresentada na campanha publicitária do Mercado Livre, a partir das categorias de análise. O trabalho tem como objetivo responder o problema de pesquisa que é “quais são os elementos utilizados na campanha de moda sem gênero produzida pelo Mercado Livre que podem ou não quebrar estereótipos presentes na sociedade?”. A fim de compreender o posicionamento da marca a respeito da moda sem gênero, e como o mesmo produziu os discursos para o público. Para tanto, a pesquisa caracterizada com caráter qualitativo, objetivos exploratórios, com o uso do método histórico, e a metodologia utilizada é de análise de discurso. Deste modo, o trabalho se estrutura em três capítulos. O primeiro inicia-se com a construção histórica do gênero, com base nos autores Scott (1990), Sanchez e Schmitt (2016), Castilho (2008), Praun (2011) e Jesus (2012), que apresentam de maneira clara o surgimento do conceito na sociedade. Em seguida é abordada a 11 subdivisão do feminino e masculino, e os estereótipos que envolvem os gêneros binários, onde são utilizadas as obras de Serpa (2010), Alves e Pitanguy (1985), Piscitelli (2002) e Cabral (2016). Após compreender a questão histórico-social que envolve os gênero na sociedade a história da moda é pautada, juntamente com a sua relação histórica com o gênero, com base das obras de Svendsen (2010), Lipovetsky (2007), Braga (2007) e Bergamo (1998), essas quais também auxiliam para a finalização do capítulo que relaciona os assuntos da moda sem gênero com a comunicação e a publicidade. No segundo capítulo se trata do desenvolvimento metodológico da pesquisa, de modo a promover os métodos que serão utilizados para a sua realização, que consistem na execução de um método de pesquisa histórico, que trazem como base autores como Marconi e Lakatos (1992) e Fávero, Almeida e Trevisol (2019). Em seguida, para lhe atribuir cientificidade, a abordagem da pesquisa é definida com caráter qualitativo e objetivos exploratórios, com base em autores como Triviños (1987) e Gil (2007). Posteriormente é apresentada, a análise de discurso que se caracteriza com as questões de interdiscurso, intradiscurso e ideologia, das quais servem de base para a análise final, e auxiliam na percepção dos discursos produzidos na campanha, das quais são baseadas nas teorias de autores como Orlandi (2002), Pêcheux (2009), Courtine (1999), Thompson (1995) e Fairclough (2001). Em seguida, é abordado a necessidade do estudo de caso, que é explicado e definido pelo autor Yin (2005). Para a finalização do capítulo é apresentado o universo da pesquisa, que se caracteriza pela história do Mercado Livre. No terceiro capítulo, são apresentados os dados primordiais a respeito da campanha em questão, dos quais serão importantes para a compreensão da construção dos sentidos emitidos através dos discursos produzidos. Em seguida, é realizada a análise do vídeo de “Moda sem gênero” produzido pela marca Mercado Livre, do qual é avaliado conforme as categorias de análise já definidas no segundo capítulo: intradiscurso, interdiscurso e ideologia. Logo depois, é realizada a decupagem do vídeo, que é analisado conforme as obras de Orlandi (2002), Pêcheux (2009) e Courtine (1999). Para finalizar o trabalho, as considerações finais são apresentadas. Por fim, o presente trabalho baseia-se em formato de estudo de caso, com a execução de pesquisa descritiva, que visa, portanto, compreender os fatores que envolvem a construção dos discursos, suas utilizações, e a forma com que os sentidos foram construídos e apresentados na campanha análisada, que tem como intuito principal promover a aba de moda sem gênero do marketplace da marca. 12 2 A CONSTRUÇÃO DO GÊNERO INSERIDO NA MODA 2.1 O CONCEITO DE GÊNERO O início do novo milênio trouxe vastas transformações para sociedade, incluindo a organização social do ambiente, questões comoeconomia, cultura, política, tecnologias e muitos outros aspectos. Nesse viés, algumas normas e padrões construídos historicamente necessitavam passar por alterações, esta mudança trouxe a tona alguns assuntos de caráter social, dos quais têm alavancado debates, o gênero é um deles. É de suma importância compreender as suas origens e significados, deste modo, segundo as considerações de Scott (1990) “Derivado do latim genus, o termo “gênero” é habitualmente utilizado para designar uma categoria qualquer - classe, grupo ou família - apresentando os mesmos sinais de pertencimento.” Em seu significado literal, portanto, a palavra gênero designa a divisão de seres que possuem características similares, se tornando típicas de uma determinada classe. O gênero possui dois vieses explicativos, o primeiro se baseia principalmente nas diferenciações das condições biológicas entre homens e mulheres, mais precisamente, nas físicas e visíveis. Já o segundo tem caráter sociológico e psicológico, do qual se refere ao gênero como uma construção histórica e social, este que será abordado como base de estudo para o presente trabalho. Para Sanchez e Schmitt (2016), foi nos anos 60 que começou a falar na palavra “gênero”, da qual era utilizada para fazer referência aos papéis sociais que eram determinados para cada sexo, em específico ao feminino e masculino. “O sexo era ainda tomado como natural no sentido de ser um destino que acabaria por fundar o gênero.” (SANCHEZ; SCHMITT, 2016). No final dos anos 80, o gênero surgiu como uma categoria de análise das ciências sociais para questionar a suposta essencialidade da diferença dos sexos, a palavra, entretanto recebeu atenção pelas feministas americanas e inglesas, com objetivo de explicar a desigualdade entre homens e mulheres existente na época (CASTILHO, 2008). O gênero é um conceito recente, baseado na construção social dos sexos, porém, é possível detectar sua existência desde os primórdios, procura compreender e questionar as relações históricas estabelecidas entre homens mulheres desde o início das relações humanas. A nova concepção do seu significado possibilitou, também, analisar as diferenças entre pessoas, coisas e situações vivenciadas, proporcionando o afastamento da ideia inicial de determinismo biológico relativo ao sexo (OLIVEIRA e KNÖNER, 2005 apud PRAUN, 2011). Gênero difere-se, portanto, do conceito de “sexo” que primordialmente formado pelo caráter 13 relacionado aos gêneros determinados como feminino e masculino, dos quais possuem um viés particularmente biológico. Jesus (2012, p. 8) acrescenta a respeito das diferenças: Sexo é biológico, gênero é social, construído pelas diferentes culturas. E o gênero vai além do sexo: O que importa, na definição do que é ser homem ou mulher, não são os cromossomos ou a conformação genital, mas a autopercepção e a forma como a pessoa se expressa socialmente. Proporcionando assim, a intensificação do fato do gênero ser uma construção histórica, social e cultural, que se refere principalmente a cerca dos papéis sociais assumidos pelos indivíduos, independente do seu sexo biológico, que de certa forma foi inserido na sociedade de maneira gradual, e tornou-se uma questão pertinente às discussões a respeito dos padrões estabelecidos, visando as mudanças ocorridas na construção da sociedade contemporânea e dos fatores socioculturais predominantes nela. 2.1.1 A estrutura do conceito de feminino e masculino A subdivisão entre o feminino e masculino é consequência de uma construção histórica, baseada inicialmente no modelo patriarcal da sociedade, que idealiza a superioridade do homem, do qual deve possuir cargos socialmente respeitáveis, comandar e dar sustento de modo financeiro ao lar, já em oposição, as mulheres deveriam servir a casa, exercer atividades domésticas e dar amor e priorizar seus filhos. Deixando claro que o papel de cada um deles está ligado a um formato de regras comportamentais estabelecidas por um determinismo cultural. “As mulheres, no seu processo de constituição do gênero feminino, tiveram o seu espaço subjugado ao masculino, sendo tratadas como seres mais frágeis, dependentes, e com menos direitos sociais.” (GUARESCHI, 1996 apud SERPA, 2010). O ‘masculino’ e o ‘feminino’ são criações culturais e, como tal, são comportamentos apreendidos através do processo de socialização que condiciona