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RESUMO POSFÁCIO: NEUROSE, PSICOSE, PERVERSÃO

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
Psicologia 
Resumo
Clínica Psicanalítica
Rio de Janeiro
2018.1
UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
Psicologia 
Serviço de Psicologia Aplicada – Campus Santa Cruz, RJ
2018.1
Resumo
Trabalho de estágio em Clínica Psicanalítica, com o objetivo de aprovação parcial na disciplina de Estágio Supervisionado em Psicologia e Processos Clínicos, ministrado pelo professor 
Rio de Janeiro
2018.1
NEUROSE, PSICOSE, PERVERSÃO:
A IMPLICAÇÃO DO SUJEITO NA NOSOLOGIA FREUDIANA
O leitor que abrir o conjunto de textos que compõem o presente volume, Neurose, Psicose, Perversão, encontrará toda uma série de formulações em que Freud busca desenvolver o diagnostico diferencial das estruturas clinicas da Psicanálise, distinguindo os vários modos de adoecimento psíquico conforme os meios empregados pelo sujeito ou para manter distantes exigências pulsionais incompatíveis com os modelos identificatórios que constituem a representação que tem de si mesmo, ou, para dizer com Freud, para delas se defender.
Ao ler esses admiráveis ensaios clínicos com nosso olhar de hoje, esse olhar profundamente transformado pelas modificações que a luz freudiana imprimiu sobre a própria visão contemporânea do mundo e sobre nosso lugar na civilização, com esse olhar já um tanto naturalizado pela absorção quase geral das categorias psicanalíticas na abordagem contemporânea dos mais diversos fenômenos mentais e psíquicos, o leitor talvez não consiga estimar corretamente o valor extraordinário de sua subversão.
Caberia também enfatizar a originalidade da concepção freudiana do circuito pulsional da libido, no nível da satisfação autoerótica, indiferente tantos aos critérios instrumentais da cultura quanto às normas biológicas da reprodução, assim como a percepção não moralizante da perversão como verdade do recalcamento neurótico. Valeria igualmente lembrar a mutação que a escuta clinica de Freud gerou sobre a própria percepção cientifica da linguagem e das categorias discursivas da realidade, além de tantas outras transformações, impossíveis de se lidar nesse espaço.
De nossa parte, optamos por demonstrar um elemento de articulação conceitual inexplícito que funciona como denominador comum a essas transformações. Sua importância se deixa particularmente medir pelo valor operatório de uma categoria discursiva da qual Freud jamais fez um uso propriamente conceitual, mas por onde sua reflexão teórica se vincula devido valor sera conceitualmente estabelecido por Jacques Lacan.
Quem trabalha com o sofrimento psíquico ou mental não pode se furtar a medir o quanto o estigma produzido por uma categoria nosologica vem modificar a própria evolução da enfermidade assim definida cujo curso encontra-se vinculado à expectativa que o paciente mantem em relação ao Outro social que o nomeia. Seja na forma da patologia histérica, que visa excitar o desejo do Outro ao fazer enigma do próprio sintoma; seja na tarefa interminável do obsessivo, que consagra vida a esmiuçar as regras do Outro, buscando a garantia do seu reconhecimento; seja, ainda, na perplexidade do sujeito psicótico, às voltas com as exigências obscenas do Outro, a perspectiva gerada pelo diagnóstico que altera o prognóstico se formula numa mesma pergunta: O que o Outro espera de mim?
Por vezes chegamos a comparar os efeitos químicos de um medicamento com os efeitos igualmente químicos da expectativa gerada pela percepção que o paciente passa a ter de si mesmoao receber o veredito diagnóstico, visto que existe, factualmente, uma alteração química provocada pela expectativa cientificamente demonstrada nos estudos atuais sobre o efeito placebo. Se até hoje frequentemente falamos dos efeitos da estigmatização diagnóstica, é porque por um bom tempo a solução clássica ao problema da expectativa consistia em responder à palavra pela via da marca, ao significante pela via do signo.