diferentemente os sexos para cumprirem funções sociais específicas e diversas. Aprendemos a ser homens e mulheres e a aceitar como ‘naturais’ as relações de poder entre os sexos. A menina, assim, aprende a ser doce, obediente, passiva, altruísta, dependente; enquanto o menino aprende a ser agressivo, competitivo, ativo, independente. Como se tais qualidades fossem parte de suas próprias ‘naturezas’. (ALVES; PITANGUY, 1985, p. 55-56). Fica claro o modo como a cultura patriarcal é dominante, e impôs às mulheres a dominação e opressão, pois as mesmas tinham reconhecimento na sociedade apenas por serem mães e esposas, enquanto os homens eram reconhecidos pelo seu trabalho, suas capacidades 14 intelectuais, e por comandarem o lar. Como descreve Piscitelli (2002), construiu-se historicamente um padrão de relações e de poder entre homens e mulheres, tal como definições para a feminilidade e a masculinidade. A afirmação do patriarcado e a constituição da masculinidade hegemônica deram aos homens a possibilidade de controle e de dominação sobre a mulher, fator associado ao papel da mulher na reprodução e ao caráter utópico da masculinidade hegemônica, que visa um modelo inatingível. Os movimentos feministas e de emancipação da mulher, surgidos na segunda metade do século passado, tinham como objetivo a igualdade de direitos entre os homens e as mulheres. Entre as causas defendidas por esses movimentos estavam o direito ao voto e à representação política, o acesso à educação e ao mercado de trabalho, a liberdade sexual, a igualdade de oportunidades de trabalho e de salários, a independência (FRAZÃO; ROCHA, apud PRAUN, 2011). O conceito de gênero emergiu no final dos anos 80, nesta época, as esferas políticas e sociais eram dominadas pelo patriarcado, foi um período marcado pela desigualdade de gênero, opressão e exclusão da mulher nos papéis importantes e decisivos da sociedade. Essa desigualdade de acordo com Cabral (2016), era e ainda é justificada, por setores conservadores religiosos, científicos e políticos, pela diferença biológica entre homens e mulheres. Muitos educadores, religiosos e formadores de opiniões da nossa sociedade creem que as diferenças sociais são essenciais, naturais e inevitáveis. Com base nestas justificativas, fica claro que a desigualdade entre homens e mulheres por muito tempo foi tratada como algo aceitável e normal, e ainda deixaram resquícios nos dias de hoje. Por conta disso, é muito comum observarmos o crescimento das discussões que questionam e fomentam a quebra da divisão popular do feminino e masculino, juntamente com as normas que os cercam, as quais já não condizem com as ideologias presentes na sociedade atual. Neste caso, a moda é um dos grandes determinantes para os fatores envolventes do estudo da construção e delimitação dos padrões de gêneros construídos historicamente na sociedade, desta forma é de grande importância a análise a seguir a respeito da história da moda e a maneira como ela decorre sobre as mudanças presentes na sociedade ao longo dos anos. 15 2.2 A MODA A moda fez-se um grande elemento no dia-a-dia dos indivíduos, segundo Palomino (2002), a moda é muito mais do que apenas vestuário, ela é um sistema que possui um contexto maior, que envolve inclusive as esferas políticas, sociais e principalmente as sociológicas. Entretanto, especificamente neste trabalho ela será pautada visando apenas a indumentáriados indivíduos, como roupas, acessórios e calçados. Estes elementos da moda podem ser facilmente encontrada em revistas, outdoors, vitrines de lojas e principalmente nas redes sociais. É um meio de expressão do qual representa a maneira como as pessoas se apresentam na sociedade, também diz muito sobre o local que o sujeito está inserido, sua idade, seus costumes, ciclo de convivência e a cultura do seu ambiente. Svendsen (2010, p. 6) afirma que a moda afeta a atitude da maioria das pessoas em relação a si mesmas e aos outros. Muitas delas negariam isso, mas essa negativa é normalmente desmentida por seus próprios hábitos de consumo. Para que haja entendimento das circunstâncias que desencadearam a grandiosidade da moda, é necessária a realização de uma abordagem histórica, com objetivo de obter a total compreensão de sua trajetória, juntamente com os aspectos dos quais determinam a sua importância na contemporaneidade. “Por ser um fenômeno social de considerável oscilação nem por isso a moda escapa, de um ponto de vista histórico abrangente, à estabilidade e à regularidade de seu funcionamento profundo.” (LIPOVETSKY, 2007). No início dos tempos, o homem pré-histórico utilizava de pele de animais mortos para se proteger do clima frio e das mutações da natureza, entretanto essas vestes não poderiam ser caracterizadas como moda, pois eram utilizadas apenas para a sobrevivência e eram limitadas a matéria que lhes era disponibilizada, não envolvia criatividade, muito menos tinha um padrão para seguir. “Embora tenham sido encontradas agulhas feitas de marfim, usadas para costurar pedaços de couro, que datam de cerca de 40 000 a.C., ou mesmo evidências de que o tear foi inventado há cerca de 9 000 a. C., só podemos pensar em moda em tempos muito mais recentes.” (POLLINI, 2007). Sobre o nascimento da moda, Svendsen (2010, p. 22) complementa: Afirma-se em geral que a moda no vestuário teve suas origens no fim do período medieval, possivelmente no início do Renascimento, talvez em conexão com a expansão do capitalismo mercantil. Costuma-se dizer que não podemos falar de moda na Antiguidade grega e romana no sentido em que o fazemos hoje, porque não havia autonomia estética individual na escolha das roupas – ainda que houvesse certas 16 possibilidades de variação. Partindo desta ideia, em seus primórdios, o vestuário não apresentava as mesmas características que predominam nos dias de hoje, as vestimentas eram padronizadas em todas as classes sociais e gêneros, os modelos eram similares, não havia espaço para criação, e muito divergente do presente, a liberdade de expressão não estava ligada ao seu uso. Todavia, ainda não teria como ser designada como moda. “A moda só se configura quando a mudança é buscada por si mesma, e ocorre de maneira relativamente frequente.” (SVENDSEN, 2010). De certa maneira, a moda acompanha as mutações da indumentária, e seus significados começaram a serem confundidos e comparados, porém seguem caminhos distintos. Svendsen (2010) reconhece, que a origem da moda se deu somente após as mudanças econômicas durante o período medieval, foi neste momento que os indivíduos começaram a produzir as suas próprias peças, mudando drasticamente os detalhes e as adaptando conforme suas personalidades, contornos corporais e gostos pessoais dos indivíduos. Ainda não era o que reconhecemos como moda nos dias de hoje, porém ela estava em desenvolvimento, mudando aos poucos, juntamente com a sociedade existente na época. “A renovação das formas se torna um valor mundano, a fantasia exibe seus artifícios e seus exageros na alta sociedade, a inconstância em matéria de formas e ornamentações já não é exceção, mas regra permanente: a moda nasceu.” (LIPOVETSKY, 2007). O nascimento da moda se decorreu a partir do momento que as peças de roupas tomaram forma, deixaram de ser apenas vestuários e passaram a se tornar um fator importante para a representação dos indivíduos na época, sendo possível caracterizá-la como parte de um fenômeno social que promove mudanças temporárias, se adaptam conforme as situações e as necessidades da população sempre levando em conta a individualidade de cada pessoa ou grupo. Era visível a proporção da desigualdade social naquele período, visto que a burguesia era a única classe que tinha acesso e poder aquisitivo para fazer o uso da moda de modo elegante e belo, enquanto as demais classes até então usavam as vestes antigas, simples e funcionais para o ambiente de trabalho pesado do qual enfrentavam diariamente. “A roupa, contudo, bem pode ter sido usada para construir, sinalizar e reproduzir uma ordem social, em que existiam classes sociais diferentes e desiguais.” (BARNARD, 2003, p. 155). Svendsen (2010) acrescenta que as classe trabalhadora só entrou no mundo da moda no século XIX, outrora eram excluídas pelo baixo grau financeiro, no entanto tiveram acesso apenas logo após a disseminação da produção em massa, onde os preços se tornaram mais acessíveis para todos, por conta da grande quantidade de roupas e tecidos ofertados e desde 17 então essa tendência só se proliferou. “`[...] as origens da moda encontram-se nas origens da modernidade, com o crescimento do capitalismo industrial.” (BARNARD, 2003, p. 221). É possível compreender que as vestimentas ficaram estagnadas na simplicidade e praticidade por muitos anos até se transformarem completamente e adquirirem os aspectos predominantes de moda. “De um sistema fechado, anônimo, estático, passou-se a um sistema em teoria sem limites determináveis, aberto à personalização da aparência e à mudança deliberada das formas.” (LIPOVETSKY, 2007). Bergamo (1998), em seu artigo “O campo da moda”, enfatiza a respeito do formato que a moda adquiriu com o passar dos anos: [...] longe de ser uma criação artística que escapa à razão, ou a mera expressão da futilidade alheia, a roupa é uma construção racionalizada: permite comunicar o sentido da posição do indivíduo dentro da estrutura social, é seu instrumento de realização. Ou, em outros termos, aciona os interesses em jogo entre os diversos grupos. É esse conjunto de interesses, que aqui serão chamados de demandas, e seu sentido impresso na relação dos indivíduos com a roupa que constituem propriamente o campo da moda. (BERGAMO, 1998, p. 3). Partindo dessa ideia, a moda passou por diversas transformações até chegar ao cenário atual e se tornar a moda que conhecemos. Foi caracterizada principalmente por conta mudanças ocorridas na sociedade, está ligada a cultura dos indivíduos e o modo com que querem se expressar. “O modo como as pessoas se vestiram em diferentes épocas está bastante relacionado com os aspectos sociais e culturais do período, assim, a maneira de pensar determina nossas escolhas estéticas.” (POLLINI, 2007). Ao analisar a evolução presente na trajetória, foi possível compreender as mudanças decorrentes dos acontecimentos históricos vividos pela sociedade, deixando claro a forma como o vestuário é visto como um aspecto tão importante nos dias de hoje, e como se tornou uma grande forma de comunicação não verbal, que promove a expressão, e personalidade dos indivíduos através do seu estilo. Barnard (2003) completa “[...] moda, roupa e indumentária são meios pelos quais as pessoas comunicam, não só coisas, tais como sentimentos e humores, mas também valores, esperanças e crenças dos grupos sociais a que pertencem.” Partindo da idéia de como a moda foi modificada ao longo do tempo, é necessária a análise da sua ligação com os padrões de gêneros determinados na seção anterior, do qual desenvolve a ideia do conceito criado a partir do masculino e feminino, por isso, será necessária a análise histórica de como os gêneros foram definidos na moda com o passar dos anos e quais são suas características predominantes. 18 2.2.1 O gênero inseridona moda Por muitos anos a moda foi predominantemente empregada pela nobreza para se diferenciar das demais classes sociais, o contraste entre os modelos e ornamentos utilizados eram ilustres, tornaram-se parte importante da cultura da época. Já as classes inferiores também criaram a sua própria moda, que não se igualava as demais por conta da falta de materiais, mas claro, sempre se baseando nas classes superiores. “Antes do século XIX, não havia nenhuma diferença essencial entre o vestuário de homens e mulheres da classe mais alta no que dizia respeito à ornamentação: esta era uma questão de classe, não de gênero.” (SVENDSEN, 2010, p. 47). Quando entramos na questão do vestuário ligado ao gênero, é necessário compreender e aprofundar alguns pontos predominantes, que dizem respeito ao padrão com que os gêneros se caracterizam historicamente, e a maneira como esses padrões foram se difundindo com o tempo e as mudanças ocorridas na sociedade. Conforme descrito por Pollini (2007): [...] outro elemento importante a destacar é que as roupas masculinas e femininas passaram a ter seu desenho diferenciado. Até então, as vestimentas tinham a mesma estrutura para homens e mulheres, e os acessórios, penteados e detalhes é que os diferiam. E não pense que a roupa das mulheres é que ficaram mais elaboradas e complicadas! Por mais difícil que possa nos parecer observando nossa relação moderna com as roupas, durante um grande período, a começar pelo final do século XIV, as roupas masculinas foram mais exuberantes que as femininas. Era notável que as únicas diferenças entre os gêneros baseavam-se apenas nos penteados protuberantes e acessórios, que expunham a elegância do período. Ambos se vestiam igualmente, mas os homens sobretudo utilizavam e abusavam dos tecidos, detalhes, e adornos chamativos em seu vestuário. “As diferenças existentes indicavam que os homens se vestiam mais suntuosamente que as mulheres.” (POLLINI, 2007). Braga (2015, p. 98) afirma que, nas culturas gregas e romanas, os habitantes de Creta, no Mediterrânero afinavam suas cinturas (para não dizer que estrangulavam), com um objeto semelhante ao espartilho, se tornando uma das identidades daquele povo. Estes indícios comprovam que alguns costumes e práticas eram comuns na vida de homens e mulheres, e é comprova o modo como o sexo masculino por muito tempo utilizou de costumes ditos femininos para demonstrar exuberância por onde passassem. Gilles Lipovetsky (2007), solidifica em seus estudos que o modo de se vestir entre homens e mulheres começou a se diferenciar somente a partir do século XIV, quando as roupas femininas passaram a ser mais longas e acentuadas, e os masculinos mais curtos e ajustados. O 19 autor destaca esse acontecimento como uma “revolução do vestuário que lançou as bases do trajar moderno.” (LIPOVETSKY, 2007, p. 29). A revolução industrial trouxe consigo mudanças significantes para sociedade, como inovações tecnológicas, científicas e econômicas, e foi um momento crucial para a evolução do mundo da moda, com o desenvolvimento do sistema fabril. Rodrigues e Mendes (2009) afirmam que: Com o triunfo da Revolução Industrial, o sistema capitalista é consolidado. A indústria têxtil assume então papel importante na configuração da roupa como um dos bens mais carregados de significação social. Com o aumento da produção ocasionado por esta Revolução, inicia-se uma cadeia que estabelece a união entre o setor industrial, alfaiates e comerciantes. Com capacidade de produção em série e valor simbólico agregado ao vestuário, a indústria encontra no sistema de moda sua grande ferramenta de venda. Um acontecimento determinante para a sociedade na época, foi o surgimento do terno masculino, pois se antes os homens usavam do excesso de tecidos e ornamentos para representar seu poder, a partir desse momento a necessidade seria outra, pois já teriam bens materiais para projetar sua soberania, e necessitavam de trajes mais simples e funcionais para usarem. Essa condição é pontuada por Svendsen (2010, p. 48) que ressalta que a moda “[...] deu um salto tão gigantesco com o terno que parece não ter se desenvolvido muito desde então [...]”