Normalmente inferimos que a percepção de um fenômeno perde sua conotação moralizante quando esse mesmo fenômeno se torna objeto do discurso da ciência. Mas se o estigma difamante da doença pôde ser neutralizado no campo da medicina cientifica, por que, então, o opróbio permanece ainda ligado ao sujeito diagnosticado como portador de patologia mental ou mesmo psíquica? Porque é possível ate hoje insultar alguém o chamando de psicótico, de histérico ou de perverso, sem que se produza o mesmo efeito ao chamar alguém de diabético ou de hipertenso? Teríamos, então, de aguardar pela ocasião em que a objetivação científica do fenômeno mental viria neutralizar o efeito difamante ocasionado pelo diagnóstico psicopatológico, momento, enfim, em que, no lugar de nos referimos ao sujeito melancólico, falaríamos de um caso grave de serotoninopedia, e em vez de psicose delirante, diríamos se tratar de hiperdopaminemia? Pelo tom visivelmente irônico da pergunta, já se adivinha que nossa resposta é negativa.
A historiografia de Foucault demonstra-nos amplamente que racionalidade e loucura sem sempre foram dimensões excludentes; elas haviam mantido, ate o inicio da era clássica, uma relação reversível na qual a loucura se revelava à razão na forma de sua verdade oculta. Ao estabelecer, em sua origem, que a natureza pode se objetivamente conhecida, em sua estrutura matemática, o pensamento cientifico moderno organizou a convicção de que o problema do engano e do erro não se encontra na racionalidade concebida nela mesma, mas somente no seu uso indisciplinado.
Diante da pergunta sobre o que o Outro espera de mim, a ciência agora responde que do louco não se devera esperar mais nenhum pensamento. A loucura perderá sua dignidade de consciência trágica, para ser tratada como fonte de erro a partir do gesto não cientifico de exclusão moral que a separou da razão. Ao definir alguém como “alienado”, o discurso segregacionista apoia-se na autoridade cientifica para salientar sua fala, seja excluindo-o fisicamente da comunidade, através de medidas de internação sistemática, seja tratando cientificamente sua diferença nos termos veladamente morais de comportamento inadaptado ou de déficit cognitivo.
Quando se elimina a palavra do louco, objetivando sua patologia, só lhe resta o estigma das subjetividades descreditadas de que fala Erving Goffman, em seu estudo sobre as instituições totais. O ponto é, portanto, este: seja qual for o seu nível de êxito ou de dificuldade em tratar cientificamente o fenômeno mental, a ciência estabelece axiomaticamente, em sua fundação, que da loucura, como pensamento, nada se deve esperar, ela nada tem a dizer. Com o surgimento propriamente moderno das práticas disciplinares, a loucura passaria a ser tomada como um desvio do sujeito em relação à sua representação social, sendo a cura a restituição dessa adequação perdida através de um processo que visa estabilizar o doente numa representação reconhecida socialmente.
É bem verdade que, em princípio, não há nada de propriamente descomedido numa prática classificatória. Existem classes, ou seja, multiplicidades unificadas sobre a base de uma propriedade definida, condicionadas pela existência, exterior a ela, de outra classe como limite, sem tal propriedade. Há, contudo, uma importante diferença quando se trata de classificar sujeitos, sobretudo quando tratamos da nosologia como doutrina das classes diagnósticas: as classes cujos elementos são sujeitos não se encontram fundadas sobre nenhuma propriedade empiricamente representável.
Existe apenas o efeito de alienação a um nome, de modo eu a propriedade identificatória que lhe é assim atribuída necessita ser constantemente reafirmada pelo gesto de sua nomeação. O que explica em nossa prática clínica, que o diagnóstico tenha incidência sobre o prognóstico, conforme dizíamos no início, é que as classes, assim constituídas, produzem efeitos consideráveis sobre os seres que nelas se representam.
Munidos dessas considerações, finalmente voltamos ao tabuleiro de nosso jogo para alcançar o aspecto propriamente inovador que diferencia a nosografia freudiana das práticas
nosológicas que a precederam: foi justamente por considerar a causa do desejo como resto irrepresentável da apresentação subjetiva que a perspectiva freudiana surgiu, intercedendo como resposta ao contexto de objetivação do mental pelas práticas disciplinares.
Sejamos, portanto, subjetivos: para decifrar a enigma da histeria, objetiva-la, no nível pretensamente cientifico de uma psicologia do fenômenos mentais ou psíquicos, não nos leva muito longe; é preciso, antes de tudo, escutar o que o sujeito histérico tem a dizer. Aos escutar seus pacientes, Freud desnaturalizaa concepção de doença mental, notando de saída que a cisão da consciência deriva não de uma falha de síntese, mas antes “de um ato de vontade [eines Willenaktes] do doente”, sem com isso afirma “que o doente tenha a intenção de produzir uma cisão”.
A solução histérica (e não sua deficiência inata, como diria mais uma vez Janet) consiste em transpor esse fator libidinal incompatível para o corpo, na forma da conversão, com vistas a desembaraçara unidade egoica do elemento desarmônico, que passa assim a parasitar uma função corporal.
Não é, contudo somente na loucura histérica que Freud identifica a inadequação entre a representação dividida do sujeito e a unidade representativa do Eu. Ele a identifica em outro tipo de loucura, a loucura obsessiva, que tende a ser tanto mais grave quanto mais normal o individuo se esforça para ser. Em sua paixão pela normalidade o individuo não mais percebe que as ideias obsessivas são autorrecriminações alteradas de uma satisfação impedida, submetendo-se a regras e cerimoniais que o exaurem na tarefa infinita de preservar uma unidade sem falhas.
Não é, portanto, casual, conforme lembra Pedro Heliodoro Tavares, que Freud estivesse atento à derivação do termo Kränkung, que em alemão significa literalmente “ofensa”, para o adjetivo krank (doente), em seus Estudos Sobre a Histeria. Interessa-lhe fundamentalmente demonstrar, a partir de sua escuta clinica da histeria e dos sintomas obsessivos, o quanto a ofensa moral pode levar ao adoecimento.
Decerto nossa apresentação um tanto esquemática desses três modos de solução nem de longe faz justiça à riqueza de detalhes que Freud cuidadosamente desenvolve ao abordar o adoecimento psíquico como efeito da dificuldade do sujeito em atender exigência de adequação. Desse esquema nos servimos tão somente para enfatizar que sua inteligibilidade se deu na medida em que Freud, no lugar de pensar o sofrimento na perspectiva objetivante do sabe cientifico, que silencia a palavra do louco, preferiu ouvir o que seu paciente tinha a dizer. Mas ao tomar seu paciente como sujeito, e não como objeto de investigação, Freud cedo percebeu que, para alcançar, pela via da palavra, a verdade dessa inadequação do desejo, seria necessário colocar em marcha um tipo de experiência da linguagem radicalmente diverso daquele que se dá no nível das significações sociais do discurso.
A hipótese clínica que guia Freud é a de que se há uma loucura no sintoma, manifesta tanto na estranheza dos pensamentos parasitas quanto nas disfunções somáticas e nas inferências delirantes, dar a palavra ao paciente significa ouvir o que esta perturbação quer dizer. Para escutar o que o sintoma diz, é necessário se formar numa língua que não reconhece o principio de não contradição, uma língua que se move mais pela sonância do que pela organização discursiva do conceito, uma língua cujas palavras se ligam mais em função de sua conexão afetiva do que pelo significado convencional que governa seu uso na comunicação, uma língua que escapa às regras tanto semânticas quanto sintáticas da língua comum, uma língua cuja gramática, longe de se reduzir a um conjunto de normas impessoais, antes revela a própria posição que o sujeito adota em relação aos representantes simbólicos da pulsão. A essa língua ensandecida Freud deu o nome de inconsciente.