. Imagem 1: O terno masculino Fonte: O mundo vestido (2013). No século XX, ocorreu um acontecimento importante, que modificou a indumentária 20 feminina, foi em um momento do qual houve início da prática de esportes pelas mulheres, essa mudança exigiu que fossem desenvolvidas roupas confortáveis para praticá-los. Braga (2007) afirma que este novo hobbie, deu um “[...] certo ar de masculinização à roupa feminina quando se apropriou do aspecto de duas peças das roupas masculinas, já que a mulher sempre havia usado vestido.” Com a chegada da Primeira Guerra Mundial, em 1914 as mulheres “[...] tiveram que assumir diversos trabalhos que antes eram exclusivamente desempenhados por homens, o que impulsionou de certa forma uma nova postura da mulher.” (POLLINI, 2007, p. 53). Além de assumir o campo de trabalho, as mulheres começaram a comandar as tomadas de decisões, o que contribuiu vagarosamente para a quebra de barreiras a respeito do papel da mulher na época. Neste momento ocorreu um processo de reestruturação dos papéis na sociedade, um momento significativo para desenvolvimento da moda, e um período de grande importância para as mulheres. “A guerra levou os homens ao campo de batalha, e as mulheres os substituíram no campo de trabalho. Foi o começo da emancipação feminina.” (BRAGA, 2007, p. 42). Uma estilista que se destacou na época, foi Gabrielle Bonheur Chanel, Coco Chanel (1883-1971), referência da alta-costura francesa, que se tornou um dos grandes parâmetros, pois deu liberdade para as mulheres, inovou e influenciou a moda feminina da época. Para Caraciola (2019, p. 84): Chanel consagrou-se por libertar as mulheres do uso de espartilhos, incorporando as calças e os cardigans aos trajes femininos. A estilista modificou por completo a forma do vestuário feminino através da criação de uma indumentária de uso fácil, que dispensava os serviços de uma criada, bem como do corte curto de cabelo que descomplicava os rituais de cabeleireiro, representando o espírito de liberdade da década de 1920. [...] os fios compridos representavam a feminilidade, tornando-se artifícios de sedução, fatos estes desconstruídos com o corte mais curto, no estilo Chanel. É possível observar na figura seguinte, a maneira como a Coco Chanel influenciou o período em que viveu, de forma positiva a quebrar os padrões da época e revolucionar a moda feminina. Imagem 2: Influência de Coco Chanel na moda. 21 Fonte: Moda Boom (2014). Imagem 3: Feminina com um “jeito” masculino - 1939 Fonte: Terra (2015). Como visto na figura acima, no ano de 1939, o vestuário feminino adquiriu alguns aspectos masculinos, as mulheres passaram a se vestir com roupas mais confortáveis, compostas por duas peças e com cores mais escuras, semelhantes aos uniformes utilizados pelos homens na guerra. “[...] ao passo que a moda feminina mudou constantemente, tornando-se assim mais interessante como objeto de pesquisa.” (SVENDSEN, 2010, p. 48). Imagem 4: 1930 – 1940 roupas práticas e resistentes sublinhavam a funcionalidade em vez da beleza 22 Fonte: A autora (2020). Um dos maiores avanços para as mulheres naquele período foi a inclusão do uso de calças e dos demais modelos que até então eram próprios de uso masculino, isto se deu por conta da necessidade de usar uma vestimenta prática para executar as tarefas que lhe foram denominadas. “Quando a Alta Costura introduz a calça feminina em suas coleções, as mulheres já a tinham adotado maciçamente: em 1965, criavam-se industrialmente mais calças para mulheres do que saias.” (LIPOVETSKY, 2007, p. 96). A respeito das adaptaçõesda moda conforme as mudanças sociais, Braga (2015) comprova que: A moda precisou se adaptar às circunstâncias problemáticas. Nada de grandes gastos em tecidos e complementos; tudo passa a ser austero e a moda feminina é totalmente influenciada pela estética masculina. Roupas mais esmirradas, poucos enfeites e tecidos de cores mais escuras [...] além de sapatos pesados, turbantes cobrindo cabelos e aproveitamento das sobras de tecido. Por ter sido um fato repentino, os estilistas da época tiveram que se adaptar rapidamente às mudanças, e reconheceram que era um momento histórico de grande importância para as mulheres, do qual promoveu a emancipação do feminino, juntamente com a desconstrução de um padrão que retratou a sociedade por anos, foi aí que houve uma interação fluida entre as modas, tornando-as quase impossível de distinguir. O que vale a pena ressaltar é que não havia mais tanta diferença entre as linguagens de moda tanto para homens quanto para as mulheres. Todas essas tribos eram compostas por ambos os sexos e as características visuais permitiam a todos com sutis peculiaridades do que era do masculino e do que pertencia ao feminino. (BRAGA, 2007, p. 97). Na Figura 6, vemos o modelo de risca de giz criado por Yves Saint Laurent na década 23 de 70, que foi baseada nas peças dos anos 40, e incluindo a proposta do unissex, pois até o momento, o tecido risca de giz era utilizado apenas para a produção de roupas masculinas. Imagem 5: Risca de giz para mulheres - YSL Fonte: Terra (2015). De acordo com Braga (2015, p. 86-87), na década de 60 surgiu a moda unissex, que passou a ser o grande centro das atenções nos anos 1970. Ela fez com que todas as características do que era padronizado para mulheres e homens se unissem e formassem um estilo só, mas o tema começou a ser alvo de debates somente nos anos 90, onde desencadeou a produção da moda sem gênero, que contribuiu para a desconstrução dos padrões já existentes. 2.2.1.1 Moda sem gênero - um novo conceito Através da contextualização histórica ficou evidente a maneira como o vestuário encarou diversas mutações, por muito tempo existiram padrões rígidos de vestimentas, e nada fora do padrão era socialmente aceitável. No entanto, o conceito foi alterado, as pessoas começaram a mudar o jeito com que se vestem, formando estilos próprios, e a roupa passou de um sinônimo de poder para um modo de expressão e interação social. “A moda constitui um espelho das sociedades nas quais ela existe. Seja como fenômeno cultural, seja como negócio altamente complexo, reflete as atitudes sociais, econômicas e políticas de seu tempo.” (MARTINS, 2017). 24 “Agender, gênero neutro, gender free, gender blur, gender-bender – são variadas as formas de se referir à prática que questiona e, aos poucos, desconstrói as noções de feminilidade e masculinidade.” (SANCHEZ; SCHMITT, 2016). As peças sem gênero, entraram no meio da moda para enfatizar que independente dos estereótipos e das diferenças advindas ao longo da história, todos são seres são humanos, e devem ter liberdade de escolha para vestir o que quiserem. Conforme Sanchez e Schimitt (2016), foi na primeira década dos anos 2000 que o tema começou a crescer e recebeu a devida importância em debates, o que refletiu na produção da moda sem gênero. O mundo estava passando por mudanças sociais, e o início do novo milênio fez com que os assuntos relacionados ao gênero e as vestimentas, se tornassem uma pauta necessária na sociedade, a moda se tornou um grande símbolo de representatividade e despadronização. Enquanto o termo unissex refere-se a peças desenhadas para se ajustar e favorecer tanto corpos masculinos quanto femininos e é, geralmente, associado a um produto já pertencente ao guarda-roupa dos homens, de modelagem básica e sem apelo fashion, peças sem gênero são mais complexas: sugerem a eliminação de qualquer rastro de símbolos associados culturalmente a feminino ou masculino. Trata-se de peças neutras, que fogem de estereótipos históricos e culturais – roupas que se desconectam também da antiga ideia de unissex. (SANCHEZ; SCHMITT, 2016). Surgiu com o intuito principal de desconstruir a feminilidade e a masculinidade das peças, fazendo com que a indústria repense e desconstrua o formato antigo e produção, para que assim, sejam inseridos no mercado peças que destruam os rótulos e estereótipos presentes na sociedade. “[...] a mesma moda tanto para ele quanto para ela. Isso tudo vai passar a ideia de um modo coletivo, comunitário, um ideal jovem que resultou numa espécie de uniformização da moda para ambos os sexos.” (BRAGA, 2007, p. 89). No entender de Martins (2017), a questão de gêneros, depois de passar por inúmeras revoluções sociais perdeu seu caráter binário de referir-se apenas a homens e mulheres, hoje gênero refere-se não às características anatômicas e sim a uma construção social, assim como aponta Costa, "[...] os gêneros passam a ser entendidos como processos também moldados por escolhas individuais e por pressões situacionais compreensíveis somente no contexto da interação social." (COSTA, 1994, p. 161 apud MARTINS, 2017). Através desse paradigma, é possível compreender que a moda sem gênero tem como principal objetivo quebrar o padrão ditado pela sociedade e fazer com que o vestuário possibilite a liberdade de escolha, para que assim, cada indivíduo possa usufruir de qualquer peça, independente do seu gênero. Os estilos próprios vêm abrindo espaço e os consumidores se 25 mostram cada vez mais exigentes, ligados nas tendências atuais e nos conceitos e princípios de cada marca. Segundo Portinari, Coutinho, De Oliveira (2018, p. 145): Rapidamente, o agênero começou a marcar presença em campanhas publicitárias e em editoriais de revistas (por exemplo, Vogue, Elle Magazine, Harper’s Bazaar, W Magazine e InStyle), passando também a figurar em grandes eventos de moda do chamado eixo Londres-Paris-Milão-Nova York – desde coleções de estilistas cujo traço é a ousadia e a irreverência, como a inglesa Vivienne Westwood, que também é conhecida como a rainha/a grande dama do punk, até grifes percebidas como mais tradicionais, a exemplo da francesa Givenchy. As marcas famosas começaram a inserir a moda sem gênero em suas coleções, e editoriais de revista, o que faz com que o restante das marcas do mundo da moda apoiem a ideia e adaptem para as suas coleções. As figuras a seguir representam o modo como as grifes estão aderindo a tendência de agender em suas coleções. Imagem 6: Passarela da Prada na temporada de menswear para o verão 2015. Fonte: Vogue (2015). Imagem 7: Duplas com looks idênticos no desfile masculino da Armani para o inverno 2016 26 Fonte: Vogue (2015). Imagem 8: Duplas com looks idênticos no desfile masculino da Armani para o inverno 2016. Fonte: Vogue (2015). Imagem 9: Modelos vestindo as roupas da coleção da marca carioca Beira 27 Fonte: Estadão (2018). “A moda é, portanto uma linguagem que vai muito além de distinguir gêneros ou classe social, a moda é forma de expressão dos valores que constituem uma cultura, a forma de vestir de cada indivíduo reflete os traços que compõem sua identidade.” (MARTINS, 2017). Ao acompanhar as mudanças da sociedade, o mercado da moda não pode deixar de trazer alguns assuntos de extrema importância a tona, deixando-as visíveis em suas campanhas. Algo que se tornou necessário tendo em vista a exigência do público de consumir uma marca que defenda suas causas e faça-o se sentir incluído e compreendido, pois ao possuir um posicionamento, as marcas se declaram livres de barreiras e promovem a mudança de uma sociedade conservadora, disseminando a liberdade de expressão e a diversidade. Segundo Martins (2017), “Ao que tudo indica a designação de roupas por gênerotornar- se-á ultrapassada em pouco tempo.” “Cada vez mais estilistas consolidados e executivos de peso da indústria da moda anunciam que este tipo de separação não faz mais sent ido [...]” (CAMARGO, 2017 apud MARTINS, 2017). A construção dos códigos estéticos associados ao masculino e ao feminino foram neutralizados e agora são produzidos em larga escala, tendo em vista a grande quantidade de discussões a respeito de gênero atualmente. 2.3 MODA E COMUNICAÇÃO Para entendermos a moda em sua forma comunicacional, é preciso fazer sua ligação com a transmissão de mensagens de um indivíduo para outro dentro de uma sociedade. “[...] 28 não podemos afirmar que moda é apenas o que vestimos, ela envolve comportamento, linguagem, opiniões e escolhas [...]” (POLLINI, 2007, p. 15). A moda é um meio de comunicação não-verbal, ela está conectada com a individualidade de cada ser, é através das roupas, acessórios e adornos, que compartilhamos alguns aspectos pessoais diariamente com o restante da sociedade. Na visão de Barnard (2003): A experiência do dia a dia, em que as roupas são selecionadas de acordo com o que a pessoa vai fazer naquele dia, com o estado de humor em que se encontra, com quem espera encontrar etc…, surge para confirmar a impressão de que modas e trajes são usados para enviar mensagens sobre a si mesmo a outrem. Para Braga (2007), “A roupa que usamos pode transmitir mensagens das nossas intenções, das nossas ideologias, dos nossos desejos [...] pode revelar se estamos mais ligados ao passado ou ao presente; pode elucidar nossa origem ou as nossas vontades [...]” Podemos assim, definir que a linguagem da moda é o vestuário, muitas vezes o que um indivíduo veste revela um pouco da sua personalidade, do grupo de convivência, e até mesmo as suas opiniões. A moda nasceu na mudança e consiste nela, é possível detectar o seu processo construtivo através da presencialidade nos meios comunicacionais, que são extremamente importantes para o universo do qual está interligada, o que faz com que esteja sempre buscando inovar, comunicar e atrair os consumidores. 2.3.1 Moda e publicidade A moda e a publicidade são grandes aliadas, possuem muito mais em comum do que imaginamos, ambas lidam com a imagem, comunicam, conquistam e fomentam o desejo do consumidor, e juntas são capazes de disseminar assuntos sociais atemporais. “Arma-chave da publicidade: a surpresa, o inesperado. No coração da publicidade trabalham os próprios princípios da moda: a originalidade a qualquer preço, a mudança permanente, o efêmero.” (LIPOVETSKY, 2007, p.158). Para que uma marca chame atenção ao consumidor, é necessário que ela se diferencie das demais, trazendo novidades para o mercado, e para que isso aconteça é preciso que a publicidade entre em ação, como ferramenta para todo esse reconhecimento. De fato, publicidade tem o poder de lembrar, dar valor e transformar por completo uma marca, e com o seu poder de persuasão é possível atingir os resultados esperados. Ainda para Lipovetsky (2007), afirma a respeito da utilização da publicidade pelas 29 marcas: Não mais enumerar performances anônimas e qualidades insipidamente objetivas, mas comunicar uma personalidade de marca. A sedução publicitária mudou de registro, agora investe-se do look personalizado – é preciso humanizar a marca, dar- lhe uma alma, psicologiza-la (...) Da mesma maneira que a moda individualiza a aparência dos seres, a publicidade tem por ambição personalizar a marca. Portanto, o grande papel da publicidade neste âmbito é de fato a disseminação de conceitos e a promoção das marcas, para que agreguem mais valor e assim, consigam conquistar o público de forma que a compra seja efetuada. Mas para que este objetivo seja alcançado é necessário que a marca crie um posicionamento de mercado e utilize corretamente das suas estratégias para conquistar e fomentar o desejo dos clientes. É através da publicidade que as marcas apresentam o posicionamento, os produtos e estilos que compõem a marca, criando assim, uma relação com o seu público. “Da mesma maneira que a moda individualiza a aparência dos seres, a publicidade tem por ambição personalizar a marca.” (LIPOVETSKY, 2007, p. 159). O mercado da moda está em constante mudança, podemos perceber este fato por conta da grande quantidade de campanhas que observamos todos os dias, nas redes sociais, outdoors, revistas, editais de moda, e em outros meios online e offline. É normal a confecção de modelos das mais variadas tendências em cada estação, e que em cada lançamento sejam desenvolvidas campanhas publicitárias, que podem variar o conceito conforme a necessidade e as prioridades da marca. No entanto, é possível notar que a moda e a publicidade são assuntos muito similares, pois possuem princípios em comum, ambas vivem de sedução, juntas trazem novidades e mudanças na sociedade, promovendo o desejo dos consumidores de estação a estação. 30 3 PERCURSO METODOLÓGICO Este trabalho possui um caráter científico, necessitando assim de um método de pesquisa para a sua estruturação, portanto nesta parte serão apresentados os procedimentos metodológicos da pesquisa, que compreendem a descrição e tipo de pesquisa, o universo, os instrumentos de coleta de dados e as categorias utilizadas para a análise dos resultados. A adoção desta metodologia se faz necessária para a elaboração eficaz de um trabalho científico, portanto serão utilizados de alguns métodos para a sua construção. “Método é a forma de proceder ao longo de um caminho. Na ciência, os métodos constituem os instrumentos básicos que ordenam de início o pensamento em sistemas, traçam de modo ordenado a forma de proceder do cientista ao longo de um percurso para alcançar um objetivo.” (FERRARI, 1974, p. 24). O método científico na visão de Severino (2007), é um elemento fundamental para a ciência, ele a difere do senso comum, e é composto por um conjunto de procedimentos lógicos e técnicas operacionais, que permitem o acesso às relações causais constante entre os fenômenos. Todavia, é de grande importância que haja a unção dos métodos definidos, para que assim, o caminho seja consistente e o processo seja cumprido de maneira precisa e eficaz, de modo a ser constituído por um começo, um meio e um fim, gerando resultados coerentes e ligados a questão da pesquisa que versa sobre desvelar quais são as variáveis utilizados nas campanhas de publicidade de moda que instigam as quebras de padrões na sociedade. 