Ele acreditava ter, diante dos seus olhos, a prova cabal de que o uso representativo de uma linguagem unívoca seria, na verdade, apenas uma das versões possíveis do seu emprego, que havia de fato uma equivocidade original das palavras que lhe permitia desvelar, na fala de seus pacientes, um sentido absolutamente distinto daqueles que se encontram codificados no discurso consciente. A interpretação consiste precisamente em introduzir diferenciações sobre o elemento da língua no próprio lugar em que esse elemento se diferencia.
Mas o que vem, então, orientar a decisão do psicanalista no momento da interpretação? Por meio de qual sinalização ele escolhe a via em que caminha o traço diferencial da palavra concernida? Uma vez, sejamos subjetivos! A bússola que guia Freud é sempre a fala do seu paciente. Mas se trata de escutá-lo enquanto sujeito, e não no que se formula no nível inconsciente do Eu. Ou seja, mais escutar o que ele diz do que aquilo que se acrescenta ao que foi dito para tornar adequada a sua percepção, como fica exposto na clássica discussão sobre a negação. Negar um conteúdo, para tornar uma fala aceitável, é um sinal a mais para escutar, naquilo que foi sonegado pela negação uma satisfação subjetiva incompatível com a representação unificada que se tem de si mesmo.
A interpretação freudiana não se confunde com uma hermenêutica porquanto não visa ao significado encoberto de um determinado termo. Está muito mais em questão, como se verifica exemplarmente nos chistes, o efeito de satisfação semântica visível na deformação que o objeto de desejo, impossível de se representar, imprime sobre o discurso representativo, do que o significado oculto de uma verdade latente. Em todas as situações, duas perguntas essenciais se colocam para o clínico: qual modo de satisfação pulsional ali se encontra envolvido e que tipo de impedimento estaria em causa.
É nessa perspectiva que entendemos o célebre preceito freudiano que nos exorta a abordar cada caso como se fosse o primeiro: devemos deixar metodologicamente de lado o saber acumulado no estudo da nosologia para dar abertura ao saber que não se sabe do inconsciente que se desenvolve, de maneira inédita, me cada nova situação clínica. Cabe-nos, contudo, tomar cuidado para que a exortação desse princípio não coloque a perder a sua inteligibilidade. É sempre bom lembrar que a exaltação do singular, tópos romântico por excelência, traz frequentemente consigo a recusa da demonstração, como se o procedimento demonstrativo viesse dissipar o frisson poético da invenção subjetiva na aridez formal do cálculo epistêmico.
Assim como, para Hegel, a Filosofia deve se guardar de se ruma pratica edificante, A Psicanálise, por sua vez, deve evitar se transformar numa prática exortatória. A Psicanálise é filha do duscurso científico, e por isso, mais afeita à demonstração do que à exortação. 
Diríamos, então, que a despeito de nosso interesse pelo elemento não tipificável do caso único, da singularidade irreprodutível de cada solução subjetiva, nem por isso devemos deixar de procurar os elementos recorrentes que apontam para o que há de constante, no caso singular, segundo um método que essa busca exige. Importa-nos indicar, para além da inclusão do sujeito nas classes determinadas pelos saberes diagnósticos, o dado variante relativo ao modo singular de satisfação pulsional do qual Freud amiúde extraía a própria nomeação do caso clínico.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
FREUD, Sigmund, 1856 – 1939
Neurose, Psicose, Perversão / Simgund Freud; traduçãoMaria Rita Salzano Moraes
–1. ed.; 2 reimp. – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017 – (Obras Incompletas de Sigmund Freud; 5). Posfácio pag. 327 – 347
Bibliografia.
ISBN 978-85-8217-985-7

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