3.1 DESCRIÇÃO DA PESQUISA Os procedimentos abordados no presente trabalho consiste na execução de um método de pesquisa histórico, e quanto à sua abordagem será uma pesquisa de caráter qualitativo. Seus objetivos, no entanto, caracterizam-se como exploratórios, com a utilização da metodologia de análise de discurso para que se chegue a uma resposta de pesquisa quanto a maneira perceptiva de como a formação dos discursos são inseridas na publicidade, e como a utilização desses meios em uma campanha de moda sem gênero pode auxiliar na desconstrução dos padrões já construídos na sociedade. 3.1.1 Caracterização da pesquisa: qualitativa com estudo exploratório 31 Quanto aos dados analisados, a pesquisa terá abordagem qualitativa por conta da relação direta entre a pesquisa juntamente com o caso a ser investigado. Para Vieira (1996), a pesquisa qualitativa pode ser definida como a que se fundamenta principalmente em análises qualitativas, caracterizando-se, em princípio, pela não utilização de instrumental estatístico na análise dos dados. Esse tipo de análise tem por base conhecimentos teórico-empíricos que permitem atribuir-lhe cientificidade. A pesquisa de caráter qualitativo na visão de Silva e Menezes (2005): Considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito,isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não 28 pode ser traduzido em números. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa. Não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas. O ambiente natural é a fonte direta para coleta de dados e o pesquisador é o instrumento-chave. É descritiva. Os pesquisadores tendem a analisar seus dados indutivamente. O processo e seu significado são os focos principais de abordagem. A utilização do método exploratório dentro da pesquisa é efetuado quando não se possui muita informação sobre o tema a ser estudado, o que dificulta na formulação final das hipóteses. Para Gil (2007, p. 44), “As pesquisas exploratórias têm como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista, a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores.” Para o autor, esse tipo de pesquisa com caráter aparentemente simples, explora a realidade buscando o aprofundamento dos fatos. De acordo com Gonsalves (2003), a pesquisa exploratória é caracterizada pelo desenvolvimento e esclarecimento das ideias da pesquisa, com objetivo principal de fornecer uma primeira aproximação sobre um determinado assunto que é pouco explorado. É caracterizado por ser uma “pesquisa de base”, que oferece dados elementares que dão suporte para a realização de estudos aprofundados sobre o assunto. Dando a possibilidade para o pesquisador de compreender e também interpretar o fenômeno e a sua natureza. Conforme salienta Triviños (1987, p. 109), “os estudos exploratórios permitem ao investigador aumentar sua experiência em torno de determinado problema”. Em vista disso, a pesquisa exploratória foi necessária para que os assuntos poucos explorados a respeito da moda sem gênero interligada com a publicidade fossem mais aprofundados, para que de fato houvesse informações claras e necessárias para o desenvolvimento do estudo. Por essas razões, observa-se a importância da utilização do método exploratório, de modo a facilitar a coleta de informações sólidas a respeito do tema, para que assim, as 32 informações coletadas auxiliem o entendimento dos fatores históricos e sociais que cercam o assunto. 3.1.2 Método histórico O método histórico de pesquisa faz com que seja possível refletir os fatos que cercam um determinado fenômeno, e a sua significativa relação com o tempo espaço. No caso deste estudo, o método foi utilizado para rever os fatos históricos que cercam a moda, juntamente com os aspectos da moda sem gênero no período determinado pela pesquisa, o que ocasionou o melhor entendimento da sua trajetória. É indispensável a utilização do método histórico, visto que sem ele não há como ter conhecimento dos fatos ocorridos anteriormente, que serviram de base para a pesquisa. Neste viés, Boas, citado por Marconi e Lakatos (1992) enfatiza sobre as características do método histórico: [...] o método histórico consiste em investigar acontecimentos, processos e instituições do passado para verificar a sua influência na sociedade de hoje, pois as instituições alcançaram sua forma atual através de alterações de suas partes componentes, ao longo do tempo, influenciadas pelo contexto cultural particular de cada época. Seu estudo, para uma melhor compreensão do papel que atualmente desempenham na sociedade, deve remontar aos períodos de sua formação e de suas modificações. O objetivo do método histórico é expandir as possibilidades de análise a respeito dos acontecimentos ocorridos, de modo a entender a particularidade, juntamente com os fatores organizacionais, sociais e principalmente políticos que o cercam, dando a entender o motivo das características predominantes dos acontecimentos a serem estudados. “(...) o método histórico preenche os vazios dos fatos e acontecimentos, apoiando-se em um tempo, mesmo que artificialmente reconstruído, que assegura a percepção da continuidade e do entrelaçamento dos fenômenos.” (MARCONI; LAKATOS, 1992, p. 82). Ao investigar os fenômenos existentes na sociedade juntamente com os processos históricos, a fim de compreender seu grau de influência. “[...] está vinculado a uma concepção de realidade, de mundo e de vida no seu conjunto. Este constitui-se numa espécie de mediação no processo de aprender, revelar e expor a estruturação, o desenvolvimento e transformação dos fenômenos sociais.” (FRIGOTTO, 2001, p. 77, apud FÁVERO; ALMEIDA; TREVISOL, 2019). Por conta de ser caracterizada como um método histórico, o recolhimento dos dados 33 foram feitos a partir de materiais existentes e publicados sobre o assunto, de modo a investigar o passado e compreender as razões do modo de vida existentes na atualidade, observando os elementos que são compostos pela cultura e das mudanças presentes na sociedade ao longo do tempo, sendo esses os meios utilizados como base da pesquisa, dando um viés solidificado para auxiliar a análise que ocorrerá posteriormente. 3.1.3 Análise de discurso Como o objetivo de estudo é investigar e compreender os discursos e sentidos da campanha do Mercado Livre, é necessário que haja total aprofundamento, portanto, será utilizado o método de análise de discurso como instrumento base, este método trata do discurso presente no sentido da mensagem. “Na análise de discurso, procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história.” (ORLANDI, 2002, p. 15). Deste modo, a análise de discurso busca compreender o caráter histórico da linguagem, o que ocasiona o entendimento do fazer linguístico de cada discurso. Todos os discursos são carregados de sentidos ocultos que permanecem camuflados entre as linguagens, e são utilizadas com objetivo de fazer com que o público reaja e responda de uma determinada maneira. Na perspectiva de Zanella (2013), a análise de discurso é mais utilizada no campo da linguística e da comunicação especializada em analisar construções ideológicas presentes num texto. É muito utilizada, por exemplo, para analisar textos da mídia e as ideologias que trazem em si. Como menciona Orlandi (2002), não se trata de simples transmissão de informação, mas de um complexo processo de constituição de sentidos e de sujeitos. Portanto, é através do meio de discurso que o homem se relaciona com a sociedade e com os fatores que o cercam diariamente. Ainda para Orlandi (2002), este tipo de estudo caracteriza a linguagem como mediação entre o homem e a sua realidade natural e social, essa mediação é o discurso, que torna e faz possível a permanência e a transformação do homem dentro da realidade em que ele vive. “Nos estudos discursivos, não se reparam forma e conteúdo e procura-se compreender a língua não só como uma estrutura mas sobretudo como acontecimento.” (ORLANDI, 2002, p. 19). Posto isso, fica claro que o discurso utiliza da língua como base, mas é produzido de maneira social, é nele que é possível observar a determinação histórica dos sentidos, como são formulados e disseminados na sociedade. 34 Desta forma, Orlandi (2002) pontua: a) a língua tem sua ordem própria mas só é relativamente autônoma (distinguindo-se da Linguística, ela reintroduz a noção de sujeito e de situação na análise da linguagem); b) a história tem seu real afetado pelo simbólico (os fatos reclamam sentidos); c) o sujeito de linguagem é descentrado pois é afetado pelo real da língua e também pelo real da história, não tendo o controle sobre o modo como elas o afetam. Isso redunda em dizer que o sujeito discursivo funciona pelo inconsciente e pela ideologia. Ainda para Orlandi (2002, p. 28), “[...] tendo compreendido o processo discursivo, os resultados vão estar disponíveis paraque o analista os interprete de acordo com os diferentes instrumentais teóricos dos campos [...]” A utilização da análise de discurso é necessária para que haja o encontro e compreensão dos sentidos que cercam a campanha a ser analisada. 3.1.4 Intradiscurso e interdiscurso Para que haja entendimento da análise que será realizada a respeito da campanha citada anteriormente, é viável a utilização da Análise de Discurso como método para que haja a compreensão da composição e das características do meio discursivo utilizado na campanha de moda sem gênero do Mercado livre, pois o discurso publicitário, composto por fatores sociais e históricos, é uma grande fonte de pesquisa. Dentro do caráter discursivo são subdivididos duas categorias de análise, chamadas de intradiscurso e interdiscurso, das quais auxiliam a compreensão dos fatores que desencadeiam os sentidos e efeitos internos produzidos pelo meio publicitário. Vendo que são utilizadas diferentes ferramentas para que os textos midiáticos disseminem valores e conceitos na sociedade, tornando-se assim, um grande modelo de aparelho ideológico. Sendo assim, de grande importância a compreensão de como as devidas ferramentas funcionam quando inseridas no meio publicitário. Na visão de Orlandi (2002, p. 84), “[...] a maneira de analisar o não-dito, [...] difere e dá como resultado conclusões diferentes, com consequências diferentes a respeito de nossa compreensão dos sentidos e dos sujeitos em sua relação com o simbólico, com a ideologia, com o inconsciente. A autora pontua também sobre as formas de análise de linguagem: a. as diferentes concepções de língua (sistema abstrato, material ou empírico; sujeito a falhas, um todo perfeito, um sistema fechado em si mesmo); b. diferentes naturezas de exterioridade (contexto, situação empírica, interdiscurso, condições de produção, circunstâncias de enunciação); c. diferentes concepções do não-dito (implícito, silêncio, implicatura etc). 35 (ORLANDI, 2002, p. 84). Isto posto, é necessário que a análise seja realizada de maneira mais ampla, abrangendo bem como as questões históricas, políticas, culturais, sobretudo os atributos sociais que cercam o discurso produzido. Nas palavras de Pêcheux (2009, p. 172), a respeito da formação discursiva “como espaço de reformulação-paráfrase onde se constitui a ilusão necessária de uma ‘intersubjetividade falante’ pela qual cada um sabe de antemão o que o ‘outro’ vai pensar..., e com razão, já que o discurso de cada um reproduz o discurso do outro.” Sobre as características do interdiscurso Orlandi (2002) afirma: O interdiscurso é todo o conjunto de formulações feitas e já esquecidas que determinam o que dizemos. Para que minhas palavras tenham sentido é preciso que elas já façam sentido. E isto é efeito do interdiscurso: é preciso que o que foi dito por um sujeito específico, em um momento particular se apague na memória para que, passando para o “anonimato”, possa fazer sentido em “minhas” palavras. No entanto, o interdiscurso é caracterizado como um banco de memória, onde são armazenadas conforme as vivências do indivíduo, e as lembranças vem à tona na medida que o mesmo passa a ter diferentes experiências em sociedade. Desta maneira, Orlandi (2002, p. 30) complementa, “Também a memória faz parte da produção do discurso. A maneira como a memória ‘aciona’, faz valer, as condições de produção [...]”. Para Orlandi (2002, p. 89), “[...] todo texto é sempre uma unidade complexa; não há texto, não há discurso, que não esteja em relação com os outros, que não forme um intrincado nó de discursividade.” Nesse sentido, quando o indivíduo se apropria de discursos antes construídos para produzir o seu próprio discurso, ele está automaticamente utilizando de fontes externas e antigas para o seu uso, assim, estabelecendo uma determinada ligação de outros discursos para com o atual. Já o intradiscurso, segundo Courtine (1999), diferentemente e dependente do interdiscurso, é um eixo de formulação a respeito do que se está dizendo em um momento singular, onde na situação já existem condições preestabelecidas. Este elemento atua na compreensão dos discursos desenvolvidos pelo enunciador, de modo a transmiti-lo por determinados meio de planos de expressão. Ou seja, o intradiscurso é associado a formulação da ideia, e é influenciado pelo momento e as condições do ambiente do qual é inserido. Para Faria (2001, p. 32), “[...] à visão de mundo que o discurso defende e que pode ser descrita a partir dos percursos semânticos encontrados no intradiscurso, ou seja, nos textos que materializam o discurso dado”. “O discurso só existe enquanto interdiscurso, interação de discursos [...], pois o discurso define-se em relação a outro(s).” (FARIA, 2001, p. 18). De certo 36 modo, o intradiscurso está ligado também com a memória, caracterizada pelo interdiscurso, que foi definida anteriormente, ambos provém do mesmo sentido, porém em espaços diferentes, se complementam de modo a produzir sentidos para a linguagem, a mostrar que nada foi inserido por acaso, estão sempre interligados com algo e necessitam de uma determinada atenção para sua plena interpretação. Se tratando do intradiscurso, nas teorias de Pêcheux (2009, p.153) designa essa noção como sendo “o funcionamento do discurso com relação a si mesmo (o que eu digo agora, com relação ao que eu disse antes e ao que eu direi depois; portanto, o conjunto dos fenômenos de 'correferência' que garantem aquilo que se pode chamar o 'fio do discurso', enquanto discurso de um sujeito)”. Para Pêcheux, citado por Orlandi (2002, p. 33) acrescenta que “[...] é o interdiscurso que especifica as condições nas quais um acontecimento histórico (elemento histórico descontínuo e exterior) é suscetível de vir a inscrever-se na continuidade interna, no espaço potencial de coerência próprio a uma memória.” É possível perceber a relação entre os âmbitos do interdiscurso e o intradiscurso, de modo como é plausível formular um discurso (intradiscurso), se entrarmos no meio que representa o dizer (interdiscurso). É possível a compreensão de que o interdiscurso é a relação entre os discursos presenciados por um indivíduo e já esquecidos, de modo a formarem um novo discurso futuramente, com o auxílio da memória, contraposto ao intradiscurso, que é a formulação do que falamos em determinado instante, influenciado pelas condições do ambiente, proporcionando a atualização do que já foi dito. Assim, compreendemos a ligação entre o que foi dito e o que está sendo falado, dando uma significativa linearidade entre o interdiscurso com intradiscurso. Orlandi (2002, p. 30), afirma que “[...] há uma relação entre o já-dito e o que se está dizendo, que é a que existe entre o interdiscurso e o intradiscurso ou, em outras palavras, entre a constituição do sentido e sua formulação.” Desta maneira, o objeto estudado do qual representa o trabalho de análise do discurso publicitário se caracteriza no ambiente dos sentidos, como o interdiscurso, mas também na formulação das suas características conforme os elementos de discurso pré-construídos, que promovem assim, o intradiscurso, ambos se fundam entre si originando a formulação dos discursos. 3.1.5 Ideologia A ideologia é definida por Orlandi (2002) como a interpretação do sentido, da qual 37 determina a relação da linguagem com os mecanismos que cercam a história. Neste sentido, a produção do discurso se dá através da construção de sentidos internos, dos quais são produzidos visando a realidade e as condições do momento em que foram elaborados, isto posto, para que o estudo da análise de um discurso publicitário seja eficiente, deve-se levar em conta além dos fatores históricos, sociais e políticos, a ideologia que o cerca, sempre levando em conta a interpretação do contexto do qual foi produzido,de modo a compreender a realidade dos fatores determinantes. Em sua obra Thompson (1995) reformula o conceito de ideologia que foi modificado ao longo da história por diversos autores, mas para ele a ideologia pode ser usada para expressar como os sentidos sustentam as dominações presentes nas relações de poder. Em vista disso, as vivências do sujeito influenciam diretamente na sua percepção a respeito do mundo, do momento que está vivendo, e principalmente sobre o seu ciclo social, fatores que intervém para a formação dos discursos formados ao longo do tempo. Para Pêcheux (2009), “não há discurso sem sujeito e nem sujeito sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua faz sentido”. Neste viés, Thompson (1995) realiza uma síntese a respeito da funcionalidade do estudo da ideologia através da análise de discurso: O estudo da ideologia exige que investiguemos as maneiras como o sentido é construído e usado pelas formas simbólicas de vários tipos, desde as falas linguísticas cotidianas até as imagens e aos textos complexos. Ele exige que investiguemos os contextos sociais dentro dos quais essas formas simbólicas são empregadas e articuladas. Ele requer que perguntamos se - e, se este for o caso, como - o sentido é mobilizado pelas formas simbólicas em contextos específicos, para estabelecer e sustentar relações de dominação. A distintividade do estudo da ideologia esta na ultima questão: ele exige que perguntemos se o sentido, construído e usado pelas formas simbólicas, serve ou não para manter relações de poder sistematicamente assimétricas Segundo Thompson (1995), a análise da ideologia está ligada diretamente com “[...] às características da ação e da interação, às formas de poder e dominação, à natureza da estrutura social, à reprodução e à mudança social, às qualidades das formas simbólicas e a seus papéis na vida social”. Desta maneira, pode-se entender que a construção dos sentidos é influenciada por diversos fatores presentes na sociedade, e é uma ferramenta importante para a investigação da complexidade social existente no meio em que os sujeitos produzem os sentidos do discurso, “[...] ideologia é a condição para a constituição do sujeito e dos sentidos” (ORLANDI, 2002, p. 46). Portanto, Fairclough (2001) afirma que as ideologias são construções que envolvem a realidade que engloba o mundo do indivíduo e as suas relações sociais, das quais são construídas 38 através dos sentidos discursivos que auxiliam para a “produção, a reprodução ou a transformação” das práticas de dominação. Neste viés, a representação do ideológico faz-se importante na demonstração da esfera de produção dos determinados discursos sociais. Para Thompson (1995), a ideologia é “[...] uma característica criativa e constitutiva da vida social, que é sustentada e reproduzida, contestada e transformada, por meio de ações e de interações, as quais incluem a troca contínua de formas simbólicas”. Deste modo, a ideologia atinge grandes esferas da sociedade, é responsável pela construção do sujeito, e são disseminadas pelos aparelhos ideológicos, como na igreja, família e escola, é através dela que os indivíduos formam a visão de mundo a partir da vivência e das relações sociais ocorridas em suas vidas, portanto, não seria possível analisar e interpretar os sentidos de um discurso sem pensar na ideologia que cerca o sujeito. 3.1.6 Estudo de caso Para introduzir o método, Yin (2005, p. 32) afirma que “[...] o estudo de caso é uma investigação empírica de um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, sendo que os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definido.” Portanto, este método é um tipo de pesquisa do qual seu procedimento cerca a respeito de um caso isolado, com principal objetivo de conhecer as suas causas e variantes, no processo de análise a fim de compreender fenômenos sociais de caráter complexo, sempre preservando seus significados. Sobre a utilização do estudo de caso, Yin (2005) pontua: Em geral, os estudos de caso representam a estratégia preferida quando se colocam questões do tipo ‘como’ e ‘por que’, quando o pesquisador tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real. A metodologia do estudo de caso não busca pela generalização de seus resultados, mas pelo entendimento e interpretação aprofundado dos fatos e fenômenos específicos. Embora não possam ser generalizados, os resultados precisam promover a disseminação do conhecimento, por meio de possíveis generalizações ou proposições teóricas que podem surgir no decorrer do estudo (YIN, 2005). Tornando-se assim uma ferramenta para o aprofundamento do estudo, e para as resoluções de dúvidas que podem surgir durante o processo. Como menciona Zanella (2013, p. 39), “Os estudos de caso têm grande profundidade e pequena amplitude, pois procuram conhecer a realidade de um indivíduo, de um grupo de 39 pessoas, de uma ou mais organizações em profundidade.” Nesse sentido, é necessário possuir uma determinante a respeito do grupo a ser estudado, para que a pesquisa se expanda apenas em seu meio, e não fora dele. Segundo Yin (2005), o estudo de caso é utilizado como ferramenta de investigação científica na compreensão de processos na complexidade social nas quais estes se manifestam: seja em situações problemáticas, para análise dos obstáculos, seja em situações bem-sucedidas, para avaliação de modelos exemplares. No caso do estudo, o grupo a ser analisado está caracterizado pelas pessoas que consomem a moda sem gênero, juntamente com o público do mercado livre, que irá responder positivamente ou negativamente a respeito da ideia que cerca a campanha divulgada. No entanto, é de grande importância a realização de um estudo para a compreensão das condições e as variáveis predominantes no aspecto da marca, do site e do público alvo, para que haja o total e claro compreendimento do assunto, sempre visando a realidade e os fatores que o cercam. 3.2 UNIVERSO DA PESQUISA E COLETA DE DADOS O universo a ser analisado é o marketplace do Mercado Livre juntamente com a campanha de publicidade produzida e divulgada para os 20 anos da empresa, seu conceito se dá a respeito da criação de uma seção de Moda sem Gênero, onde conta com a presença de algumas marcas de moda, que implantaram a ideia, e são especialistas no conceito agênero. Apresenta-se brevemente nesta seção, o histórico da marca a ser estudada, e os detalhes da campanha selecionada para análise, para a base desta contextualização, são utilizadas informações disponíveis no site da empresa e em outras fontes digitais. 3.2.1 Sobre o Mercado Livre O Mercado Livre é o mais completo e maior marketplace da América Latina, ele atua em 18 países e é uma companhia líder em tecnologia para e-commerce e serviços financeiros. A empresa foi fundada no ano de 1999 na Argentina, pelo empresário argentino Marcos Galperín, em seu início, o site foi lançado com formato de negociações em leilões online, e posteriormente foi ampliado para o que se tornou nos dias de hoje, um site completo que oferece uma gama de produtos, e soluções para que as empresas possam prosperar seus negócios através de vendas, pagamentos, compras, como também anunciar e enviar produtos através da 40 plataforma. É possível observar na figura abaixo, além do site Mercado Livre a empresa conta com outros conjuntos de serviços para oferecer e auxiliar seus clientes, sendo eles: Fintech Mercado Pago, Mercado Envios, Mercado Livre Classificados, Mercado Livre Publicidade e Mercado Shops. Imagem 10: Conjuntos de serviços do Mercado Livre Fonte: Ideias Mercado Livre (2018). Para compreender a grandiosidade e a maneira como o Mercado Livre se tornou
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